RESUMO: O conceito de direito encontra é tema que requer a devida atenção no campo dos estudos da teoria do direito, dentre os autores que tratam do tema, Herbert L. A. Hart tem sido destacado pela precisão acadêmica e teórica, trazendo importante contribuição para a discussão do tema. O trabalho tem por objetivo apresentar o conceito de direito de Hart, com observações trazidas por Ronald Dworkin em seus debates sobre o tema. A pesquisa bibliográfica foi o tipo metodológico escolhido. O estudo do conceito de direito, a partir de Hart, alarga a compreensão dos fenômenos jurídicos relacionados à origem das regras de direito e sua aplicação.
Introdução
Herbert Lionel Adolphus Hart nasceu em 18 de julho de 1907 em Harrogate, Reino Unido, tendo lecionado teoria do direito na Universidade de Oxford, falecendo em 19 de dezembro de 1992 em Oxford, Reino Unido.
Dentre os seus escritos, “The concept of Law”, publicado pela Oxford University Press em 1961, teve uma segunda edição em 1994. O livro exerceu grande influência na teoria do direito ao redor do mundo, inspirando importantes debates acerca dos temas abordados.
O texto sobre o qual se baseia o presente trabalho foi traduzido para o português por A. Ribeiro Mendes, publicado pela Fundação Calouste Gulbenkian de Lisboa, Portugal, com o título “O conceito de Direito”.
Hart no primeiro capítulo do livro “O conceito de Direito” trata de questões apontadas por ele como persistentes, servindo como uma introdução ao seu trabalho. Aqui começa a lançar as bases do que desenvolverá nos capítulos seguintes, perquirindo sobre o direito, focando em “três questões recorrentes”, a primeira envolvendo a facultatividade/obrigatoriedade das regras. A segunda questão trata de como as regras morais impõem obrigações e sua relação com o direito e a terceira questão é mais geral, perquirindo sobre o próprio direito.
Na sua abordagem o autor ressalta que as regras morais impõem obrigações e trazem implicações na liberdade de ação do indivíduo, comparando-se ao sistema jurídico.
Hart ressalta que “todos os sistemas jurídicos internos reproduzem a substância de certas exigências morais fundamentais”[1]
Ressalta, o autor, o ponto de vista de que a essência do direito está relacionada à sua congruência com “os princípios da moral e da justiça”, sobrelevando-se à ideia de integração do direito por “ordens e ameaças”.
Ao tratar das regras jurídicas, Hart separa-as de outras regras e admite que “mesmo dentro do direito” há regras estabelecidas pela legislação e outras que surgem de nenhum ato intencional, podendo as regras ser imperativas ou não.
Hart aborda sobre a aplicação das regras e aponta para o fato de que os principais casos a serem decididos pelos tribunais, ou os casos mais preocupantes, não encontram apenas um resultado “nem nas leis, nem nos precedentes”, havendo sempre um espaço para uma escolha, em outras palavras diz “o juiz tem de escolher entre sentidos alternativos a dar às palavras de uma lei ou entre interpretações conflituantes do que um precedente significa”.[2]
Aqui abre-se um espaço para a afirmação da discricionariedade judicial, considerando que nos casos difíceis há mais de uma resposta e assim o juiz deve escolher qual a resposta que será aplicada ao caso. Dworkin faz duras objeções a esta questão, uma vez que entende que há sempre uma resposta correta[3], o que afastaria a ideia de discricionariedade, pois essa ideia não se coaduna com a democracia.
Ao longo do texto as questões centrais tratadas no conceito de direito de Hart, serão expostas de forma a permitir compreender como a produção e aplicação do direito tem sido fundamentada na sociedade ocidental.
1 Leis, comandos e ordens
No segundo capítulo, Hart trata sobre leis, comandos e ordens, começando a tratar da doutrina desenvolvida por Austin dirigindo-lhe a crítica.
Uma primeira questão trazida neste capítulo é sobre a base das ordens, mormente a ameaça ou a coação. A partir daí discute sobre a questão da obediência à autoridade, seria apenas com base nas ameaças, como no caso de um assalto, em que o assaltante faz uma ameaça à vítima e esta pode lhe obedecer? As ordens então só seriam cumpridas se houvesse uma ameaça?
