Resumo: O presente artigo visa analisar os atuais conflitos de soberania e jurisdição relativos à busca e apreensão de dados eletrônicos na internet como meios de prova em processos criminais e os desafios do direito internacional para criar mecanismos multilaterais mais eficazes e adequados ao ambiente digital. Nesta linha, a cooperação judiciária internacional será utilizada como principal via para a definição de balizas que melhor se adequem à internet e atendam aos fins de prevenção e combate aos crimes transnacionais, respeito à soberania e aos direitos humanos.
Palavras-chave: direito internacional; soberania e jurisdição; dados eletrônicos e internet; cooperação internacional.
Abstract: This article aims to analyze the current conflicts of sovereignty and jurisdiction related to the search and seizure of electronic data on the internet as evidence in criminal cases and the challenges of international law to create multilateral mechanisms that are more effective and adequate to the digital environment. In this line, international judicial cooperation will be used as the main route for defining beacons that are best suited to the internet and serve the purposes of preventing and combating transnational crimes, respecting sovereignty and human rights.
Keywords: international law; sovereignty and jurisdiction; electronic data; international cooperation.
1.Introdução
O mundo não é o mesmo desde o surgimento da internet. As mudanças são notórias em todos os aspectos da vida humana, desde as relações sociais privadas até as relações econômicas, financeiras e políticas.
A internet desconhece barreiras físicas e consegue conectar, instantaneamente, indivíduos, empresas e organizações de todo o mundo em um ambiente integrado e totalmente digital. Assim, a internet proporciona o desenvolvimento de meios de comunicação mais céleres e eficazes, a ampliação do acesso à informação e gera uma economia dinâmica e transnacional.
Neste sentido, é possível entender a internet como o grande motor da “compressão tempo/espaço”[1] da pós-modernidade ou da modernidade líquida,[2] na denominação cunhada por Zygmmund BAUMAN.
Hoje, os reflexos da internet nas relações transnacionais estão presentes não apenas no cenário de grandes empresas e organizações, mas no dia a dia de qualquer cidadão comum. Essa transformação digital pode ser constatada no desenvolvimento de diversos setores, como redes sociais, aplicativos de comunicação digital, serviços bancários e pagamentos online, comércio eletrônico (e-commerce), ensino à distância (e-learning), entre outros serviços.
A pandemia do COVID-19, deflagrada no ano de 2020, acelerou ainda mais o processo de informatização da vida humana. A necessidade de isolamento social, com a consequente imposição de home office, elevou a demanda por serviços eletrônicos de forma substancial. Para ilustrar o mencionado, em abril de 2020, a Zoom, empresa norte-americana que oferta de serviços de conferência, anunciou que ultrapassou a marca de 300 milhões de pessoas em reuniões online por dia, enquanto que em dezembro de 2019, a média foi de apenas 10 milhões.[3]
A despeito dos avanços mencionados, a globalização provocada pela internet também proporcionou o desenvolvimento de efeitos colaterais perversos. Um deles fora o crescimento do crime de natureza transnacional.[4]
Nos últimos anos, a humanidade assiste ao crescente número de organizações criminosas interconectadas em todo o mundo, que praticam crimes de viés internacional, os chamados “crimes of the powerful”,[5] além do número cada vez maior de infrações cibernéticas, que também não conhecem fronteiras.
Nesse contexto, se tornou imperativa a necessidade de regulação e de definição dos limites da soberania em relação à internet, em especial, do exercício da jurisdição, seja ela legislativa, judicial ou executiva. Isto porque, para exercer o ius puniendi estatal, ou seja, para investigar, solucionar, bem como punir os infratores de crimes transnacionais, os Estados necessitam cada vez mais de dados eletrônicos que estão armazenados fora de suas fronteiras e da execução de medidas persecutórias no exterior.
À primeira vista, poderia se pensar que a solução de tal questão passaria pela adoção de mecanismos de cooperação judiciária consolidados no âmbito do direito internacional, como as cartas rogatórias e o auxílio direto via tratados de assistência jurídica.
No entanto, o desafio surge quando tais meios de cooperação judiciária, ditos tradicionais, não se mostram suficientes e/ou adequados para lidar com o ambiente digital, que provocou rupturas em padrões, modelos ou tecnologias já conhecidos.
O presente estudo busca analisar, sob o prisma do direito internacional público, como os Estados têm atuado na obtenção de dados eletrônicos para prevenção, investigação e enfrentamento da crescente dos crimes transnacionais, levando em consideração os percalços envolvendo conflitos de soberania, territorialidade e jurisdição no ambiente transfronteiriço da internet.
Assim, para a investigação do tema proposto, serão inicialmente analisados os princípios elementares do direito internacional público de soberania, jurisdição e territorialidade, bem os instrumentos de cooperação judiciária internacional consolidados, tendo como pano de fundo o exercício do poder punitivo estatal.
Em um segundo momento, o foco será dirigido à análise dos desafios dessa interação entre Estados soberanos no contexto da coleta de dados eletrônicos disponíveis na internet. Na oportunidade, será examinada a aplicação dos critérios de delimitação de jurisdição tradicionais e dos meios de cooperação judiciária atuais para a coleta de dados eletrônicos. Em seguida, serão analisadas algumas práticas unilaterais de Estados, que, com vistas à obtenção dos dados de forma célere e eficaz para o combate aos crimes transnacionais. ultrapassam os limites do seu território. Por outro lado, também serão examinados os efeitos reversos que a negativa injustificada da transferência de dados pode causar, como o fomento à criação de “paraísos de dados”, o que favoreceria o acobertamento de provas e a impunidade do crime organizado internacional.
Por fim, longe de almejar o esgotamento do tema, o trabalho lança luz sobre a possibilidade de enfrentamento da questão pela via cooperativa entre os Estados, a partir da harmonização de critérios de jurisdição de dados eletrônicos e de revisão dos acordos de cooperação judiciária, de modo a alcançar o equilíbrio entre as necessárias ações de prevenção, investigação e combate aos crimes internacionais, e o respeito à soberania e aos direitos humanos.
2.Soberania, jurisdição e territorialidade: contornos e limites do exercício do ius puniendi estatal
Atualmente, o conceito de soberania amplamente aceito pela doutrina internacionalista se aproxima da noção de independência e igualdade entre os Estados-Nação[6]. Em outras palavras, a relação entre Estados soberanos é horizontal, afastada qualquer ideia de subordinação formal, seja ela política ou jurídica.
Uma das manifestações típicas da soberania é o exercício do ius puniendi estatal, que nada mais é do que o direito o Estado de punir os crimes cometidos em seu território, como instrumento de manutenção da ordem social interna e externa.
Por sua vez, o exercício da soberania estatal e, consequentemente, do ius puniendi, são limitados ao âmbito da jurisdição do Estado, o que significa que a competência para produzir normas e aplicar sanções deve ser exercida dentro dos limites do seu domínio, ou seja, do seu povo e seu território.[7]
A jurisdição dentro do território de um Estado soberano é plena e exclusiva, isto é, no exercício da sua competência legislativa, administrativa e jurisdicional, o Estado não enfrenta concorrência de qualquer outra soberania. Como ensina José Francisco REZEK, “só ele pode, dessarte, tomar medidas restritivas contra pessoas, detentor que é do monopólio do uso legítimo da força pública”.[8] Há, aqui, uma nítida relação com o princípio da não ingerência, segundo o qual cada Estado soberano deve agir dentro da sua competência, devendo abster-se de interferir no domínio alheio.[9]
Malcolm SHAW distingue a jurisdição em legislativa, judicial e executiva. Como ressalta o internacionalista, as jurisdições legislativa e judicial podem ter aplicação extraterritorial, baseadas nos princípios da nacionalidade, residência, personalidade passiva, proteção, ou até no princípio da universalidade.[10] Por outro lado, a jurisdição executiva do Estado soberano não pode desbordar do seu território para interferir na jurisdição de outro Estado soberano.[11]
Nesta esteira, para a delimitação da jurisdição executiva, vigora no direito internacional público o princípio da territorialidade[12]. A Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional (Convenção de Palermo) é um exemplo prático de adoção desse critério, ao dispor seu artigo 4.º, 2, que “o disposto na presente Convenção não autoriza qualquer Estado Parte a exercer, no território de outro Estado, jurisdição ou funções que o direito interno desse Estado reserve exclusivamente às suas autoridades.”
