RESUMO: O presente artigo apresenta considerações sobre o dever de motivação dos atos administrativos relacionando a teoria dos motivos determinantes e sua aplicação aos atos administrativos discricionários.
Palavras-chave: Direito administrativo. Ato discricionário. Teoria dos Motivos determinantes.
Abstract: This article presents considerations on the duty to apply administrative acts, relating the theory of determining reasons and its application to discretionary administrative acts.
Keywords: Administrative law. Discretionary act. Theory of Determining Motives.
Sumário: 1. Introdução. 2. O Dever de motivação nos atos administrativos. 3. A teoria dos motivos determinantes e sua aplicação a atos administrativos discricionários. 4. Jurisprudência aplicada à matéria. 5. Conclusão 6. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
É notório e patente no direito administrativo brasileiro o dever de motivação por parte do agente público ao praticar atos administrativos no exercício regular de suas funções, com a finalidade de preservar o interesse público e a probidade administrativa.
Existem, entretanto, situações em que a legislação confere certo poder de decisão ao administrador, já que a apresentação dos motivos é dispensada em determinados atos administrativos, o que ocorre nos atos discricionários.
Assim, questiona-se: nessas situações, caso o administrador elenque os motivos para a prática do ato, mesmo sem obrigação legal para tanto, esses motivos irão vincular sua decisão e, consequentemente, será possível o controle judicial desse ato? De acordo com a doutrina especializada a teoria dos motivos determinantes pode ser utilizada para responder ao referido questionamento, como será apresentado no presente trabalho.
2. O Dever de motivação nos atos administrativos
O o ato administrativo é composto por elementos que constituem seus requisitos de validade no mundo jurídico, quais sejam: competência, objeto, forma, finalidade e motivo, conforme ensinamento da doutrina majoritária. Dessa forma, a ausência de qualquer desses pressupostos resulta em vício de legalidade do ato, o que poderá gerar sua anulação[1].
Esses elementos podem ser extraídos do art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 4.7171/1965 – Lei da Ação Popular, veja-se:
Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
Em razão da proposta do presente trabalho, apenas o elemento motivo será analisado de forma detalhada. De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro[2], este elemento pode ser definido como os pressupostos de fato e de direito que levaram o agente público à prática do ato.
Assim, verificam-se duas espécies deste requisito: o motivo de fato e de direito. Este último insere-se como a previsão legal que permite ao agente a prática do ato, já a primeira espécie refere-se aos acontecimentos concretos vivenciados na realidade que direcionaram a vontade do agente de modo a culminar na sua prática. Estes acontecimentos fáticos podem já estar delineados no texto legal, ou a Lei pode conferir certa liberdade ao agente para identificar sua ocorrência, o qual se utilizará de critérios de oportunidade e conveniência. No primeiro caso, tem-se o ato vinculado, na segunda hipótese, o ato discricionário; não se pode olvidar, entretanto, que, em ambos os casos, o agente está adstrito aos limites da Lei[3].
Há entendimento doutrinário diverso, para o qual o motivo do ato administrativo não se confunde com os fatos em si que direcionaram a vontade do agente, mas está relacionado à representação mental do agente quanto a esses fatos, veja-se:
O motivo envolve a representação mental do agente quanto aos eventos do mundo fenomênico, que conduzem à decisão por ele adotada no ato administrativo. Portanto, o conteúdo do motivo consiste em eventos externos ao agente, mas o motivo propriamente dito é a concepção realizada pelo mesmo agente quanto a tais eventos.
A expressão “motivo” do ato administrativo indica essa representação intelectual que o sujeito realiza quanto ao mundo externo, conjugando fatos e normas[4]
O Referido autor, sintetiza essa distinção ao afirmar que: “a vontade do agente compreende uma representação mental que conjuga os fatos e o direito aplicável e resulta em uma “causa jurídica”.”[5]
Apesar da divergência técnica quanto ao conceito, as duas posições doutrinárias diferenciam Motivo de Motivação, já que essa última consiste na exteriorização dos motivos[6], ou, nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro na “demonstração, por escrito, de que os pressupostos de fato realmente existiram”[7].
Nesse contexto, os motivos do ato administrativo constituem elemento obrigatório, cuja ausência resulta na sua nulidade, já em relação à motivação há divergência doutrinária sobre a sua obrigatoriedade[8].
