Resumo: Este artigo aborda, através do método dialético, a Lei do Talião no Direito Agrário brasileiro, relacionando-a a disputas de terras, violência doméstica e deslocamento forçado, com o objetivo de expor o contexto de violência no campo.
Palavras-chaves: Disputa de terras - Lei de Talião - Violência doméstica - Violência familiar - Deslocamento forçado
Abstract: This article, using a dialectical approach, discusses the Law of Talion in Brazilian Agricultural Law, connecting it to land disputes, domestic violence, and forced displacement, aiming to expose the context of violence in rural areas.
Keywords: Land dispute - Law of Talion - Domestic violence - Family violence - Forced displacement
Introdução
Este artigo aborda a relação entre a Lei do Talião no Direito Agrário brasileiro, conflitos de terras, violência doméstica e deslocamento forçado no meio rural. A Lei do Talião, conhecida pela frase "olho por olho, dente por dente", é uma lei que punia o criminoso exatamente da mesma forma que o crime cometido. Essa lei, que teve origem no Código de Hammurabi, marcou o passado e, muitas vezes, o presente das disputas por terras no meio rural brasileiro.
O texto destaca a importância da Lei do Talião no estudo do Direito Agrário, pois o Código de Hammurabi pode ser considerado o primeiro Código Agrário da Humanidade. No entanto, ao longo dos anos, essa lei se tornou inadequada diante da evolução do Direito, mas ainda é seguida em algumas regiões afastadas dos grandes centros, onde as leis federais não são aplicadas e as tradições e costumes têm valor de lei.
O artigo também aborda o patriarcalismo no Direito Agrário brasileiro, onde o homem representa o Estado perante a ordem familiar e quem não o obedece está sujeito a punições, muitas vezes físicas. Esse sistema patriarcal é resultado da falta de atuação efetiva do Estado nas áreas rurais remotas, o que dificulta a atuação do Estado e gera um ciclo regido por um patriarcalismo arcaico.
Além disso, pretende-se destacar a presença constante da violência doméstica nesse ambiente patriarcal. A disputa de terras e a violência doméstica são problemas sociais que se sobrepõem e se retroalimentam, contribuindo para a vulnerabilização familiar no meio rural.
Em resumo, o presente artigo tem por objetivo discutir a relação entre a Lei do Talião, conflitos de terras, violência doméstica e deslocamento forçado no meio rural brasileiro. Destacando a importância histórica da Lei do Talião no Direito Agrário, a presença do patriarcalismo e a violência doméstica nesse contexto, e como esses problemas sociais se relacionam e contribuem para a vulnerabilização familiar no campo.
A Lei de Talião e o Patriarcalismo no Direito Agrário Brasileiro: Passado e Presente
Desde o início das civilizações, o que pautava o comportamento das pessoas que viviam em sociedade eram os costumes e as tradições estabelecidas indiretamente conforme o passar do tempo. É do fator tradição e costume que se deriva a chamada Lei de Talião escrita pela primeira vez no Código de Hammurabi e, melhor conhecida pela frase “olho por olho, dente por dente”.
Reger-se pela Lei de Talião significa punir o criminoso exatamente igual ao crime cometido, desconsiderando que num passado ela aplicava-se dependendo da circunstância, da classe da vítima e do autor do crime, é essa lei que marca o passado e, muitas vezes, o presente da disputa por terras que ocorrem no meio rural brasileiro.
Tal lei também é de extrema importância para o estudo do Direito Agrário, inclusive o agrarista Alcir Gursen de Miranda, professor da Universidade de Roraima relata que “o Código de Hammurabi, do povo babilônico pode ser considerado o primeiro Código Agrário da Humanidade” (MARQUES, 2012 p.1), visto que ele tratava de diversos temas de cunho agrário.
Desse modo, pode-se observar que a lei do “olho por olho” vigorou a muito tempo e com o decorrer dos anos se tornou inapropriada mediante a evolução do Direito. Porém, esse tipo de norma está atrelada intrinsecamente às tradições e na ausência de leis abrangentes é ela que acaba por vigorar na forma de um código de honra.
No cenário brasileiro essa é a realidade de muitos locais afastados dos grandes centros onde as leis federais não atingem e as tradições e costumes tomam valor de lei. Onde não existe uma legislação vinda de fora feita e instaurada por um órgão maior, a normalização a ser seguida respeita a honra e a hierarquia e o órgão maior é o patriarca.
