RESUMO: As técnicas de elucidação da verdade em investigação criminal encontram grande espaço de discussão no cenário jurídico brasileiro. Entre elas, há imensa controvérsia sobre a utilização da delação premiada como efetiva prova ou simples meio de prova no processo penal. Assim, o presente estudo propõe-se a resolver as principais controvérsias sobre o tema, discorrendo, para tanto, sobre a origem, conceito, natureza jurídica, e histórico de utilização da delação premiada no direito brasileiro, com enfoque na análise de como esta técnica se manifesta no direito comparado.
Palavras-chave: Investigação Penal. Processo Penal. Provas. Direito Comparado. Delação Premiada.
1. INTRODUÇÃO
O instituto da delação premiada é uma técnica de investigação de infrações penais através da qual o Estado oferece benefícios para aqueles autores que confessarem e prestarem informações essenciais à rápida resolução do processo, atendendo aos princípios da celeridade e da economia processual e alçando as expectativas da sociedade na devida punição dos responsáveis pela pratica do delito.
A delação premiada vem conquistando espaço no ordenamento jurídico brasileiro, mas as legislações específicas que tratam sobre o tema não discorrem de forma suficiente, persistindo inúmeras dúvidas a respeito da aplicação do instituto, de seus benefícios, da possibilidade de retratação e principalmente sobre o seu procedimento.
O presente artigo se propõe a esclarecer as principais questões sobre a delação premiada enfatizando a sua previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro. Para isso, discutir-se-á em um primeiro momento sobre o que é delação premiada e quando ela surgiu, fazendo neste ponto uma verificação a respeito do direito comparado.
Em um segundo momento averiguar-se-á a natureza jurídica do instituto, observando se ele é prova em sí mesmo ou apenas um meio de obtenção de prova. Após isso, explorar-se-ão suas espécies, discorrendo sobre a diferença feita pela doutrina entre colaboração premiada e delação premiada.
Em um terceiro momento, explicar-se-ão todas as regras formais da delação premiada, dispondo sobre quem pode realizar a negociação do acordo, quais os seus requisitos, quais os efeitos que se produzirão com uma delação eficaz e como ocorrerá sua homologação pelo magistrado.
Finalmente, dispor-se-á sobre as leis específicas que trazem a possibilidade de se premiar aqueles acusados que auxiliam na persecução penal, prestando informações que possibilitem a descoberta de coautores e partícipes e localização de proveitos do crime, além de exibir alguns julgados dos tribunais superiores a respeito do tema.
2. HISTÓRICO DA DELAÇÃO PREMIADA
O instituito da delação premiada é bastante antigo, sendo presenciado no sistema anglo-saxão, do qual advém a expressão “Crown Witness”, ou “Testemunha da Coroa”, sendo também bastante utilizado nos Estados Unidos (plea bargairi) e na Itália (pattegiamento).
Já no Direito Brasileiro, o instituto está presente desde as ordenações Filipinas (1603-1867), que em seu título VI definia o crime de “Lesa Magestade” (traição contra sua majestade, de violação da dignidade do soberano reinante ou contra o Estado), e no item 12 tratava da delação premiada. Vide na íntegra dispositivo acima mencionado:
E quanto ao que fizer conselho e condeferação (2) contra o Rey, se logo sem spaço, e antes que per outrem seja descoberto, elle o descobrir (3), merece perdão. E ainda por isso lhe deve ser feita mercê, segundo o caso merecer, se elle não foi o principal tratador desse conselho ou confederacão.
E não o descobrindo logo, se o descobrir depois per spaço de tempo, antes que o Rey seja disso sabedor, nem feita obra por isso, ainda deve ser perdoado, sem haver outra mercê. E em todo o caso que descobrir o tal conselho, sendo já per outrem descoberto, ou posto em ordem para se descobrir, será havido por commettedor do crime de Lesa Magestade, sem ser relevado da pena, que por isso merecer, pois o revelou em tempo, que o Rey já sabia, ou stave de maneira para o não poder deixar de saber.
Percebe-se que as Ordenações Filipinas já previam a possibilidade de perdão judicial caso a confissão sobre realização do crime de “Lesa Magestade” fosse tempestiva. Caso feita em momento inadequado, quando o Rei já soubesse da prática do crime ou fosse inevitável a descoberta do mesmo, sob o delator iria incidir a pena referente ao crime.
Assim, a delação premiada passou a aparecer e ganhar força no contexto jurídico do Brasil ao longo do tempo, atuando em muitos movimentos populares, como por exemplo a Inconfidência Mineira (1789), em que um dos confidentes, Coronel Joaquim Silvério dos Reis, delatou seus companheiros do movimento com o intuito de obter o perdão de suas dívidas com a Fazenda Real.
Também, quando do golpe militar de 1964, foi utilizado reiteradamente o instituto da delação para descobrirem o nome daqueles que estavam contra o regime militar e quais eram seus planos contra o Estado.
No entanto, a atual delação premiada só foi inaugurada no ordenamento jurídico brasileiro após a Constituição Federal de 1988, na lei dos crimes hediondos no 8.072/90. Esta lei expressamente prevê a delação premiada como causa de diminuição de pena em favor do autor e coautor ou participe no crime de quadrilha ou bando.
Depois desta primeira previsão legal, a delação passou a ser matéria de diversas leis. A título de exemplo, tem-se a lei do crime organizado no 9.034/1995, lei de proteção à vítimas e testemunhas no 9.807/1999, lei de lavagem de capitais no 9.613/1998, lei de tóxicos no 11.343/2006, lei de crimes contra a ordem tributária, econômica e relações de consumo no 8.137/1990, entre outras, que serão objeto de uma análise minusciosa no tópico 10 do presente artigo.
3. CONCEITO
A delação premiada conceitua-se como uma técnica de investigação que consiste na oferta de benefícios pelo Estado para aquele que confessar e prestar informações úteis ao esclarecimento do fato delituoso.
