resumo: A recuperação judicial é um mecanismo jurídico essencial para a reestruturação de empresas em dificuldades financeiras, previsto na Lei nº 11.101/2005. Um dos momentos mais críticos desse processo é a votação do plano de recuperação pelos credores, onde se espera que o voto seja exercido de maneira ética e responsável. No entanto, o abuso do direito de voto por parte dos credores, quando estes votam de forma desleal visando interesses próprios em detrimento dos demais envolvidos, constitui um grave problema que pode comprometer o sucesso da recuperação judicial. Este artigo analisa o abuso do direito de voto na recuperação judicial das empresas, identificando suas causas, formas de manifestação e os mecanismos legais para sua prevenção e repressão. Através de uma revisão da literatura jurídica e da análise de casos práticos, busca-se uma compreensão aprofundada do tema, visando contribuir para o aprimoramento das normas e práticas que regem a recuperação judicial no Brasil. A relevância deste estudo reside na necessidade de garantir a integridade e a eficácia do processo de recuperação judicial, equilibrando os interesses de devedores e credores e promovendo um ambiente econômico mais estável e confiável.
Palavras-chave: Abuso do direito de Voto. Recuperação Judicial. Plano de recuperação. Credores.
ABSTRACT: Judicial reorganization is an essential legal mechanism for the restructuring of financially distressed companies, as provided by Law No. 11,101/2005. One of the most critical moments in this process is the voting on the reorganization plan by creditors, where it is expected that votes are cast ethically and responsibly. However, the abuse of voting rights by creditors, when they vote disloyally to serve their own interests at the expense of others involved, constitutes a serious issue that can jeopardize the success of the judicial reorganization. This article examines the abuse of voting rights in the judicial reorganization of companies, identifying its causes, forms of manifestation, and legal mechanisms for its prevention and suppression. Through a review of legal literature and analysis of practical cases, the study aims to provide a deep understanding of the topic, contributing to the improvement of the rules and practices governing judicial reorganization in Brazil. The relevance of this study lies in the need to ensure the integrity and effectiveness of the judicial reorganization process, balancing the interests of debtors and creditors, and promoting a more stable and reliable economic environment.
KEYWORDS: Abuse of the right to vote. Judicial recovery. Recuperation plan. Creditors.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Recuperação judicial: definição. 2.1. A assembleia geral de credores (agc). 2.2. Direito de voto no processo de recuperação judicial de empresas. 2.3. Abuso de direito: definição. 2.4. Abuso do direito de voto na recuperação judicial. 3. Análise de casos. 3.1. Comparação com casos internacionais. 4. Aspectos legais e implicações do abuso do direito de voto na recuperação judicial no brasil. 5. Conclusão.
1 INTRODUÇÃO
A recuperação judicial é um instituto jurídico de grande relevância no direito empresarial, destinado a permitir a reestruturação de empresas em crise econômico-financeira, assegurando a continuidade de suas atividades, a preservação dos empregos e o cumprimento das obrigações perante os credores. No Brasil, o processo de recuperação judicial é regulamentado pela Lei nº 11.101/2005, que estabelece mecanismos para que empresas em dificuldade possam negociar com seus credores, reorganizar suas dívidas e restabelecer sua saúde financeira.
Um aspecto central da recuperação judicial é o processo de deliberação e votação do plano de recuperação pelos credores, que é um momento crítico para o sucesso ou fracasso do processo. O voto dos credores deve ser exercido de forma ética e responsável, visando o equilíbrio entre os interesses da empresa devedora e dos credores. No entanto, em algumas situações, pode ocorrer o abuso do direito de voto, quando credores utilizam sua posição de forma desleal, visando interesses próprios em detrimento dos demais envolvidos no processo.
O abuso do direito de voto na recuperação judicial pode manifestar-se de diversas formas, tais como o voto contrário ao plano por razões alheias à viabilidade econômica, a tentativa de obter vantagens pessoais ou o uso do voto como meio de coação. Essas práticas comprometem a essência do instituto da recuperação judicial, que é a busca pela superação da crise empresarial de forma justa e equilibrada.
Este artigo tem como objetivo analisar o fenômeno do abuso do direito de voto na recuperação judicial das empresas, investigando suas causas, formas de manifestação e os mecanismos legais disponíveis para coibir tais práticas. Através de uma revisão da literatura jurídica e da análise de casos práticos, pretende-se proporcionar uma compreensão aprofundada sobre o tema e contribuir para o aprimoramento das normas e práticas relacionadas à recuperação judicial no Brasil.
A relevância do estudo se justifica pela necessidade de assegurar a integridade e a eficácia do processo de recuperação judicial, protegendo tanto os interesses da empresa em recuperação quanto os dos credores, de forma a promover um ambiente econômico mais estável e confiável.
2 RECUPERAÇÃO JUDICIAL: DEFINIÇÃO
Para oferecer às empresas em dificuldades alternativas para evitar a falência e preservar seu papel perante a sociedade, foi estabelecida a recuperação judicial. Esta medida assegura que o empresário possa retomar suas atividades normais, mesmo sob a intervenção estatal no seu estabelecimento.
