Resumo: O artigo examina o poder de polícia conferido às instituições de polícia judiciária no Brasil, analisando sua fundamentação jurídica, amplitude e limitações. Utilizando-se de análise doutrinária e jurisprudencial, o estudo enfatiza a relevância desse poder no contexto da justiça criminal e segurança pública.
Palavras-chave: Polícia judiciária, poder de polícia, sistema de justiça.
1.INTRODUÇÃO
A segurança pública é um dos pilares de qualquer sociedade democrática. É através dela que os cidadãos encontram a garantia para o exercício pleno de seus direitos, livres das ameaças que possam surgir no seio da coletividade. No Brasil, o sistema de segurança é delineado por uma série de instituições, dentre as quais as de polícia judiciária assumem relevância especial no cenário da persecução penal.
A Polícia Judiciária, representada principalmente pela Polícia Civil, tem como principal função a investigação de crimes e a coleta de provas para a instauração da ação penal. Diferente das funções típicas de policiamento ostensivo, a polícia judiciária atua de maneira mais discreta, porém com instrumentos legais robustos que garantem a efetividade de suas ações. Tais instrumentos estão sob a égide do que se denomina "poder de polícia".
O poder de polícia é uma faculdade concedida às autoridades competentes, permitindo a limitação dos direitos e liberdades individuais em nome da preservação da ordem pública e do bem-estar coletivo. Este conceito, já sedimentado no ordenamento jurídico brasileiro, é o alicerce que confere legitimidade às ações da polícia judiciária, desde a simples solicitação de documentos até ações mais incisivas como a condução coercitiva ou a decretação de prisões durante a fase investigativa.
O presente artigo visa aprofundar a compreensão sobre o poder de polícia no contexto das instituições de polícia judiciária. Ao longo do texto, será explorada a origem e evolução deste conceito, a sua relevância no cenário jurídico brasileiro, bem como os desafios e limites impostos ao seu exercício em um Estado Democrático de Direito.
2.HISTÓRICO DO PODER DE POLÍCIA
O conceito e o exercício do poder de polícia têm suas raízes na antiguidade, embora sua forma e função tenham evoluído significativamente ao longo do tempo, paralelamente ao desenvolvimento dos Estados nacionais e suas respectivas estruturas jurídicas e políticas.
2.1 Origens Antigas
Na Antiguidade, sociedades como a grega e a romana já possuíam mecanismos de controle e preservação da ordem pública. Em Roma, por exemplo, a figura dos "lictors" acompanhava os magistrados e era responsável por garantir o cumprimento de suas decisões, utilizando-se da força, se necessário. Estas figuras não eram policiais no sentido moderno, mas já exerciam uma forma rudimentar de poder de polícia.
2.2 Evolução na Europa Medieval e Moderna
Com a desintegração do Império Romano e o surgimento dos feudos na Europa Medieval, a manutenção da ordem tornou-se uma responsabilidade local. Os senhores feudais possuíam o "direito de baixa justiça", que lhes permitia julgar e punir crimes menores em seus territórios.
No entanto, foi na Modernidade, com o surgimento dos Estados nacionais, que o poder de polícia começou a assumir uma forma mais reconhecível. Na França pré-revolucionária, por exemplo, o termo "police" referia-se a um conjunto de regulamentos administrativos e à instituição responsável por sua aplicação.
2.3 O Poder de Polícia no Brasil: Do Império à República
No Brasil, a noção de poder de polícia ganhou contornos durante o período imperial. O Código Criminal do Império, de 1830, já fazia menção à figura do Chefe de Polícia e determinava suas competências. No entanto, a estruturação formal das polícias e o conceito moderno de poder de polícia desenvolveram-se ao longo da Primeira República, especialmente com a reforma que levou à criação da Polícia Civil.
A Constituição Federal de 1891, a primeira da República, embora não usasse o termo "poder de polícia", já estabelecia competências aos Estados para a manutenção da ordem pública. A consolidação desse poder, no entanto, ocorreu ao longo do século XX, com a evolução legislativa e doutrinária.
2.4 Regulamentação Atual e Desafios Contemporâneos
A Constituição Federal de 1988, ao reafirmar o Brasil como um Estado Democrático de Direito, trouxe o compromisso explícito com a preservação dos direitos fundamentais, o que reconfigurou e delimitou o exercício do poder de polícia. Enquanto instrumento de manutenção da ordem, ele deve ser exercido respeitando-se os direitos e garantias individuais.
Hoje, o desafio é balancear a necessidade de garantir a segurança pública e o dever de preservar os direitos fundamentais. O poder de polícia, nesse contexto, não é apenas uma ferramenta de controle, mas também um mecanismo de proteção à cidadania.
Em resumo, o poder de polícia, em sua evolução histórica, reflete as transformações sociais, políticas e jurídicas das sociedades nas quais ele opera. Seu exercício, no Brasil contemporâneo, deve ser orientado pelos princípios constitucionais, garantindo-se a ordem pública sem prejuízo dos direitos fundamentais.
3.A NATUREZA JURÍDICA DO PODER DE POLÍCIA
3.1 Introdução à Natureza Jurídica
A natureza jurídica de um instituto refere-se à sua essência, sua classificação no ordenamento jurídico e como ele se insere no sistema legal como um todo. No caso do poder de polícia, seu conceito é complexo e multifacetado, abrangendo tanto aspectos administrativos quanto de direito público.
3.2 Classificação Tradicional
Historicamente, o poder de polícia é classificado dentro do direito administrativo como uma das funções estatais. Essa função tem como objetivo limitar e regular o exercício dos direitos e liberdades individuais em nome do bem-estar coletivo.