Se o Direito Brasileiro encontra-se graduadamente mais abrangente e presente na maioria das regiões do país, ele nem sempre se deu dessa forma, fazendo-se em diversos momentos da história falho e mal estruturado. O Direito Agrário é um exemplo de um campo do direito que teve maior abrangência e evolução nos últimos anos, mesmo passando por variados vácuos legislativos na história.
O Direito Agrário no Brasil vêm desde o falho sistemas das sesmarias na colonização, passando pelo período extralegal, 1822 à 1850, onde não se legislou sobre os assuntos do campo, abrindo espaço para o período das posses, pela Lei de Terras, chegando a atual Constituição Federal e Estatuto da Terra. Em todos esses momentos a lei agrária não conseguiu abranger o campo brasileiro em sua totalidade e, em áreas mais interiorizadas, nessas localidades, a lei em tempos mais remotos, pouco atingia as comunidades e unidades de família que ali residiam abrindo, dessa forma, espaço para a lei arcaica onde preza-se pela hierarquia, honra ao nome, propriedade como sinônimo de poder e pelo afinco às tradições e costumes.
Preza-se pelo sistema patriarcal, onde o homem representa o Estado perante a ordem familiar e quem não o obedece fica sujeito à punições, em sua maioria físicas. Tal sistema é criado graças a não atuação do Estado efetivo nas áreas remotas do campo, e esse mesmo sistema acaba dificultando a atuação do Estado que acaba por gerar um ciclo regido por um patriarcalismo arcaico.
O Patriarcalismo Rural e a Sombra da Violência Doméstica
Outro ponto que marca o ambiente onde esse patriarcalismo é dominante é o fato de existir constantemente a violência dentro do próprio âmbito familiar. A disputa de terras e a violência doméstica são dois problemas sociais que se sobrepõem e se retroalimentam, uma vez que ambos têm raízes profundas e impactos significativos na vida das pessoas envolvidas.
O patriarcalismo no âmbito rural desempenhou um papel significativo na perpetuação da violência doméstica ao longo da história. Esta relação complexa se origina em sistemas sociais tradicionais que atribuem poder desigual entre homens e mulheres, muitas vezes em comunidades agrárias onde as normas culturais e as estruturas sociais evoluíram mais lentamente do que em ambientes urbanos.
O patriarcalismo é um sistema que concede poder e autoridade aos homens, muitas vezes em detrimento das mulheres, e isso é frequentemente mais evidente nas comunidades rurais, onde os papéis tradicionais do gênero são frequentemente mais rígidos.
Nesse contexto, os homens são frequentemente considerados chefes de família, detentores das principais decisões e responsáveis pelo sustento econômico do lar. As mulheres, por outro lado, muitas vezes são relegadas a papéis domésticos e subordinados, sem o mesmo acesso ao poder e à tomada de decisões.
Essa desigualdade de gênero é um terreno fértil para a manifestação da violência doméstica. Quando as mulheres não têm voz nas decisões familiares, são financeiramente dependentes de seus parceiros e enfrentam pressões sociais para se conformarem com os papéis tradicionais do gênero, elas se tornam mais vulneráveis à violência em casa. Os agressores, muitas vezes homens, podem se sentir justificados em usar a violência para manter o controle sobre suas parceiras e filhos, acreditando que estão simplesmente reforçando a posição patriarcal.
Nesse sentido, Saffioti (2015), esclarece a dificuldade de ultrapassar o patriarcalismo que permeia toda a sociedade:
O patriarcado ou ordem patriarcal de gênero é demasiadamente forte, atravessando todas as instituições, como já se afirmou. Isto posto, por que a Justiça não seria sexista? Por que ela deixaria de proteger o status quo, se aos operadores homens do Direito isto seria trabalhar contra seus próprios privilégios? E por que as juízas, promotoras, advogadas, mesárias são machistas? Quase todos o são, homens e mulheres, porque ambas as categorias de sexo respiram, comem, bebem, dormem etc., nesta ordem patriarcal de gênero, exatamente a subordinação devida ao homem. Se todos são socializados para ser machistas, não poderá esta sociedade mudar, caminhando para a democracia plena? Este processo é lento e gradual e consiste na luta feminista. (SAFFIOTI, 2015, p.99-100).