Hart começa demonstrando que a ameaça não está necessariamente na base das ordens, para tanto utiliza o exemplo de Cristo e seus discípulos, demonstrando que Cristo comandava os seus discípulos e que a ideia de comando está relacionada a autoridade e não ao medo. Assim, a obediência ao comando pode tomar como base o respeito à autoridade e não a ameaça.
O autor afirma que as leis devem ter caráter geral, para que seja atingido o propósito do legislador, o que se consegue no sistema jurídico pela promulgação.
Assim, o autor trata também da questão da ordem baseada em ameaça, demonstrando que em se tratando do caráter geral da lei e considerando sua aplicação a “largo número de pessoas” as ameaças somente teriam efeito se a própria população estivesse preparada para obedecer voluntariamente, sem contar o medo da ameaça, e também preparada para colaborar na execução das ameaças sobre os que não obedecessem.
Quando trata da diversidade das leis no capítulo terceiro, Hart escreve que as regras que determinam os ilícitos impõem uma abstenção de certa conduta às pessoas, independentemente dos seus desejos.
Há leis que tratam da organização e funcionamento de repartições públicas, como os tribunais, mas que não impõem ao juiz como deve julgar, tendo o juiz sobre si não muitas disposições sobre o que deve ou não fazer, mas há possibilidade de suas decisões serem revogadas ou anuladas por um tribunal superior.
Demonstra-se aqui que embora haja liberdade na atuação do sujeito, sua conduta está passível de restrição, sejam nas relações privadas, no caso mais especificamente das infrações, o indivíduo que não se abstém de uma conduta criminosa sofrerá a pena.
Nas relações de direito público, como no caso da atuação de um juiz em relação ao tribunal, não há muitas restrições ao juiz quanto ao seu poder de decidir, mas as leis que organizam o Judiciário tratam da competência e de outras questões sobre as quais os juízes devem estar atentos. No caso de atuação em desconformidade com estas normas a sanção será a revogação ou anulação da decisão pelo tribunal que lhe é superior.
A questão da necessária existência de sanção para cada regra é tratada aqui por Hart, quando afirma que “a existência da própria regra sem sanções não poderia ser afirmada de forma inteligível, mesmo como regra não jurídica.”[4]
Negar-se eficácia ao ato realizado em desacordo com a regra também constitui uma forma de sanção, na medida em que frustra a expectativa de validade de um negócio.
Uma questão também discutida neste capítulo refere-se ao costume enquanto fonte de direito. Para Hart, “o costume é direito apenas se faz parte de uma categoria de costumes que é reconhecida como direito num sistema jurídico particular”.[5]
O costume operaria se não houvesse contrariedade ao direito legislado ou estabelecido pelos tribunais.
Quando trata da relação entre soberano e súdito no capítulo quatro, Hart analisa a doutrina que pressupõe a existência de um soberano em qualquer espécie de sociedade, sendo que há uma relação de obediência habitual do súdito em relação ao soberano e que este a ninguém presta obediência.
Hart preocupa-se eminentemente com dois aspectos dessa doutrina, a ideia de “hábito de obediência” e a “posição ocupada pelo soberano acima do direito”.
Ao tratar da obediência Hart aponta que ela “sugere muitas vezes deferência para com a autoridade e não apenas acatamento de ordens baseadas em ameaças.”[6]
A questão da obediência habitual, para Hart, não dá “conta da continuidade” de “qualquer sistema jurídico normal, quando um legislador sucede a outro”.
Hart adverte que a aceitação de uma regra não garante sua existência, pois em uma revolução a regra pode deixar de ser aceita.
A forma de prática social quanto a aceitação de uma regra pode garantir a continuidade da autoridade do legislador. Diferenciando-se de mero hábito de obediência.
O soberano seria limitado, de alguma forma, em sua atuação legislativa? Esta é uma questão discutida por Hart na parte final do capítulo quatro, quando trata das limitações ao Poder Legislativo.
A doutrina da soberania afirma que só pode haver limitações jurídicas ao Legislativo se acima dele houver outro legislador e neste caso não seria soberano.