Para Sanches (2014, p.72), a delação premiada:
Consiste na aplicação de diminuição da reprimenda ou na concessão do perdão judicial em favor de indiciado ou acusado, nas hipóteses em que por parte dele haja a efetiva colaboração no sentindo de possibilitar a ampla e efetiva apuração de fatos criminosos praticados em grupo.
Já Aranha (1996, p.97) traz o seguinte conceito:
A delação, ou chamamento de corréu, consiste na afirmativa feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido na polícia, e pela qual, além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação como seu comparsa.
Embora muitos autores utilizem a expressão colaboração premiada como sinônimo de delação premiada, não se pode dizer que elas são a mesma coisa. Isso porque, a primeira é algo bem mais amplo do que a segunda, de modo que se adota a ideia de que colaboração premiada é gênero, do qual delação premiada é espécie.
Tal afirmação se confirma pelo fato de que na colaboração premiada, o acusado, no curso da persecução penal, pode assumir a culpa, sem ter que indicar terceiros como coautores ou participes, bastando disponibilizar alguma informação que seja útil e eficaz para a investigação, como a localização dos proveitos do crime.
Já na delação premiada, é necessária a confissão da autoria por meio do delator além da indicação de outros envolvidos, ou seja, além da assunção de culpa, deve também delatar outras pessoas envolvidas no crime.
O Estado utiliza a delação premiada como uma forma de premiar aquele que colabora com a investigação criminal, de modo a indicar terceiros envolvidos com o delito, o local onde se encontra o proveito da prática criminosa, os planos para futura atuação do grupo, entre outras informações úteis ao processo.
Assim, a colaboração premiada e suas espécies, apesar de serem instiutos muito semelhantes à confissão do acusado, com ela não podem ser confundidas. Nesse contexto, Brasileiro (2015, p.728) afirma:
De se notar que uma simples confissão não se confunde com a colaboração premiada. O agente fará jus aos prêmios previstos nos dispositivos legais que tratam da colaboração premiada apenas quando admitir sua participação no delito e fornecer informações objetivamente eficazes para a descoberta de fatos dos quais os órgãos incumbidos da persecução penal não tinham conhecimento prévio, permitindo, a depender do caso concreto, a identificação dos demais coautores, a localização do produto do crime, a descoberta de toda a trama delituosa ou a facilitação da libertação do sequestrado. Por conseguinte, se o acusado se limitar a confessar fatos já conhecidos, reforçando as provas preexistentes, fará jus tão somente à atenuante da confissão prevista no art. 65, I, alínea “d”, do Código Penal. Nesse contexto, como se pronunciou o STJ, “apesar de o acusado haver confessado sua participação no crime, contando em detalhes toda a atividade criminosa, incriminando seus comparsas, não há nenhuma informação nos autos que ateste o uso de tais informações para fundamentar a condenação dos outros envolvidos, pois a materialidade, as autorias e o desmante lamento do grupo criminoso se deram, principalmente, pelas interceptações telefônicas legalmente autorizadas e pelos depoimentos das testemunhas e dos policiais federais.
Assim, é necessário observar no caso concreto se as informações prestadas pelo delator possibilitam a descoberta de fatos novos, que não seriam descobertos sem a sua colaboração, ou se os fatos já eram conhecidos ou de fácil conhecimento com a simples instrução processual. No primeiro caso, configure-se a delação premiada. Já no segundo, tal colaboração não passará de uma simples confissão do acusado, não lhe cabendo a concessão dos benefícios da delação premiada.
Brasileiro (2015, p.729) disciplina ainda que:
De todo modo, como a confissão funciona como circunstância atenuante (CP, art. 65,1, “d”), incidindo, pois, na segunda fase de aplicação da pena, ao passo que a colaboração premiada confere ao agente, em algumas hipóteses, uma causa de diminuição de pena, a ser aplicada na terceira fase (CP, art. 68), há precedentes do STJ no sentido de que a aplicação simultânea desses benefícios legais é perfeitamente compatível, porquanto dotados de natureza distinta.
Logo, percebe-se que nada impede que os efeitos da confissão sejam aplicados juntamente com os benefícios da delação premiada. No entanto, apesar de haver jurisprudência favoravelmente a esta tese, tal ideia não é pacífica nos Tribunais Superiores.
A delação premiada como instituto que instiga a indicação de comparsas passa a ser muito criticada pela doutrina brasileira, uma vez que é vista por muitos como um estimulo a uma conduta traidora, além de não possuir uma uniformidade em seu regramento, não podendo tal instituto ser utilizado pelo legislador na busca de solucionar os conflitos.
Sobre a ausência de um regramento próprio sobre a delação premiada, Damásio de Jesus (2005, p.16) alega que:
A falta de harmonia em seu regramento, ademais, pode gerar alguma dificuldade na sua aplicação. Questões como a incidência do benefício quando a “delação” é sugerida por autoridades públicas, a viabilidade de sua aplicação em sede de revisão criminal, entre outras, mereceriam um tratamento expresso em nosso Direito Positivo. Esses obstáculos poderiam ser ultrapassados mediante a elaboração de uma legislação específica, de modo a evitar discrepâncias normativas e suprir possíveis lacunas acerca do tema.
É exatamente por essa falta de legislação específica para a delação premiada que a mesma passa a ser utilizada muitas vezes sem a observância do devido processo penal, realizando-se práticas que visivelmente afrontam diretamente os princípios da indisponibilidade da ação penal, do contraditório e ampla defesa, da moralidade pública e da procriação das provas.
Desta forma, esta técnica continua a ser vista como uma forma útil de colaboração pela qual o Estado procura beneficar aqueles acusados que prestam informações indispensáveis para a investigação criminal e responsabilização dos envolvidos, facilitando a persecução penal de crimes complexos.
Nesse sentido, Sanches (2014, p.74) afirma que “a delação premiada serve principalmente para o desbaratamento de organizações criminosas, diante de seu hodierno crescimento extraordinário e da forma de atuação que as caracteriza”, confirmando a utilidade da delação premiada para a apuração de fatos criminosos praticados em grupo.