Assim, de acordo com os princípios elementares de direito internacional, o cumprimento de medidas executórias (busca e apreensão, congelamento de bens, prisão, entre outras), pressupõe o consentimento e a cooperação do Estado em que este esteja localizado, de maneira a resguardar a soberania e o respeito à territorialidade deste.
2.1. Os instrumentos tradicionais de cooperação judiciária internacional para a coleta de provas entre Estados soberanos
A criação de instrumentos de cooperação judiciária internacional surgiu, nesse contexto, para viabilizar o cumprimento de medidas executórias solicitadas por um Estado soberano em território de outro Estado, mediante a colaboração recíproca. Sobre o assunto, o Professor André de Carvalho RAMOS assim detalha:
na medida em que a jurisdição estatal encontra limites, em geral atrelados ao seu território, surge a necessidade do Estado contar com a colaboração dos demais para fazer valer suas decisões sobre pessoas, bens e condutas localizados ou realizados fora do seu território, no que se denomina cooperação jurídica internacional. Nesse sentido, a cooperação jurídica internacional consiste no conjunto de regras internacionais e nacionais que rege atos de colaboração entre Estados, ou mesmo entre Estados e organizações internacionais, com o objetivo de facilitar o acesso à justiça.[13]
Tradicionalmente, para a obtenção de provas no exterior, os Estados utilizam de instrumentos como cartas rogatórias ou auxílio judiciário direto mediante tratados de cooperação judiciária.
A carta rogatória é o instrumento mais comum e tradicional de cooperação internacional, por meio do qual um Estado, em regra, pelo seu Poder Judiciário, solicita a outro a execução de diligências, como produção probatória, comunicação de atos processuais e outras medidas em relação a bens e indivíduos localizados no território deste.[14]
Além disso, os Estados podem celebrar acordos de cooperação judiciária, bilaterais ou multilareais, a fim de uniformizar procedimentos de auxílio judiciário direto, de modo a conferir maior celeridade na análise e no cumprimento das diligências entre suas jurisdições.
Os acordos bilaterais de mútua assistência judiciária, comumente conhecidos como Mutual Legal Assistance Treaties – MLATs, foram desenvolvidos com o fim de criar procedimentos abreviados de assistência judiciária internacional em processos de investigação, inquéritos, ações penais e prevenções de crimes entre os Estados-Partes.
O procedimento de assistência por meio de MLATs, em regra, ocorre com base em pedidos formais entre as autoridades centrais, que variam em cada país.[15] O Estado requerente deve descrever os fatos sob investigação, indicar as provas requeridas, as normas aplicáveis, instruir com documentos, além de demonstrar o motivo e a finalidade da prova.[16] Seguido o procedimento, a autoridade do Estado requerido deve analisar a possibilidade de execução da medida dentro dos limites do seu ordenamento jurídico, no intuito de harmonizar as legislações.[17]
Por sua vez, como exemplo do modelo multilateral, pode-se citar a Convenção de Palermo, que em seu artigo 18.º prevê a utilização de pedido de auxílio judiciário para fins de coleta de provas, realização de buscas, apreensões e congelamentos, exames de objetos e de locais, fornecimento de informações, pareceres de peritos, entre outros, quando tais elementos estejam localizados no território de outro Estado.
Os citados instrumentos de cooperação judiciária internacional funcionam sem grandes dificuldades quando têm por objeto bens corpóreos ou indivíduos. Contudo, conforme será analisado no tópico abaixo, o ambiente digital coloca em xeque não apenas a atualidade daqueles, mas também a sua eficácia.
3. A (in)existência de fronteiras na internet e os desafios da cooperação judiciária para a obtenção de dados eletrônicos no combate aos crimes transnacionais
Assim como os demais aspectos da vida humana, o crime também passou a utilizar a tecnologia a seu favor e ganhou contornos transnacionais. O uso da internet não apenas facilitou a organização e o crescimento de diversos crimes transnacionais, como deu lugar ao surgimento de cibercrimes[18].
Os números relativos ao cibercrime representam bem o cenário descrito.
O relatório de crimes da internet de 2019 publicado pelo Departamento Federal de Investigação – FBI, em inglês, aponta que foram recebidas mais de 467.361 ocorrências pelo centro de denúncias de crimes da internet – IC3, que correspondem a mais de USD 3.5 bilhões de dólares em perdas para indivíduos e empresas.[19]
Por sua vez, o relatório da Organização Internacional de Polícia Criminal – INTERPOL sobre o cibercrime na região asiática aponta que a pandemia do COVID-19, ao mesmo passo em que engendrou uma aceleração na transformação digital de muitos Estados, também elevou o número de crimes tecnológicos.[20] De acordo com os dados constantes no documento, o mercado de cartões cresceu 116%, passando de USD 880 milhões de dólares em 2019 para USD 1.9 bilhões de dólares em 2020.
No mesmo sentido, o relatório do Serviço Europeu de Polícia – EUROPOL de 2020 sobre crime organizado na internet indica um aumento dos números de cibercrimes durante a pandemia.[21] De acordo com o relatório, os crimes de comércio e transmissão de livestreaming de abuso sexual infantil se tornaram mais populares durante a crise do COVID-19. Segundo o estudo, os vídeos mais populares na União Europeia foram produzidos nas Filipinas e na Romênia.
A investigação desses crimes e o rastreio dos criminosos são tarefas difíceis para as autoridades estatais, uma vez que uma das principais fontes de provas de autoria e materialidade são os dados eletrônicos relacionados ao delito. As dificuldades podem ser resumidas em três características inerentes às provas digitais: i) o anonimato; ii) a transitoriedade, e iii) a fluidez.
A primeira barreira para a utilização das provas eletrônicas consiste na existência do anonimato, da criptografia e outros meios de camuflagem de identificação na internet. Até mesmo o produto do crime pode ser “blindado” de identificação pelo uso de criptomoedas, por exemplo.
A segunda dificuldade é verificada na velocidade de obtenção dessas provas. Isso porque, os dados eletrônicos normalmente são transitórios e possuem prazo de armazenagem curto (entre 90 e 180 dias). Por isso, eles precisam ser obtidos de forma ágil, sob pena de serem definitivamente perdidos.
O terceiro e mais complexo obstáculo reside no fato de que os dados eletrônicos são fluidos, isto é, eles podem ser armazenados em qualquer lugar do mundo, transitando livremente por várias jurisdições, sem enfrentar barreiras físicas.
Assim, no exercício das atividades policial e investigativa referentes a esses crimes, as autoridades legais constantemente enfrentam o desafio de obter acesso, tempestivamente, aos dados eletrônicos armazenados em território estrangeiro, muitas vezes, sob a guarda de uma empresa provedora de internet com sede no exterior.
Para dar um exemplo hipotético, imagine-se um vídeo de pornografia infantil cuja produção do conteúdo ilícito é feita nas Filipinas, mas o servidor no qual o vídeo é processado está sediado nos Estados Unidos da América, já o armazenamento dos dados é feito em um data center localizado no Panamá e o comprador, reside na Alemanha.
Nesse caso, a autoridade legal das Filipinas, local onde o crime é cometido, necessitaria obter acesso célere aos dados eletrônicos do vídeo para identificar os criminosos, promover o inquérito, a ação penal e exercer o ius puniendi estatal. Diante das características específicas dos dados eletrônicos, principalmente a sua fluidez, poderia a autoridade filipina acessá-los remotamente, sem invadir a jurisdição dos demais Estados envolvidos?
Essa é uma questão que, atualmente, tornou-se palco de muitos conflitos internacionais, conforme será desenvolvido nos tópicos seguintes.
