ELOÍSA DA SILVA COSTA
(orientadora)
RESUMO: A Lei federal n. 8.069/1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, é o marco legal e regulatório dos direitos humanos de crianças e adolescentes no Brasil. Já a Lei n. 12.594/12 que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas ao adolescente que pratique ato infracional e também prevê ações pedagógicas para o atendimento socioeducativo. O SINASE regulamentou o sistema de responsabilização do adolescente já previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. As chamadas Medidas Socioeducativas são relativas à desaprovação em relação ao ato infracional cometido, mas que possuem um caráter pedagógico, respeitando o nível de complexidade do ato e a realidade do próprio menor. Todavia, há uma discussão no ordenamento jurídico sobre o caráter punitivo análogo às penas privativas de liberdade sob a ótica da realidade dos adolescentes no Brasil. Portanto, o presente artigo objetiva analisar qual a natureza e as finalidades das Medidas Socioeducativas no trato dos adolescentes autores de ato infracional. Ademais, impera debater acerca de soluções que atenuem ou até ilidam o puro retribucionismo que se faça atualmente vigente nas medidas aplicáveis aos adolescentes. Trata-se de um estudo qualitativo e exploratório.
Palavras-chave: Medidas Socioeducativas. Estatuto da Criança e do Adolescente. SINASE. Doutrina de Proteção Integral. Direito da Infância e Juventude.
ABSTRACT: Federal Law no. 8069/1990, known as the Child and Adolescent Statute, is the legal and regulatory framework for the human rights of children and adolescents in Brazil. Already Law no. 12,594/12, which establishes the National System of Socio-Educational Assistance, regulates the execution of socio-educational measures aimed at adolescents who commit an infraction and also provides for pedagogical actions for socio-educational assistance. SINASE regulated the system of accountability for adolescents already provided for in the Statute of Children and Adolescents. The so-called Socio-educational Measures are related to disapproval of the infraction committed, but which have a pedagogical character, respecting the level of complexity of the act and the reality of the minor himself. However, there is a discussion in the legal system about the punitive character similar to custodial sentences from the perspective of the reality of adolescents in Brazil. Therefore, this article aims to analyze the nature and purposes of Socio-educational Measures in the treatment of adolescents who have committed an infraction. Furthermore, it is imperative to debate about solutions that mitigate or even circumvent the pure retributionism that is currently in force in the measures applicable to adolescents. This is a qualitative and exploratory study.
Keywords: Educational measures. Child and Adolescent Statute. SINASE. Integral Protection Doctrine. Children and Youth Law.
A aproximação ao tempo e ao tema da adolescência sugere desde logo um dado de realidade: jovens podem transgredir. Não raras vezes, a transgressão avança os limites da Lei Penal. Sabe-se que a referida aproximação temática também deixa visível desde logo que tais transgressões não são desconsideradas pela ordem jurídica. Pelo contrário, as infrações à Lei Penal quando praticadas por adolescentes muitas vezes povoam o imaginário social não raro de forma negativa e discriminatória, a ponto de se realçar a problemática para muito além da sua real dimensão.
O contexto de violência envolvendo adolescentes em conflito com a lei retoma a discussão da sociedade e requer a reflexão e atenção especial quanto à responsabilização destes jovens. Assim, as normativas instituídas dão parâmetros para a atuação dos agentes na execução e desenvolvimento das medidas socioeducativas aplicadas a estes adolescentes (MOREIRA, 2010).
Sabe-se que ao incluir na Constituição a garantia dos direitos da infância e da adolescência, o constituinte brasileiro o fez tendo a opção clara pela Doutrina da Proteção Integral, doutrina esta que surgiu no cenário jurídico, inspirada nos movimentos internacionais de proteção à infância, materializados em tratados e convenções (MOREIRA, 2010).
O paradigma norteador de qualquer reflexão sociopolítica e jurídica acerca da criança e do adolescente não poderá deixar de ter, como princípio, a compreensão de que estes sujeitos de direitos encontram-se em fase de desenvolvimento e que assim devem ser tratados. Sempre com esse paradigma de respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, de garantia plena de acesso a direitos, de tratamento pautado pelo respeito à dignidade humana, deve-se compreender a execução e a aplicação das medidas socioeducativas (MOREIRA, 2010).
As medidas socioeducativas consistem nos instrumentos de resposta estatal aplicáveis aos adolescentes autores de atos infracionais atualmente vigentes no ordenamento jurídico brasileiro. Tais medidas se fazem disciplinadas no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei do SINASE e vieram no sentido de atender ao predisposto na Constituição Federal de 1988 e no Código Penal, que progrediram no sentido de prever uma política criminal que conferiu aos jovens infratores a condição de inimputabilidade (SILVA, 2015).
Com efeito, as medidas socioeducativas surgiram como propostas construídas em face da evolução no trato da infância e da juventude, que caminhou no sentido de considerar as crianças e os adolescentes como sujeitos de direitos, como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e a quem o Estado deve conferir prioridade absoluta nas políticas públicas e orçamentárias (SILVA, 2015).
As medidas socioeducativas estão expressas no Estatuto da Criança e do Adolescente. São medidas relativas à desaprovação em relação ao ato infracional cometido, mas que possui um caráter pedagógico (ECA, 2012).