4. DIREITO COMPARADO
O instituto da delação premiada não foi introduzido pelo Brasil no ordenamento jurídico mundial. Ele tem como raízes o Direito Europeu, tendo adentrado com bastante destaque também no ordenamento jurídico Norte Americano, onde foi consagrada a delação premiada na contemporaneidade.
4.1. A DELAÇÃO PREMIADA NOS PAÍSES EUROPEUS
4.1.1. Delação premiada na Espanha
A delação premiada foi introduzida no ordenamento jurídico Espanhol em 1988 com o advento da Lei Orgânica no 3. Nesta lei, o instituto era utilizado apenas para combater o crime de terrorismo, sendo posteriormente ampliado para os crimes de tráfico de drogas, pelo Código Penal de 1995.
Com este código, para que a delação ocorresse de forma válida, passou-se a exigir inúmeros requisitos, como o abandono voluntário das atividades criminosas, a apresentação de comparsas às autoridades, a confissão, a colaboração efetiva, entre outros, o que acabou por dificultar a sua realização. Com o advento da Lei Orgânica no 2003 um dos requisitos da delação premiada foi suprimido, passando a não mais ser exigido a confissão dos fatos, sendo, neste ponto, mais branda.
O instituto da delação premiada não tem norma disciplinadora no ordenamento jurídico espanhol, o que leva-o a ser bastante assistemático, tendo como objetivo o combate dos crimes em grupo, apresentando uma ligação muito estrita com o arrependimento do réu colaborador.
4.1.2. A delação premiada na Itália
O instituto em análise foi introduzido no Direito Italiano em 1974, com o advento da Lei no 497, que visava o combate das Máfias Italianas. Após essa lei introdutória, em 1979 surgiu a Lei no 625, alterada posteriormente em 1980, pela Lei no 15, que visavam combater o terrorismo ou aversão da ordem democrática.
Nesta lei, o colaborador recebia benefícios pela delação eficaz, à ele deixando de ser aplicada prisão perpétua, tendo sua pena reduzida de um terço até a metade, além de outros benefícios.
No entanto, a delação moderna começou a existir com a Lei “Rognoni-La Torre”, em 1982, e em 1986 ocorreu a primeira delação premiada, que permitiu encontrar alguns chefes da mafia Italiana.
Assim, por atingir grandes mafiosos, a delação premiada passou a atingir negativamente o delator, agravando conflitos já existentes dentro das Máfias. Então, diante deste perigo a qual estava sujeito o delator, passaram a discutir a respeito da delação e de seus possíveis benefícios, sendo criado o Decreto-Lei no 8 de 1991, convertido com modificação na Lei no 82 de 1991, que trata sobre a proteção dos colaboradoes e testemunhas do processo.
Constata-se que na Itália a delação é aplicada exclusivamente ao combate da Máfia Italiana, objetivando a concessão de benefícios em troca de informações essenciais à persecução criminal, além da proteção do colaborador e, obviamente, da sociedade como um todo.
4.1.3. A delação premiada nos Estados Unidos
Nos Estados Unidos, a delação premiada é conhecida como “Plea Bargaining”, que consiste na possibilidade do Ministério Público negociar a pena do acordo, não havendo a possibildiade de absolvição do colaborador, remetendo tal acordo ao juiz, a quem é reservado apenas a possibilidade de homologá-lo.
Depois de realizada a instrução processual, mas antes de submeter o acusado ao julgamento, pode ser dada a oportunidade do réu confessar a prática do crime e delatar os seus companheiros. Uma vez optando por realizar essa delação, o Estado poderá conceder a redução da pena do colaborador.
Dessa forma, a delação premiada passou a ser utilizada em um grande número de processos, sendo bastante aceita pelos americanos, já que permite a celeridade processual e a rápida solução dos conflitos, evitando complicações e prolongamentos indesejáveis.
5. NATUREZA JURÍDICA DA DELAÇÃO PREMIADA
A natureza jurídica de um instituto consiste na afinidade que ele tem em vários pontos com uma grande categoria jurídica, podendo ser incluído nela à título de classificação, ou seja, para se determinar a natureza juridica da delação premiada, é necessário determinar a sua essência, passando a classificá-lo como uma das figuras existentes no Direito brasileiro.
O acordo da delação premiada é um negócio jurídico processual personalíssimo, que quando exitoso, possibilita a coleta de provas. Logo, apesar de alguns doutrinadores afirmarem que a delação premiada é um meio de prova, ela não constitui um meio de prova propriamente dito, sendo, na verdade, um meio de obtenção de prova.
Nesse context, Brasileiro (2015,p.746) observa que:
A colaboração premiada funciona como importante técnica especial de investigação, enfim, um meio de obtenção de prova. Por força dela, o investigado (ou acusado) presta auxílio aos órgãos oficiais de persecução penal na obtenção de fontes materiais de prova. Por exemplo, se o acusado resolve colaborar com as investigações em um crime de lavagem de capitais, contribuindo para a localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime, e se essas informações efetivamente levam à apreensão ou sequestro de tais bens, a colaboração terá funcionado como meio de obtenção de prova, e a apreensão como meio de prova.
Tal posicionamento é confirmado pela lei 12.850/2013, que em seu capítulo II (da investigação e dos meios de obtenção da prova), art.3o, I, dispôe que em qualquer fase da persecução penal, será permitido vários meios de obtenção de prova, entre eles a colaboração premiada.
Isto posto, pela análise literal da lei e pela doutrina majoritaria, adota-se o posicionamento de que a delação premiada não configura uma prova em sí mesmo, tendo a natureza jurídica de um meio de obtenção de prova.
6. ESPÉCIES DE COLABORAÇÃO PREMIADA
Como já disposto anteriormente, a colaboração premiada é gênero, tendo divergência doutrinária de quais seriam as suas espécies. Brasileiro apud Aras (2015, p.731) afirma a existência de quatro subespécies de colaboração premiada, sendo elas:
a) delação premiada (chamamento de corréu): além de confessar seu envolvimento na prática delituosa, o colaborador expõe as outras pessoas implicadas na infração penal, razão pela qual é denominado de agente revelador;
b) colaboração para libertação: o colaborador indica o lugar onde está mantida a vítima sequestrada, facilitando sua libertação;
c) colaboração para localização e recuperação de ativos: o colaborador fornece dados para a localização do produto ou proveito do delito e de bens eventualmente submetidos a esquemas de lavagem de capitais;
d) colaboração preventiva: o colaborador presta informações relevantes aos órgãos estatais responsáveis pela persecução penal de modo a evitar um crime, ou impedir a continuidade ou permanência de uma conduta ilícita.
