RESUMO: O presente trabalho destaca a relevância do concurso público como forma obrigatória de ingresso em cargo ou emprego público, pós Constituição da República de 1988, bem como as balizas atribuídas pela Doutrina e Jurisprudência para assegurar a aplicação os princípios administrativos da Legalidade, Igualdade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. Neste contexto, sobressai a importância do Princípio da Vinculação ao Edital, o qual, apesar da sua reconhecida importância, não deve ser aplicado cegamente nas demandas judiciais que envolvem concursos públicos, sob pena de se manter eventuais abusos de poder por parte da Administração Pública. À luz de tal constatação, exsurgem, no presente trabalho, hipóteses em que o Princípio da Vinculação ao Edital é mitigado, principalmente, pelo Princípio da Legalidade e pelo Princípio da Razoabilidade. Conforme será apresentado neste trabalho, a Jurisprudência se revela extremamente farta de entendimentos em que se comprova, na prática, a incidência do Princípio da Legalidade e do Princípio da Razoabilidade, como forma de contenção de abusos praticados pela Administração Pública.
Palavras-chave: Concurso Público; Princípio da Vinculação ao Edital; Princípio da Razoabilidade.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho, conforme será demonstrado a seguir, pretende fornecer subsídios de relevância prática aos indivíduos, na medida em que apresenta argumentos aos candidatos que, prejudicados por abusos da Administração Pública na condução dos concursos públicos, desejam ingressar em Juízo para questioná-los.
Para a compreensão geral do tema, destaca-se, inicialmente o conceito de concurso público para, após, iniciar a explanação acerca do maior argumento da Administração Pública para a manutenção dos atos administrativos praticados no decorrer do certame, qual seja, Princípio da Vinculação aos Editais.
Após tal exposição, adentra-se, especificamente, nos dois maiores Princípios Constitucionais capazes de mitigar o Princípio da Vinculação ao Edital, quais sejam Princípio da Legalidade e Princípio da Razoabilidade, com a indicação de entendimentos jurisprudenciais sobre a matéria.
METODOLOGIA
A metodologia do presente trabalho está baseada em pesquisas bibliográficas, com a explanação de ampla fundamentação teórica, a fim de apresentar o conceito e a evolução de entendimento acerca do assunto aqui proposto.
A intenção é proporcionar ao leitor a contextualização do tema no decorrer do tempo e, a partir deste ponto de partida, convidá-lo a inserir o que fora narrado na sua prática de Operador do Direito.
DO CONCURSO PÚBLICO
É cediço que o concurso público, como forma de investidura no cargo público, não foi inovação da Constituição da República de 1988, entretanto, foi na “Constituição Cidadã” que ele se democratizou, e se tornou obrigatório para o acesso de cargo e emprego público através de provas e provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, nos termos do art. 37, II.
Isto porque, conforme leciona Hely Lopes Meirelles (2015, p. 230), “desde a Constituição de 67 para os cargos públicos efetivos e a quase totalidade dos vitalícios, os concursos públicos só podem ser de provas e provas e títulos, ficando, assim, afastada, a possibilidade de seleção com base unicamente em títulos, como ocorreria na vigência da Constituição/46”.
Conforme leciona José dos Santos Carvalho Filho (2008, p.561), “o concurso público é o procedimento administrativo que tem por fim aferir as aptidões pessoais e selecionar os melhores candidatos ao provimento de cargos e funções públicas (...) Cuida-se, na verdade, do mais idôneo meio de recrutamento de servidores públicos”.
Estudado dentro do Direito Administrativo, o concurso público é corolário da aplicação dos princípios administrativos previstos no caput do art. 37 da Constituição da República, quais sejam, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
De acordo com o Princípio da Legalidade, os agentes da Administração Pública somente podem atuar com base no que a lei disciplina, de onde se sobressai a distinção em relação ao particular. Conforme a distinção realizada por Maria Sylvia Zanella DI Pietro (2015, p. 98), “a Administração pública somente pode fazer o que a lei permite; no âmbito das relações entre particulares, o princípio aplicável é o da autonomia da vontade, que lhe permite fazer tudo o que a lei não proíbe”. Assim, evidente que a lei específica regente de determinado cargo ou emprego público, deve disciplinar a forma como se dará a sua investidura, se através de provas ou provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego.