3.1. Os desafios da delimitação de jurisdição dos dados eletrônicos
Alguns entusiastas, principalmente no início da era digital, defendiam que a internet, devido ao seu caráter global, seria um território totalmente livre e sem lei, pois não teria raízes em nenhum Estado.[22]
Porém, essa ideia foi abandonada à medida em que a internet, paulatinamente, ampliou o seu papel na sociedade e passou a ser utilizada para diversos fins, inclusive para a prática de delitos. Não obstante, embora necessária, a intervenção do Estado enfrenta muitos obstáculos.[23]
Um dos grandes desafios para o direito internacional é a delimitação do exercício da jurisdição executiva sobre os dados disponíveis na internet, de modo a garantir o respeito à soberania e ao princípio da não ingerência entre os Estados. Isso porque, o critério da territorialidade, tradicionalmente aceito, não se aplica com facilidade ao ambiente digital. Deveras, ao contrário dos elementos físicos que, por sua própria natureza, possuem coordenadas precisas de latitude e longitude, os dados eletrônicos são fluidos e podem ser acessados a partir de qualquer lugar do planeta.
Em linhas gerais, há dúvidas significativas quanto ao exercício da jurisdição executiva pelo menos: i) no local onde os dados são acessados; ii) no local onde os dados são armazenados fisicamente; ou iii) no local da sede do provedor no qual os dados são armazenados.
No caso Microsoft Inc. (Irlanda) vs. U.S. Department of Justice, que será examinado na sequência, o governo norte-americano defendeu a aplicação do primeiro critério sob o fundamento de que o acesso remoto aos dados eletrônicos não ofenderia a soberania de outros Estados, já que não haveria intervenção física em seus territórios.
A aplicação do critério baseado no local do armazenamento físico dos dados (data centers, discos rígidos, fitas magnéticas etc.) foi adotado na Convenção sobre o Cibercrime do Conselho da Europa (2001).[24]
Por outro lado, alguns juristas, a exemplo de Antenor MADRUGA[25] e José Francisco REZEK,[26] defendem a aplicação do critério da sede do provedor de serviços de internet (SaaS), o qual seria o detentor do controle do acesso aos dados eletrônicos.
Ocorre que, em qualquer dos casos, é possível verificar lacunas capazes de gerar ruídos entre Estados soberanos.
Em primeiro lugar, o fato de poder ser acessado remotamente não afasta a aplicação dos princípios basilares do direito internacional, como o da soberania e o da não ingerência. Ao acessar unilateralmente os dados, sem o consentimento dos demais Estados envolvidos, a autoridade pode violar as regras internas daquelas jurisdições, sobretudo as normas de proteção de dados. Na União Europeia, por exemplo, vigora o Regulamento Geral de Proteção de Dados – RGPD 2016/679, que possui regras rígidas de proteção de dados e limita as transferências de dados para Estados terceiros (Artigos 44.º a 49º).
No que se refere ao critério do armazenamento, apesar de parecer o mais seguro do ponto de vista da doutrina tradicional, ele não se adequa à realidade dos dados eletrônicos. Com efeito, os dados eletrônicos, formados por bits, não se submetem às leis da física, de modo que podem ser armazenados em qualquer lugar do planeta e transferidos de um lugar para outro em questão de segundos. E mais, os dados podem ser divididos em diversas partes[27], cada uma delas armazenada em um lugar distinto[28], além de poderem ser replicados[29] e transmitidos em diversos lugares do mundo ao mesmo tempo. Em outras palavras, é possível afirmar que os dados eletrônicos não possuem endereço fixo, ou seja, são “multiterritoriais”[30]
Vale ressaltar que o usuário geralmente desconhece o local de armazenamento de dados, de tal modo que um e-mail enviado por um usuário na Itália para um destinatário na Índia, pode ser armazenado na China, sem que o cidadão italiano tenha qualquer relação com aquela jurisdição. Ou seja, trata-se de um critério que transferiria ao provedor de serviços de internet o poder de escolher, ao seu livre arbítrio, a jurisdição à qual se submeteria o tratamento dos dados.
Em estudo sobre o tema, Jennifer DASKAL aponta os motivos pelos quais o critério da territorialidade com base no local do armazenamento dos dados não se adequa perfeitamente ao ambiente digital:
After all, territorial-based dividing lines are premised on two key assumptions: that objects have an identifiable and stable location, either within the territory or without; and that location matters—that it is, and should be, determinative of the statutory and constitutional rules that apply. Data challenges both of these premises. First, the ease, speed, and unpredictability with which data flows across borders make its location an unstable and often arbitrary determinant of the rules that apply. Second, the physical disconnect between the location of data and the location of its user—with the user often having no idea where his or her data is stored at any given moment—undercuts the normative significance of data’s location.[31]
Por outro lado, a localização da sede do provedor de serviços de internet tampouco constitui um critério suficiente para delimitar a jurisdição dos dados eletrônicos. Em primeiro lugar, porque se trata de uma pessoa jurídica privada que figura como um terceiro na relação jurídica. Além disso, mais uma vez, aqui, a jurisdição decorreria de uma escolha arbitrária do provedor de serviços de internet, que poderia manipular o estabelecimento de sua sede em uma jurisdição de sua preferência. Assim, a adoção desse critério poderia gerar o desenvolvimento de data heavens, jurisdições com regras rígidas de sigilo, que podem ser usadas para “blindar” os dados e ocultar crimes.
Como se vê, o caráter “multiterritorial” dos dados eletrônicos desafia o critério da territorialidade. Dessa forma, no contexto atual, esse critério, por si só, não serve para definir os limites da jurisdição sobre os dados eletrônicos, o que tem gerado diversos conflitos de jurisdição, conforme será analisado abaixo.
3.2. A insuficiência dos instrumentos tradicionais de cooperação judiciária internacional e os conflitos de jurisdição internacional
Os instrumentos de cooperação judiciária internacional, por sua vez, não acompanharam a evolução tecnológica e a transnacionalização do crime, de modo a permitir que os Estados estivessem preparados para enfrentar o problema de forma eficiente e adequada.
De fato, os instrumentos tradicionais, que, regra geral, exigem procedimentos formais e burocráticos, são alvos de críticas por parte da doutrina e das autoridades judiciárias, sobretudo pela falta da celeridade necessária para a apreensão de dados eletrônicos.[32]
Os requerimentos via MLATs que, como era de se esperar, tiveram um crescimento substancial no contexto atual, tornaram-se morosos, atingindo o tempo de resposta médio de 10 meses.[33] Além disso, em sua grande maioria, os MLATs foram celebrados antes da globalização da internet e não possuem regras específicas para a regulação de transmissão de dados eletrônicos. Não há definição de critérios de jurisdição e nem regras de proteção dos dados para garantir o respeito à privacidade dos cidadãos dos Estados-Partes.
Por tais razões, tornaram-se cada vez mais comuns os casos de autoridades legais que, por necessitarem com urgência dos dados eletrônicos - muitas vezes para coibir a prática de crimes graves - descartaram a via diplomática e buscaram meios alternativos para obterem os dados.
É indene de dúvidas que o Estado soberano tem direito de exercer o ius puniendi relativamente aos crimes cometidos em seu território, e para tanto, possui direito a obter as provas necessárias ao processamento da persecução penal. A controvérsia surge, porém, quando se observa que os meios alternativos utilizados pelas autoridades, em muitos casos, invadem a jurisdição de outros Estados soberanos e não asseguram os direitos e garantias dos indivíduos envolvidos.
Com efeito, os Estados têm adotado práticas unilaterais que conflitam com os princípios internacionais de soberania e não ingerência, como é o caso da vigilância internacional de dados e da promulgação de leis com efeitos extraterritoriais. Tais práticas podem, ainda, gerar violações recíprocas de dados entre os Estados soberanos e dão margem a que governos autoritários justifiquem o acesso aos dados de forma unilateral para fins de perseguição política e outros ataques aos direitos humanos.
Como será abaixo apresentado, os danos causados por essas práticas são notórios e não podem ser aceitos na ordem internacional.