No entanto, percebe-se que a classificação acima nada mais é do que uma subdivisão da delação premiada, uma vez que nesta, o colaborador além de confessar seu envolvimento na prática delituosa, expõe as outras pessoas implicadas na infração penal, podendo também indicar o lugar onde está mantida a vítima, onde podem ser localizados os proveitos do delito, impedindo assim a continuidade delitiva. Então, no presente trabalho, adota-se a classificação da colaboração premiada como gênero, da qual suas espécies são delação premiada e acordo de leniência.
Sobre o conceito de delação premiada, não paira nenhuma dúvida, visto que o mesmo já foi amplamente exposto em tópico anterior. No entanto, vale discorrer a respeito do acordo de leniência.Segundo Camargo (2004):
O acordo de leniência, fruto da experiência norte americana, é o ajuste que permite ao infrator participar da investigação, com o fim de prevenir ou reparar dano de interesse coletivo. Alias, os Estados Unidos é o berço da cultura do livre comercio e da livre concorrência, tendo a lei Sherman, em 1890, proibido qualquer restrição ao comercio americano.
Este instituto é o acordo celebrado entre a Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE) e pessoas físicas ou jurídicas autoras de infração contra a ordem econômica, que permite ao infrator colaborar nas investigações no próprio processo administrativo e apresentar provas inéditas e suficientes para a condenação dos demais envolvidos na suposta infração.
Em razão da colaboração, o agente tem os benefícios de extinção da ação punitiva pela administração pública, ou redução da penalidade imposta pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica, ou seja, o acordo de leniência está inserido em um contexto de crimes econômicos, com o intuito de preservar a concorrência nas relações econômicas.
Assim, quando se tratar de crime contra a ordem econômica e houver um acordo celebrado em que participam a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica e a pessoa física ou jurídica autora da infração, tratar-se-á de acordo de leniência.
Fica, então, evidente a diferença entre o gênero colaboração premiada e suas espécies, delação premiada e acordo de leniência, sendo feita esta subdivisão apenas para efeitos didáticos, uma vez que muitos doutrinadores preferem utilizar o termo colaboração premiada para se referir tanto ao gênero quanto às suas espécies.
7. PROCEDIMENTO
Para que a delação premiada possa produzir efeitos válidos, ela deve seguir um procedimento pré-estabelecido na lei 12.850/2013. Descutir-se-á a respeito de todas as fases desse procedimento.
Inicialmente, o investigado, assistido por seu advogado, negocia o acordo de delação premiada com o Delegado de Polícia ou com o Ministério Público, não ocorrendo a participação do juiz nesta etapa de negociação do acordo. Os §§2o e 6o, do art.4o da lei 12.850/2013, disciplinam tal matéria da seguinte forma:
§2o Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão do perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art.28 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).
§6o O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.
Percebe-se, então, que o acordo de delação premiada pode ser feito entre o Ministério Público e o investigado ou entre o delegado de polícia e o investigado, sendo necessária, nesta hipótese, a manifestação do Ministério Público sobre o acordo firmado. Em ambas as situações, é imprescindível que o investigado ou acusado esteja acompanhado de seu defensor.
Neste ponto, o legislador tentou garantir ao investigado/acusado a possibilidade de realização de sua ampla defesa, colocando como requisito procedimental a presença do seu defensor a fim de prestar um auxílio na elaboração do acordo de delação premiada.
A não participação do magistrado nesta fase de negociações é uma forma de preservar a sua imparcialidade, pois caso ele interagisse nas negociações, haveria uma grave violação ao sistema acusatório.
Isto porque, as informações prestadas pelo colaborador poderiam levar o juiz a fazer preconcepções a respeito do próprio delator e de seus comparsas, e caso a negociação não resultasse no acordo de delação premiada, a confissão do delator já seria suficiente para fazer o juiz formar sua opnião sobre o caso.
Isto posto, uma vez concluídas as negociações, sendo exitosas, as declarações do colaborador serão registradas, em meio escrito ou audiovisual, e será elaborado um termo de acordo de colaboração premiada, que deve ser assinado por todas as partes e remetido ao juiz para a homologação. De acordo com o disposto no art.4o, §7o da lei 12.850/2013:
§7o Realizado o acordo na forma do art.6o, o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz, para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor.
Apesar do exposto nos §§2o, 6o e 7o do artigo supramencionado, discute-se a respeito da real possibilidade do delegado de polícia negociar e assinar o acordo de colaboração, com o colaborador e seu defensor, enviando o termo para ser homolagado pelo magistadrado.
Ao realizar uma análise literal desses parágrafos, pode-se entender que, se o acordo fosse feito durante o inquérito policial, a autoridade policial teria legitimidade para celebrá-lo, sendo necessária apenas uma manifestação do Ministério Público. No entanto, a doutrina majoritária diverge deste entendimento, se posicionando no sentido de que a legitimidade para celebrar o acordo de delação premiada é exclusiva do Ministério Público, podendo o delegado de polícia sugerir o acordo, mas quem efetivamente vai decidir sobre a sua celebração e em quais condições será feito é o membro do órgão ministerial.
Os doutrinadores argumentam que apesar de o acordo precisar ser homologado pelo juiz, o delegado de polícia não tem capacidade postulatória para peticionar em juízo o requerimento de homologação. Além disso, a Constituição Federal de 1988 conferiu ao Ministério Público a titularidade da ação penal pública, logo, somente ele pode decidir sobre a viabilidade da persecução penal.