Tal medida tem o objetivo de manter a atividade econômica da empresa, garantindo a continuidade da produção de bens e serviços, proteger os empregos e os direitos dos trabalhistas dos empregados da empresa em recuperação, assegurar que os credores sejam pagos de maneira organizada e equitativa, respeitando suas prioridades e direitos, contribuir para a estabilidade econômica, evitando o colapso de empresas que têm importância estratégica para a economia local ou até mesmo nacional.
Ingressou no ordenamento jurídico pátrio através da Lei de Recuperação e Falência nº 11.101/2005, onde se encontra o seu processamento e das falências, em substituição ao antigo Decreto-lei nº 7.661/1945. Definida no Art. 47 de sua Lei, a recuperação judicial é a aparência da concordata, uma das principais alterações do Decreto-lei. A concordata era o meio pelo qual a empresa insolvente, pedia a suspensão da declaração de falência, ficando então obrigada a liquidar seus débitos, de acordo com a sentença estabelecida na concordata, que poderia ainda ser preventiva (antes da declaração de falência) ou suspensiva (após declaração judicial).
O Artigo 48 da Lei nº 11.101/2005 define as condições sob as quais o direito de recuperação judicial pode ser requerido, estabelecendo a chamada Legitimidade Ativa. Estão legalmente autorizados a solicitar a recuperação judicial o empresário individual, as sociedades empresárias, o cônjuge sobrevivente, os herdeiros do empresário, o inventariante e os sócios remanescentes.
Conforme especificado no mesmo artigo, os requisitos para a solicitação são cumulativos e exigem que o requerente tenha exercido suas atividades regularmente por um período superior a dois anos, vejamos:
- Não ser falido, e se foi, com declaração de falência extinta;
- há menos de cinco anos não ter obtido concessão de recuperação judicial;
- há menos de oito anos não ter obtido concessão de recuperação judicial por meio de plano especial, especificado na Seção V do mesmo capítulo do artigo 28 da Lei nº 11.101/2005;
- não terem sido condenados por meio desta Lei: a empresa, sócio controlador ou administrador.
Com base no Art. 49 da Lei de Recuperação e Falência, em regra à recuperação judicial, estão sujeitos todos os créditos existentes na data do pedido, vencidos ou não. Estão excluídos dos efeitos da recuperação judicial os credores titulares da posição de proprietário relativo de bens móveis ou imóveis, de arrendamento mercantil, proprietário ou promitente vendedor de imóvel, ou de proprietário em contrato de compra e venda com reserva de domínio, bem como os bancos credores por adiantamento aos exportadores. Dentro do prazo estipulado, não poderão ser vendidos ou retirados do estabelecimento do empresário os bens de capital essenciais a sua atividade, entretanto os contratos de antecipação de crédito para exportação não estão sujeitos à Recuperação Judicial. O art. 50 da LRF indica em torno de 30 hipóteses de meios de recuperação, nos incisos de I a XVI, dentre eles:
- condições e prazos especiais para pagamento;
- atos de fusão, cisão, incorporação, transformação;
- constituição de sociedade de propósito específica, constituição de sociedade formada por credores, constituição de sociedade subsidiária integral;
- venda de ativos;
- celebração de contrato de trespasse, arrendamento mercantil do estabelecimento;
- usufruto da empresa, administração compartilhada;
- emissão de valores mobiliários, cessão de quotas ou ações;
- substituição total ou parcial de administradores, reorganização interna de órgãos da sociedade, constituição de sociedade formada por empregados do próprio devedor.
Além de outras possibilidades não previstas expressamente na LRF, a exemplo de formação de grupo empresarial e contratação de seguro caução empresarial, os meios de recuperação poderão ser utilizados de forma isolada ou combinada, devendo o devedor, para implantá-los, se for o caso, previamente realizar as devidas alterações societárias. A finalidade desses meios é demonstrar aos credores, de fato, as reais condições de revitalização da atividade. Sem meios de recuperação, o plano de recuperação no mundo prático, não tem usabilidade, dado a inviabilidade de recuperação econômica.
2.1 A Assembleia geral de Credores (AGC)
Assembleia Geral de Credores é um órgão deliberativo essencial no processo de recuperação judicial e falência das empresas. Ela tem a função de reunir os credores da empresa em dificuldades financeiras para discutir e deliberar sobre o plano de recuperação judicial apresentado pela devedora, negociar condições de ajustes no plano, assim como decidir sobre assuntos relevantes ao processo, como deliberar sobre a substituição do administrador judicial, constituição do comitê de credores e outras decisões importantes para o andamento do referido processo.
É na Assembleia geral de Credores que as partes se sentam para analisar a proposta apresentada pelo devedor e tomar outras medidas previstas em lei que lhe compete para aperfeiçoar o processamento da recuperação judicial. Importante para os credores participantes da Assembleia Geral de Credores é a consciência de que a recuperação judicial não significará o recobro integral dos seus créditos de imediato. A parcela de sacrifício imposta pelo Plano de Recuperação e as divergências nesse emaranhado de complexa trama de interesses comuns, seguramente ocorrerão e será necessária uma reflexão madura e pragmática na distribuição desse prejuízo, pois a quebra não será interessante para ninguém. Segundo Mamedes (2015) óbvio que se tivesse o devedor condições de pagamento não estaria propugnando por um pedido de reabilitação comercial num prazo ampliado. Indisfarçável que com a atual crise financeira, hoje não só no Brasil, mas mundial, o número de empresas passando dificuldades financeiras vem crescendo exponencialmente. Com isso, a recuperação judicial com um plano definido e cumprido, mesmo que haja perda financeira para o credor, evita o fechamento de empresas, a diminuição da arrecadação de impostos, postos de trabalhos extintos, e a possibilidade do credor nada receber.