3.2.1. A vigilância internacional e os meios obscuros de obtenção de dados
A história do direito internacional, desde os primórdios, registra casos de Estados que, excepcionalmente, ignoram os meios de cooperação internacional e adotam medidas executivas diretamente nos territórios de outros Estados.
José Francisco REZEK[34] denomina essas situações de “aventuras marginais da Justiça” e traz alguns exemplos emblemáticos de abdução internacional. O mais conhecido deles é o do oficial nazista da SS, Adolf Eichmann, que foi sequestrado por agentes israelenses em Buenos Aires, no ano de 1960, sem conhecimento do governo argentino, para ser julgado, condenado e executado no Estado de Israel.
Na era da transformação digital, a novidade é que não é preciso embarcar em uma aeronave, atravessar fronteiras, e nem sequer utilizar de força para invadir a soberania de outro Estado.
Em 2013, as revelações de Edward SNOWDEN chocaram o mundo ao expor o sistema de vigilância internacional digital da Agência Central de Inteligência – CIA, e da Agência de Segurança – NSA, órgãos do governo norte-americano, em relação a cidadãos e governos de outros Estados sem o seu consentimento. Como relata o ex-agente da CIA em sua biografia,[35] após o advento da internet e da transformação digital, se uma agência quiser ter acesso ao computador de um alvo, não é mais necessário o envio de um agente para coletar os dados fisicamente, como costumávamos assistir em cenas de filmes de ação. Hoje, basta que um agente envie uma mensagem ou um e-mail, com links que liberam um malware[36] no sistema que permite à agência vigiar não apenas o alvo, mas toda a sua rede.[37]
Além disso, algumas autoridades têm adotado a prática de solicitar diretamente a empresas transnacionais a apresentação de dados eletrônicos, ainda que armazenados ou controlados no exterior. A Google, a Microsoft e a Facebook, por exemplo, indicam que receberam, respectivamente, 103.822, 24.093 e 173.592 pedidos de dados de autoridades judiciárias apenas no período de janeiro a junho de 2020.[38] Apesar de tais empresas afirmarem possuir padrões altos de preservação do sigilo de dados e privacidade de seus usuários, a colaboração direta com a autoridade judiciária de um Estado dribla os acordos internacionais e cooperação judiciária e pode violar as normas penais ou de proteção de dados existentes em outros Estados envolvidos.[39]
3.2.2. A criação de normas extraterritoriais para obtenção de dados de forma unilateral
Outro sintoma da insuficiência dos mecanismos tradicionais de cooperação judiciária internacional é criação de normas extraterritoriais pelos Estados, para autorizar ou obrigar a coleta de dados eletrônicos no exterior sem a necessidade de colaboração dos Estados envolvidos.
É o caso da alteração levada a efeito em 2008 no Foreign Intelligence Surveillance Act - FISA (Section 702), dos Estados Unidos da América, por meio do Fisa Amendments Act of 2008 (FAA), que autorizou o governo norte-americano a vigiar pessoas fora do seu território sem uma ordem judicial, um mandado, apenas com fundamento na coleta de informações relevantes para a política externa e segurança nacional.[40]
No Brasil, a Lei Federal nº 12.965 (2014),[41] mais conhecida como Marco Civil da Internet, também pode produzir efeitos extraterritoriais, ao prever sua aplicação a qualquer operação de coleta, guarda e tratamento de dados, mesmo que as atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, desde que oferte serviço ao público brasileiro ou algum integrante do grupo econômico possua estabelecimento no Brasil (Artigo 11).
A China recentemente editou uma nova norma de inteligência nacional (2017), por meio da qual estabelece que empresas, organizações e indivíduos estrangeiros que fazem negócios no País devem cooperar com o serviço de inteligência nacional, fornecendo todas as informações requisitadas pelas autoridades chinesas.[42]
O mais recente caso de norma extraterritorial em matéria de obtenção de dados é o Cloud Act norte-americano (2018),[43] que também prevê a obrigação dos provedores de serviços de comunicação eletrônica de preservar e divulgar o conteúdo de uma comunicação, registro ou informação, independentemente de tais dados estarem localizados dentro ou fora dos Estados Unidos da América.
A coexistência de normas extraterritoriais é capaz de gerar diversos conflitos internacionais, tendo em vista não apenas as violações ao princípio da soberania, mas também em razão das diferenças existentes entre ordenamentos jurídicos em matéria de proteção de dados e garantias penais.[44]
3.3.4. Casos paradigmas
Neste quadro, a coleta de dados eletrônicos se tornou palco de conflitos de jurisdição internacional. Enquanto o Estado onde o crime foi cometido busca exercer sua soberania por meio do ius puniendi, aquele(s) onde os dados estão armazenados ou são controlados, possuem o interesse de não terem suas jurisdições invadidas.
Abaixo serão brevemente analisados alguns casos que retratam os conflitos no âmbito internacional.
i) Microsoft Inc. (Irlanda) vs. U.S. Department of Justice
Em 2013, a Microsoft apresentou recurso contra um mandado de juiz norte-americano, expedido com base no Store Communications Act,[45] que determinou a entrega de dados eletrônicos de e-mail que estava hospedados no seu centro de dados localizado em Dublin, na Irlanda.[46]
A empresa alegou que a ordem judicial violaria o princípio da territorialidade vigente no direito internacional e que o meio adequado para obter os dados eletrônicos solicitados seria a cooperação internacional, por meio do MLAT.
Por sua vez, o governo norte-americano sustentou, entre outras coisas, que a coleta dos dados eletrônicos não teria efeitos extraterritoriais, pois os dados podem ser obtidos pela sede da Microsoft nos Estados Unidos de forma remota.
A Corte Distrital rejeitou a argumentação da Microsoft, por considerar que a decisão judicial não possui efeitos extraterritoriais, uma vez que não criminaliza atos realizados fora do território americano, não envolve pessoa estrangeira e não requerer presença física de funcionários no local onde os dados estão armazenados. [47]
Em sua intervenção no processo, o Governo da Irlanda expressou seu “interesse genuíno e legítimo sobre potenciais violações de seus direitos de soberania no que dizem respeito à sua jurisdição sobre seu território”.[48]
Na mesma linha, o Membro do Parlamento Europeu Jan Philipp Albrecht manifestou preocupação quanto à atuação unilateral do governo norte-americano, considerando que ofende os direitos de proteção de dados dos cidadãos europeus, e defendeu a utilização do MLAT como meio de cooperação internacional.[49]
A Corte de Apelação reverteu o julgamento, sob o fundamento de que o mandado de busca e apreensão somente pode alcançar dados armazenados dentro do território dos Estados Unidos.:
The information sought in this case is the content of the electronic communications of a Microsoft customer. The content to be seized is stored in Dublin. [...] Because the content subject to the Warrant is located in, and would be seized from, the Dublin data center, the conduct that falls within the focus of the SCA would occur outside the United States, regardless of the customer’s location and regardless of Microsoft’s home in the United States.” [50]
O caso foi submetido à Suprema Corte norte-americana. Porém, com a entrada em vigor do Cloud Act em 2018, o qual expressamente autoriza a coleta de dados armazenados em outras jurisdições, foi declarada a impossibilidade ou inutilidade da lide, e a devolução do processo à Corte de origem.
ii) ADC 51: ASSESPRO Nacional vs. Presidente da República do Brasil
A Federação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação – ASSESPRO ingressou com uma Ação Declaratória de Constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal brasileiro[51], em que pede o reconhecimento da constitucionalidade do acordo de cooperação jurídica internacional (MLAT) firmado entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América.