Independentemente da posição doutrinária, do ponto de vista legal, uma vez previsto na lei a possibilidade de negociação e assinatura do acordo pelo delegado de polícia, não há nada que impeça que o mesmo seja, e o é, feito. Além disso, é importante ressaltar que o acordo de delação premiada deve obedecer à alguns requisitos formais, que serão análisados pelo juiz, antes da homologação. O art.6o da lei 12.850/2013 estipula os seguintes requisitos:
Art.6o O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter:
I- o relato da colaboração e seus possíveis resultados;
II- as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia;
III- a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor;
IV- as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor;
V- as especificações das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.
Assim, além de obedecer aos requisitos acima expostos, a proposta deve especificar o benefício que poderá ser concedido ao delator. Mas, mesmo se todos os requisitos formais forem atendidos, segundo o exposto no art.4o, §8o da mesma lei “o juiz poderá recusar homolgação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto”, ou seja, o magistrado não fica vinculado aos termos da proposta formulada.
Então, para analisar o acordo, o juiz deve examinar a sua regularidade, legalidade e voluntariedade, ou seja, se os aspectos formais e procedimentais foram atendidos, se o acordo ofende dispositivos legais, e se o investigado ou acusado não foi coagido a assinar o acordo.
Desta forma, o juiz deverá se ater ao exame destes aspectos, não podendo assumir uma postura discricionária, adentrando à análise de convêniencia e oportunidade da delação premiada, pois isso não é de sua competência.
Ademais, é importante observar que o pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, exatamente para evitar que o delator possa ser identificado, o que poderia causar prejuízos irremediáveis tanto para a sua integridade física quanto para todo o processo investigativo do crime delatado. Vide o exposto no art.7o da lei 12.850/2013:
Art.7o O pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto.
§1o As informações pormenorizadas da colaboração serão dirigidas diretamente ao juiz a que recair a distribuição, que decidirá no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.
§2o O acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento.
§3o O acordo de colaboração premiada deixa de ser sigiloso assim que recebida a denúncia, observado o disposto no art.5o.
Caso o juiz recuse a homologação do acordo, surge a dúvida a respeito de qual seria o recurso cabível. Isso porque, a lei nada prevê sobre o assunto, mas para resolver esse silêncio legal, a doutrina afirma que cabe, por analogia, recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581, I, do Código de Processo Penal.
Assim, se não houver a recusa, após a homologação do acordo, se as informações prestadas pelo delator forem suficientes para obter os requisitos do art.4o e incisos, deverá ser aplicado o benefício penal ao colaborador. Estes requisitos são:
I- a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
II- a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;
III- a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;
IV- a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
V- a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
Mas, se for necessária a realização de medidas de colaboração, o §3o do mesmo artigo prevê que o prazo para oferecimento de denúncia ou o processo, relativos ao colaborador, poderá ser suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, até que sejam cumpridas as medidas de colaboração, sendo suspensos os prazos prescricionais.
Desta forma, mesmo depois de homologado o acordo, o delator poderá ser ouvido pelo Ministério Público ou pelo delegado de polícia responsável pela investigação, desde que sempre esteja acompanhado de seu advogado.
Se após todas as digilências for constatada a relevância da colaboração prestada, o órgão ministerial, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito, com a devida manifestação do MP, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao delator. Porém, se o juiz discordar deste pedido, poderá invocar o procedimento do art. 28 do CPP, remetendo a manifestação do membro do Ministério Público ao Procurador Geral de Justiça.
Por fim, após todas essas fases procedimentais, o juiz irá proferir uma sentença, que irá apreciar os termos do acordo homologado e sua eficácia, não sendo permitido proferir nenhuma sentença condenatória com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador.
8. EFEITOS
Conforme mencionado anteriormente, caso a delação premiada seja efetiva, resultando em um dos fins previstos na lei 12.850/2013, aplica-se ao colaborador os benefícios da delação premiada.
De acordo com o disposto nesta lei, o juiz poderá, a requerimento das partes (pois como já explicado, o acordo deve explicitar qual benefício deve ser aplicado ao caso), conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetivamente e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal.
Para a concessão de qualquer dos benefícios deverá ser observada a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração. Ou seja, os benefícios não serão concedidos aleatoriamente, devendo ser proporcionais à influência que a informação prestada teve na persecução penal.
Como efeito da delação, a lei 12.850/2013, em seu art.4o, §4o prevê a possibilidade do Ministério Público deixar de oferecer a denúncia nas hipóteses em que o colaborador não for lider da organização criminosa ou for o primeiro a prestar efetiva colaboração.
É importante frisar que esta possibilidade é extremamente criticada pela doutrina, que acredita ser uma afronta direta ao princípio da indisponibilidade da ação penal, ou seja, se o Ministério Público tem o poder-dever (e não apenas poder) de propor a ação penal pública incondicionada, não pode ficar ao seu crivo dispor desta ação, já que isto vai contra o interesse da sociedade na completa elucidação do fato criminoso.
É importante observar que a delação premiada pode ocorrer na fase de inquérito policial, de investigação pelo Ministério Público, no curso da ação penal ou até mesmo após ela. Dessa forma, os benefícios que podem resultar da delação premiada vão depender também do momento em que a mesma é realizada.
É também efeito da delação premiada a proteção do colaborador e da sua família, quando isto se fizer necessário. Tal proteção serve como estímulo à realização da colaboração, visto que, por estar em um contexto de crimes organizados e complexos, a possibilidade do delator sofrer represália pelos seus comparsas.
9. POSSIBILIDADE DE RETRATAÇÃO
Questão bastante discutida é a respeito da possibilidade de retratação da delação premiada. O art.4o, §10 da lei 12.850/2013 admite a possibilidade de retratação, mesmo a proposta já tendo sido aceita. Entretanto, caso ocorra a retratação, o mencionado artigo ainda assegura que as provas autoincriminatórias produzidas pelo delator não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor.
Mesmo com a possibilidade de retratação, não se pode esquecer que o acordo de delação premiada vai ser realizado por meio de recursos de gravação, sendo reduzido a termo. Então, uma vez a retratação sendo realizada, as informações prestadas já serão conhecidas pelo autor da ação penal e provavelmente também pelo juiz.