Já o Princípio da Impessoalidade, consiste na imparcialidade da Administração Pública, de modo a afastar perseguições e favorecimentos pessoais. Com efeito, o concurso público, através de um sistema de mérito, recruta agentes de acordo com a aprovação no certame estabelecido, de modo a inibir a escolha de agentes por critérios subjetivos. A doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello (2014, p. 117) prevê, inclusive, o concurso público como exemplo expresso do Princípio da Impessoalidade na Constituição Federal: “No texto constitucional há, ainda, algumas referências a aplicações concretas deste princípio, como ocorre no art. 37, II, ao exigir que o ingresso em cargo, função ou emprego público depende de concurso público, exatamente para que todos possam disputar-lhe o acesso em plena igualdade.”
No que tange ao Princípio da Moralidade, entende-se pelo princípio segundo o qual é exigido que o administrador público atue de acordo com parâmetros éticos, de modo honesto. Segundo a doutrina de Hely Lopes Meirelles (2015, p. 91), “não se trata da moral comum, mas, sim, de uma moral jurídica, entendida como o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração”. Indubitavelmente, verifica-se que a moralidade é assegurada com a realização dos concursos públicos, na medida em que o recrutamento de agentes pelo sistema de mérito (melhor desempenho em provas ou provas e títulos) garante a escolha de agentes por critérios objetivos.
O Princípio da Publicidade se consubstancia na exigência de garantia de informação e transparência nos atos praticados pelos agentes públicos, de modo a permitir o controle pela sociedade. Conforme ressaltado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2015, p. 105), “o princípio da publicidade, que vem agora inserido no artigo 37 da Constituição, exige ampla divulgação dos atos praticados pela Administração Pública, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas em lei”. Nesta seara, observa-se que os concursos públicos consistem em procedimento administrativo em que é dada a ampla divulgação, através de publicação em veículos de imprensa oficial, garantindo que qualquer indivíduo tenha acesso à sua realização através da sua devida inscrição no certame.
Por fim, destaca-se o Princípio da Eficiência, segundo o qual se persegue a qualidade do serviço público, através da otimização dos resultados e minimização dos desperdícios. Nas lições de Marçal Justen Filho (2010, p. 137), “um dos aspectos essenciais do direito administrativo reside na vedação ao desperdício ou má utilização dos recursos destinados à satisfação de necessidades coletivas”. Com efeito, o concurso público, encarado como o recrutamento dos melhores agentes para o exercício de determinado cargo, obedece diretamente ao princípio em questão, haja vista a suposição que a seleção daquele agente melhor preparado no sistema de mérito corresponderá à realização dos melhores resultados, ensejando uma maior qualidade da prestação do serviço público.
Em que pese a total correspondência dos princípios administrativos na exigência de concurso público para o recrutamento de agentes para o provimento de cargos e empregos públicos, a Doutrina criou o Princípio da Vinculação ao Edital como princípio específico dos concursos públicos, conforme será demonstrado a seguir.
DO PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO EDITAL
O Princípio da Vinculação ao Edital impõe que o edital seja considerado como a lei interna do concurso público, vinculando os candidatos e a Administração Pública.
O Princípio da Vinculação ao Edital consiste na aplicação do Princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório aos concursos públicos, tendo a Doutrina de Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2009, p. 202), quando lecionava sobre Licitações, asseverado que tal princípio “exige que todo o processo licitatório se submeta integralmente às regras que foram especificamente baixadas para regular a licitação, apregoada sob a forma de edital ou convite, inclusive e notadamente, as que definam os critérios para julgamento”.
Tal princípio é de suma relevância, na medida em que enumera os requisitos de acesso a determinado cargo ou emprego público, não podendo ser alterado o edital no decorrer do certame, sob pena de violação da segurança jurídica.
O edital contém regras de observância obrigatória, no entanto, o presente trabalho tem a função de demonstrar a mitigação de tal princípio, que se dá, principalmente, pela aplicação do Princípios da Legalidade e da Razoabilidade, com o intuito de conter eventuais abusos cometidos pelo Poder Público no decorrer do certame.
DA MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO EDITAL PELO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
O Princípio da Legalidade, constante do art. 5, II, da Constituição da República, impõe que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Como o Princípio da Vinculação ao Edital é considerado como a lei interna do concurso público, relevante questão se coloca ao imaginar o cotejo entre o que dispõe o edital e a lei especifica sobre determinado cargo ou emprego público.