José dos Santos Carvalho Filho defende que a motivação do ato, em regra não é obrigatória, já que não se encontra entre os princípios aplicáveis à administração pública expressamente previstos no texto constitucional; assim, a exposição dos motivos por escrito no ato somente será obrigatória quando a lei assim exigir, nas palavras do referido autor:
No que se refere à motivação, porém, temos para nós, com o respeito que nos merecem as respeitáveis opiniões dissonantes, que, como regra, a obrigatoriedade inexiste.
Fundamo-nos em que a Constituição Federal não incluiu (e nem seria lógico incluir, segundo nos parece) qualquer princípio pelo qual se pudesse vislumbrar tal intentio; e o Constituinte, que pela primeira vez assentou regras e princípios aplicáveis à Administração Pública, tinha tudo para fazê-lo, de modo que, se não o fez, é porque não quis erigir como princípio a obrigatoriedade de motivação. Entendemos que, para concluir-se pela obrigatoriedade, haveria de estar ela expressa em mandamento constitucional, o que, na verdade, não ocorre. [...]. Assim, só se poderá considerar a motivação obrigatória se houver norma legal expressa nesse sentido. No caso, haverá de aplicar-se o princípio da legalidade, segundo o qual, quando estabelece normas expressas, o legislador não deixa margem de atuação para o administrador. O problema é que a lei normalmente é omissa a respeito, e é nesse momento que surge a dúvida no sentido de ser, ou não, obrigatória a fundamentação do ato.
Decorre daí que, sem a expressa menção na norma legal, não se pode açodadamente acusar de ilegal ato que não tenha formalmente indicado suas razões, até porque estas poderão estar registradas em assentamento administrativo diverso do ato, acessível a qualquer interessado.[9]
O entendimento acima exarado, entretanto, é minoritário, de modo que a maioria da Doutrina especializada sustenta a obrigatoriedade da motivação, tanto em atos administrativos vinculados como em atos administrativos discricionários, pois funciona como garantia de legalidade. Nesse sentido, veja-se os ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
Entendemos que a motivação é, em regra, necessária, seja para os atos vinculados, seja para os atos discricionários, pois constitui garantia de legalidade, que tanto diz respeito ao interessado como à própria Administração Pública; a motivação é que permite a verificação, a qualquer momento, da legalidade do ato, até mesmo pelos demais Poderes do Estado. Note-se que o art. 111 da Constituição Paulista de 1989 inclui a motivação entre os princípios da Administração Pública; do mesmo modo, o art. 2º, parágrafo único, VII, da Lei nº 9.784, de 29-1-99, que disciplina o processo administrativo federal, prevê a observância desse princípio, e o art. 50 indica as hipóteses em que a motivação é obrigatória.
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei nº 4.657, de 4-9-42), com a introdução de novos dispositivos pela Lei nº 13.655, de 25-4-18, trouxe novas exigências quanto à motivação, conforme ressaltado no capítulo 3, item 3.4.13, desta obra. O maior rigor quanto à motivação dirige-se não somente à Administração Pública, mas também especificamente aos órgãos de controle.[10]
Feitos esses esclarecimentos, destaca-se que o motivo, ao lado do objeto, constituem os elementos do ato administrativo que fazem parte do juízo meritório em atos administrativos discricionários, enquanto a competência, a finalidade e a forma são sempre elementos vinculados[11].
Portanto, nesses atos, é possível que o agente realize um juízo de conveniência e oportunidade quanto valoração desses elementos, o qual estará sempre limitado, entretanto, pelo interesse público, pela razoabilidade e pela proporcionalidade[12].
3. A teoria dos motivos determinantes e sua aplicação a atos administrativos discricionários.
Os motivos do ato administrativo, como já mencionado, consistem em elemento obrigatório, já que se referem as circunstâncias de fato que levaram o agente a adoção de determinada conduta. Nesse sentido, a doutrina ensina que há um dever de completa compatibilidade entre o ato administrativo e as situações fáticas concretas que ensejaram a sua prática, sob pena de tornar-se inválido no mundo jurídico[13].
Este dever decorre da denominada Teoria dos Motivos Determinantes, originária do Direito Francês e recepcionada no ordenamento jurídico brasileiro, pela qual “o motivo apresentado como fundamento fático da conduta vincula a validade do ato administrativo”[14]. Assim, caso seja comprovado que o referido motivo é falso ou inexistente, o ato torna-se nulo.