Mas o propósito da LRF tem um cunho participativo intenso dos
credores, para além da busca do crédito inadimplido, que é também travar uma atividade social por intermédio do Poder Judiciário, na consecução de recuperar uma empresa dentro de um planejamento razoável para o devedor, redundando na conservação de empregos e mantendo o dinamismo das atividades comerciais, cujo resultado é sempre positivo em todos os quadrantes. A Assembleia Geral de Credores é o exercício de um poder dentro da veste legal, pois quanto aos assuntos principais da recuperação judicial a decisão caberá a esse colegiado presidido pelo administrador judicial. O credor deixa de ser um simples agente passivo, passando a atuar intensamente e de maneira permanente, durante todo o processo de recuperação, através do Comitê de Credores ou da Assembleia Geral de Credores.
É um método eficaz, transparente e legítimo para resolução dos
problemas da empresa devedora. Para Mamedes (2015) de certa forma retira do juiz a intervenção na decisão concreta referente ao destino da empresa, fazendo com que a matéria passe a ter um enfoque econômico, em detrimento do processualismo exacerbado da legislação anterior. O conclave dos credores no confronto de ideias mediante a discussão das matérias postas em debate, abre a oportunidade das explicações, deduções e o surgimento de novas alternativas. É importante ressaltar que nenhum plano de recuperação judicial pode ser aprovado quando não constar previsão clara e inequívoca do valor das parcelas de pagamento de cada crédito habilitado, as datas certas em que os pagamentos deverão ser realizados.
2.2 Direito de voto no processo de recuperação judicial de empresas
A assembleia dos credores é o órgão colegiado e deliberativo responsável pela manifestação do interesse ou da vontade predominantes entre os que possuem titularidade do crédito perante a sociedade empresária requerente da recuperação judicial sujeitos aos efeitos desta.
De maneira geral, nenhuma recuperação de empresa se viabiliza sem o sacrifício ou agravamento do risco, pelo menos em parte, dos direitos de credores. Por esse motivo, em atenção aos interesses dos credores (sem cuja colaboração a reorganização se frustra), a lei lhes reserva, quando reunidos em assembleia, as mais importantes deliberações relacionadas ao reerguimento da atividade econômica em crise. De acordo com Salomão 2001 têm legitimidade para convocar a assembleia dos credores o juiz, nas hipóteses legais ou sempre que considerar conveniente, e os credores, desde que a soma de seus créditos represente pelo menos 25% do total do passivo da sociedade requerente. O anúncio da convocação da assembleia deve ser publicado, no Diário Oficial e em jornal de grande circulação, com a antecedência mínima de 15 dias da data de sua realização. Para instalarem-se validamente os trabalhos da assembleia, é exigida a presença de credores titulares de mais da metade do passivo do requerente (em cada classe). Caso não seja alcançado, o anúncio da segunda convocação deverá ser publicado com a antecedência mínima de cinco dias. Em segunda convocação, os trabalhos se instalam validamente com qualquer número de credores.
Continuamente, compete à assembleia dos credores: a) aprovar, rejeitar e revisar o plano de recuperação judicial; b) aprovar a instalação do comitê e eleger seus membros; c) manifestar-se sobre o pedido de desistência da recuperação judicial; d) eleger o gestor judicial, quando afastados os diretores da sociedade empresária requerente; e) deliberar sobre qualquer outra matéria de interesse dos credores (LF, art. 36,1, a). Em princípio, todos os credores admitidos na recuperação judicial têm direito a voz e voto na assembleia. São credores admitidos e, por conseguinte, em princípio titulares do direito à voz e ao voto na assembleia os que se encontram na última lista publicada (a relação de credores apresentada pelo devedor com a petição inicial, a organizada pelo administrador judicial ou, por fim, a consolidação do quadro geral). Está admitida e integra a assembleia dos credores a pessoa física ou jurídica cujo nome consta do rol — dentre os três que se elaboram ao longo da verificação de créditos — que tiver sido publicado por último. Cada credor presente na assembleia terá o voto proporcional ao valor do seu crédito admitido na recuperação judicial. Desconsidera-se, por conseguinte, o valor das despesas que individualmente fizeram para tomar parte do processo, que são excluídas deste. Aqui, também importa o que Constar da relação de credores vigente. Na assembleia dos credores, há quatro instâncias de deliberação. De acordo com a matéria em apreciação, varia o conjunto de credores aptos a votar.
A instância de maior abrangência é o plenário da assembleia dos credores. Sempre que a matéria não disser respeito à constituição do comitê ou não se tratar do plano de reorganização, cabe a deliberação ao plenário. Tem essa instância, portanto, competência residual. Se não houver na lei nenhuma previsão específica reservando à apreciação da matéria a outra ou outras instâncias, o plenário deliberará pela maioria de seus membros, computados os votos proporcionalmente aos seus valores, independentemente da natureza do crédito titularizado. As três outras instâncias deliberativas da assembleia correspondem às classes em que foram divididos pela lei os credores.