Indubitavelmente, numa situação como a descrita acima, prevalece a incidência da previsão legal, o que significa afirmar que o edital não pode contrariar o que dispõe a lei de regência.
Assim, é vedado ao edital limitar o que a lei não restringiu ou alargar o rol de exigências, especialmente para incluir requisitos que não constam da lei. Nesta esteira, são inúmeras as demandas judiciais que levam ao Poder Judiciário casos em que a Administração Pública faz constar em seu edital requisitos não previstos em lei, tendo a Jurisprudência, de forma majoritária, entendido pela aplicação do Princípio da Legalidade.
A título de exemplo, é o que ocorre quando o edital prevê Teste de Aptidão Física para determinados cargos, mas não há previsão legal para fazê-lo. Vejamos o entendimento do Superior Tribunal de Justiça a respeito deste assunto:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. VINCULAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA. INADMISSIBILIDADE DE AMPLIAÇÃO DE EXIGÊNCIAS PARA A APROVAÇÃO NO CERTAME, AINDA QUE SEJAM RAZOÁVEIS. TESTE DE CAPACIDADE FÍSICA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO EM LEI ESPECÍFICA. ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA NO EDITAL. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. 1. É firme o entendimento desta Corte de que, em concurso público, o teste de capacidade física somente pode ser exigido se houver previsão na lei que criou o cargo, sendo vedado ao Edital do Certame limitar o que a lei não restringiu ou alargar o rol de exigências, especialmente para incluir requisito que não consta da lei. Precedentes: REsp. 1.351.480/BA, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe 26.6.2013, AgRg no RMS 26.379/SC, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 2.5.2013, AgRg no REsp. 1.150.082/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 2.10.2012 (EDcl no REsp. 1.665.082/DF, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 11.10.2017). 2. No caso, o teste de capacidade física não foi expressamente previsto na Lei 11.416/2006. A eventual inclusão de sua exigência em outros atos normativos inferiores não tem o efeito de legitimá-la. O conceito da expressão lei se refere, exclusivamente, à regra jurídica aprovada na via parlamentar e sancionada pelo Chefe do Poder Executivo. A sua ampliação para abranger outros elementos normativos não é tolerável pelos sistema jurídico, especialmente quando acarreta requisitos que dificultam o acesso a certames públicos. 3. Recurso Ordinário de MARCELO FERREIRA BARBOSA provido, a fim de reconhecer a ilegalidade da exigência do teste de aptidão física no certame em comento, por falta de sua previsão em lei e, até mesmo, na Portaria Conjunta 3/2007 que explicitou o cumprimento da Lei 11.416/2006. (ROMS 47830, Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª T do STJ, publicado em 20/11/2019).
Não obstante, tem-se que a atuação do Poder Judiciário, nas questões envolvendo concursos públicos, se dá de forma excepcional, sob pena de ofensa ao Princípio da Separação dos Poderes (art. 2 da Constituição da República).
Significa isto afirmar que o controle da legalidade pelo Poder Judiciário é permitido, desde que não se imiscua no mérito administrativo (juízo de conveniência e oportunidade da Administração Pública). Vejamos entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. CONCURSO PÚBLICO. OUTORGA DE DELEGAÇÕES DE SERVENTIAS CARTORÁRIAS EXTRAJUDICIAIS NOTARIAIS E REGISTRAIS. PROVA DE TÍTULOS. DOCUMENTAÇÃO APRESENTADA. COMPROVAÇÃO DE ATIVIDADE ADVOCATÍCIA. TEMPO MÍNIMO. CERTIDÃO DA OAB. CERTIDÃO DE OBJETO E PÉ. ACRÉSCIMO ULTERIOR DE EXIGÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO EDITALÍCIA. ILEGALIDADE FLAGRANTE. POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. RE 632.853/CE. 1. O edital do concurso público constitui lei entre as partes, gerando direitos e obrigações tanto para a Administração Pública quanto para o candidato, compelidos ambos à sua fiel observância. 2. "Não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas. (...) Excepcionalmente, é permitido ao Judiciário juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame" (RE 632.853/CE, Relator: Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 23/04/2015). 3. Na hipótese da regulação de prova de títulos estabelecida como etapa de certame para a outorga de delegação de serventia cartorária extrajudicial, tanto o candidato quanto a Administração Pública obrigam-se ao que estipulado em tempo e modo oportunos para efeito de cômputo no exame. 4. Não há cogitar-se do acréscimo ulterior de exigência de outro requisito que não aqueles previstos originalmente, de sorte que o indeferimento no cômputo de parte dos títulos em razão disso viola o princípio da vinculação ao edital e ofende a compatibilidade entre o exame e o conteúdo editalício, a autorizar a intervenção do Poder Judiciário para a correção da ilegalidade flagrante. 5. Recurso ordinário em mandado de segurança parcialmente provido. ..EMEN: (ROMS 57416, Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T do STJ, publicado em 31/10/2018).