Esta correlação entre o motivo alegado e os resultados decorrentes da prática do ato administrativo aplica-se tanto aos atos vinculados, como aos discricionário, em que a lei não exige necessariamente que o agente apresente a motivação para o ato.[15] Entretanto, em relação a estes, deve-se redobrar a cautela, tendo em vista a margem de liberdade conferida pelo legislador ao agente nestes casos, o qual poderá se utilizar dos critérios de oportunidade e conveniência, desde que respeitados os limites legais.
Neste contexto, José dos Santos Carvalho Filho traz célebres ensinamentos sobre a aplicação da Teoria dos Motivos Determinantes aos atos administrativos discricionários, senão vejamos:
A aplicação mais importante desse princípio incide sobre os discricionários, exatamente aqueles em que se permite ao agente maior liberdade de aferição da conduta. Mesmo que um ato administrativo seja discricionário, não exigindo, portanto, expressa motivação, esta, se existir, passa a vincular o agente aos termos em que foi mencionada. Se o interessado comprovar que inexiste a realidade fática mencionada no ato como determinante da vontade, estará ele irremediavelmente inquinado de vício de legalidade.[16]
Veja-se, ainda, o conceito de Celso Antônio Bandeira de Mello sobre a Teoria em questão:
De acordo com esta teoria, os motivos que determinaram a vontade do agente, isto é, os fatos que serviram de suporte à sua decisão, integram a validade do ato. Sendo assim, a invocação dos “motivos de fato” falso, inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando, conforme já se disse, a lei não haja estabelecido, antecipadamente, os motivos que ensejariam a prática do ato. Uma vez enunciados pelo agente os motivos em que se calçou, ainda quando a lei não haja expressamente imposto essa obrigação de enuncia-los, o ato será válido se estes realmente ocorreram e o justificavam[17].
Deste modo, verifica-se que os motivos arguidos para a prática de ato discricionário, quando a lei foi silente sobre esta necessidade de motivação, vinculam a atuação do agente, tornando-se também requisito de validade do ato administrativo. Logo, caso não exista esta correspondência, este se tornará inválido, e poderá ser objeto de controle jurisdicional de legalidade; frise-se, o controle se dá em relação aos requisitos de validade do ato e não em relação ao mérito administrativo empregado na prática do ato.
Nesse contexto, Maria Sylvia Zanella Di Pietro defende que a teoria dos motivos determinantes impõe limites ao exercício do poder discricionário, de modo que amplia as possibilidade de sua apreciação pelo Poder judiciário, pois o a motivação do ato nesses casos, passar a ser analisada no campo de validade do ato, veja-se:
Com o passar dos tempos, inúmeras teorias foram sendo elaboradas para justificar a extensão do controle judicial sobre aspectos antes considerados como abrangidos pelo conceito de mérito. A teoria do desvio de poder permitiu o exame da finalidade do ato, inclusive sob o aspecto do atendimento do interesse público; a teoria dos motivos determinantes permitiu o exame dos fatos ou motivos que levaram à prática do ato; a teoria dos conceitos jurídicos indeterminados e a sua aceitação como conceitos jurídicos permitiu que o Judiciário passasse a examiná-los e a entrar em aspectos que também eram considerados de mérito; a chamada constitucionalização dos princípios1 da Administração também veio limitar a discricionariedade administrativa e possibilitar a ampliação do controle judicial sobre os atos discricionários.[18]
Observa-se, portanto, que a doutrina pátria especializada é unânime ao defender a vinculação do administrador público aos motivos por ele apresentados para determinado ato, ainda que, no plano abstrato, a legislação não faça exigência sobre a apresentação desses motivos. Nesse sentido, passa-se a análise da matéria no âmbito da jurisprudência pátria.
4. Jurisprudência aplicada à matéria
A Jurisprudência, no mesmo sentido do entendimento doutrinário, reconhece que a Teoria dos motivos determinantes deve ser aplicada aos atos administrativo discricionários, já que, se o agente optou por elencar a situação fática que justificou sua decisão, esse motivo vincula sua atuação e exterioriza a vontade pública, portanto, deve ser estritamente observado.
