O consumidor que teve suas joias empenhadas roubadas, furtadas, ou extraviadas da agência bancária em que se encontravam depositadas, pode e deve procurar um advogado especializado para auxilia-lo na reparação de eventuais prejuízos patrimoniais, caso a indenização ofertada pela instituição financeira não corresponda à real extensão do dano, qual seja, o valor de mercado dos bens/joias perdidos.
No Brasil, infelizmente, os noticiários nos regalam com mais manchetes de grandes assaltos a bancos do que gostaríamos de ver. E, em parte considerável dos casos, a ação criminosa é minuciosamente orquestrada, contanto com armamento pesado, explosivos potentes e informações privilegiadas sobre as agências bancárias visadas pela empreitada criminosa. Nem mesmo o Banco Central escapou da ação dos bandoleiros: em 2005, cerca de R$ 164 milhões foram surrupiados dos cofres da sede do Banco Central em Fortaleza, em uma operação criminosa de proporções cinematográficas, que ficou conhecida como o maior assalto a banco da história do Brasil.
Entretanto, o produto destes crimes nem sempre é dinheiro em espécie. Houve casos em que as agências bancárias selecionadas pelos criminosos serviam como depósito para joias empenhadas pelos clientes, em troca de empréstimos. Para ilustrar, há pouco menos de três anos, em agosto de 2017, uma agência da Caixa Econômica Federal, situada em bairro nobre da capital do Estado de São Paulo, foi alvo de quadrilha criminosa que – em plena luz do dia – logrou êxito em roubar mais de R$ 4 milhões em joias empenhadas.
Este artigo versará sobre a segunda hipótese, mais especificamente sobre os direitos do consumidor que teve suas joias empenhadas roubadas durante ação criminosa. Com efeito, não é raro que os contratos bancários de penhor subavaliem os bens empenhados e, ainda por cima, limitem a indenização devida em caso de furto, roubo ou extravio. Neste contexto, seria válida a cláusula contratual que atenua (ou até mesmo exclui) o dever de indenizar do banco em relação ao cliente lesado em casos semelhantes?
Ora, a relação jurídica havida entre cliente e instituição financeira é de natureza consumerista, conforme estabelecido pelo art. 2º c/c art. 3º, caput e § 2º do Código de Defesa do Consumidor (“CDC”) e pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) na Súmula n. 279: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”
Sendo o CDC aplicável ao caso, é indiscutível que a responsabilidade dos bancos em relação ao evento de furto, roubo ou extravio de bens empenhados incide em sua modalidade objetiva, conforme prescreve o art. 14, caput e § 1º, do CDC.
Isto porque, no exercício de sua frutuosa atividade empresarial, os bancos têm (ou deveriam ter) conhecimento de que assaltos (especialmente em agências nas quais se mantêm depositadas centenas de joias empenhadas) são um risco inerente ao seu negócio; e, como não há repartição de lucros com clientes-consumidores, também não pode haver repartição de riscos e prejuízos. Trata-se da consequência lógica e jurídica da teoria do risco do empreendimento. A este propósito, Cavalieri Filho elucida que:
“Pela teoria do risco do empreendimento, todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos.” (grifos nossos).
Vale dizer: assaltos a agências bancárias consistem em fortuito interno, inerente à atividade empresarial dos bancos, fato que atraí a responsabilidade objetiva, nos termos da Súmula n. 479 do STJ: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.”
Superada a questão da responsabilidade das instituições financeiras em caso de roubo de agências, analisemos a questão do dever de indenizar. No ordenamento jurídico pátrio, o valor da indenização deve corresponder à efetiva extensão do dano experimentado pela vítima, conforme dispõe o art. 944 do Código Civil: “Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.”
Assim, qualquer cláusula contratual que estipular indenização inferior ao valor de mercado da joia empenhada será nula de pleno direito, por força do art. 51, I e IV, do CDC, que prescreve a nulidade das cláusulas que: (a) “impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos”; e (b) “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”. Neste sentido se consolidou a jurisprudência do STJ:
“CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PENHOR. JOIAS. FURTO. FORTUITO INTERNO. RECONHECIMENTO DE ABUSO DE CLÁUSULA CONTRATUAL QUE LIMITA O VALOR DA INDENIZAÇÃO EM FACE DE EXTRAVIO DOS BENS EMPENHADOS. VIOLAÇÃO AO ART. 51, I, DO CDC. OCORRÊNCIA DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. No contrato de penhor é notória a hipossuficiência do consumidor, pois este, necessitando de empréstimo, apenas adere a um contrato cujas cláusulas são inegociáveis, submetendo-se à avaliação unilateral realizada pela instituição financeira. Nesse contexto, deve-se reconhecer a violação ao art. 51, I, do CDC, pois mostra-se abusiva a cláusula contratual que limita, em uma vez e meia o valor da avaliação, a indenização devida no caso de extravio, furto ou roubo das joias que deveriam estar sob a segura guarda da recorrida. 2. O consumidor que opta pelo penhor assim o faz pretendendo receber o bem de volta, e, para tanto, confia que o mutuante o guardará pelo prazo ajustado. Se a joia empenhada fosse para o proprietário um bem qualquer, sem valor sentimental, provavelmente o consumidor optaria pela venda da joia, pois, certamente, obteria um valor maior. 3. Anulada a cláusula que limita o valor da indenização, o quantum a título de danos materiais e morais deve ser estabelecido conforme as peculiaridades do caso, sempre com observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 4. Recurso especial provido.” (grifos nossos).
Em conclusão: o consumidor que teve suas joias empenhadas roubadas, furtadas, ou extraviadas da agência bancária em que se encontravam depositadas, pode e deve procurar um advogado especializado para auxilia-lo na reparação de eventuais prejuízos patrimoniais, caso a indenização ofertada pela instituição financeira não corresponda à real extensão do dano, qual seja, o valor de mercado dos bens/joias perdidos.
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