Segundo Marcos Bandeira (2006):
Impõe-se, inicialmente, estabelecer, juridicamente, à luz dos preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90 – a distinção entre as expressões “criança“ e “adolescente” para, didaticamente, identificar as pessoas que estão sujeitas às medidas socioeducativas e aquelas que não estão. É de se notar que o próprio ECA se encarregou de configurar, no âmbito de seus lindes estatutários, os “inimputáveis”, bem como estabeleceu a responsabilização juvenil infracional a partir dos doze anos completos, ao preconizar no seu Art. 2º o seguinte, in verbis: Art. 2º - Considera-se criança, para os efeitos desta lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Ademais, as medidas socioeducativas vieram na esteira do avanço jurídico que vêm sendo perpetrado no sentido de compreender as decorrências deletérias do trato penal para o ser humano, principalmente diante da política de encarceramento que ainda que permanece em voga e da ausência de políticas públicas e da garantia de direitos, sendo um tema de relevância social e de recorrente discussão.
Destarte, impende analisar no presente artigo qual a natureza e quais as finalidades das medidas socioeducativas no trato dos adolescentes autores de ato infracional. Ademais, impera debater acerca de soluções que atenuem ou até ilidam o puro retribucionismo que se faça atualmente vigente nas medidas aplicáveis aos adolescentes.
Além disso, objetivou expor os fatores que contribuem ou não para a eficácia social da medida socioeducativa aplicada, além de delinear os aspectos legais da aplicação de sanção ao adolescente infrator no Direito brasileiro e registrar os parâmetros de eficácia social no contexto sociojurídico.
Este trabalho científico é considerado um estudo qualitativo e exploratório. Para a operacionalização deste estudo fora empregado o método de Revisão Bibliográfica Narrativa, utilizando fontes como artigos científicos, livros, dissertações e teses.
2 A CATEGORIA SOCIAL DO MENOR
2.1 Percurso Histórico e a Doutrina de Proteção Integral
É necessário ressaltar que todo o processo de construção da política pública para atendimento ao adolescente em conflito com a lei faz parte de um processo mais amplo e complexo, de nível mundial, denominado de Sistema Internacional de Direitos Humanos. (SILVA, 2017).
Cabe lembrar que o percurso histórico começou com o término da II Guerra Mundial, onde passou a se desenvolver diversos mecanismos de proteção à vida, manutenção e criação da cultura de paz, e também, na construção de um sistema internacional de direitos humanos, em contraposição ao vivido no período da guerra (SILVA, 2017).
Dessa forma, com a Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1959 e com a Declaração dos Direitos da Criança fundamentada “nos princípios da igualdade, proteção, identidade, atenção à deficiência, educação e lazer, preferência em situação de risco e não exploração da infância”, estabelecem-se os parâmetros pelos quais os países participantes devem adequar suas legislações e políticas no sentido de garantir a proteção aos direitos de crianças e adolescentes (SILVA, 2017, p. 3).
Cabe também mencionar a importância da criação do Fundo das Nações Unidas pela Infância (UNICEF) em 1946, a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos em 1969 e a Convenção sobre os Direitos da Criança em 1989 para a construção das políticas de atenção à criança e ao adolescente (SILVA, 2017).
No entanto, para Silva (2017), a criança e o adolescente, antigamente denominados de “menores” carregam uma representação social durante a história do Brasil, marcada pela exclusão social, considerados seres não contemplados por direitos, onde havia uma concepção por parte da sociedade quem deles poderia viver ou não nela.
Ainda para o autor citado acima, as políticas públicas nessa área sempre tiveram forte associação com o Sistema de Justiça e de Segurança Pública. Na perspectiva e com um olhar de um problema a ser resolvido no âmbito do sistema repressivo, a contenção e punição eram a finalidade e a solução. Tais associações e fatos vêm desde os tempos coloniais e insistem em persistir nos dias de hoje.
Ressalta-se ainda que dentro desta política de repressão e exclusão, índios, negros, crianças abandonadas foram os primeiros “lócus de nossa formação estigmatizante, em sucessivas atualizações a demonstrar que os preconceitos de raça, etnia e geracionais são características presentes em nossa constituição como sociedade” (SILVA, 2017, p. 1).
A exemplo, no período da ditadura militar brasileira, as ações voltadas para a criança e o adolescente tinham como referência a Doutrina da Segurança Nacional, executada com o nome de Política Nacional do Bem Estar do Menor, que teve o seu foco no encarceramento de inúmeras crianças e adolescentes, tendo como justificativa principal a pobreza (SILVA, 2017).
Neste aspecto, como o próprio autor citado acima aponta, a dimensão e o simbolismo construído em cima da figura do Juiz de Menor, como aquele centralizador de todas as ações possíveis em relação ao atendimento das necessidades dos menores, daquele tempo perdura até hoje. Ou seja, atualmente no Sistema Brasileiro de Justiça há práticas judiciais antagonistas, onde observa-se claramente a distância entre as práticas institucionais no campo jurídico e os avanços conquistados na legislação, sempre desfavorável aos interesses das crianças e adolescentes.
Silva (2017) também destaca que neste curto período de vida democrática no Brasil, somente a partir destes instrumentos criados recentemente é que se tem procurado o reordenamento do atendimento socioeducativo, entretanto, ainda profundamente pautado por uma concepção restritiva de direitos e carcerária.
Atualmente, um dos temas que mais mobiliza a sociedade é a discussão sobre a redução da maioridade penal para que o adolescente responda criminalmente pelos atos violentos nos quais se envolva. Todavia, a questão pouco esclarecida, é que no Brasil, adolescentes a partir dos 12 anos de idade são responsabilizados pelos atos infracionais e delitos que praticam, podendo cumprir qualquer uma das medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, inclusive, a internação (SILVA, 2017).