Na mesma esteira, o Supremo Tribunal Federal decidiu, com repercussão geral, no RE 632.853/CE, relator o Em. Ministro Gilmar Mendes, que o Poder Judiciário não pode, como regra, substituir a banca examinadora de concurso público para avaliar as respostas dadas pelos candidatos, nem as notas a elas atribuídas, ou seja, não pode interferir nos critérios de correção de prova, ressalvada a hipótese de "juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame" (RE 632853, Relator o Em. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 23/04/2015, DJe-125, divulgado em 26/06/2015, publicado em 29/06/2015).
Tem-se, portanto, que a regra é a aplicação do Princípio da Vinculação ao Edital, sendo permitido, excepcionalmente, a atuação do Poder Judiciário, invocando o Princípio da Legalidade, quando o edital dispõe sobre requisitos não previstos em lei.
DA MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO EDITAL PELO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
É cediço que o Princípio da Razoabilidade não é encontrado expressamente na Constituição da República.
Não obstante, sua previsão constitucional é extraída do Princípio do Devido Processo Legal (art. 5, LIV, da Constituição da República), em sua dimensão Substancial.
Vislumbra-se aqui a aplicação do Princípio da Juridicidade, segundo o qual o Estado deve se submeter não somente às regras positivas, mas, igualmente, a princípios constitucionais expressos e não expressos, como ocorre no caso do Princípio da Razoabilidade. Segundo a Doutrina de Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2009, p.87), “o Princípio da Juridicidade corresponde ao que se enunciava como um “princípio da legalidade”, se tomado em sentido amplo, ou seja, não se restringindo à mera submissão à lei, como produto das fintes legislativas, mas de reverência a toda a ordem jurídica”.
O art. 5, LIV da Constituição da República prevê que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, no entanto, em sua concepção substancial do Princípio Constitucional do Devido Processo Legal, exige-se que determinado ato administrativo não deva ser regular somente do ponto de vista formal, devendo preservar um desfecho qualitativo, isto é, deve o ato administrativo ser substancialmente razoável e correto.
Assim, segundo José dos Santos Carvalho Filho (2008, p. 32), “o Princípio da Razoabilidade deve ser observado pela Administração à medida que a sua conduta se apresente dentro dos padrões normais de aceitabilidade. Se atuar fora desses padrões, algum vício estará, sem dúvida, contaminando o comportamento estatal”.
Trazendo tal conceito ao trabalho que aqui se propõe, resta evidente que o edital de determinado concurso público, mesmo em consonância com a lei regente daquele cargo ou emprego público, pode ensejar a atuação do Poder Judiciário, de forma excepcional, se contrariar o Princípio da Razoabilidade.
Não obstante, da mesma forma do que foi afirmado no Princípio da Legalidade, a atuação do Poder Judiciário, invocando o Princípio da Razoabilidade, nas demandas judiciais que envolvem concursos públicos, se dá de forma excepcional. Vejamos o entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca de tal tema:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO EM ESTÁGIO PROBATÓRIO. REMOÇÃO PARA ACOMPANHAMENTO DE CÔNJUGE. ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER NÃO DEMONSTRADOS. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. AUSÊNCIA DO REQUISITO DA ESTABILIDADE (ARTIGO 13, § 4º, ALÍNEA "B", DA LEI ESTADUAL 7.305/1979). MANUTENÇÃO DO ARESTO VERGASTADO.
1. A impetrante não demonstrou os requisitos para obtenção da remoção, porquanto ainda encontra-se em estágio probatório.