Nota-se que, nas comunidades rurais, o isolamento geográfico pode agravar o problema. Muitas vezes, as vítimas de violência doméstica têm menos acesso a recursos de apoio, como abrigos e serviços de aconselhamento, tornando-as mais difíceis de procurar ajuda e escapar de situações abusivas.
No entanto, é importante destacar que muitas comunidades rurais também estão passando por mudanças sociais e quebra de estereótipos de gênero. Organizações e movimentos estão trabalhando para conscientizar as pessoas sobre os direitos das mulheres e para oferecer apoio às vítimas de violência doméstica, independentemente do ambiente em que vivem.
Terra, família e conflito
A violência entre famílias é outro tema de relevância quando se discute a por a disputa por terras. Quando os interesses familiares estão ligados à posse de terras, o esforço pode se transformar em conflitos físicos e emocionais. O desejo de garantir o controle da terra para as gerações futuras ou a luta por heranças pode levar a disputas acaloradas, que, em alguns casos, culminam em violência física e verbal.
Além disso, a falta de regulamentação e a presença limitada do Estado em áreas rurais muitas vezes significam que as famílias ou comunidades envolvidas em disputas de terra recorrem a métodos arcaicos de resolução de conflitos, como o patriarcalismo mencionado anteriormente, onde o poder é concentrado nas mãos de líderes familiares ou comunitários. Essa dinâmica, por vezes, legitima a violência como meio de resolver conflitos e reforça padrões de gênero desiguais.
Para lidar com esses problemas, é essencial que os governos, as organizações não governamentais e a sociedade em geral busquem soluções que promovam a justiça, a igualdade de acesso à terra e a resolução de conflitos. Isso inclui a implementação de políticas de reforma agrária, a criação de mecanismos de resolução de disputas e a promoção da educação e conscientização sobre direitos de propriedade e igualdade de gênero.
Ademais, é fundamental abordar as causas subjacentes à violência familiar e promover a educação e a conscientização sobre relações de saúde e resolução de conflitos não violentos. A superação desses desafios requer um esforço conjunto de todas as partes interessadas, com o objetivo de criar comunidades rurais mais seguras e igualitárias, onde as disputas de terra possam ser resolvidas pacificamente e a violência entre famílias seja minimizada.
Deslocamento Forçado e Vulnerabilização de Famílias: As Consequências da Disputa por Terras
O deslocamento forçado, decorrente da disputa por terras, é uma realidade trágica que afeta inúmeras famílias em todo o mundo. Essa questão é um reflexo das tensões existentes em torno da posse da terra e muitas vezes resulta em situações de grande vulnerabilidade para as famílias afetadas.
As disputas por terras podem ter origens diversas, desde interesses específicos até questões históricas e culturais. Quando diferentes partes reivindicam a mesma terra, a tensão aumenta, e aqueles que vivem nessas áreas muitas vezes se tornam vítimas involuntárias dos conflitos. A mudança forçada é uma das tristes consequências dessas disputas.
As famílias que estão presas a abandonar suas terras enfrentam uma série de desafios e vulnerabilidades. Em primeiro lugar, a perda de suas propriedades significa a perda de suas fontes de subsistência, o que pode levar a dificuldades econômicas significativas. Muitas vezes, essas famílias dependem da terra para sua alimentação e renda, e o deslocamento as deixa em uma situação de incerteza quanto ao seu futuro.
Além disso, a mudança introduzida frequentemente coloca as famílias em situações de extrema vulnerabilidade social. Eles podem perder seus laços comunitários, sua rede de apoio e até mesmo seu acesso a serviços básicos, como educação e assistência médica. As crianças muitas vezes são mais afetadas, com suas oportunidades de educação comprometidas e sua segurança em risco.
A violência também é uma ameaça constante para as famílias deslocadas, uma vez que elas podem ficar em campos de refugiados superlotados ou em áreas urbanas precárias, onde a falta de segurança é uma preocupação constante. As mulheres e crianças estão particularmente em risco de abuso e exploração.