Em síntese, a ação foi motivada pela recorrência de diversas decisões judiciais de tribunais brasileiros em que a aplicação do MLAT é dispensada para fins de obtenção de dados eletrônicos armazenados nos Estados Unidos, apenas pelo fato de existir uma empresa subsidiária no território brasileiro.[52]
O raciocínio empregado pelas Cortes brasileiras é o de que a exigência de uso do MLAT constitui afronta à soberania brasileira, por submeter o exercício do ius puniendi estatal à via displomática. O trecho do voto da Ministra do Superior Tribunal de Justiça brasileiro Laurita Vaz no julgamento do Inquérito 784/DF resume a controvérsia:
[...] o fato de esses dados estarem armazenados em qualquer outra parte do mundo não os transforma em material de prova estrangeiro, a ensejar a necessidade da utilização de canais diplomáticos para transferência desses dados [...] remeter o Poder Judiciário Brasileiro à via diplomática para obter dados é afrontar a soberania nacional, sujeitando o Poder Estatal à inaceitável tentativa da empresa em questão de se sobrepor às leis pátrias por meio de estratagemas de política empresarial, sabe-se lá com qual intenção.[53]
O Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça brasileiro prestou informações e assinalou que a restrição à obtenção de dados acarretará forte limitação aos instrumentos de investigação no combate à criminalidade.
Na mesma linha, o Ministério Público Federal brasileiro apontou as dificuldades práticas na obtenção de dados eletrônicos por meio dos MLATs, e afirma que o instrumento não se mostra adequado e eficiente para a produção de provas eletrônicas, seja pela demora intrínseca do procedimento, seja pelas limitações impostas pela legislação norte-americana.
Diversos provedores de serviços de internet e outras organizações da área de tecnologia, solicitaram ingresso no feito como amicus curiae a fim de colaborar com o julgamento do caso, que irá servir de norte para a atuação do governo brasileiro em casos que envolvam o acesso de dados eletrônicos.
3.3. O outro lado da moeda: a possibilidade de criação de data heavens
Como já exposto, a globalização e a ascensão da internet anularam as distâncias espaciais/temporais e romperam as fronteiras estatais, tornando as relações pessoais e econômicas transnacionais.
Ocorre que, enquanto as leis da economia se tornaram globais, as ordens jurídicas permaneceram locais.[54]
De fato, o rompimento das barreiras espaciais para o capital não foi acompanhado, na mesma velocidade e na mesma medida, pela integração da ordem jurídica internacional. A globalização permitiu, assim, que ao mesmo tempo em que as fronteiras sejam ignoradas para a circulação do capital, elas sejam intensamente utilizadas para “proteger” o capital de ordens locais consideradas “incômodas” pelos seus detentores.
No direito fiscal, por exemplo, é bastante conhecida a figura dos “paraísos fiscais”, jurisdições que possuem cargas tributárias muito baixas ou nulas e, geralmente, têm legislações que flexibilizam a criação de empresas e garantem o sigilo fiscal e empresarial.[55] O mesmo ocorre para o crime de lavagem (ou branqueamento) de capital, uma vez que a garantia de anonimato favorece a prática desse ilícito.
No mesmo sentido, a fluidez dos dados eletrônicos permite que eles sejam transferidos com facilidade para jurisdições que ofertem legislações mais rígidas de sigilo de dados, seja apenas o seu armazenamento ou a instituição da sede do provedor. Assim, os “paraísos de dados” podem acobertar crimes transnacionais, funcionando como barreiras para a obtenção desses dados por outros Estados.
Neste ponto, importante salientar que o exercício do ius puniendi pelo Estado também constitui manifestação da soberania, de modo que a sua frustração injustificada por outras jurisdições também não pode ser admitida pelo direito internacional. Trata-se, portanto, de mais um aspecto capaz de gerar conflitos internacionais.
Cabe, assim, ao direito internacional criar mecanismos de integração e cooperação entre os Estados para evitar que a soberania seja usada de forma abusiva, com a finalidade frustrar a prevenção e o combate aos crimes de natureza transnacional.
4. A cooperação como solução: a necessidade de repensar os instrumentos de cooperação internacional para adaptá-los ao ambiente digital;
No atual contexto de internacionalização cada vez mais acentuada dos crimes realizados pela internet, surge a necessidade de integração e colaboração intensiva entre as autoridades judiciárias internacionais, para combater eficazmente essa criminalidade transnacional.
Ante a insuficiência dos instrumentos atuais, alguns critérios alternativos de jurisdição vêm sendo propostos, a fim de evitar ou solucionar possíveis conflitos de jurisdição. Apesar de não ser o objetivo deste trabalho, pode-se citar, por exemplo, a definição baseada na natureza do crime e na personalidade passiva, entre outros.
Independentemente do critério de jurisdição eleito, o que demanda a atenção do direito internacional público é a eliminação do atual estágio de indefinição e ineficiência que leva os Estados a adotarem medidas unilaterais em nome da segurança nacional. E a principal alavanca para a superação desse estágio não é outra senão a via dos tratados internacionais, no âmbito dos quais os Estados soberanos, dotados de independência e igualdade, poderão definir os critérios de jurisdição aplicáveis em suas relações e harmonizar os seus ordenamentos jurídicos.
Neste sentido, como observa Anabela RODRIGUES e José MOTA:
Enquanto os Estados não se concertarem para estabelecerem, pelo menos, formas de cooperação ao nível da política criminal, as leis penais dos Estados vão continuar a ser violadas impunemente. ‘A soberania da lei’ ‘começa a reconhecer-se – ‘não pode ser restaurada senão a um nível superior ao dos Estados. [56]
Assim, seja por meio de novas Convenções internacionais ou pela reforma dos MLATs, os Estados precisam enfrentar esses desafios conjuntamente, a fim de criar mecanismos que facilitem o acesso célere aos dados eletrônicos transnacionais e, ao mesmo tempo, respeitem os interesses soberanos das demais jurisdições.
Em relação aos tratados multilaterais, pode-se citar a Convenção de Cibercrime (Convenção de Budapeste) como modelo, na qual os Estados definiram um critério de jurisdição e convencionaram um mecanismo de assistência judiciária mais célere e fácil para o compartilhamento de dados eletrônicos relacionados ao cibercrime.
Por sua vez, a reforma do MLAT, como assevera Jonah HILL, envolve diversos fatores: i) aumentar o financiamento para custear os processos de MLAT; ii) editar regras e orientações para solicitações diretas de dados; iii) criar fluxos uniformes e mais eficientes para os processos de MLAT; iv) adotar interpretações uniformes para solicitações de dados; v) renegociar os MLATs existentes para adequá-los ao ambiente digital.[57]
Neste sentido, a recente edição do Cloud Act[58] pelos Estados Unidos incorporou em parte essas propostas, ao criar um instrumento de assistência judiciária simplificado para os Estados que se qualifiquem nas regras de proteção de dados eletrônicos.
Há, ainda, um notório crescimento do engajamento internacional para a prevenção e o combate aos crimes transnacionais, por meio de organismos internacionais formais, como a Rede 24/7 High Tech Crime Network implementada pelo G-8 no âmbito da Organização dos Estados Americanos - OEA, as unidades especializadas da ONU e da Interpol; e organizações informais, como a Finantial Action Task Force – FATF,[59] o Egmont Group.[60]
No âmbito da União Europeia, pelas peculiaridades da comunidade, desenvolveram-se diversos mecanismos de integração que formam uma rede de cooperação policial e judiciária, dentre os quais se destacam a Eurojust – Unidade Europeia de Cooperação Judiciária,[61] a Europol - Serviço Europeu de Polícia [62], e a Rede Judiciária Europeia .[63]
Para além desses modelos, constata-se o desenvolvimento atual de meios de assistência judiciária informais,[64] que são estabelecidas diretamente entre as autoridades legais sem a intervenção da via diplomática, a partir da comunicação entre órgãos administrativos (promotorias, agências fiscalizadoras, autoridades fiscais, entre outros)[65].
Por outro lado, Jennifer DASKAL e Andrew WOODS[66] observam que a criação de mecanismos mais céleres e diretos de acesso aos dados eletrônicos entre os Estados, embora necessária e desejável, não pode atropelar os direitos humanos e as garantias processuais. Se, por um lado, é necessário facilitar o acesso aos dados eletrônicos pelas autoridades legais, para garantir o exercício do ius puniendi e a efetividade das medidas de prevenção e combate ao crime transnacional, por outro, é igualmente relevante que isso seja acompanhado de regras de regras de controle de uso e proteção dos dados. Não se pode permitir, por exemplo, que esses mecanismos sejam usados de forma abusiva, para fins perseguição de adversários políticos.