O soberano, segundo essa doutrina, não encontraria limites jurídicos. Hart chama a atenção para o fato de que a teoria refere-se a limites jurídicos e não a qualquer limite. Assim, o soberano poderia encontrar outros tipos de limites, como a opinião pública à qual faria concessões, por uma vinculação moral em respeitá-la, ou mesmo o temor de uma revolta popular, ou ainda suas convicções morais poderiam figurar como limites, que não são limites jurídicos, ressalta Hart.
A existência de um soberano ilimitado não seria condição para a existência do direito, uma vez que há situações em que o Legislativo encontra limitações, como por exemplo nos países que adotam constituições escritas, quando estas podem limitar quanto à forma de legislar e estabelecendo matérias de competência legislativa, o que significa uma limitação substantiva.
Em relação a teoria que considera o eleitorado como soberano, numa democracia o Poder Legislativo não seria ilimitado, pois os eleitores limitariam o exercício desse Poder.
Tratando da questão relativa à obrigação, no capítulo cinco, Hart afirma que a existência de regras sociais transmudam alguns tipos de comportamento em padrões e a aplicação das regras é realizada quando o caso se adéqua ao padrão.
O que define a regra enquanto impositora de obrigações é a busca geral de conformidade com ela de maneira insistente mediante uma grande pressão social sobre os desviantes, tendo em vista o fato do apoio à regra se dar pela crença de que se trata de regra necessária à manutenção da vida social ou de outro aspecto muito relevante.
Quem vivencia a regra e a aplica em seu cotidiano, analisa o fenômeno da sua obrigatoriedade sob o ponto de vista interno, enquanto aquele que se põe como observador sem aceitar as regras verifica a regularidade dos comportamentos, o que deve ser levado em consideração pela teoria jurídica, pois pode reproduzir aproximadamente a forma por que as regras funcionam.
Na segunda parte do capítulo cinco, Hart estabelece a diferença entre regras primárias e regras secundárias.
As regras primárias de obrigação refere-se a uma estrutura social baseada no costume, devendo conter “restrições ao livre uso da violência, ao furto e à fraude”[7], ressaltando que são padrões de comportamento sempre presentes em sociedades primitivas, que não formarão um sistema, mas manterão um conjunto de padrões separados, padecendo de alguns defeitos como a incerteza, o caráter estático das regras e a ineficácia da pressão social.
Para corrigir os defeitos apontados as regras primárias de obrigação devem ser complementadas com regras secundárias, marcando a passagem para o mundo jurídico, pois o direito se caracteriza pela união de regras primárias de obrigação com regras secundárias.
Contra a incerteza deve-se introduzir uma regra de reconhecimento, tendo que esta regra deve ser apoiada pela pressão social do grupo que a estabelece.
A regra de reconhecimento tem como referência característica geral que detém uma regra primária, considerando a sua origem, por exemplo, mas indo para além da autoridade que lhe originou, incluindo a ideia de um sistema ao qual pertence a regra, baseando-se no costume ou nos precedentes judiciais.
Contra a qualidade estática do regime de regras primárias, introduz-se a ideia de “regras de alteração”, possibilitando a um indivíduo ou grupo introduzir novas regras primárias e eliminar regras antigas.
Contra a ineficácia da pressão social difusa, as regras secundárias darão “poder aos indivíduos para proferir determinações dotadas de autoridade respeitantes à questão sobre se, numa ocasião concreta, foi violada uma regra primária”. Seria o caso das “regras de julgamento” que definem também o processo que deve ser utilizado no julgamento, atribuem poderes judiciais e autoridade às decisões.
2 Fundamentos do sistema jurídico
O capítulo seis trata sobre os fundamentos de um sistema jurídico afirmando que existem “duas condições mínimas necessárias e suficientes a existência de um sistema jurídico”, as regras de comportamento válidas consoante os critérios últimos de validade do sistema devem ser obedecidas. A outra condição diz respeito ao fato de que as regras de reconhecimento, de alteração e de julgamento devem ser efetivamente aceitas “como padrões públicos e comuns de comportamento oficial pelos seus funcionários”.[8]
Quando trata do formalismo e do ceticismo sobre as regras, no capítulo sete, Hart trata dos meios pelos quais os padrões de comportamento são comunicados, ressaltando os precedentes e a própria legislação, mas adverte que estes se revelam como indeterminados em certo ponto na sua aplicação, tendo em vista que possuem “textura aberta”, sendo este um aspecto geral da linguagem humana.