Na votação ou no aditamento do plano de recuperação, a primeira classe compõe-se por credores trabalhistas; a segunda, por titulares de direitos reais de garantia; e a terceira, por titulares de privilégio (geral ou especial), os quirografários e subordinados (LF, art. 41). Na apreciação de matéria atinente à constituição e composição do comitê, as instâncias classistas da assembleia se organizam um pouco diferente: os credores titulares de privilégio especial compõem a mesma dos que titulam garantia real (LF, art. 26). Nas matérias indicadas — votação do plano de recuperação e constituição e composição do comitê —, deliberam apenas as instâncias classistas e não o plenário. O quórum geral de deliberação é o de maioria, computada sempre com base no valor dos créditos dos credores integrantes da instância deliberativa presentes à assembleia. Desse modo, se o evento assemblear se realiza em segunda convocação, com a presença de apenas 10 credores, somam-se os créditos deles e calcula-se o peso proporcional do direito creditório de cada um na soma. Os percentuais assim encontrados norteiam a quantidade de votos atribuídos a cada credor. Se, por força desse cálculo, um deles for o possuidor sozinho de 51 % da soma dos créditos dos presentes, então ele compõe isolado a maioria e faz prevalecer sua vontade e interesse, mesmo contra os dos demais. Assim será, inclusive, mesmo que o seu crédito represente parcela ínfima do passivo, se os credores ausentes possuírem apenas a parte substancial deste.
A maioria dos presentes no plenário ou na instância classista (segundo o valor proporcional dos créditos) representa, então, o quórum geral de deliberação (maioria simples). Em uma hipótese, prevê-se quórum qualificado de deliberação: aprovação do plano de recuperação. Ele deve ser apreciado e votado nas instâncias classistas (o plenário não delibera a respeito) e, em cada uma delas, deve receber a aprovação de mais da metade dos credores presentes, desprezadas as proporções dos créditos que são titulares. Além disso, é necessário também que credores cujos créditos somados representam mais da metade do passivo correspondente à classe presente à assembleia, o apoie com seu voto nas instâncias dos credores com garantia real e na dos titulares de privilégio, quirografários e subordinados.
2.3 ABUSO DE DIREITO: DEFINIÇÃO
O abuso de direito advém do predomínio da vontade do titular de um direito como condutor absoluto de seu exercício. A conceituação do abuso de direito pela doutrina é ampla, no entanto, pode-se dizer que o abuso de direito é o exercício do direito de modo a contrariar o valor que o mesmo procura tutelar.
Representa uma violação a limites que não estão colocados na existência de
direitos de terceiros, e sim em elementos típicos emanados do próprio direito,
exemplificando como o seu valor ou sua função,
Silvio Venosa assim conceitua:
“Juridicamente, abuso de direito pode ser entendido como fato de usar de um poder, de uma faculdade, de um direito ou mesmo de uma coisa, além do razoavelmente o direito e a sociedade permitem. O titular de prerrogativa jurídica, de direito subjetivo, que atua de modo tal que sua conduta contraria a boa-fé, a moral, os bons costumes, os fins econômicos e sociais da norma, incorre no ato abusivo. Nesta situação, o ato é contrário ao direito e ocasiona responsabilidade” (VENOSA, 2003, p. 603 e 604).
Essa conceituação de Venosa fundamenta-se nos preceitos éticos morais que o direito não pode desconhecer, para que haja dentro das relações interpessoais equilíbrio e que o interesse coletivo se sobreponha ao interesse individual. No ordenamento jurídico brasileiro, a teoria do abuso de direito, é expressa no Código Civil de 2002 no Título III – Dos Atos Ilícitos, nos artigos 186, 187 e 188, os quais discorrem: Artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Artigo 187: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Artigo 188:
“Não constituem atos ilícitos:
I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão à pessoa, a fim de remover perigo iminente;
Parágrafo Único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo”.
No arcabouço jurídico brasileiro, especificamente no Artigo 5º da Constituição Federal, nos incisos XXXV e LXXVIII, está consagrado o direito de ação, ou seja, a prerrogativa de se buscar a concretização de um direito por meio de uma decisão judicial. No entanto, esse direito não é absoluto e está sujeito a limitações que visam prevenir o exercício excessivo, dando origem à teoria do abuso do direito.
O abuso do direito pode ser conceituado como o exercício de um direito subjetivo que ultrapassa os limites impostos pelo ordenamento jurídico, incluindo tanto a legislação quanto as normas éticas inerentes ao sistema. Esse excesso ocorre quando a atuação do indivíduo, embora amparada legalmente, é realizada de maneira contrária à finalidade social, caracterizando-se pela deslealdade nos atos processuais.
Para elucidar melhor, Mamede (2015, p.43) destaca:
“Abusa do seu direito o titular que o utiliza causando malefício a outrem, motivado pela intenção de prejudicar, sem obter qualquer proveito próprio. Assim, o fundamento ético da teoria reside na premissa de que a legislação não deve permitir que alguém empregue seu direito exclusivamente para causar dano a outra pessoa.”