Ainda para Silva (2017), atualmente há a concepção de que os adolescentes, antes chamados de pivetes, menores abandonados e outras palavras carregadas de significados segregacionistas, são os principais agentes que promovem a violência no cenário brasileiro. Dessa forma, nota-se que a figura do adolescente perigoso e violento é uma concepção ainda presente no imaginário da sociedade, quando na verdade, são as maiores vítimas desse sistema.
A conotação da periculosidade associada à pobreza é uma construção social que acompanha a trajetória brasileira e reflete as concepções de infância e adolescência socialmente construídas:
...pensar sobre a criança e o adolescente como categorias socialmente concebidas, considerando não apenas as características distintas ditas “naturais”, próprias a um período de vida, o que impediria a compreensão dos lugares sociais ocupados pela criança e adolescente. É preciso ultrapassar o critério de idade e examinar a inserção da criança e do adolescente na vida social, nos momentos vários da história brasileira (PINHEIRO, 2006, p. 37).
De acordo com Marcilio (2006), as políticas públicas referem-se a esta concepção, no qual todas as crianças e adolescentes devem ser vistos como aqueles que não têm idade para serem adultos, não têm a maturidade como os adultos ou não possuem capacidade adequada para a integração social.
Marcilio (2006), ainda cita que durante a história brasileira, os adultos estabeleceram uma forma de convivência com a criança e o adolescente baseada em subordinação, onde os castigos físicos eram incorporados na rotina dos filhos que eram considerados como suas posses. Tal fato perpassa a vida social, onde o adulto é quem pode decidir e corrigir através de castigos físicos, comportamentos inadequados socialmente. Afinal, segundo o pensamento social, a criança não tem idade ou não é madura o suficiente, necessitando ser subordinamente adequada aos referenciais da forma adulta.
Neste mesmo sentido, ocorreu com relação à população indígena e negra no país. Seus valores e culturas foram alvos de extermínio. Afinal, a relação senhor/escravo era hierárquica, baseado no modelo de subalternização e dominação/submissão (MARCILIO, 2006).
Segundo Pinheiro (2006), mesmo com as transformações do século XIX – a Independência do Brasil, a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República – não eliminaram o estigma em torno dos índios e negros, formadores das classes empobrecidas devido à exclusão.
Portanto:
O processo de urbanização que se inicia desde então, vai tornando essas populações continuamente excluídas do processo de modernização capitalista que o país vai atravessando, tornando-os pertencentes àqueles segmentos “descartáveis”, vidas subalternizadas e que não necessariamente deveriam ser absorvidas no processo de desenvolvimento econômico-social proposto (SILVA, 2017, p. 14).
Dessa forma, segundo a lógica social, a ideia de perigo é associada aos pobres e aos filhos destes. Com a precarização da qualidade de vida dos negros e índios que permaneceu mesmo após o fim da escravidão, esta população empobrecida e abandonada acabou sendo estigmatizada como um perigo para a sociedade. Logo, a criança advinda desta situação era automaticamente considerada como uma ameaça (SILVA, 2017).
Para Pinheiro (2006), a infância e adolescência ao longo da história e do pensamento social brasileiro tiveram quatro principais representações sociais. A primeira é a Criança e Adolescente como Objeto de Proteção Social, onde a preocupação central é a sobrevivência, baseado na prática do combate ao abandono social, ações de saúde e alimentação. Tais ações foram executadas, principalmente, através de igrejas e entidades filantrópicas.
Já a segunda concepção é a Criança e o Adolescente como Objetos de Controle e Disciplinamento Social, onde o foco é a criança servir para fins de Estado. Esse movimento se dá com a ação da política higienista marcada pelo fim da escravatura e começo da república.
A terceira concepção é a Criança e o Adolescente como Objetos de Repressão Social. Este momento se dá com o processo de urbanização, onde as desigualdades tornam-se gritantes. As crianças e adolescentes excluídas pela sociedade passam a se tornar, segundo o imaginário social, ameaças para a sociedade (PINHEIRO, 2006).
Nesta terceira concepção, é estabelecido o Primeiro Código de Menores que visava os delinquentes e abandonados. O Estado intervinha sobrepondo-se à família para garantir a higiene e a raça. Com tal Código, os abandonados e/ou bastardos poderiam ser recolhidos para uma instituição com fins carcerários. Nesta fase, as crianças ou adolescentes que eram encontrados habitualmente vagando pelas ruas podiam sofrer a intervenção do Juizado de Menores sendo abrigados em instituições (PINHEIRO, 2006).
Com a criação do Código de Menores, iniciou-se um processo de institucionalização de crianças e adolescentes pobres. Ainda hoje, o país carrega as marcas desse momento histórico. O termo “menor” tem um significado discriminatório, destinado àqueles que de famílias pobres e que sentem “a mão forte do Estado na sua missão segregacionista daqueles que são considerados ameaças ao bom convívio social” (SILVA, 2017, p. 16).
Por fim, a quarta representação social aponta a Criança e o Adolescente como Sujeitos de Direitos, decorrente do intenso movimento social de democracia política vivenciado pela sociedade a partir do final dos anos 70 em diante (PINHEIRO, 2006).