Sobre o tema, KELLEY reflete sobre a necessidade de entender as consequencias pessoais do deslocamento forçado:
Os impactos humanitário e de desenvolvimento do deslocamento forçado são catastróficos. Mas o mesmo pode ser dito do custo humano. Não podemos nunca nos esquecermos de que, por trás de cada número, há uma história de grande sofrimento pessoal — um lembrete cruel da velocidade com que vidas podem ser destruídas e da importância de apoiar as pessoas no momento mais vulnerável de suas vidas.(KELLEY, Ninette, 2021, pg. 7)
Para fazer face a esses desafios, é fundamental que haja políticas e programas eficazes que abordem as necessidades das famílias deslocadas. Isso inclui acesso a abrigo, assistência médica, educação e oportunidades de emprego. Além disso, a resolução de conflitos de terra deve ser tratada de forma justa e transparente, garantindo que os direitos das comunidades sejam respeitados.
A prevenção do deslocamento provocado também é crucial, e isso implica na promoção do diálogo, na mediação e na busca de soluções consolidadas para as disputas de terra. Além disso, é fundamental considerar a importância das comunidades rurais no manejo sustentável da terra e dos recursos naturais, e garantir que suas vozes sejam ouvidas nas decisões relacionadas à terra.
Em resumo, a mudança causada pela corrente da disputa por terras é um problema que resulta em grande vulnerabilidade para as famílias afetadas. Abordar esta questão exige esforços concertados para garantir que as necessidades das famílias deslocadas sejam atendidas e que as disputas de terra sejam resolvidas de maneira justa e pacífica.
Conclusão
A interligação entre a Lei de Talião, o patriarcalismo no Direito Agrário Brasileiro, a disputa por terras e a violência doméstica criam uma teia complexa de desafios nas comunidades rurais. A influência histórica da Lei de Talião moldou as tradições e costumes em torno das disputas de terras, muitas vezes perpetuando um código de honra arcaico, onde a justiça é frequentemente determinada por um patriarca.
Essa dinâmica de poder desigual, onde os homens detêm o controle, contribui para a vulnerabilidade das mulheres e a ocorrência de violência doméstica. A falta de acesso a recursos de apoio em áreas rurais isoladas torna as vítimas ainda mais suscetíveis a abusos.
Ademais, o deslocamento causado resultante de disputas de terras agrava a vulnerabilidade das famílias, causando perda de subsistência, laços comunitários e acesso a serviços básicos. O pessoal também é ameaçado, com mulheres e crianças frequentemente sendo mais afetadas pela insegurança.
Para superar esses desafios, é essencial implementar políticas de reforma agrária justas, criar mecanismos de resolução de conflitos transparentes e promover a educação e conscientização sobre a igualdade de gênero. Além disso, a prevenção da mudança imposta requer o fortalecimento das comunidades rurais e a inclusão de suas vozes nas decisões relacionadas à terra.
Somente por meio de esforços conjuntos, que envolvem governos, organizações e a sociedade, é possível desemaranhar essa teia complexa e criar comunidades rurais mais seguras e igualitárias, onde as disputas de terras sejam resolvidas pacificamente e a violência doméstica seja minimizada. A busca por justiça, igualdade e dignidade deve ser o objetivo a ser perseguido, superando as amarras do passado em direção a um futuro mais promissor para todos.
Referências
MARQUES, Benedito Ferreira. Direito Agrário. São Paulo, 10º ed. 2012.
SAFFIOTI, H. I. B. Gênero, patriarcado, violência. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular: Fundação Perseu Abramo, 2015.
KELLEY, Ninette. Pessoas Forçadas a se Deslocar: História, Mudança e Desafios. [S. l.]: UNHCR-ACNUR Agência da ONU para Refugiados, 2021. 569 p. Disponível em: https://www.unhcr.org/people-forced-to-flee-book/wp-content/uploads/sites/137/2023/04/ UNHCR-ACNUR-Pessoas-Forcadas-a-se-Desloca-PT-Web.pdf. Acesso em: 16 ago. 2023.
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados-UFGD. Pós-graduada em Direito do Consumidor pela Faculdade Faculminas. Procuradora Municipal do Município de Dourados.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAGLIARINI, Bianca Reitmann. Conflitos de terras, patriarcalismo e vulnerabilização familiar: A complexa teia de violência no meio rural Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 nov 2023, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/63638/conflitos-de-terras-patriarcalismo-e-vulnerabilizao-familiar-a-complexa-teia-de-violncia-no-meio-rural. Acesso em: 22 dez 2024.
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