Importante frisar que o abuso do direito é frequentemente intencional, ou seja, ocorre quando o agente age com o propósito exclusivo de causar prejuízo à parte contrária, visando uma vantagem indevida. Essa compreensão exige a análise do animus do agente, isto é, sua intenção em causar dano.
Contrapondo essa visão, alguns doutrinadores argumentam que o abuso do direito pode ocorrer mesmo sem a intenção explícita de prejudicar. Neste sentido, Almeida (2004, p.32) propõe:
“Embora o agente não tenha necessariamente a intenção de prejudicar, a abusividade do direito pode se manifestar. Como exemplo, a concorrência — garantida constitucionalmente como um direito — visa explicitamente atrair a clientela alheia, o que inevitavelmente resulta em prejuízo para quem perde esses clientes.”
Ademais, Abdo (2007, p. 34) esclarece:
“A noção de abuso do direito está intimamente ligada ao conceito de direito subjetivo, configurando-se pelo exercício irregular desse direito, isto é, quando excede seus limites. Tradicionalmente, o direito subjetivo é entendido como a faculdade ou poder que a norma jurídica confere ao indivíduo, reconhecendo a prevalência de um interesse juridicamente tutelado.”
Por fim, é imperativo reconhecer que o uso desproporcional de um direito, mesmo quando não há consciência explícita de causar dano, deve ser coibido e, se necessário, sancionado com a devida reparação dos danos materiais e morais causados. Assim, qualquer exercício de direito que ultrapasse as normas éticas e morais, independentemente do animus, deve ser objeto de repressão judicial, configurando-se como ato ilícito quando se distorce a sua licitude original.
2.4 ABUSO DO DIREITO DE VOTO NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
A jurisprudência brasileira está abrindo para a aplicação da tese do abuso do direito de voto de um credor majoritário que tenha agido desconsiderando a preferência da maioria ou para garantir benefício próprio. Houve uma sobreposição da decisão do juiz com a do credor cujo voto foi expresso em um ambiente de abuso de direito. Essa liberdade do juiz de avaliar, caso a caso, a possibilidade de aprovar ou não o plano de recuperação judicial, independentemente do resultado votado na assembleia, levanta muitas insurgências em desvantagem. Para Journey (2012) no sistema jurídico brasileiro, a possibilidade de desconsiderar a votação, ou seja, a aprovação de um plano de reorganização, mesmo com manifestação expressiva (em quantidade ou por ser um credor único de uma classe) contrária a ela, é permitida e se tornou objeto de uma declaração oficial durante o 1 st Conferência de direito comercial da Justiça Federal, onde se lê: 45. o juiz poderá desconsiderar o voto de credores ou a manifestação da vontade do devedor, nos casos de abuso de direito.
Para que o direito de voto seja aplicado favoravelmente à empresa e à maioria dos credores, é geralmente necessário representar o equilíbrio entre o interesse dos credores e o interesse dos devedores, sem favorecer qualquer um deles de forma diferente. Sobre a necessidade de ponderar princípios e interesses, Jorge Lobo afirma que:
“Para alcançar esses escopos no processo de recuperação judicial, deve-se enfatizar finalmente que a assembleia geral de credores e o juiz do caso devem se comprometer a (a) ponderar os princípios de preservação e a função social da empresa e (b) ponderar os fins imediatos da Lei - manter a empresa, manter empregos e garantir créditos - por meio do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade [...]” (LOBO 2016 p.144).
O abuso do direito de voto visa efetivar os princípios de continuidade dos negócios, manutenção de empregos e fonte de riqueza, considerando que a empresa a ser recuperada é viável e trará mais benefícios aos credores e ao mercado com sua manutenção. No entanto, mesmo que a empresa seja digna de reorganização, qualquer plano de reorganização que não respeite os direitos dos credores ou mesmo um credor único não seria um plano digno de aprovação pelo judiciário. Em outras palavras, a tendência do judiciário de aprovar a reorganização judicial por meio do abuso da teoria do direito ao voto não pode se tornar um caminho fácil para as empresas que, sem trabalharem duro para encontrar um compromisso entre sua reorganização efetiva e a vontade dos credores, aprovar um plano para reduzir suas dívidas.
A análise caso a caso para aprovação do plano de recuperação judicial que foi dispensado na assembleia por um credor majoritário deve avaliar se o devedor procurou efetivamente negociar e adaptar as condições do plano de várias maneiras, de uma maneira que seria aceitável para a maioria dos envolvidos. Também é necessário verificar se a recusa em cumprir o plano proposto não seria simplesmente motivada pelo fato de o credor dissidente ter melhores condições de pagamento em eventual falência, desconsiderando que pouco ou nada poderia ser deixado para os outros.