Apesar de toda a problemática citada acima, o Brasil passou a ser obrigado a reestruturar-se nos aspectos legislativos, administrativo, judiciário e nas políticas de atendimento, para que se implatasse de forma eficaz a Proteção Integral para crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e em condição particular de desenvolvimento. Ressalta-se que tais determinações fazem parte do rol de atribuições da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, onde o Brasil atuou como país signatário de tal Convenção (SILVA, 2017).
Além disso, um conjunto de ações de iniciativas comunitárias foram sendo implementadas pelo país. Tal movimento originou o Fórum Nacional em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente. (SILVA, 2017).
A Emenda Constitucional que originou os artigos 227 e 228 da Constituição também foi fundamental e mobilizou a participação da sociedade e de movimentos sociais diretamente ligados à questão da criança e adolescente brasileiros.
Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão...
Art. 228 – São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. (BRASIL, Constituição Federal).
Ainda para Silva (2017), todos os princípios citados acima foram incorporados pela Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990 no Brasil. Assim, o país é colocado como responsável pela adequação de sua legislação aos tratados internacionais sobre os direitos humanos de crianças e adolescentes.
2.2 Estatuto da Criança e do Adolescente
A Lei federal n. 8.069/1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é o marco legal e regulatório dos direitos humanos de crianças e adolescentes no Brasil. Foi criada em 13 de julho de 1990, foi resultado de um amplo debate democrático, capitaneado por movimentos sociais, organizações, articulações e atores da sociedade civil e instituições voltadas para a conscientização e o respeito pela criança e pelo adolescente como sujeitos de direitos (TJSC, 2021).
O Estatuto instaurou a proteção integral, por meio dos seus 267 artigos, e uma carta de direitos fundamentais para a infância e a juventude. O documento considera criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos e adolescente aquele entre 12 e 18 anos de idade (TJSC, 2021).
Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2012) é uma lei que trata da proteção integral às crianças e adolescentes, garantindo todos os direitos de pessoa em desenvolvimento, livre de qualquer discriminação.
O Estatuto trouxe uma mudança de paradigma, pois foi a primeira legislação com a doutrina da proteção integral na América Latina a se inspirar na Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1979 e na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovados pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1989 (TJSC, 2021).
Ressalta-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente é regulador dos art. 227 e 228 da Constituição Federal de 1988, com finalidade de proteger os direitos humanos de crianças e adolescentes. A interpretação do Estatuto está relacionada ao atendimento dos direitos, ou seja, o Estatuto tem por finalidade garantir os direitos humanos das crianças e dos adolescentes (SILVA, 2017).
A Lei preconiza a doutrina da proteção integral às crianças e aos adolescentes e estabelece que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos seus direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (TJSC, 2021).
O Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2012) prevê que:
Art. 18 - A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas (grifo nosso) ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.
Entre tantas questões importantes trazidas pelo Estatuto, além de considerar a criança e o adolescente como sujeito de direitos, surgiram importantes instituições: o Conselho Tutelar, encarregado de trabalhar e zelar pela defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, e os Conselhos de Direitos da Criança, ambos nos âmbitos nacional, estadual e municipal, tendo como atribuições a formulação das políticas nacional, estadual e municipal para crianças e adolescentes, respectivamente (TJSC, 2021).
Castro & Macedo (2019) citam que o ECA apresenta um processo pautado por luta e significado, fruto de um embate da sociedade brasileira sobre o entendimento da infância e da adolescência. Passando, em um primeiro momento de um viés social e político, onde o Estado assumia ações de intervenção voltadas para a repressão e a contensão de crianças pobres, para uma percepção social e construtivista da infância e da adolescência pautada pela Constituição Federal de 1988. Ou seja, crianças e adolescentes são igualados como sujeitos de direitos ainda que as desigualdades econômicas e sociais persistam. Não se trata mais de punição, mas sim, de justiça e reparação, do reconhecimento do direito da infância e da adolescência em sua plenitude.
Dessa forma, o Estatuto da Criança e do Adolescente permanece sendo avaliado como um dos melhores do mundo. É uma das leis mais evoluídas sobre proteção da criança e do adolescente. Sua importância dá-se pelo reconhecimento de que crianças e adolescentes são sujeitos de direito, que vivem em período de intenso desenvolvimento psicológico, físico, moral e social, dignos de receber, com prioridade absoluta, proteção integral (TJSC, 2021).
3 O SISTEMA NACIONAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO
3.1 SINASE
A garantia dos direitos dos adolescentes em atendimento socioeducativo prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente foi regulamentada pela Resolução do Conanda 119/2006 (SILVA, 2017).
Artigo 2º - O SINASE constitui-se de uma política pública destinada à inclusão do adolescente em conflito com a lei que se correlaciona e demanda iniciativas dos diferentes campos das políticas públicas e sociais. (CONANDA, Resolução 119/2006).
A Lei 12.594/12 que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (BRASIL, 2012) regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional e também prevê ações pedagógicas para o atendimento socioeducativo. De acordo com o TJSC (2021): “A Lei do Sinase foi de importância ímpar na garantia dos direitos dos adolescentes em conflito com a lei”.
Neste aspecto, ressalta-se a relevância da instituição do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo pela recente Lei nº 12.594/12 (Lei do SINASE), que, entre outras questões, regulamentou o sistema de responsabilização do adolescente previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. O SINASE é o conjunto ordenado de princípios, regras e critérios, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve desde o processo de apuração de ato infracional até a execução de medida socioeducativa. Esse sistema nacional inclui os sistemas estaduais, distrital e municipais, bem como todas as políticas, planos e programas específicos de atenção ao adolescente em conflito com a lei (SPOSATO; COSTA, 2014).