Logo, apesar de ocorrer a retratação, é possível que o juiz já tenha formado sua opnião a respeito do delator, o que pode influenciar negativamente no desenvolver do processo, sendo este um ponto bastante negative da técnica em questão.
10. REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS
O instituto da delação premiada é expressamente previsto em inúmeras leis do ordenamento jurídico brasileiro, entre elas a lei do crime organizado, lei dos crimes hediondos, lei de proteção à vítimas e testemunhas, lei de tóxicos, lei dos crimes contra o sistema financeiro, entre outras. Passa-se a analisar cada uma dessas leis.
10.1. LEI DOS CRIMES HEDIONDOS- LEI No 8.072/1990
O art.8o, §10 da lei dos crimes hediondos prevê que o participante ou associado que delatar à autoridade quadrilha ou bando, constituídos para a prática de crimes hediondos e assemelhados, possibilitando que sejam desmantelados, terá sua pena reduzida de um a dois terços.
Assim, ocorrendo uma delação eficaz que possibilite a dissolução da quadrilha ou do bando, a aplicação da redução da pena é obrigatória e fica restrita a estes crimes, não podendo ser aplicada aos outros crimes praticados pelo grupo.
10.2. LEI DE CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, ECONÔMICA E RELAÇÕES DE CONSUMO- LEI No 8.137/1990
Esta lei, em seu art.16, §único traz a regra de redução de pena de um a dois terços para a confissão espontânea daquele autor de qualquer um dos crimes nela prevista, que forem cometidos em quadrilha ou coautoria, desde que revele à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa.
Observa-se que a Lei no 12.529/2011, que instituiu o Sistema Brasileiro de Defesa do Consumidor, prevendo o acordo de leniência, traz o benefício do perdão judicial para aquele que identificar os demais envolvidos na infração e permitir a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação. Isto posto, este benefício é aplicada aos crimes contra a ordem econômica da lei 8.137/90 e aos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel.
10.3. LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS- LEI No 9.613/1998
Em se tratando de crimes de lavagem de dinheiro, o art.1, §5o da lei 9.613/1998 afirma que aquele que figura como delator, prestando informações espontâneas e eficazes, a qualquer tempo, pode ser beneficiado pela redução de pena de um a dois terços, que sera cumprida em regime inicial aberto, pelo perdão judicial e também pela substituição da pena privative por restritiva de direitos.
Ponto importante a ser frisado é que a lei exige para tanto a espontaneidade e não apenas a voluntariedade na realização do acordo, desta forma, a iniciativa deve partir exclusivamente do colaborador, sem ter nenhum tipo de interferência.
Neste sentido, Sanches (2014, p.78) afirma que “a finalidade da delação, neste caso, também é mista, pois que se busca a apuração das infrações penais e de sua autoria ou a localização dos bens, direitos ou valores, objeto do crime”. Isto posto, em uma análise literal do art.1o, §5o da lei agora analisada, percebe-se que o benefício de redução da pena pode ser aplicado mesmo se não ocorrer a indicação de coautores do crime.
10.4. LEI DA PROTEÇÃO À VÍTIMA E TESTEMUNHAS- LEI No 9.807/1999
Os arts. 13 e 14 da lei de proteção à vítima e testemunhas prevê duas modalidades distintas de delação premiada. O primeiro artigo expõe que:
Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:
I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;
II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;
III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.
Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.
Este artigo permite a concessão do perdão judicial para aquele que se adequa aos requisitos exigidos pela lei, ou seja, aquele primário que voluntariamente contribui para o alcance de qualquer dos resultados expostos no artigo acima transcrito, não precisando haver cumulatividade. Neste sentido, não há a necessidade de espontaneidade, bastando que o delator não tenha prestado informações mediante coação, ou seja, que as prestou de forma voluntária. Noutro ponto, o segundo artigo afirma que:
Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.
Ou seja, se o colaborador não se enquadrar nos requisitos do art.13, ainda poderá ter a sua pena reduzida de um a dois terços, de acordo com o exposto no art.14, bastanto que a sua colaboração tenha ocorrido de forma voluntária.
10.5. LEI DE TÓXICOS- LEI No 11.343/2006
A lei das drogas traz o instituto da delação premiada com o efeito de diminuição da pena de um a dois terços, quando o investigado colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal, resultando na identificação dos coautores ou partícipes no crime e na recuperação total ou parcial do produto da infração.
Assim, para que ocorra a delação, o ato deve ser eficaz e voluntário (não sendo exigida a espontaneidade) devendo haver a obtenção cumulativa dos resultados, ou seja, deve haver a identificação de coautores ou partícipes, além de ter a recuperação total ou parcial do produto da infração.
Sobre a identificação dos coautores ou partícipes, Távora (2014, p.446) explica que:
Basta que os demais coautores ou partícipes sejam identificados (a captura não foi exigida). Se o delator indica o nome de todos aqueles de que tem conhecimento, e descobre-se depois que outras pessoas estavam envolvidas sem que ele soubesse, como, por exemplo, o grande narcotraficante responsável pela droga que atuava na cladestinidade, entendemos que ainda assim o benefício tem cabimento.
Logo, neste ponto a omissão da lei de drogas em disciplinar qual o tipo de informação prestada a respeito dos coautores e partícipes permitiu que a delação fosse aplicada a um número maior de casos.
10.6. CÓDIGO PENAL- ART.159, §4o
Neste artigo o Código Penal discorre sobre o crime de extorsão mediante sequestro, prevendo que uma vez havendo concurso de infratores, o concorrente que venha a delatar os seus comparsas à autoridade, possibilitanto a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzia de um a dois terços.
Observa-se que o legislador nada falou a respeito de voluntariedade ou espontaneidade, de modo que elas não configuram requisitos essencias para a realização desta hipótese de delação premiada. Além disso, o legislador utilizou o verbo “terá”, o que tornou obrigatória a diminuição da pena quando a colaboração resultar na libertação do sequestrado. Até porque, a delação ineficaz pode servir apenas como atenuante genérica.