2. O artigo 13, § 4º, alínea b, da Lei Estadual 7.305/1979, que regula os serviços auxiliares do Poder Judiciário de 1º grau do Estado do Rio Grande do Sul, impossibilita a remoção do servidor antes de completar dois anos de efetivo exercício no cargo para o qual foi nomeado.
3. A intervenção do Poder Judiciário nos atos administrativos cinge-se à defesa dos parâmetros da legalidade, permitindo-se a reavaliação do mérito administrativo tão somente nas hipóteses de comprovada violação dos princípios da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, sob pena de invasão à competência reservada ao Poder Executivo.
4. A orientação do STJ vem afirmando que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, consagra o princípio da proteção à família como base da sociedade brasileira e dever do Estado. Contudo, a tutela à família não é absoluta. Para que seja deferido o deslocamento do servidor pelo Judiciário, nos casos em que a pretensão for negada pela Administração, ele tem de comprovar que sua situação se subsume em uma das hipóteses taxativamente previstas para concessão do benefício quando inexistente interesse administrativo no ato. Precedentes.
5. Recurso em Mandado Segurança não provido. (RMS 60378, Min. Herman Benjamin, 2ª T do STJ, publicado em 17/06/2019).
A jurisprudência é recheada de casos em que o Princípio da Vinculação do Edital é mitigada pelo Princípio da Razoabilidade, sendo certo que, no presente trabalho, destacar-se-ão 3 (três) casos.
O primeiro deles diz respeito à hipótese em que não é franqueado ao candidato de determinado concurso público os fundamentos para a sua reprovação no certame. Vejamos o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA.CONCURSO PÚBLICO. TESTE DE APTIDÃO FÍSICA. ILEGALIDADE. FALTA DE MOTIVAÇÃO DA REPROVAÇÃO. NULIDADE. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE NOVO EXAME. AGRAVO INTERNO DO ESTADO DO MARANHÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.
1. Refoge à razoabilidade a eliminação do candidato que não obteve acesso aos fundamentos de sua reprovação, pois o ato de reprovação de candidato em concurso público, no exame de capacidade física, deve necessariamente ser motivado, sendo vedada sua realização segundo critérios subjetivos do avaliador, bem como a ocorrência de sigilo no resultado do exame e de irrecorribilidade, sob pena de violação dos princípios da ampla defesa e impessoalidade.
2. Agravo Interno do Estado do Maranhão a que se nega provimento. (Ag Int no RMS 45294, Min. Napoleão Nunes Maia Filho, publicado em 07/12/2018).
O segundo caso aqui destacado diz respeito à hipótese em que, passado considerável lapso temporal, o candidato aprovado em determinado concurso público não deve ser nomeado apenas com a publicação no Diário Oficial, devendo, também, haver notificação pessoal. Vejamos o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. EXTENSO LAPSO TEMPORAL. NOMEAÇÃO SOMENTE NO DIÁRIO OFICIAL. PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE E DA RAZOABILIDADE. VIOLAÇÃO. DECADÊNCIA. TERMO A QUO. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DO ATO. 1. O acórdão de origem destoa da jurisprudência do STJ, que se firmou no sentido de que a nomeação em concurso público após considerável lapso temporal da homologação do resultado final, sem a notificação pessoal do interessado, viola os princípios da publicidade e da razoabilidade, não sendo suficiente a convocação para a fase posterior do certame, ou para a posse, apenas por meio do Diário Oficial. 2. Conforme jurisprudência desta Corte o termo inicial do prazo decadencial para impetração do mandado de segurança passa a fluir com a ciência inequívoca do ato que efetivamente se alega ter violado o direito líquido e certo do impetrante. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no RMS 65383, Min. Og Fernandes, 2ª T do STJ, publicado em 15/06/21).