Através desta Lei, foi realizado um processo de discussão nacional contínuo, onde há a busca de superação dos problemas ainda instalados do atendimento das medidas socioeducativas do SINASE, sobretudo, envolvendo poderes e instâncias distintas, tendo como base a ação articulada que é indispensável para execução de todo atendimento socioeducativo (BRASIL, 2012).
Este Sistema dispõe que os “Planos de Atendimento Socioeducativo deverão, obrigatoriamente, prever ações articuladas nas áreas de educação, saúde, assistência social, cultura, capacitação para o trabalho e esporte, para os adolescentes atendidos” (art. 8º da Lei do SINASE), reafirmando a garantia do acesso aos direitos sociais constitucionalizados e, por outro lado, determinando a necessidade da atuação das variadas esferas das políticas públicas e sociais.
A Lei Federal 12.594/2012 ainda unificou os procedimentos de aplicação e monitoramento das medidas socioeducativas pelo Sistema de Justiça, bem como atribuiu um novo papel de acompanhamento do cumprimento destas, mediante homologação e análise de relatórios do Plano de Atendimento Individual.
Além disso, Sposato (2013) coloca que a regulamentação do SINASE está vinculada à compreensão da natureza jurídica e a finalidade das medidas socioeducativas que, apesar de ter como fim responsabilizar o adolescente pela prática do ato infracional, possui um conteúdo sóciopedagógico evidente que guarda consonância com o exercício dos direitos sociais.
A Lei cuida em dispor sobre vários aspectos atinentes à regulamentação da execução da medida socioeducativa. Neste prisma, ela dispõe sobre normas gerais conceituando alguns institutos, especifica orientações principiológicas, traça o objetivo do sistema, define os programas, as unidades e as entidades de atendimento, bem como a forma de coordenação e implementação do SINASE (BRASIL, 2012).
Essa legislação regulamenta os deveres concernentes a todos os programas de atendimento – meio aberto e de privação de liberdade – com as especificações dos respectivos regimes, além dos critérios adstritos a inscrição nos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente. Por expressa determinação deverá haver avaliação da gestão do atendimento socioeducativo através de órgãos específicos da União, inclusive, prevendo-se, em caso de desrespeito as diretrizes da Lei, a possibilidade de responsabilização dos profissionais envolvidos com o Sistema de Atendimento ao adolescente em conflito com a lei. A legislação também trouxe em seu conteúdo a proveniência dos recursos para financiar o Sistema (BRASIL, 2012).
Em verdade, o SINASE busca detalhadamente orientar a execução das medidas socioeducativas, estabelecendo diretrizes a serem cumpridas nas unidades executoras dessas medidas, ressaltando, sobretudo, o seu caráter excepcional e de brevidade que impliquem na privação de liberdade, reforçando o caráter pedagógico e definindo as formas de gestão do sistema socioeducativo, bem como todos os princípios e parâmetros (BRASIL, 2012).
Refletir sobre as diretrizes que envolvem a Lei do SINASE, a importância dos direitos sociais dos adolescentes institucionalizados, bem como sobre a implementação de políticas públicas voltadas para a efetivação de tais direitos são questões fundamentais para compreender a importância da medida socioeducativa, (GUARÁ, 2012).
3.2 Ato Infracional e a Aplicação das Medidas Socioeducativas
Sabe-se que as medidas socioeducativas estão expressas no Estatuto da Criança e do Adolescente. São medidas relativas à desaprovação em relação ao ato infracional cometido, mas que possui um caráter pedagógico (ECA, 2012).
Com a urbanização do país e o largo processo de industrialização, as condições de vida da população ficaram ainda piores, sobretudo, com a falta de (efetivas) políticas públicas. Dessa forma, a camada mais pobre da população, formada, sobretudo, de descendentes indígenas e negros, continuou à margem da sociedade.
Silva (2017) coloca que o atendimento ao adolescente autor de ato infracional é intrínseco à questão do abandono da infância e adolescência no Brasil. Um processo histórico que aponta um processo de segregação: de um lado constituído por crianças economicamente e socialmente favorecidas, na qual havia todas as possibilidades para seu desenvolvimento pleno e, por outro lado, os menores que ao rigor da legislação não protegia e que a sociedade descriminava, ganhando simbolicamente o status de perigosos, causadores e perpetradores da violência.
É de fundamental importância ressaltar que as Medidas Socioeducativas estão previstas no art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente, porém, apesar de configurarem resposta à prática de um delito, possuem um foco predominantemente educativo e não de caráter punitivo.
O Estatuto deixa claro que as medidas socioeducativas são aplicadas aos adolescentes de 12 a 18 anos, para as crianças (menores de 12 anos) serão aplicadas as medidas protetivas. Os adolescentes que forem apreendidos terão seus direitos preservados. A autoridade competente pela apreensão precisa da prova de materialidade de que realmente o menor praticou o ato infracional. O juiz da vara da infância e juventude deve ser notificado assim como o ministério Público e o responsável pelo adolescente. O tratamento com o adolescente deve ser norteado pelo princípio da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (ECA, 2012).