Nesta perspectiva, o abuso ocorre sempre que a vantagem buscada pelo credor que detém o voto majoritário é desproporcional à mesma maioria (de crédito) que possui contra os demais credores. Se o voto desfavorável gera esse desequilíbrio, protegê-lo passa a ser um dever do juiz. Idealmente, a aprovação do plano pelo judiciário seria uma medida contra a mentalidade individualista de um credor exercendo seu direito de voto, ignorando o que seria melhor para a maioria. Isso ocorre porque, nesses casos, o direito de voto seria exercido de maneira individualista e em conflito com a universalidade dos credores, ou seja, com a característica social inseparável do voto em uma assembleia geral de credores. Para Cavalieri (2014) o exercício de um direito é desproporcional, incompatível com o dever de consideração em relação à posição legal de terceiros imposta pela boa fé, o ato é considerado abusivo. Assim, em uma análise caso a caso do direito a ser aplicado, deve-se analisar minuciosamente os fatos que envolvem a negação de um plano de recuperação judicial por um credor específico. Para entender como a tese de abuso do direito de voto está sendo aplicada pelos tribunais brasileiros, segue-se uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que lista os principais pontos a serem observados nesses casos:
“APELO AO TRIBUNAL SUPREMO. LEI COMERCIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PLANO. APROVAÇÃO JUDICIAL. CRAM PARA BAIXO. DISPOSTO NO ARTIGO 58, PARÁGRAFO 1 st , LEI 11.101 / 2005. MITIGAÇÃO EXCEPCIONAL. POSSIBILIDADE. PRESERVAÇÃO DA EMPRESA.
1. Lei 11.101 / 2005, com o objetivo de prevenir o "abuso de minorias" ou "posições individualistas", no interesse da sociedade em superar o regime de crises corporativas, previsto no parágrafo 1º do artigo 58, para um mecanismo que permita ao juiz aprovar a recuperação judicial, mesmo que contrarie a decisão da assembleia.
4. Nesse caso, foram atendidos os requisitos dos itens I e II do artigo 58 e, com relação ao item III, o plano obteve aprovação qualitativa em relação aos credores com garantia real, desde que recebido por mais da metade dos valores dos créditos pertencentes aos atuais credores, uma vez que “três credores dessa classe estavam presentes, o plano foi aprovado por um deles, cujo crédito totalizou R $ 3.324.312,50, representando 97,46376% do crédito total da classe, considerando os credores presentes ”(página 130). No entanto, não atingiu a maioria quantitativa, pois recebeu a aprovação per capita de apenas um credor, embora tenha quase atingido o quorum qualificado (obteve um voto de 1/3 dos presentes, enquanto a lei exige “mais de” 1/3). Além disso, a recuperação judicial foi aprovado em 15 de Maio th , 2009, eo processo ainda está ativa.
5. Assim, a fim de evitar possíveis abusos do direito de voto, justamente no momento da superação da crise, o juiz deve agir com sensibilidade na verificação dos requisitos de amontoamento, preferindo um exame baseado no princípio de preservação da empresa. , muitas vezes escolhendo, por sua flexibilidade, especialmente quando apenas um credor domina absolutamente a deliberação, sobrepondo o que parece ser o interesse da comunhão de credores.
6. Recurso da Suprema Corte negado. ” (BRASIL,2018).
De acordo com o que foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, outros tribunais brasileiros vêm aplicando esse entendimento quando, em diferentes contextos, é verificado o abuso do direito de voto. Empiricamente, o princípio de preservação da empresa sempre é destacado ao aprovar uma recuperação judicial cujo plano foi reprovado em uma assembleia de credores e não atendeu aos requisitos de aprovação por meio de “cram down”. Geralmente, nota-se o exercício abusivo de um credor ou de uma minoria com maior poder de voto. Em um recurso julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, foi reconhecida a necessidade de respeitar a maioria quantitativa dos credores quirografários em detrimento da maioria qualitativa.
Em outro recurso do mesmo Tribunal, apontou-se que não era possível atender aos requisitos de ratificação de “cram down” (artigo 58, parágrafo 1º da Lei 11.101 / 2005), uma vez que havia um credor único detendo o total de créditos de uma classe.
Em resumo, o que é comum nos casos que aplicam a teoria do abuso do direito de voto é a percepção de que um ou alguns votos foram exercidos injustificadamente numa base individualista, deixando de lado a atenção necessária à coletividade de credores, inerente a um processo judicial. processo de reorganização. Em um cenário em que a legislação de falências deixa possibilidades para uma minoria individualista agir, em detrimento da coletividade que deve, nesses casos, governar e dirigir todas as decisões, a construção jurisprudencial é necessária para maximizar o princípio de preservação da empresa. Assim, observa-se a crescente construção da validação para que o juiz atue ativamente, não como um mero verificador das condições impostas pela lei para aprovação do plano de reorganização.
3. ANÁLISE DE CASOS
A jurisprudência brasileira registra vários casos emblemáticos de abuso do direito de voto na recuperação judicial (RJ), que contribuíram significativamente para a evolução da doutrina e da interpretação das leis aplicáveis. Esta seção examina alguns desses casos, destacando como as decisões judiciais abordaram e resolveram conflitos específicos relacionados ao abuso de voto, oferecendo um panorama sobre o tratamento legal do tema no Brasil.
O caso da Samarco Mineração, especialmente após o trágico rompimento da barragem de Fundão em 2015, é um dos mais notórios. Entrando em RJ, a empresa enfrentou o voto contrário de sua sócia majoritária, a Vale, durante a deliberação do plano de recuperação. A Vale argumentou que o plano não previa adequadamente a integralização de seus créditos, o que foi visto como uma tentativa de inviabilizar a RJ, colocando em risco a continuidade da empresa e a manutenção dos empregos. O Supremo Tribunal Federal (STF) interveio com uma decisão histórica (RE 1.239.692), identificando o voto da Vale como um abuso de direito, destacando a desproporcionalidade entre o prejuízo à Vale e os benefícios mais amplos para a Samarco e seus stakeholders.