O terceiro caso apresentado no presente trabalho diz respeito à hipótese de eliminação de candidatos na fase de investigação social do concurso público para a carreira policial, devendo a sindicância da vida pregressa dos candidatos observar a razoabilidade. Vejamos o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR. SINDICÂNCIA DA VIDA PREGRESSA. CONTROLE JUDICIAL DO ATO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE. DECLARAÇÃO REALIZADA PELO PRÓPRIO CANDIDATO. USO DE DROGAS NA JUVENTUDE. FATO OCORRIDO HÁ VÁRIOS ANOS. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. POSTERIOR INGRESSO NO SERVIÇO PÚBLICO. CARGO DE PROFESSOR. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE DO ATO RESTRITIVO. REEXAME. CABIMENTO. AGRAVO CONHECIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.1. A jurisprudência do STJ sedimentou o entendimento de que, tratando-se da fase de investigação social para cargos sensíveis, como são os da área policial, a análise realizada pela autoridade administrativa não deve se restringir à constatação de condenações penais transitadas em julgado, englobando o exame de outros aspectos relacionados à conduta moral e social do candidato, a fim de verificar sua adequação ao cargo pretendido.2. A discricionariedade administrativa não se encontra imune ao controle judicial, mormente diante da prática de atos que impliquem restrições de direitos dos administrados, como se afigura a eliminação de um candidato a concurso público, cumprindo ao órgão julgador reapreciar os aspectos vinculados do ato administrativo, a exemplo da competência, forma, finalidade, bem como a observância dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 3. O Superior Tribunal de Justiça, ao examinar casos envolvendo a eliminação de candidatos na fase de investigação social de certame público para as carreiras policiais, já teve a oportunidade de consignar que a sindicância de vida pregressa dos candidatos a concursos públicos deve estar jungida pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.4. No caso, tem-se o relato de um fato pelo próprio candidato, no respectivo formulário de ingresso na incorporação, de que foi usuário de drogas quando tinha 19 (dezenove) anos de idade e que não mais possui essa adição há sete anos. Destaca-se, ainda, a informação de que o referido candidato, atualmente, é servidor público do Distrito Federal, exercendo o cargo de professor, não havendo qualquer registro sobre o envolvimento em qualquer ato desabonador de sua reputação moral. E mais, há o registro de que esse mesmo candidato foi aprovado na fase de investigação social no concurso para Soldado da Polícia Militar do Estado do Maranhão.
5. Impedir que o recorrente prossiga no certame público para ingresso nas fileiras da Política Militar do Distrito Federal, além de revelar uma postura contraditória da própria Administração Pública, que reputa como inidôneo um candidato que já é integrante dos quadros do serviço público distrital, acaba por aplicá-lo uma sanção de caráter perpétuo, dado o grande lastro temporal entre o fato tido como desabonador e o momento da investigação social.6. Agravo conhecido para dar provimento ao recurso especial. (Aresp 1806617, Min. Og Fernandes, 2ª T do STJ, publicado em 11/06/21).
Por fim, necessário salientar que todas as controvérsias apresentadas pela Doutrina facilitam o operador do direto a adotar a melhor tese, a depender da posição que ocupa na relação jurídico-processual.
CONCLUSÃO
É cediço que a obtenção de cargos e empregos públicos através dos concursos públicos se mostra como grande atrativo no mercado de trabalho, este tão engessado e mal remunerado, como neste País.
Assim, cada vez mais, há candidatos inscritos nos certames, o que tem ensejado, como via de consequência, maior insurgência quanto aos resultados, abarrotando o Poder Judiciário de demandas envolvendo as mais diferentes questões relacionadas aos concursos públicos.
É, portanto, de grande valia o conhecimento de argumentos que poderão ser invocados em favor dos jurisdicionados, como forma de afastar a principal tese fazendária em tais demandas, que é a necessária observância ao Princípio da Vinculação ao Edital.
Com a aplicação da tese de mitigação do Princípio da Vinculação por Edital pelos Princípio da Legalidade e Princípio da Razoabilidade, destacados aqui neste trabalho, o acesso à justiça se mostra mais efetivo, na medida em que os jurisdicionados se mostram mais encorajados de impugnar atos administrativos abusivos no decorrer do certame.
Inegável, portanto, a relevância prática do presente trabalho.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo.19ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Iuris, 2008.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2015.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 5ª Edição. Editora Saraiva, 2010.
MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 41ª Edição. Malheiros Editora, 2015.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 31ª Edição. Malheiros Editora, 2014.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 15ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009.
pós-graduanda em Direito Administrativo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VAN-ERVEN, Ursula de Souza. A mitigação do princípio da vinculação ao edital nas demandas judiciais que envolvem concursos públicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2022, 04:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60299/a-mitigao-do-princpio-da-vinculao-ao-edital-nas-demandas-judiciais-que-envolvem-concursos-pblicos. Acesso em: 22 dez 2024.
Por: André dos Santos Luz
Por: Jorge Henrique Sousa Frota
Por: Jorge Henrique Sousa Frota
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