Fernandes (2002) observa que as medidas adotadas devem ser adequadas ao estágio do processo de formação em que o indivíduo se encontra, para que o desenvolvimento de sua educação básica não fique prejudicado, causando efeitos negativos que interferem no processo de formação desses sujeitos.
Entre as Medidas Socioeducativas atualmente existentes há a Advertência; a Obrigação de Reparar o Dano; Prestação de Serviço à Comunidade; Liberdade Assistida; Semiliberdade e a Internação.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (2012) é considerado ato infracional toda conduta descrita como contravenção penal ou crime e todos aqueles menores de dezoito anos são inimputáveis, porém, estão sujeitos às medidas previstas nesta Lei.
O ECA (2012) ainda cita quais as Medidas Socioeducativas existentes:
Art. 112. Verificada a prática do ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I. Advertência;
II. Obrigação de reparar o dano;
III. Prestação de Serviço à Comunidade;
IV. Liberdade Assistida;
V. Inserção em regime de Semiliberdade;
VI. Internação em qualquer estabelecimento educacional;
VII. Qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
A advertência nada mais é do que a recriminação verbal, que será reduzida a termo e assinada. Já sobre a obrigação em reparar o dano significa que em casos de atos infracionais com prejuízos patrimoniais, a autoridade poderá determinar que o adolescente restitua, promova o ressarcimento ou compense o prejuízo da vítima (ECA, 2012).
Sobre a Prestação de Serviço à Comunidade (PSC), consiste na realização de tarefas voluntárias de interesse geral, que não ultrapasse período de seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas, programas governamentais ou comunitários. Tais tarefas devem ser atribuídas conforme aptidão do adolescente, com jornada máxima de oito horas semanais, de modo a não prejudicar à escola ou o trabalho.
Em relação à Liberdade Assistida, a mesma será adotada “sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente” (ECA, 2012, art. 118, p. 89). A Liberdade Assistida tem como função promover socialmente o adolescente e sua família, oferecendo inserção em programas de auxílio e assistência social; supervisionar o aproveitamento e a frequência escolar do adolescente; auxiliar na inserção no mercado de trabalho e, posteriormente, apresentação de relatório sobre o caso.
Sobre o regime de Semiliberdade, pode ser considerado como forma de transição para o meio aberto, possibilitando a realização de atividades externas. Já a Internação constitui, segundo o ECA (2012), como medida privativa de liberdade, entretanto, sujeita aos princípios de “brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento” (ECA, 2012, art. 121, p. 90).
A medida socioeducativa de internação é a mais gravosa das medidas socioeducativas e, segundo Volpi (2014, p. 25), “a reclusão de um jovem em um estabelecimento deve ser feita apenas em último caso e pelo espaço de tempo necessário, devendo ser aplicada pela excepcionalidade”.
De acordo com a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, vinculada ao Ministério da Justiça e Cidadania, no período correspondente entre 1996 a 2006, este último ano da criação do SINASE, triplicou o número de adolescentes cumprindo medidas de internação, passando de 4.245 para 14.074, apesar da orientação contrário do ECA que estabelece a medida de internação como excepcional.
Embora os dados apontem o contrário, as ações pedagógicas devem sobrepor o caráter sancionatório, mesmo que as Medidas Socioeducativas possuam questões jurídicas, ou seja, previsão legal, determinadas por uma autoridade judicial, ouvido o Ministério Público, com direito a ampla defesa.
Nesse sentido, respeitando-se dentre outros princípios gerais do direito, o do devido processo legal, é cabível a aplicação de sanções a adolescentes menores de 18 anos de idade que pratiquem crime ou contravenção penal, no caso, denominados de ato infracional, desde que esta aplicação decorra da apreciação judicial e de competência exclusiva do Juiz (Súmula 108 do STJ), lembrando sempre que tais medidas não possuem natureza de pena, mas de medida socioeducativa (COSTA, 2000).
A Medida Socioeducativa conota aspectos coercitivos e educativos (Volpi, 1999). O ECA (BRASIL, 2012) confirma esses aspectos ao mencionar que a Medida Socioeducativa tem aspectos jurídico sancionatório e a dimensão ético pedagógico. Podemos então definir que ela possui um caráter de “punição”, e, ao mesmo tempo, um caráter educativo, ao oferecer condições para que esse adolescente possa refletir sobre seus atos e tenha condições de retornar ao convívio social e comunitário.
4 DISCUSSÃO DOUTRINÁRIA ACERCA DA NATUREZA JURÍDICA DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
Conforme visto no capítulo anterior, quando um menor pratica um ato delituoso, o mesmo não responde penalmente, todavia deverá cumprir medidas socioeducativas, que o compromete a responder pelo ato praticado, porém sempre com intuito educativo e ressocializador, respeitando o nível de complexidade do ato e a realidade do próprio menor (COSTA, 2000).
O Código Penal brasileiro, antes mesmo do Estatuto, já trazia o entendimento de serem os menores plenamente inimputáveis e ficando a Legislação especial com a responsabilidade de normatizar o assunto. Em seu art. 27, o Código Penal estabelece que “Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.” (BRASIL, 2016).
Adultos não incorrem em ato infracional, assim como menores não incorrem em crime, sendo que essa concepção deve ser sempre considerada ao analisar a situação de um menor frente ao cometimento de ato ilícito. “Para o ECA somente os adolescentes são autores de atos infracionais, ou seja, ao maior de 12 e menor de 18 anos, idade onde termina a inimputabilidade” (D’ANDREA, 2005, p. 85-86).