A RJ da Oi S.A. também fornece um exemplo significativo, onde o plano proposto previa a conversão de dívidas em capital para determinados credores. O Banco Santander, contrário à proposta, votou contra, argumentando que tal medida diluiria sua participação acionária. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou esse voto como abusivo, reconhecendo que o banco buscava uma vantagem indevida em detrimento da viabilidade da RJ (REsp 1.741.630). Esse caso destaca como o abuso de direito pode surgir de tentativas de credores de maximizar suas vantagens em prejuízo do objetivo maior da RJ, que é a recuperação do devedor.
No caso da Usina Monte Alegre, o plano de RJ proposto incluía a desoneração de dívidas significativas junto ao BNDES. O banco, por sua vez, votou contra o plano, alegando prejuízos aos cofres públicos. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) anulou o voto do BNDES, acusando-o de abuso de direito por priorizar o interesse público em detrimento da recuperação da empresa e da manutenção dos empregos (Agravo de Instrumento 2220763-11.2018.8.26.0100). Esse caso reflete o conflito entre a proteção dos recursos públicos e a necessidade de reabilitação das empresas em dificuldade, onde a decisão judicial favoreceu a última.
3.2 COMPARAÇÃO COM CASOS INTERNACIONAIS
O abuso do direito de voto na recuperação judicial não é um tema exclusivo do Brasil, sendo igualmente relevante em outros sistemas jurídicos, que apresentam semelhanças e diferenças fundamentais nas abordagens e resultados legais.
No sistema dos Estados Unidos, regulado pelo Chapter 11 do Código de Falências, destaca-se a exigência da “good faith voting standard”. Essa norma demanda que o voto do credor reflita seus legítimos interesses econômicos. Um exemplo ilustrativo é o caso In re Calpine Corp., onde um voto foi anulado devido à busca por vantagens indevidas que comprometiam a viabilidade do plano de recuperação.
Na Alemanha, a Lei de Insolvência prevê a “Stimmrechtsmissbrauch”, que pode anular votos que contrariem os princípios de boa fé e lealdade. No caso In re Phoenix Kalksteinwerke GmbH, o voto de um credor majoritário foi anulado após tentativas de inviabilizar a RJ para adquirir os ativos da empresa a preços inferiores.
A legislação inglesa de insolvência aborda o abuso de direito de voto sob o princípio do “unfair prejudice”. Este princípio permite a anulação de votos que causem prejuízo indevido a outros credores. O caso Re HIH Insurance Ltd é um exemplo em que o voto de um credor foi anulado por tentar obter vantagens que comprometiam a recuperação equitativa da empresa.
Diferentemente do Brasil, onde a Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei nº 11.101/2005) não estabelece uma hierarquia rígida entre os credores, países como os Estados Unidos possuem normas claras que definem a prioridade dos créditos, influenciando diretamente o peso e o impacto dos votos no processo de RJ.
Enquanto o Brasil se vale da anulação de votos por abuso de direito e da aplicação do “cram down”, onde a justiça pode impor o plano de recuperação apesar da falta de aprovação majoritária, outros sistemas jurídicos adotam métodos diferentes. Por exemplo, nos EUA, é comum a utilização de “trustee voting”, onde um administrador independente pode influenciar a votação para proteger os interesses da reestruturação. Na Alemanha, a “cram up” permite que o tribunal modifique o plano para atender melhor aos interesses de todos os credores.
A análise dos casos emblemáticos no Brasil e a comparação com práticas internacionais demonstram a importância de um sistema jurídico robusto que regule adequadamente o direito de voto em processos de recuperação judicial. As diferenças nos sistemas legais refletem não apenas distintas filosofias jurídicas, mas também diferentes abordagens na proteção dos direitos dos credores e na promoção da viabilidade das empresas em crise.
O abuso do direito de voto na recuperação judicial representa um desafio significativo para o direito empresarial, exigindo um equilíbrio delicado entre a proteção dos interesses dos credores e a necessidade de recuperação das empresas. A evolução das legislações e das interpretações judiciais continua sendo crucial para adaptar-se às dinâmicas econômicas e às realidades empresariais, visando sempre a manutenção da justiça e da equidade no tratamento dos envolvidos no processo de recuperação judicial.
4. ASPECTOS LEGAIS E IMPLICAÇÕES DO ABUSO DO DIREITO DE VOTO NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL NO BRASIL
O direito de voto na Recuperação Judicial (RJ) no Brasil é regido pela Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei nº 11.101/2005), com destaque para os artigos 47 a 60. Esses artigos estabelecem que os credores, organizados em assembleia, são responsáveis por deliberar sobre o plano de recuperação, que deve ser aprovado por maioria absoluta dos créditos quirografários e dois terços dos créditos com garantia real (art. 58). Este marco legal visa a preservação da empresa, a manutenção dos empregos e a proteção dos interesses dos credores.