3.3 Aspectos Constitucionais
A Constituição Federal, em seu art. 78 do Código Tributário Nacional (CTN), conceitua o poder de polícia como a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público. Assim, ele é visto como uma prerrogativa de direito público, visando a harmonização entre os direitos individuais e o interesse público.
3.4 Características Principais
Discricionariedade: Embora regulado por lei, o exercício do poder de polícia muitas vezes confere à autoridade competente uma margem de liberdade na escolha da melhor forma de atuação, desde que observados os limites legais.
Autoexecutoriedade: Significa que a administração pública, ao exercer o poder de polícia, pode colocar em prática suas decisões sem necessidade de recorrer previamente ao Poder Judiciário, salvo em situações excepcionais.
Limitação de Direitos: O poder de polícia atua limitando direitos individuais em nome do coletivo, mas sempre pautado pela legalidade e proporcionalidade.
3.5 Distinção entre Poder de Polícia e Polícia Administrativa
É comum confundir o poder de polícia com a polícia administrativa. No entanto, enquanto o poder de polícia refere-se à capacidade de restringir e regular direitos individuais em nome do coletivo, a polícia administrativa aborda o conjunto de órgãos e entidades que efetivamente aplicam e fiscalizam as normas.
4. PODER DE POLÍCIA E POLÍCIA JUDICIÁRIA
O poder de polícia, em sua essência, é o instrumento que o Estado utiliza para restringir e regular direitos individuais em prol do bem-estar coletivo. Esse mecanismo é crucial para as atividades de polícia judiciária, permitindo que ela cumpra sua missão de investigação e esclarecimento de delitos.
4.1 A Função da Polícia Judiciária
A polícia judiciária, no Brasil, é majoritariamente exercida pela Polícia Civil, instituição que possui a prerrogativa de investigar crimes e preparar o início de ações penais. Sua atuação é predominantemente reativa, entrando em cena após a ocorrência de um delito e buscando reunir elementos para a eventual punição do responsável.
4.2 Poder de Polícia: Instrumento da Atuação Judiciária
Para que a polícia judiciária possa desempenhar suas funções, o exercício do poder de polícia é vital. Esse poder permite:
- Condução de indivíduos para depoimentos: Através do poder de polícia, indivíduos podem ser conduzidos coercitivamente para prestar depoimentos, caso se recusem a comparecer espontaneamente.
- Realização de buscas e apreensões: Em locais onde se presume haver provas relevantes para a investigação.
- Intimações e notificações: A polícia judiciária pode, com base nesse poder, intimar testemunhas, suspeitos e outros envolvidos no processo investigativo.
4.3 Prerrogativas e Limitações do Poder de Polícia na Atuação Judiciária
A Polícia Civil, enquanto exercente da função judiciária, possui uma série de prerrogativas derivadas do poder de polícia. No entanto, é fundamental ressaltar que o exercício desse poder não é absoluto e está sujeito a uma série de limitações:
- Respeito aos direitos fundamentais: A atuação policial deve sempre observar os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, como o direito à integridade física, à dignidade, entre outros.
- Legalidade: Todas as ações da polícia judiciária devem estar amparadas em previsão legal. Não é permitida a atuação com base apenas em discricionariedade, sem respaldo jurídico.
- Proporcionalidade: As medidas adotadas no exercício do poder de polícia devem ser proporcionais à necessidade. Medidas excessivas, que ultrapassem o necessário para a garantia da ordem, são vedadas.
4.4 Relação com o Ministério Público e o Poder Judiciário
A polícia judiciária não atua isoladamente. Ela trabalha em estreita colaboração com o Ministério Público (órgão acusador) e o Poder Judiciário. O poder de polícia permite que a Polícia Civil colete as evidências e informações necessárias, que serão posteriormente utilizadas pelo Ministério Público na formulação da acusação e pelo Judiciário na deliberação sobre a causa.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atuação das instituições de polícia judiciária, representadas primordialmente pela Polícia Civil e Polícia Federal, é fundamental para a manutenção da ordem pública e para a garantia da justiça no Brasil. O poder de polícia, como instrumento de autoridade estatal, é o alicerce que sustenta e legitima as atividades dessas instituições, assegurando que possam exercer suas funções investigativas com eficiência, sempre balizadas pelos princípios constitucionais.
A complexidade e amplitude da atuação destas polícias demonstram a necessidade de uma contínua revisão e atualização de suas práticas, garantindo a adaptação às mudanças sociais e aos desafios contemporâneos. Assim, é crucial que o poder de polícia seja exercido de maneira equilibrada, conciliando a segurança pública com o respeito intransigente aos direitos e liberdades individuais.
Este estudo buscou esclarecer o entrelaçamento entre o poder de polícia e a atuação das polícias judiciárias, ressaltando a importância de ambas para o funcionamento harmônico do sistema de justiça penal. É imperativo que a sociedade, o poder público e as instituições de segurança continuem dialogando, buscando aprimoramentos constantes, para que o exercício do poder de polícia esteja sempre alinhado com as demandas de um Estado Democrático de Direito.
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SILVA, N. R. A Interação da Polícia Civil com o Sistema Judiciário. Recife: Editora Pernambucana, 2021.
: Delegado de Polícia Federal e Especialista em Ciências Criminais – PUC Minas
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAULA, vinicius nunes de. O poder de polícia para instituições de polícia judiciária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 nov 2023, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/63832/o-poder-de-polcia-para-instituies-de-polcia-judiciria. Acesso em: 06 dez 2023.
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
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