Sendo assim, como aponta Silva (2015), impera ressaltar o entendimento de que é imprescindível o preenchimento de todos os requisitos que são exigidos em lei penal para a responsabilização do adulto para que assim se proceda com os adolescentes, mitigando-se o elemento da culpabilidade. Nesse sentido, deve ser comprovado o nexo de causalidade entre a ação ou omissão praticada pelo adolescente e o resultado reprovável obtido para se tornar cabível a aplicação de qualquer medida socioeducativa.
Das medidas socioeducativas previstas em lei, a medida de internação é considerada a mais grave, devendo ser aplicada somente em caso de excepcionalidade, quando não há nenhuma outra mais apropriada ao caso em questão (silva, 2015). O art. 100 caput, do ECA dispõe expressamente sobre a temática, ao prever que: “Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários” (CONDECA, 2012).
Todavia, a grande discussão jurídica que rodeia as Medidas Socioeducativas é que se elas, dentro do ordenamento jurídico, teriam unicamente um caráter pedagógico, um caráter penalógico ou ambos, possuindo em si as duas faces. Ainda, essa discussão ganha um peso maior quando se discute a internação, pois as semelhanças e diferenças com a pena privativa de liberdade podem ser muito tênues quando observadas na prática (SILVA, 2015).
Silva (2015) aponta que no campo doutrinário pairam diferentes posicionamentos a respeito da natureza jurídica das medidas socioeducativas, o que vem a demonstrar a ausência de uma maior clareza no ordenamento jurídico pátrio acerca da configuração de tais medidas, em que pese as mencionadas normas que as disciplinam.
Na linha de que vige o caráter punitivo nas medidas socioeducativas, menciona-se o entendimento de Sposato (2006) segundo o qual tais medidas em nada diferem das penas, tendo, portanto, natureza penal; e, ademais, que representam o exercício do poder coercitivo do Estado, que realiza pelas medidas uma limitação ou restrição ao gozo dos direitos de liberdade.
Por outro lado, salienta-se a compreensão de Martins (2004) no sentido de que a ordem jurídica atual positivou uma política funcional que visa a proteção integral da criança e do adolescente,baseando-se, para tanto, em instrumentos não mais repressivos, mas pedagógicos, respeitando a condição peculiar de desenvolvimento dos sujeitos de direitos.
Liberati (2006, p. 66) também diz que “malgrado a imputabilidade dos menores de dezoito anos, não lhes cabendo ausência de responsabilização pela sua conduta”. Assim, compreende pela existência de um sistema de responsabilização que, contudo, não se enquadra na esfera penal.
Ainda assim, Zaffaroni et al. (2003) concebe um punitivismo existente nas respostas institucionalizadas conferidas aos jovens infratores, o qual se faz ocultado, ao ser apresentada uma função manifesta não-punitiva de socioeducação:
Mas fora dessas situações claras e extremadas, a maior parte do poder estatal tem funções manifestas não punitivas e latentes que são ou podem ser punitivas. Nesse enorme espaço observam-se:[...] situações em que a função latente punitiva é quase invariável e clara institucionalização de crianças e adolescentes infratores sob função manifesta de tutela). (ZAFFARONI et al., 2003, p. 88).
Portanto, em virtude de toda a discussão em torno do ordenamento jurídico das Medidas Socioeducativas, observa-se que a legislação vigente progrediu historicamente no trato das crianças e adolescentes, todavia, essa concepção não conseguiu alcançar níveis reais, práticos e normativos, fazendo com que a sociedade ainda clame por uma punição em detrimento da socioeducação. E o mais alarmante, punição esta já presente, por exemplo, nas Medidas Socioeducativas de internação. Essa deturpação jurídica faz com que se afaste o gozo das garantias constitucionais (SILVA, 2015).
5 O ADOLESCENTE INFRATOR E A REALIDADE BRASILEIRA
Os adolescentes autores de atos infracionais são, em sua imensa maioria, oriundos de famílias pobres, em situação de vulnerabilidade, sem acesso às políticas públicas e com poucas oportunidades. A violência doméstica, a baixa escolaridade, a ausência da figura de referência e, ainda, o histórico familiar, contribuem para o cometimento de infrações. O fator econômico, que é o grande causador das diferenças sociais, contribui para o envolvimento de pessoas com o ilícito. Entretanto, não se pode afirmar que pobreza e criminalização estejam intimamente relacionadas e muito menos podemos afirmar que pobreza é sinônimo de criminalidade. No entanto, a mídia, que é um veículo que influencia e forma opiniões, parece “dar ênfase” ao envolvimento de adolescentes no meio delitivo, principalmente os adolescentes pobres (VOLPI, 2014).
Padovani e Ristum (2013), dizem que:
De um modo geral, tanto o cometimento de atos infracionais como a reincidência e a violência impressa nesses atos têm sido discutidos pela sociedade e, principalmente, pela mídia, ambos envoltos em preconceitos que não apenas distorcem a realidade, mas também alimentam a indiferença, a estigmatização e o estreitamento das análises acerca do tema (p. 971).
Dados extraídos do Diário Oficial do Estado de São Paulo revelam que, no último semestre de 2016, 41.877 prisões de pessoas adultas, e que, no mesmo período, foram realizadas 6.061 prisões de adolescentes pela mesma modalidade (lei 9155/95 e resolução 161/01), ou seja, de um universo de 47.938 pessoas presas no Estado, 12,64% refere-se a adolescentes.