Os Estados necessitam, portanto, enfrentar conjuntamente o desafio de encontrar um equilíbrio entre a garantia da segurança nacional, o respeito à soberania de todos os Estados envolvidos, e a proteção dos direitos humanos.
5.Considerações finais
A internet alterou as configurações de praticamente todos os aspectos da vida humana e hoje está presente no cotidiano, seja nas redes sociais, no ensino à distância, nas transações bancárias, etc.
Com isso, a necessidade da presença física se tornou cada vez mais restrita, o que favoreceu a globalização das relações sociais, econômicas, financeiras e políticas. Hoje, não causa nenhum espanto que um indivíduo de nacionalidade brasileira possua conta em um banco digital com sede na Alemanha, utilize um aplicativo mexicano para serviços de delivery e estude online numa universidade portuguesa, tudo isso sem precisar sair de casa.
Essa transnacionalização, porém, foi também utilizada com grande sucesso pelo crime organizado internacional, que além de intensificar os crimes transnacionais já conhecidos (tráfico internacional de drogas, tráfico de seres humanos, crimes financeiros), desenvolveu novas modalidades de crimes cometidos na internet, os conhecidos cibercrimes.
Trata-se de um fenômeno complexo que exige celeridade e cooperação entre os Estados, os quais precisam se adaptar para não apenas localizar os criminosos e puni-los adequadamente, mas para se anteciparem a fim de prevenir a execução dos crimes. Ocorre que, conforme demonstrado ao longo desse trabalho, o acesso célere a dados eletrônicos para fins de investigação, produção de provas e combate a essa criminalidade, encontra alguns obstáculos.
O caráter “multiterritorial” dos dados eletrônicos dificulta a definição da jurisdição internacional para a busca e apreensão desses dados. Além disso, observa-se um descompasso entre a evolução da globalização e do crime transnacional decorrente da internet e os mecanismos de cooperação judiciária internacional para a transferência de dados eletrônicos.
Diante disso, em nome da segurança nacional, muitos Estados adotaram medidas unilaterais de natureza extraterritorial que, além de violarem a soberania de outros Estados envolvidos, não asseguram a proteção de direitos humanos. Por outro lado, as fronteiras e os limites de jurisdição não podem ser utilizados abusivamente como barreiras de proteção para garantir a impunidade dos crimes cometidos, como já ocorre em grande proporção nos crimes fiscais.
Sem a pretensão de esgotar o tema, o trabalho buscou indicar propostas de soluções para os conflitos de jurisdição envolvendo a transmissão de dados eletrônicos. No centro de todas as propostas se encontra o engajamento e a colaboração dos Estados soberanos de modo a criar critérios e mecanismos elaborados multilateralmente e aceitos pela comunidade internacional.
Ficou claro que a superação da situação atual de indefinição de jurisdição e de morosidade na obtenção de dados eletrônicos não é resolvida por meios unilaterais que promovem a balcanização da internet, a violação à soberania dos Estados e aos direitos humanos.
O combate eficaz dos crimes transnacionais perpassa por soluções multilaterais, que facilitem o acesso aos dados eletrônicos, mas também assegurem o respeito à soberania e a proteção de direitos humanos.
Na era da “compressão tempo/espaço”, os Estados precisam apostar em meios de integração e colaboração internacionais, a fim acompanhar a transnacionalidade da vida humana e combater eficazmente o crime organizado.
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__________. U.S. COURT OF APPEALS FOR THE SECOND CIRCUIT, Brief of Amicus Curiae Jan Philipp Albrecht, Member of The European Parliament, as Amici Curiae Supporting Appellant (2018), p. 24. Disponível em < https://www.supremecourt.gov/DocketPDF/17/17-2/28328/20180118155453076_17-2%20bsac%20Jan%20Philipp%20Albrecht.pdf > Acesso em 02/03/2021.
[1] Sobre o assunto: BAUMAN, Zygmunt. Globalização: As consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999, p. 6.
[2] O filósofo polonês Zygmunt Bauman propôs o conceito de “modernidade líquida” para fazer uma análise crítica da sociedade moderna ou pós-moderna, fundada na fluidez, incerteza e precariedade das relações humanas.
[3] Cf. se pode extrair do sítio eletrônico: <https://investors.zoom.us/static-files/28614884-1d63-477a-9148-a7039796f19c>. Acesso em: 26/02/2022.
[4] Consoante observa da Convenção de Palermo (artigo 3º, 2), considera-se crime transnacional aquele que: a) for cometido em mais de um Estado; b) for cometido em num só Estado, mas com uma parte substancial da sua preparação, planejamento, direcção ou controle em outro Estado; c) for cometido em um Estado, mas que envolva participação de grupo criminoso organizado que pratique atividades criminosas em mais de um Estado; ou, por fim, d) for cometido em um só Estado, mas que produza efeitos substanciais em outro. Vale destacar que o crime transnacional não se confunde com o crime internacional, que são “que afetam a comunidade internacional no seu conjunto”, conforme estabelecido no Estatuto de Roma (art. 5º, 1).
[5] Segundo o relatório do escritório da ONU sobre drogas e crimes - UNODC, estima-se que o crime organizado internacional gere 125 bilhões de dólares por ano, sem considerar os crimes financeiros, como corrupção e lavagem de dinheiro (branqueamento de capitais), que também produzem grandes impactos econômicos, políticos e sociais. Disponível em: <https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil//noticias/2010/06/TOCTA_Report_2010_low_res.pdf>. Acesso em 25.02.2022.
[6] REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar, 17. Ed., São Paulo: Saraiva, 2018, p. 164.
[7] Neste sentido: “Jurisdiction concerns the power of the state to affect people, property and circumnstances and reflects the basic principles of state sovereignty, equality of states and non-interference in domestic affairs. Jurisdiction is a vital and indeed central feature of state sovereignty, for it is an exercise of authority which may alter or create or terminate legal relationships and obligations.” (SHAW, Malcolm N. International Law. 3 ed. Cambridge: Cambridge University Press, 9ª ed., 2021, p. 394).
[8] REZEK, José Francisco. Op. Cit., p. 164.
[9] SHAW, Malcolm N. International Law. 3 ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1995, p. 394.
[10] SHAW, Malcolm N. International Law..., p. 399-413.
[11] Neste sentido:“[...] These differences, particularly between the capacity to make law (the prescriptive jurisdiction) and the capacity to ensure compliance with such law (the enforcement jurisdiction), are basic to an understanding of the legal competence of a state. This is to some extent because jurisdiction, although primarly territorial, may be based on other ground, for example, nationality, while enforcement is restricted by territorial factors. To give an instance if man kills somebody in Britain and then manages to reach Holland, the British courts have jurisdiction to try him, but they cannot enforce it by sending officers to the Netherlands to apprehend him. They must apply to the Dutch authorities for his arrest and dispatch to Britain” (SHAW, Malcolm N. International Law..., p. 394).
[12] Com a lupa sobre a lei penal, Figueiredo Dias manifesta que: “[...]a assunção do princípio da territorialidade como base do sistema de aplicação da lei penal no espaço é a via que facilitará em maior medida a harmonia internacional, o respeito pela não ingerência em assuntos de um Estado estrangeiro. Se a aplicação espacial da lei penal nacional é rigorosamente demarcada por sobre as fronteiras de cada Estado, e se a generalidade dos Estados aceita este princípio, está então descoberto o melhor caminho para que não se gerem conflitos internacionais – positivos ou negativos – de competência interestadual. (FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito Penal: parte geral. Coimbra: Coimbra editora, 2012. p. 209-210.)
[13] RAMOS, André De Carvalho. Obtenção de provas no exterior: para além da Lex fori e lex diligentiae. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 12, n. 2, 2015 p. 685.
[14] BECHARA, Fábio Ramazzini. Cooperação jurídica..., p. 34.