Para Hart, a “textura aberta”, em relação à interpretação da lei ou precedentes, é um aspecto da condição humana, consoante afirma “os legisladores humanos não podem ter tal conhecimento de todas as possíveis combinações de circunstâncias que o futuro pode trazer.”[9]
Hart entende que os sistemas jurídicos chegam um compromisso entre duas “necessidades sociais”, a de que as regras devem ser certas, para aplicação como maior segurança pelos próprios indivíduos, sem a orientação oficial e a necessidade de deixar em aberto alguns pontos para posterior decisão oficial diante de um caso concreto, mediante uma escolha também oficial e informada.
Abre-se espaço aqui para o exercício do poder discricionário a que se refere o autor em diversos momentos no texto, contra o que Dworkin desfere severas críticas, tratadas pelo próprio Hart no pós-escrito, que compõe a última parte do livro “O conceito de direito”.
O autor afirma que os formalistas ou conceitualistas buscam minimizar essa necessidade de escolha.
Hart afirma que:
Em qualquer sistema jurídico, deixa-se em aberto um vasto e importante domínio para o exercício do poder discricionário pelos tribunais e por outros funcionários, ao tornarem precisos padrões que eram inicialmente vagos, ao resolverem as incertezas das leis ou ao desenvolverem e qualificarem as regras comunicadas, apenas de forma imperfeita, pelos precedentes dotados de autoridade.[10]
Esta afirmação tem uma ressonância muito forte na doutrina do direito, tendo encontrado alguns opositores como Dworkin, conforme já se referiu. No Brasil um dos doutrinadores que apresenta objeção à discricionariedade judicial é Streck, que em seu livro “O que é isto – decido conforme a minha consciência?”, lavanda argumentos filosóficos e jurídicos contra a discricionariedade judicial.[11]
A questão da discricionariedade tratada por Hart não envolve uma autorização para que o juiz possa dizer qualquer coisa, segundo o que se pode notar nas páginas 155/161, o juiz tem uma esfera de atuação, os tribunais consideram as regras jurídicas como padrões a seguir na decisão, mesmo aquelas que possuem textura aberta.
Hart aponta que os juízes,
são parte de um sistema cujas regras são suficientemente determinadas na parte central para fornecer padrões de decisão judicial correcta. Estes padrões são considerados pelos tribunais como algo que não pode ser desrespeitado livremente por eles no exercício da autoridade para proferir essas decisões, que não podem ser contestadas dentro do sistema.[12]
Compreende-se então que há elementos que fixam aos julgadores os padrões mínimos que devem observar ao tomar suas decisões, observando a logicidade do sistema jurídico, seja pelas disposições legislativas, seja pelos precedentes.
No capítulo oito Hart trata sobre justiça e moral retomando um dos temas discutidos no capítulo um, no tocante à conexão necessária entre direito e moral, considerando-a como “um ponto central em qualquer tentativa de análise ou de elucidação da noção de direito”.[13]
A ideia de justiça surge como um elemento fundamental na crítica das soluções jurídicas, levando em conta os indivíduos têm direito a uma relativa posição de igualdade ou desigualdade entre si.
O autor divide em duas partes a ideia de justiça, a primeira tratando de uma face uniforme ou constante resumindo em “tratar da mesma maneira os casos semelhantes” e outra parte que se refere a um critério mutável para determinar quando os casos são semelhantes ou não, tendo em vista uma certa finalidade.
Assim, as circunstâncias ou situações seriam consideradas no momento em que se estivesse a analisar casos a partir de suas semelhanças ou diferenças, para aplicação das regras tendo por base a ideia de justiça como um aporte moral ao direito.
Uma das finalidades do direito levaria em conta assim a aplicação das regras tendo como objetivo a manutenção ou reestabelecimento da igualdade ou equilíbrio. Dessa forma, o autor de um furto deveria devolver a res furtiva restabelecendo o status quo moral, o equilíbrio ou a igualdade rompida pela sua atividade.