10.7. LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS- LEI No 12.850
A lei das organizações criminosas, que já foi objeto de um minusciosa análise no tópico 7 do presente artigo, discorre sobre a delação premiada e seus benefícios, determinando todo o seu procedimento e regras formais.
Esta lei determina que a delação deve ocorrer de forma voluntária (não sendo exigida a espontaneidade) e eficaz, ou seja, que possibilite a identificação de coautores ou participes da organização criminosa e das infrações penais praticadas por eles, a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização, a prevenção de infrações penais delatadas, a recuperação total ou parcial do produto do crime e a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
Isto posto, não se pode esquecer que esta lei expressamente determina como essencial para a aplicação dos benefícios da delação apenas um dos resultados acima citados, não sendo necessário a cumulatividade.
11. REFERÊNCIAS JURISPRUDÊNCIAIS
Os tribunais superiores já se manifestaram inúmeras vezes sobre o instituto da delação premiada, decidindo sobre aspectos como a diferença entre delação e confissão, necessidade de homologação judicial do acordo, incidencia dos benefícios e até mesmo sobre os efeitos da retratação.
Neste contexto, o Tribunal de Justiça do Estado do Pará, já se posicionou a respeito da aplicação da delação premiada da seguinte forma:
APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 33, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/2006. INSUFICIÊNCIA DO CONJUNTO PROBATÓRIO. ALMEJADA ABSOLVIÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS. NÃO APREENSÃO DE APETRECHOS OU DINHEIRO INDICADORES DA MERCÂNCIA ILÍCITA. IRRELEVÂNCIA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. ALMEJADA APLICAÇÃO DA DELAÇÃO PREMIADA ÍNSITA NO ART. 14 DA LEI 9.807/99. IMPOSSIBILIDADE. COLABORAÇÃO NÃO VOLUNTÁRIA E INSUFICIENTE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. 1. Não se tem como negar que o conjunto probatório contido nos autos apresenta-se suficiente para imputar ao apelante a autoria do crime em tela, pois os contundentes depoimentos dos policiais que efetuaram a prisão em flagrante retratam, sem nenhuma dúvida, sua conduta, caracterizada pelo comércio de entorpecentes. 2. Também não procede sua afirmação de que não foi visto traficando a droga, bem como com ele não foram apreendidos quaisquer apetrechos ou dinheiro que comprovem a mercância ilícita, pois é cediço que o delito de tráfico se consuma com a prática de qualquer um dos núcleos do tipo lá contidos, por se tratar de crime de perigo abstrato e de caráter permanente, bastando para sua configuração tão somente o dolo genérico, com animus de traficar, de modo que o fato de adquirir, guardar, ter em depósito ou mesmo trazer consigo substância entorpecente ou qualquer outra que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, corresponderá a uma ação de tráfico ilícito. 3. Não há que se falar na aplicação da delação premiada, ínsita no art. 14 da Lei nº 9.807/99, pois, do exame dos autos, vê-se que as informações acerca do cometimento do crime em tela foram obtidas através de denúncia anônima feita ao disque-denúncia da polícia. Ao abrir a porta de sua residência para os policiais, e após a revista no local e a descoberta da droga, o apelante, de fato, levou os agentes aos outros denunciados, mas o fez apenas para tentar livrar-se do flagrante delito. Ademais, por ocasião do inquérito policial, reservou-se ao direito de se manter em silêncio, e, já em Juízo, negou a autoria do delito, e disse apenas que a droga encontrada era de Railson e Izaque, os quais apenas pediram para dormir em sua casa, não sabendo se eles são traficantes. Assim, tem-se que sua colaboração, além de não ser espontânea e voluntária, não foi imprescindível para a investigação criminal e identificação dos demais denunciados. 5. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO à unanimidade, nos termos do voto da Desembargadora Relatora (grifou-se). (TJ-PA - APL: 201430041644 PA, Relator: VANIA LUCIA CARVALHO DA SILVEIRA, Data de Julgamento: 24/06/2014, 1ª CÂMARA CRIMINAL ISOLADA, Data de Publicação: 27/06/2014).
No julgamento acima, o Tribunal entendeu por não aplicar os benefícios da delação premiada da lei no 9.807/99 ao caso concreto, uma vez que as informações prestadas pelo acusado já haviam sido obtidas através de uma denúncia anônima, ou seja, a delação não foi eficaz.
O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sobre a possibilidade de uma revisão criminal pelo Ministério Público em virtude da delação premiada realizada, decidiu que:
REVISÃO CRIMINAL - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAMENTO DA REVISÃO CRIMINAL - DELAÇÃO PREMIADA - COLABORAÇÃO VOLUNTÁRIA DO BENEFICIÁRIO NA IDENTIFICAÇÃO DO PARTÍCIPE DO CRIME - LEI Nº 9.807/99 - PROVA NOVA SOBRE CIRCUNSTÂNCIA QUE AUTORIZA A REDUÇÃO DA PENA - ART. 621, III, DO CPP - REVISIONAL DEFERIDA. - Por força da interpretação dada ao art. 127, "caput", da Constituição Federal, o Ministério Público possui legitimidade para ajuizar revisão criminal em favor do condenado. - O acusado que voluntariamente colabora na investigação para a identificação do coautor faz jus à redução da pena, conforme a regra do art. 14 da Lei 9.807/99. - Admite-se a ação revisional se, após a condenação, descobrirem-se circunstância que determine ou autorize diminuição especial de pena. (TJ-MG - RVCR: 10000150655025000 MG, Relator: Catta Preta, Data de Julgamento: 14/12/2015, Grupo de Câmaras Criminais / 1º GRUPO DE CÂMARAS CRIMINAIS, Data de Publicação: 16/12/2015)
Percebe-se que o Tribunal admitiu a ação revisional após a condenação, pois o acusado voluntariamente colaborou com a investigação indicando um dos coautores. Assim, um vez preenchendo os requisistos da delação premiada (voluntária e eficaz), faz jus à aplicação do benefício, tendo sua pena reduzida.