Levantamento realizado em 2014 pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (SDH, 2014) demonstrou existir uma população de 24.042.852 adolescentes com idade de 12 a 18 anos. Nesse mesmo período, havia 67.336 adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa (MSE) em prestação de serviços a comunidade (PSC) e em liberdade assistida (LA), ao passo que 24.628 estavam cumprindo MSE em privação de liberdade, porém 16.902 em regime de internação em meio fechado. Desses adolescentes privados de liberdade, apenas 3.612 adolescentes cometeram infrações contra a vida. Pelos dados apresentados, é possível perceber que o envolvimento de adolescentes nos crimes contra a vida é menor do que é divulgado pela mídia.
Os atos infracionais com maior incidência são os de roubo e de tráfico de drogas, conforme demonstrado em relatório elaborado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (SNPDCS, 2014).
Os dados podem sugerir que o cometimento de atos infracionais pode estar vinculado ao consumo. Volpi (2014) fala do desejo dos adolescentes em possuir bens materiais, tais como, celulares, tênis, roupas, relógios de marca, correntes e acessórios da moda, e do ato infracional como a maneira que eles encontraram em adquirir tais produtos e se sentirem visíveis e/ou reconhecidos no meio em vivem.
O perfil do adolescente em conflito com a lei está atrelado à vulnerabilidade, à violência doméstica e social, ao abandono, ao fracasso e exclusão escolar e ao consumo de bens e de drogas. Porém, a sociedade, baseada no senso comum, estigmatiza e rotula esses adolescentes como bandidos, delinquentes, pivetes e marginais. Esquece-se que, apesar dos atos cometidos, são adolescentes, pessoas em desenvolvimento e que devem ter seus direitos garantidos, conforme preconiza a legislação (VOLPI, 1999).
Costa (2000) pontua que a medida socioeducativa não pode ser considerada e executada apenas em seu aspecto punitivo/retributivo, sob o risco de perder seu caráter socioeducativo. Deve essa medida, sobretudo, estar alicerçada na interdisciplinaridade, no atendimento multiprofissional, que garantirá intervenções de ordem pedagógica, social, comunitária. Com isso, mais do que punir o jovem, a intenção é alterar sua conduta e levá-lo a compreender que deve mudar sua conduta para o futuro. Dessa maneira, os projetos sociais pedagógicos devem estar edificados nessas diretrizes.
No entanto, Costa (2000), observa as dificuldades com relação a esta demanda, principalmente, no que condiz a respeito da omissão do Estado. Logo, faz-se necessário que o Estado ocupe o seu espaço e crie políticas públicas, para evitar o envolvimento e a reincidência do adolescente com a criminalidade e os atos infracionais. Assim:
Esta é uma responsabilidade da federação, envolvendo a União, estados e municípios, porém, destaca-se que os municípios têm nas mãos uma grande responsabilidade: a de articular as forças políticas, sociais e comunitárias em âmbito local, de forma preventiva e através da intervenção direta quando da prática de atos infracionais, por meio das medidas socioeducativas em meio aberto e com maior afinco (COSTA, 2000, p. 26).
O autor citado acima também ressalta que é preciso investir com mais efetividade na prevenção mediante a implementação de políticas públicas, que sejam capazes de encaminhar nossas crianças e adolescentes para o caminho da verdadeira cidadania. Punir é relevante, porém, não é uma ação de grande valia quando não ocorre conjuntamente com um trabalho de ressocialização do adolescente.
Conforme visto neste artigo, a legislação brasileira tem se mostrado muito avançado no que se refere ao adolescente autor de atos infracionais. De um contexto histórico opressor e punitivo para a Doutrina de Proteção Integral amparada pela Constituição Federal que culminou na criação do Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei nº 12.594/12 que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE.
Apesar destes importantes avanços, ainda há uma importante discussão acerca do ordenamento jurídico sobre o caráter punitivo das Medidas Socioeducativas, principalmente, no que tange à Medida Socioeducativa de Internação. Observa-se que a legislação vigente progrediu historicamente no trato das crianças e adolescentes, todavia, essa concepção não conseguiu alcançar níveis reais, práticos e normativos, dando características semelhantes à pena de privação de liberdade, demonstrando a ausência de uma maior clareza no ordenamento jurídico pátrio acerca da configuração de tais medidas.
Ausência de clareza que se mostra na divergência de diferentes autores e juristas que defendem o caráter punitivo, que o denunciam, que defendem a sua finalidade pedagógica ou que observam a sua ausência.
O artigo ainda analisa que a incidência de atos infracionais pode estar diretamente ligada a vulnerabilidades sociais e ausência de políticas públicas e do Estado, o que significa que apesar de todo o aparato legislativo, este ainda não consegue ser suficiente para alcançar a realidade de milhares de crianças e adolescentes.
Portanto, analisa-se que todas as garantias necessárias à proteção integral já estão previstas na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo necessário um avanço em direção aos direitos humanos, reconhecendo-se a autonomia de um Direito Infracional que aplique de forma integral e eficiente as disposições constitucionais.
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graduando em Direito pela Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PACHECO, Pedro Henrique Merigui. Ato infracional e a aplicação das medidas socioeducativas: uma reflexão sob a ótica do sistema jurídico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jan 2023, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60838/ato-infracional-e-a-aplicao-das-medidas-socioeducativas-uma-reflexo-sob-a-tica-do-sistema-jurdico. Acesso em: 26 dez 2024.
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