A jurisprudência brasileira tem evoluído no sentido de combater o abuso do direito de voto, como evidenciam decisões proeminentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Estes tribunais têm reiteradamente decidido que o voto deve ser exercido de boa-fé e alinhado com o propósito de viabilização da empresa em crise, conforme demonstra o RE 1.239.692:
“No emblemático caso da Samarco Mineração, o STF anulou o voto da Vale, sócia majoritária da empresa, que se opôs ao plano de recuperação. O STF reconheceu o abuso de direito no voto da Vale, que buscava inviabilizar a RJ e frustrar o objetivo da lei de preservar a empresa e seus empregos. (RE 1.239.692/STF).”
Fábio Ulhoa Coelho em sua obra Manual de Direito Comercial, argumenta que o voto deve ser exercido com “prudência e diligência”, considerando os interesses coletivos da empresa e dos demais credores, reforçando a necessidade de uma abordagem ética e responsável no contexto da RJ.
Nelson Nóbrega Filho explora, em Direito de Falências e Recuperação de Empresas, os mecanismos legais para combater o abuso do direito de voto, incluindo a impugnação do voto e ações anulatórias, que são essenciais para corrigir distorções e garantir a justiça no processo.
A análise do marco regulatório e das decisões jurisprudenciais associadas ao abuso do direito de voto na recuperação judicial revela um esforço contínuo e significativo para equilibrar os direitos e deveres dos credores com os objetivos maiores de preservação da empresa e manutenção de empregos. Este equilíbrio é essencial para a integridade e eficácia do processo de recuperação judicial, que se destina a facilitar a reabilitação financeira e operacional das empresas em dificuldade.
As contribuições doutrinárias de Fábio Ulhoa Coelho, Fredie Didier Jr., e Nelson Nóbrega Filho destacam a importância de uma abordagem ética e diligente no exercício do direito de voto, ressaltando a necessidade de boa-fé e de uma análise cuidadosa das intenções por trás de cada voto. Estes princípios não apenas sustentam a legalidade do processo, mas também reforçam a moralidade e a justiça, elementos fundamentais para a confiança no sistema jurídico.
A legislação brasileira, apesar de robusta, ainda apresenta lacunas que podem ser exploradas para práticas abusivas. Assim, a evolução contínua da jurisprudência e possíveis reformas legislativas são essenciais para aperfeiçoar os mecanismos de proteção contra o abuso de direito, garantindo que a recuperação judicial cumpra seu propósito sem ser subvertida por interesses particulares contrários aos da coletividade.
Portanto, o desenvolvimento de uma cultura de responsabilidade, ética e transparência é vital. Cada participante do processo de RJ deve ser incentivado a agir com integridade, promovendo um ambiente de negócios mais justo e eficiente. Este esforço conjunto entre legisladores, juristas, credores e devedores ajudará a moldar um futuro em que a recuperação judicial será um instrumento eficaz de salvaguarda das empresas, beneficiando a economia como um todo.
5 CONCLUSÃO
A análise detalhada dos casos e práticas referentes ao abuso do direito de voto na recuperação judicial evidencia uma complexa interação entre direitos individuais e coletivos, marcada por tentativas de preservação da justiça e equidade nas relações empresariais. O abuso do direito, identificado como o exercício exacerbado de uma prerrogativa legal de maneira a prejudicar terceiros, é claramente contrário aos princípios éticos e jurídicos que regem a sociedade contemporânea. Este ato ilícito, ao infligir danos a outros e perturbar o equilíbrio necessário para a sustentabilidade das relações empresariais e sociais, necessita de uma resposta legislativa e judiciária eficaz.
A Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002 representam avanços significativos no ordenamento jurídico brasileiro, ao incorporarem normas que buscam limitar o exercício abusivo de direitos individuais, visando a proteção do bem comum e dos interesses coletivos. Tais dispositivos são fundamentais na promoção de um ambiente de negócios justo e na garantia de que a recuperação de empresas em crise possa ocorrer de maneira equitativa e eficiente.
No entanto, além da necessária intervenção legal e judicial, é imperativo que haja uma mudança de cultura e atitude por parte dos indivíduos e das empresas. A adoção de práticas pautadas pela boa-fé e pelo respeito mútuo nas relações comerciais é essencial para que se minimize a incidência de comportamentos abusivos. Portanto, cada indivíduo e entidade deve cultivar um senso de responsabilidade social e ética, contribuindo para um sistema jurídico que não apenas regule, mas que também oriente as condutas em direção à justiça e à integridade.
Diante de todas as considerações, percebe-se que o abuso de direito, embora enraizado nas tendências individualistas e egoístas humanas, é um fenômeno que pode e deve ser combatido com medidas eficazes e uma conscientização coletiva. A superação desse desafio significará um avanço considerável para a humanidade, marcando uma evolução em que a lei não seja apenas um instrumento de coerção, mas uma manifestação da justiça em sua forma mais pura. Consequentemente, a utopia de uma sociedade onde a justiça prevalece de forma natural e inevitável parece distante, mas a jornada em direção a esse ideal é essencial para a construção de um mundo mais justo e equânime.
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Graduando em Direito pela Faculdade da Saúde e Ecologia Humana
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOISES, Alan Carlos. Abuso do direito de voto na recuperação judicial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jun 2024, 04:08. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/65662/abuso-do-direito-de-voto-na-recuperao-judicial. Acesso em: 06 out 2024.
Por: Eduarda Vitorino Ferreira Costa
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