O Tribunal Regional Federal da 4a região também já se pronunciou sobre o tema em questão, analisando o efeito da homologação do acordo na hipótese das informações não serem eficazes para a instrução processual. Vide o seguinte pronunciamento:
CORREIÇÃO PARCIAL. ACORDO DE DELAÇÃO PREMIADA. HOMOLOGAÇÃO. PRONUNCIAMENTO DE NATUREZA PRECÁRIA, PORQUANTO SUJEITO À VERIFICAÇÃO DA EFETIVIDADE E UTILIDADE DA COLABORAÇÃO. REVOGAÇÃO POSTERIOR. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO QUE NÃO PODE REPERCUTIR NA VALIDADE DAS PROVAS PRODUZIDAS SOB A ANTERIOR CHANCELA JUDICIAL. INVERSÃO TUMULTUÁRIA DO FEITO. DEFERIMENTO PARCIAL. 1. O instituto da delação premiada demanda a participação, efetiva e útil, do beneficiário na adequada composição da lide penal, mercê do contributo por ele prestado ao cabal esclarecimento dos fatos e da verdade, colaboração essa que terá seu valor devidamente examinado pelo juiz ao entregar a prestação jurisdicional. 2. Assim, ainda que haja prévia homologação judicial de acordo entre acusação e colaborador, a natureza precária de um pronunciamento nesse sentido desautoriza a ilação de que dele decorra um direito subjetivo aos pactuantes em verem aplicados pelo julgador os parâmetros definidos na composição, como que antecipando um juízo condenatório ao arrepio do devido processo legal. 3. Disso, no entanto, não decorre que o acordo seja um indiferente jurídico, ao contrário, a relevância do instituto reclama a percepção de parte do operador do Direito, que ele deve trazer ao colaborador alguma segurança na direção de que as autoridades públicas não se olvidarão de sua contribuição, bem assim à acusação de que as provas produzidas sob o manto da chancela judicial não terão sua validade infirmada. 4. Pedido de correição parcial deferido em parte, tão somente para que o acordo de delação premiada permaneça distribuído ao juízo a quo, ao qual competirá o exame de seus termos no momento adequado, preservadas as cautelas necessárias à espécie.(TRF-4 - COR: 35047 PR 2009.04.00.035047-6, Relator: VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, Data de Julgamento: 30/06/2010, OITAVA TURMA, Data de Publicação: D.E. 13/07/2010)
Interessante esta opnião do Tribunal Regional Federal, visto que, segundo ele, mesmo ocorrendo a homologação de um acordo de colaboração, ainda assim o juiz pode deixar de aplicar os benefícios exigidos no acordo, quando as informações prestadas não forem mais úteis à persecução penal. Entretanto, mesmo não aplicando os benefícios exigidos, o juiz não poderá deixar de considerar o auxilio prestado pelo delator.
Dessa forma, percebe-se que a delação premiada é muito utilizada no processo penal brasileiro, e devido a falta de regulamentação extensa na legislação nacional a respeito deste instituto, ele é tema de inúmeros julgamentos dos tribunais superiores e de discussões doutrinarias.
12. CONCLUSÕES
Com o presente artigo foi possível discorrer de forma bastante sistemática do instituto da delação premiada, apresentando desde o seu contexto histórico até os mais recentes julgados dos Tribunais Superiores.
Primeiramente, ficou evidente que a colaboração prevista no ordenamento jurídico brasileiro tem suas raizes no ordenamento jurídico italiano e estadunidense, não sendo correto afirmar que a delação premiada é invenção do Brasil.
Ademais, esclareceu-se a grande diferença entre a delação premiada e a colaboração premiada, assim como entre elas e o acordo de leniência. Todavia, como qualquer outra classificação, a adotada pelo presente trabalho sobre as espécies de delação premiada tem natureza puramente doutrinária, não excluindo qualquer outra existente.
Após isso, explanou-se, minusciosamente, o procedimento para a realização de uma delação premiada válida, tomando por base o exposto na lei no 12.850/2013, exatamente por ser a única legislação específica que trata sobre os aspectos formais da delação premiada. Este procedimento é bastante simples, podendo ser feito pelo Ministério Público ou delegado de polícia (com a manifestação do Ministério Públio) e homolagado pelo juiz, sendo sempre necessário que o acusado esteja acompanhado do seu defensor, sendo isto uma tentativa de observar o princípio da ampla defesa, e consequentemente, o do devido processo penal.
Citou-se ainda várias referências legislativas nacionais sobre o tema da delação premiada, enfatizando a diferença de cada uma delas e em qual hipóteses podem ocorrer, tendo como base sempre a conduta criminosa realizada e a observância de todos os requisitos previstos na lei para a realização efetiva do acordo.
Depois de tudo isso, explicou-se alguns julgados dos Tribunais Superiores sobre temas relacionados ao instituto da delação premiada, mostando quais as ideais centrais de cada um deles e a sua legalidade.
O presente artigo remata, finalmente, a ideia de que é preciso aprimorar a legislação brasileira que trata sobre o tema, pois as omissões ai presentes dificultam a aplicação e aceitação do instituto pela doutrina, que diverge a respeito da legalidade ou ilegalidade da delação premiada.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei no 9.613 de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, e dá outras providências. Disponível em:.
BRASIL. Lei no 9.807 de 13 de julho de 1999. Estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas e dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal. Disponível em: .
BRASIL. Lei no 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. Disponível em: .
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CUNHA, Rogério Sanches. Processo Penal II: investigação preliminary, ação penal, ação civil ex delicto.São Paulo: Saraiva, 2014.
DE CAMARGO, Marcelo Ferreira. O Acordo de Leniência no sistema jurídico brasileiro. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, VII, n. 17, maio 2004. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/indez.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3963>. Acesso em abr 2016.
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LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de processo penal. Niterói: Impetus, 2015.
Bacharela em Direito pelo Instituto de Ciências Sociais e Jurídicas Prof. Camillo Filho (ICF). Pós-graduanda em Direito Tributário pela UCAM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIEIRA, Mariana Antunes. Delação premiada: análise do instituto sob a égide da legislação vigente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 set 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/52271/delacao-premiada-analise-do-instituto-sob-a-egide-da-legislacao-vigente. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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