[15] No Brasil, a autoridade central é o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, conforme artigo 14, Anexo I, do Decreto nº 9.662/2019. Em Portugal, a autoridade central é a Procuradoria-Geral da República, conforme L144/99 E Despacho nº 1246/2016.
[16] Nos MLATs firmados com os Estados Unidos da América, exige-se a demonstração da “probable cause”. No caso Brinegar v. United States (1949), a Suprema Corte norte-americana define probable cause como: "where the facts and circumstances within the officers' knowledge, and of which they have reasonably trustworthy information, are sufficient in themselves to warrant a belief by a man of reasonable caution that a crime is being committed”.Essa garantia tem fundamento na Quarta Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América.
[17] Resumo realizado com base na análise dos MLATs firmados pela República Federativa do Brasil, disponíveis em: <https://www.justica.gov.br/sua-protecao/cooperacao-internacional/cooperacao-juridica-internacional-em-materia-penal/acordos-internacionais>, Acesso em :3/02/2021.
[18] Há diversas formas de ameaças digitais, tais quais o phishing, ransomware, business email compromise (BEC), card not present (CNP) fraud, Cybercrime as a Service (CaaS), entre outros que, de modo geral, visam à obtenção de dados para fins de fraudes financeiras. Além desses crimes patrimoniais, a deep web é usada para a prática de diversos crimes contra a contra a honra e comércio de vídeos de conteúdo ilícito, como estupros, tortura, tráfico humano e exploração sexual infantil, inclusive por meio de livestreaming.
[19] Cf. < https://www.ic3.gov/Media/PDF/AnnualReport/2019_IC3Report.pdf>. Acesso em 4/02/2021.
[20] Cf. disponível no site < https://www.interpol.int/News-and-Events/News/2021/INTERPOL-report-charts-top-cyberthreats-in-Southeast-Asia >. Acesso 4/02/2021.
[21] Cf. disponível no site: <https://www.europol.europa.eu/activities-services/main-reports/internet-organised-crime-threat-assessment-iocta-2020>. Acesso em 4/02/2021.
[22] Alexandre Libório Dias PEREIRA faz interessante anotação a esse respeito: “À semelhança do big-bang, a internet formou-se caoticamente. Perante um estado de aparente anarquia em linha, os tecnólogos reivindicaram para si a soberania do ciberespaço com promessas de uma teia comunicativa livre de direito. A internet seria um verdadeiro “woodstock electrónico”, no qual tudo seria livremente partilhável. Os eventuais problemas seriam resolvidos segundo a máxima clarkiana “a resposta para a máquina está na máquina”, tendo em conta a segurança oferecida pelas tecnologias criptográficas. Os juristas não teriam lugar num tal mundo, desde logo por lhes faltar a competência: a internet não seria regida pela lei dos Estados mas antes pelos códigos dos informáticos. Na internet não existiria Estado com poder normalizador capaz de impor aos seus súbditos as suas leis através dos seus órgãos judiciários. Desde logo porque na internet não existiriam fronteiras territoriais. Na internet ninguém seria nacional de país algum, na internet ninguém teria domicílio em lugar algum.” (PEREIRA, Alexandre Libório Dias. A jurisdição na internet segundo o regulamento 44/2001 (e as alternativas extrajudiciais e tecnológicas). Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXXVII, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2001, pp. 633-687).
[23] Neste sentido:“Cyberspace, heralded as the new frontier, offered the vision of a borderless space on which no nation’s Neil Armstrong would plant its flag. Althoug this virtual world without boundaries offered limitless possibilities, it also posed challenging legal problems.” (EARLE, Beverley; MADEK, Gerald A. International cyberspace: from borderless to balkanized? Georgia Journal of International and Comparative Law, v. 31, n. 2, p. 225-263, 2003).
[24] Artigo 31.º dispõe: Uma Parte pode solicitar a outra Parte a busca ou outro acesso semelhante, a apreensão ou outro tipo de retenção semelhante, bem como a divulgação de dados armazenados através de um sistema informático situado no território dessa outra Parte, incluindo os dados conservados em conformidade com o artigo 29.º
[25] MADRUGA, Antenor; e FELDENS, Luciano. Dados eletrônicos e cooperação internacional. Brasil, Ministério Público Federal. Secretaria de Cooperação Internacional. Temas de cooperação internacional – 2 ed. Ver. E atual. – Brasília: MPF, 2016, p. 47-68.
[26] REZEK, Francisco e GUIDI, Guilherme Berti de Campos. Jurisdição na era da internet: continências necessárias. Revista dos Tribunais, caderno especial, Cooperação Jurídica Internacional. Org. Fabrício Bertini Pasquot Polido, p. 133-150.
[27] Sobre o assunto: “Techniques widely used in cloud computing, such as ‘sharding’ or ‘partitioning,’ mean that the data will likely be stored as fragments across a range of machines, logically linked and reassembled on demand, rather than as a contiguous data set.” (MORALES, Tony Morales. Oracle Database VLDB and Partitioning Guide, Oracle 1-2, July/2007.
[28] No sistema de cloud computing, os dados normalmente são copiados e armazenados em mais de uma localidade, numa espécie de back-up, a fim de garantir que possam ser acessados, ainda que algum servidor apresente defeito.
[29] Segundo IKEMATU, o objetivo de um mecanismo de replicação de dados é permitir a manutenção de várias cópias idênticas de um mesmo dado, em vários sistemas gerenciadores de banco de dados. Em suma, os dados são distribuídos para locais diferentes por meio de redes ou pela internet, formando um banco de dados distribuídos. (IKEMATU, Ricardo Shoiti. Gestão de metadados: sua evolução na tecnologia da informação. DataGramaZero – Revista de Ciência da Informação – v.2 n.6, 2001.) Disponível em: <http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapci/5268>. Acesso em: 7/03/2021.
[30] ABREU, Jacqueline de Souza. Jurisdictional battles for digital evidence, MLAT reform, and the Brazilian experience. Revista de Informação Legislativa: RIL, v. 55, n. 220, p. 233‑257, out./dez. 2018.
[31] DASKAL, Jennifer. The un-territoriality of data. Yale Law Journal, New Haven, CT, v. 125, n. 2, p. 326-599, Nov. 2015b.
[32] Neste sentido: WOODS, Andrew K. Data Beyond Borders: Mutual Legal Assistance in the Internet Era, Global Network Initiative (January 27, 2015).
[33] De acordo com estudos norte-americanos, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, na última década, obteve um crescimento de 60% de pedidos de assistência judiciária internacional e o número de pedidos de acesso a dados eletrônicos aumentou em 10 vezes. (HILL. Jonah Force. Problematic Alternatives: MLAT Reform for the digital age, Harvard Law School National Security Journal, 2015.)
[34] REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público..., p. 210-211.
[35] SNOWDEN, Edward. Eterna vigilância. São Paulo: Planeta do Brasil, 2019.
[36] Espécie de vírus eletrônico.
[37] Ibid. p. 180.
[38] As informações estão disponíveis em https://www.google.com/transparencyreport/userdatarequests/ BR/, https://www.microsoft.com/about/csr/transparencyhub/lerr/, https://govtrequests.facebook.com/, respectivamente. Acesso em 09/02/2021.
[39] Exemplo disso é o caso da investigação do doleiro Alberto Youssef no âmbito da operação Lava Jato, conduzida pela Polícia Federal do Brasil, na qual, segundo a imprensa, a autoridade policial celebrou acordo com a empresa canadense “Research in Motion”, fabricante do celular Blackberry, por meio do qual obteve acesso ao conteúdo das mensagens enviadas pelo doleiro Alberto Youssef. Ver BORBA, Julia; NERY, Natuza, “PF quer instalar vírus em telefone grampeado para copiar informações”, Folha De São Paulo, 27 de abril de 2015. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/04/1621459-pf-quer-instalar-virus-em-telefone-grampeado-para-copiar-informacoes.shtml>. Acesso em 09.02.2021.
[40] Disponível em: <https://www.congress.gov/bill/110th-congress/house-bill/3773/text>. Acesso em 09.02.2021.