Essa questão toca às demais questões jurídicas, que em sua ratio busca-se restaurar a igualdade.
No que toca a essa questão da igualdade, Hart traz uma discussão sobre o momento em que é preciso sacrificar o princípio de “tratar da mesma maneira os casos semelhantes” em prol do bem-estar geral da sociedade, tomando como exemplo a atribuição de responsabilidade civil objetiva, pois aqui o agente é responsabilizado independentemente de sua intenção, mas a justificativa para tanto é o “interesse da sociedade”, tornando mais fácil impor a responsabilidade a quem exerce atividade de alto risco.
Nota-se também que em muitas situações o direito estaria atendendo determinados setores da sociedade em prejuízo de outros, tendo como objetivo tratar as situações de desigualdade em um sentido mais amplo no ambiente social.
Quando aborda sobre obrigação moral e jurídica, Hart afirma ser a justiça “um segmento da moral que se ocupa primariamente, não com a conduta individual, mas com os modos por que são tratadas classes de indivíduos.”[14]
Hart apresenta quatro características fundamentais que serviriam para distinguir a moral das regras jurídicas e de outras regras sociais, sendo a primeira delas a “importância”, sendo as regras morais que se deve manter devido a sua grande importância, que inclui o sacrifício de interesses pessoais; exercício de “formas sérias de pressão social”, com vistas a garantir o cumprimento dos padrões morais, bem como sua comunicação; reconhecimento geral de que sem os referidos padrões poderiam ocorrer alterações de grande impacto na vida de cada um.
Outra característica fundamental das regras morais é a sua “imunidade à alteração deliberada”, pois os padrões morais não podem ser “criados, alterados ou eliminados” da mesma forma como ocorrem com as regras jurídicas. A moral neste ponto assemelha-se às tradições sociais que não podem ser alteradas por um ato da vontade humana, ressalvando os casos em que uma prática passa a ser proibida pelo direito, o que pode fazê-la cessar, considerando que estaria sujeita a punição.
A terceira característica das regras morais é o “caráter voluntário dos delitos morais”, pois no campo das regras morais, quando alguém que viola uma regra ou um princípio moral e prova que não o fez de forma intencional, mas precaveu-se de todas as maneiras para evitá-lo, exclui-se a censura moral.
As regras morais trazem uma quarta característica fundamental que é “a forma de pressão moral” que pode consistir em apelos ao respeito pelas regras morais, enquanto algo que tem uma relevância em si, ressaltando que estes apelos podem vir acompanhados de ameaças ou podem comportar outras reações hostis, mas não deixam de ser um apelo à consciência.
Assim, a reunião destas quatro características, segundo Hart, seria suficiente para identificar e distinguir as regras morais das demais regras, sendo estes critérios formais, sem alusão a conteúdos que sejam expressos nos padrões para que sejam considerados morais ou não.
No capítulo nove que trata sobre direito e moral, Hart aborda algumas questões atinentes ao direito natural apontando o seu conteúdo mínimo, trazendo inicialmente que a sobrevivência seria uma finalidade a partir da qual o direito e a moral devessem incluir um conteúdo específico que levassem os homens à obediência das regras voluntariamente.
Outra questão apresentada neste capítulo é sobre validade jurídica e valor moral, acentuando que o sistema jurídico deve basear-se num valor moral próprio, ao invés de ter como fundamento “mero poder do homem sobre o homem; revela também que há uma influência moral sobre o direito, sendo o seu acesso pela via da legislação ou paulatinamente pelo processo judicial, asseverando que “as leis podem ser uma mera carapaça jurídica e exigir pelos seus termos expressos que sejam preenchidas com recurso a princípios morais.”[15]
A moral influencia na criação das regras jurídicas, mormente quando se considera a necessidade de interpretação para que a lei seja aplicada.
A partir das reflexões sobre a moral e o direito, Hart discute sobre qual conceito de direito seria melhor adotar, sendo que um conceito mais amplo traria que o direito compreende “todas as regras que são válidas de harmonia com os testes formais de um sistema de regras primárias e secundárias, mesmo se algumas delas ofendessem a própria moral de uma sociedade”.[16] Um conceito mais restrito excluiria do direito as regras que ofendessem a moral.
