A Constituição Federal de 1988 (CF/88) prevê em que seu art. 131 a figura da Advocacia-Geral da União. Trata-se de instituição responsável por representar a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
Por sua vez, o art. 132 da Magna Carta dispõe a respeito dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, responsáveis por exercer a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.
Percebe-se, portanto, que a CF/88, apesar de cuidar da advocacia pública da União, dos Estados e do DF, não trata da advocacia pública dos Municípios. Esta última deve ser regulamentada por lei do próprio Município. O silêncio da CF/88 a respeito da advocacia pública municipal já foi e ainda é tema de debates doutrinários e jurisprudenciais.
Cabe mencionar que questão importante envolvendo as Procuradorias dos Estados e do DF se relaciona com o princípio da unicidade de representação. Por esse princípio, entende-se que a representação judicial e a atividade de consultoria e assessoramento jurídico do ente cabe exclusivamente aos Procuradores do Estado e do DF. Isto é, após o advento da CF/88, foi vedada a instituição, por parte dos entes, de carreiras paralelas à Procuradoria com atribuições relacionadas à representação, consultoria e assessoramento.
Apesar de tal princípio comportar exceções pontuais, como a possibilidade de instituição de procuradorias em universidades estaduais e pelos demais Poderes, para a defesa de suas prerrogativas institucionais, entre outras, certo é que a regra é a impossibilidade de criação de novas carreiras com atribuições próprias dos Procuradores.
Outra ressalva constante do próprio ADCT que merece destaque é o teor do art. 69: “Será permitido aos Estados manter consultorias jurídicas separadas de suas Procuradorias-Gerais ou Advocacias-Gerais, desde que, na data da promulgação da Constituição, tenham órgãos distintos para as respectivas funções.”.
Sobre o tema, o STF se manifestou no sentido de que tais órgãos não podem exercer atividades de representação judicial dos entes públicos, mas apenas atividades de consultoria e, ainda, sob a supervisão da Procuradoria do Estado ou do DF. Tratam-se de verdadeiras carreiras em extinção.
Considerando que a advocacia pública municipal não foi abordada na CF/88, o entendimento que prevalece é o de que o princípio da unicidade de representação não se aplica a tais entes subnacionais. Em outras palavras, os Municípios não tem a obrigação constitucional de instituir a figura da advocacia pública municipal, como já decidiu o STF quando do julgamento do RE 1.205.434-AgR. Portanto, não há que se falar em prerrogativa institucional outorgada aos procuradores municipais.
O STF já teve a oportunidade de se manifestar no sentido de que o Município, como ente federativo autônomo, tem a opção de instituir ou não um corpo próprio de procuradores municipais. Com isso, não cabe à Constituição Estadual, por exemplo, impor a obrigatoriedade de instituição, pelas municipalidades, de órgão de Advocacia Pública, sob pena de violar a autonomia e o poder-dever de auto-organização dos Municípios.
A instituição da Procuradoria, portanto, é uma faculdade. Contudo, conforme decidiu o STF quando do julgamento da ADI nº 6.331/PE, uma vez realizada opção pela instituição do órgão, a realização de concurso público é medida imperiosa, por força do comando constitucional constante do art. 37, II, da CF/88.
Assim, não é possível que o Município opte por instituir corpo próprio de Procuradores, sem que tais servidores se submetam à realização de concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego.
A situação excepcional fica a cargo das contratações de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, que pode ocorrer mediante dispensa de licitação, observados os requisitos constitucionais e legais, conforme possibilidade constante da Lei de Licitações e Contratos.
Ocorre que esta facultatividade de instituição da advocacia pública municipal tem o potencial para gerar sérios prejuízos à municipalidade e à Administração Pública como um todo. Nos Municípios em que não houve a opção pela instituição do órgão de representação, percebe-se que diversos princípios constitucionais, como os princípios da impessoalidade, moralidade e eficiência, encontram-se sujeitos à possível vulneração.
Muito embora não se possa partir da premissa de que determinado agente público agirá de má-fé ou no seu interesse particular quando, hipoteticamente, está apenas em suas mãos a escolha da pessoa que exercerá a defesa do Município, é válido mencionar a possibilidade, considerando o histórico de ocorrências, da existência de uma espécie de troca de favores ou favorecimentos na escolha do advogado.
Tamanha a preocupação de se evitar a prática de nepotismo, que o STF se preocupou em editar a Súmula Vinculante nº 13, com o seguinte teor:
“A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.”.
E, mais recentemente, com as alterações trazidas pela Lei nº 14.230/21 à Lei nº 8.429/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, de que trata o § 4º do art. 37 da Constituição Federal, a prática de nepotismo passou a constar do rol dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública, no art. 11, XI.
Permitir que a contratação do representante do Município sofra, de qualquer forma, influências externas, implica comprometimento direto no exercício das atribuições do cargo, que devem ser realizadas por profissional qualificado, com presteza e rendimento funcional. Por outro lado, a nomeação através do concurso público, como reza o art. 37, II, da CF/88, garante que a Administração selecione os candidatos mais aptos ao exercício do cargo, proporcionando o aperfeiçoamento do serviço público.
Sobre o tema, destaca-se que foi editada a Proposta de Emenda à Constituição n° 17 de 2012, cujo objetivo era a alteração do art. 132 da Constituição Federal, para estender aos Municípios a obrigatoriedade de organizar carreira de procurador (para fins de representação judicial e assessoria jurídica), com ingresso por concurso público com a participação da OAB em todas as suas fases, garantida a estabilidade dos procuradores após 3 anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho.
Apesar de a PEC ter sido arquivada em dezembro de 2022, certo é que em momento posterior, mas em atenção à irrepetibilidade constante do art. 60, §5º, da CF/88, a matéria poderá ser objeto de nova proposta. Eventual aprovação de Proposta de Emenda à Constituição com este teor tem o condão de assegurar a observância dos princípios constitucionais no âmbito da procuradoria municipal e representa o fortalecimento da carreira.
REFERÊNCIAS
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 13 maio 2024.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 13. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/sumariosumulas.asp?base=26&sumula=1227#:~:text=ATO%20NORMATIVO%20QUE%20%E2%80%9CDISCIPLINA%20O,JUDICI%C3%81RIO%20E%20D%C3%81%20OUTRAS%20PROVID%C3%8ANCIAS%E2%80%9D. Acesso em: 13 de maio de 2024.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. O município é livre para instituir, ou não, a sua Procuradoria Municipal; caso decida instituir a Procuradoria, deverá respeitar as regras do concurso público. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/1879d84e181b6262704e95372dc9f4dc>. Acesso em: 20/05/2024.
Servidora pública do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG). Advogada. Pós-graduada em Direito Tributário. Bacharel em Direito pela Universidade FUMEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LADEIA, Maria Vitória de Resende. A necessária constitucionalização da advocacia pública municipal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jun 2024, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/65607/a-necessria-constitucionalizao-da-advocacia-pblica-municipal. Acesso em: 22 dez 2024.
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