[41] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm.Acesso em 09.02.2021.
[42] Sobre o assunto, ver: https://www.lawfareblog.com/beijings-new-national-intelligence-law-defense-offense. Acesso em 09/02/2021.
[43] Disponível em: https://www.congress.gov/bill/115th-congress/house-bill/4943/text. Acesso em 09/02/2020.
[44] O Parlamento Europeu apresentou proposta de resolução em que critica a Seção 702 do FISA e o Cloud Act, por considerar que violam os direitos fundamentais de proteção à de dados consagrados na Carta da União Europeia. A proposta insta a Comissão a tomar todas as medidas necessárias para assegurar que o escudo da proteção da privacidade respeite plenamente o Regulamento da União Europeia 2016/679 (RGPD). No mesmo sentido, a autoridade de proteção de dados da União Europeia – EDPS também afirmou que o Cloud Act conflita com as normas de proteção de dados do RGPD europeu e salientou a necessidade de um acordo internacional para tratar da transferência de dados eletrônicos, a fim de harmonizar as normas penais e de proteção de dados de ambas as jurisdições. Disponível em: https://edps.europa.eu/sites/edp/files/publication/19-07-10_edpb_edps_cloudact_coverletter_en.pdf. Acesso em: 09/02/2021.
[45] 18 U.S. Code § 2703 - Required disclosure of customer communications or records.
[46] O mandado solicitou os seguintes dados: “a)“The contents of all e‐mails stored in the account, including copies of e‐mails sent from the account”; (b)“All records or other information regarding the identification of the account,” including, among other things, the name, physical address, telephone numbers, session times and durations, log‐in IP addresses, and sources of payment associated with the account; (c)“All records or other information stored by an individual using the account, including address books, contact and buddy lists, pictures, and files”; and (d)“ All records pertaining to communications between MSN[redacted] and any person regarding the account, including contacts with support services and records of actions taken.”
[47] UNITED STATES, District Court for the Southern District of New York. Warrant to Search n. 13-MAG-2814; M9-150. Appellant: Microsoft Corporation. Appellee: United States. Government Printing Office, New York, Sept. 4, 2014a. (2014), p. 475. Apud ABREU, Jacqueline de Souza. Jurisdictional battles for digital evidence, MLAT reform, and the Brazilian experience. Revista de Informação Legislativa: RIL, v. 55, n. 220, p. 233‑257, out./dez. 2018.
[48] U.S. COURT OF APPEALS FOR THE SECOND CIRCUIT – Brief of Amicus Curiae Ireland, as Amici Curiae Supporting Appellant (2017), p. 3.
[49] U.S. COURT OF APPEALS FOR THE SECOND CIRCUIT, Brief of Amicus Curiae Jan Philipp Albrecht, Member of The European Parliament, as Amici Curiae Supporting Appellant (2018), p. 19.
[50] U.S. COURT OF APPEALS FOR THE SECOND CIRCUIT. Microsoft v. USA (2015).
[51] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação declaratória de constitucionalidade n. 51/ DF. Requerente: Federação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação. Requerido: Presidente da República; Congresso Nacional. Relator: Min. Gilmar Mendes. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 6 abr. 2018..
[52] Neste sentido: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Agravo Regimental em Recurso Ordinário em Mandado de Segurnça n. 63200-PR, Recorrente: V. M. DO B I L. Recorrido: Ministério Público Federal. Relator Ministr Félix Fisher, Quinta Turma, julgado em 06/10/2020; BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 44892-SP 2014/0020978-7, Recorrente: Microsoft Informática Ltda. Recorrido: Ministério Público Federal, Relator: Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em: 05/04/2016; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 46.685-MT 2014/0254825-8, Recorrente: Microsoft Informática Ltda. Recorrido: Ministério Público Federal , Relator: Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em: 03/10/2017;
[53] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Inquérito n. 784/DF. Requerente: J. P. Requerido: E. A. Relatora: Min. Laurita Vaz. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 28 ago. 2013.
[54] Zygmmund BAUMAN chama a atenção para a existência desse paradoxo:”Por fim, mas não menos importante, há essa tremenda vantagem de que desfruta a nova elite global ao enfrentar os guardiães da ordem: as ordens são locais, ao passo que a elite e as leis do livre mercado a que obedece são translocais. Se os guardiães de uma ordem local tornam-se intrometidos e infames demais, há sempre a possibilidade de apelar às leis globais para mudar os conceitos locais de ordem e as regras locais do jogo. E, claro, há a possibilidade de se mudar se as coisas em nível local ficam quentes demais e incômodas; a ‘globalidade’ da elite significa mobilidade e mobilidade significa capacidade de escapar, de fugir.” (BAUMAN, Zygmunt. Globalização...,p. 127)
[55] De acordo com o relatório do Fundo Monetário Internacional divulgado em 2019, o prejuízo anual coletivo causado pelos “paraísos fiscais” é de aproximadamente U$ 600 bilhões de dólares. Ver: https://www.imf.org/external/pubs/ft/fandd/2019/09/pdf/tackling-global-tax-havens-shaxon.pdf. Acesso em: 11/02/2021.
[56] RODRIGUES, Anabela Miranda; MOTA, José Luís Lopes da. Para uma Política Criminal Europeia..., p. 38.
[57] HILL. Jonah Force. Problematic Alternatives: MLAT Reform for the digital age, Harvard Law School National Security Journal, 2015.
[58] Disponível em: https://www.congress.gov/bill/115th-congress/house-bill/4943/text. Acesso em 09/02/2020.
[59] Para mais informações, visitar: https://www.fatf-gafi.org/.
[60] Para mais informações, visitar: < https://egmontgroup.org/en >.
[61] Cf. prevista no Artigo 69.º-D do Tratado de Lisboa e tem como missão: “apoiar e reforçar a coordenação e a cooperação entre as autoridades nacionais competentes para a investigação e o exercício da acção penal em matéria de criminalidade grave que afecte dois ou mais Estados-Membros ou que exija o exercício de uma acção penal assente em bases comuns, com base nas operações conduzidas e nas informações transmitidas pelas autoridades dos Estados-Membros e pela Europol.”
[62] Cf. o artigo 69.º-G do Tratado de Lisboa e tem como missão: “apoiar e reforçar a acção das autoridades policiais e dos outros serviços responsáveis pela aplicação da lei dos Estados-Membros, bem como a cooperação entre essas autoridades na prevenção das formas graves de criminalidade que afectem dois ou mais Estados-Membros, do terrorismo e das formas de criminalidade lesivas de um interesse comum que seja objecto de uma política da União, bem como no combate contra esses fenómenos.”
[63] Criada pela Decisão 2001/470/CE do Conselho de 28 de maio de 2001, congrega as autoridades nacionais responsáveis por apoiar os tribunais locais e facilitar a cooperação judiciária entre Estados.
[64] SOUZA, Carolina Yumi de. Desafios da coleta de evidências digitais e a cooperação jurídica internacional para acesso a dados: visão prática In: ANTONIALLI, Dennys; ABREU, Jacqueline de Souza (ed.). Direitos fundamentais e processo penal na era digital. São Paulo: InternetLab, 2018, p. 160-175.
[65] Nesta linha, por exemplo, foi criada em 2018 a Associação Latino-Americana de Advocacias e Procuradorias de Estado - ALAP, como mecanismo interinstitucional de cooperação entre os partícipes.
[66] DASKAL, Jennifer; WOODS, Andrew Keane. Cross-Border Data Requests: A Proposed Framework.
Advogada, Procuradora do Município de São Paulo, Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra. Pós-graduada em Direito Tributário pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Bianka Zloccowick Borner de. Jurisdição e internet: os desafios da cooperação internacional para a coleta de dados eletrônicos no combate aos crimes transnacionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 fev 2023, 04:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61081/jurisdio-e-internet-os-desafios-da-cooperao-internacional-para-a-coleta-de-dados-eletrnicos-no-combate-aos-crimes-transnacionais. Acesso em: 04 out 2024.
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