A adoção do conceito mais amplo de direito, para Hart, possibilita incluir análises sobre aspectos específicos das leis moralmente iníquas, abrindo espaço para identificar as regras afirmando que se constituem em direito, mas agregando a elas a qualidade de iníquas. Enquanto um conceito restrito impossibilita essa análise.
No capítulo dez, perquire-se a natureza do direito internacional. Seria efetivamente um direito?
Esta questão é levantada tendo em vista a “ausência” de coercitividade das suas regras, ausência de poder legislativo internacional, tribunais com jurisdição obrigatória e um sistema de sanções organizadas.
Algumas teorias são trazidas pelo autor no texto, ressaltando a que trata da autolimitação, a partir da qual os Estados em razão da sua soberania “só podem estar sujeitos ou vinculados por regras que impuserem a si próprios.”[17] O que para Hart é parte de uma inspiração em dogmas abstratos sem levar em conta os fatos.
Segundo Hart, “não há regra fundamental que atribua critérios gerais de validade às regras de direito internacional”, sendo que as regras que vigoram de fato e são aplicáveis, “não se constituem um sistema, mas um conjunto de regras, entre as quais estão as regras que atribuem força vinculativa aos tratados”.[18]
Hart entende que o direito internacional apresenta um grau de analogia com o direito interno, mas passa por estágio de transição para aceitação de formas que o levarão à uma maior proximidade do direito interno.
Considerações finais
Em “O conceito de direito” Hart revisita questões da teoria do direito, fazendo uma critica a teoria que baseava o direito em ameaças e ordens. A argumentação de Hart demonstra o papel da moral em relação ao estabelecimento de regras e qual a sua relação com o direito.
A ideia de regras primárias e regras secundárias é importante no sentido de possibilitar uma melhor compreensão sobre a estrutura de um sistema jurídico, demonstrando a necessidade das regras de reconhecimento, de alteração e de julgamento para atender à complexidade da regulação social através do direito.
Em diversas partes do texto Hart trata do poder discricionário, mas o tema encontra um espaço mais relevante quanto ele explica sobre a ideia de que a regra possui textura aberta, deixando espaço para o exercício do poder discricionário pelo aplicador. Tema que tem encontrado diversas objeções, sobretudo de Dworkin, para quem numa democracia não há espaço para a discricionariedade judicial.
As questões atinentes à justiça, ao direito e à moral permeiam “O conceito de direito”, trazendo esclarecimentos sobre as formas como a moral influência na formação das regras jurídicas e como as regras morais se diferenciam de outras regras.
O texto abre espaço para reflexões e discussões que permitem uma melhor compreensão dos fenômenos jurídicos relacionados à origem das regras de direito e sua aplicação.
O pós-escrito responde a objeções apresentadas pelos críticos, sobretudo a Ronald Dworkin, cujas objeções encontram-se expostas em grande parte no livro “Levando os Direitos a Sério”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência?. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
[1] Hart, p. 12
[2] Hart, p. 17
[3] Dworkin, p. 430
[4] Hart, p. 43
[5] Idem, p. 53
[6] Hart, p. 60
[7] Hart, p. 101
[8] Hart, p. 128
[9] Idem, p. 141
[10] Hart, p. 149
[11] Cf. Streck, 2012.
[12] Idem, p. 159
[13] Idem, p. 170
[14] Hart, p. 182
[15] Hart, p. 220
[16] Idem, p. 225
[17] Idem, p. 240-241
[18] Idem, p 252
Mestre em Direito. Especialista em Direito Público e Eleitoral. Bacharel em Direito - UESC. Professor da Universidade do Estado da Bahia
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CRUZ, João Hélio Reale da. O conceito de direito: a origem e aplicação das regras jurídicas e a influência da moral no direito, estudos em Hart Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 dez 2022, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60675/o-conceito-de-direito-a-origem-e-aplicao-das-regras-jurdicas-e-a-influncia-da-moral-no-direito-estudos-em-hart. Acesso em: 26 dez 2024.
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