Nesta linha, orienta a Jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS DE NOTAS E REGISTROS. AQUISIÇÃO DE TÍTULOS. DATA LIMITE. OMISSÃO DO EDITAL. COMISSÃO EXAMINADORA. FIXAÇÃO. POSSIBILIDADE. POSTERIOR ALTERAÇÃO AMPARADA EM PREMISSAS EQUIVOCADAS. ILEGALIDADE. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. SEGUNDA DELIBERAÇÃO. ANULAÇÃO. RESTABELECIMENTO DA DATA INICIALMENTE FIXADA.
[...] 4. Importante salientar que tal omissão se apresentou premeditada, como confessado pela autoridade impetrada em suas informações, por entender que, em respeito ao princípio da legalidade estrita, não poderia o edital do referido certame estabelecer uma data limite para aquisição dos títulos oriundos de cursos de pós-graduação, porquanto essa hipótese não estaria compreendida na Resolução 81/2009 do Conselho Nacional de Justiça.
5. Sucede que, ao contrário do afirmado pela autoridade impetrada, a Resolução/CNJ 81/2009 nada determinou quanto ao prazo para aquisição de títulos pelos candidatos - independentemente de quais sejam - eis que, em seu art. 7º, limitou-se a estabelecer os requisitos para inscrição nos concursos públicos para preenchimento das serventias extrajudiciais vagas, repisando, em parte, a regra contida no art. 15, § 2º, da Lei 8.935/1993. Tal compreensão, inclusive, foi admitida pelo próprio CNJ no julgamento do Procedimento de Controle Administrativo/PCA n. 0005199-08.2015.2.00.0000.
6. Nesse fio, conclui-se que, em decorrência do silêncio do CNJ sobre o tema, deve prevalecer a competência subsidiária concedida aos respectivos Tribunais de Justiça para fixarem as regras dos concursos de ingresso nos serviços notarial e de registro, na forma prevista no art. 15, caput, § 1º, da Lei 8.935/1994.
7. Com efeito, "esta Corte já se manifestou no sentido de que, em concurso público, sendo silente o edital de lançamento acerca da data limite para a obtenção de títulos e havendo a previsão de que compete à Comissão Examinadora a solução dos casos omissos ou duvidosos contidos no instrumento convocatório, a estipulação da referida data no ato de convocação dos aprovados para a prova de títulos não ofende o princípio da legalidade ou da isonomia, já que a regra é fixada de forma geral, uniforme e imparcial, dirigida a todos os concorrentes" (RMS 62.203/PI, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe 20/10/2020). Nesse mesmo sentido: AgRg no REsp 784.409/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, DJe 12/3/2008.
8. Na forma da jurisprudência desta Corte, "de acordo com a teoria dos motivos determinantes, a razão exarada para fundamentar a prática de determinado ato administrativo deve sempre guardar compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação da vontade. O administrador está vinculado ao motivo exarado na sua decisão, mesmo quando não está obrigado a fazê-lo" (REsp 1.229.501/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe 15/12/2016).
[...]
10. Recurso em mandado de segurança provido a fim de reformar o acórdão recorrido e, nesse diapasão, conceder a ordem para: (a) anular o Edital 002/2019 e o Edital Consolidador, de 27/3/2020, na parte em que tornou sem efeito o "item 12.14" do Edital de Alteração 001/2019; (b) restabelecer os parâmetros adotados no aludido "item 12.14" do Edital de Alteração 001/2019, que fixou como "termo final para aquisição dos títulos [...] a data da primeira publicação [do] Edital 001/2013, dia 11 de dezembro de 2013" (fl. 574).
(RMS n. 67.654/PB, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 13/9/2022, DJe de 23/9/2022.)[19]
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ATO DE INDEFERIMENTO DE REQUERIMENTO DE RETORNO ÀS FUNÇÕES. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR DE APURAÇÃO DE ABANDONO DE CARGO. ATO DE APLICAÇÃO DA SANÇÃO DE DEMISSÃO. ATOS ADMINISTRATIVOS DISTINTOS. MOTIVOS DETERMINANTES DE CADA ATO.
I - Por se tratar de atos administrativos distintos, cada um deve expor os seus motivos determinantes.
II - Segundo a teoria dos motivos determinantes, "a Administração, ao adotar determinados motivos para a prática de ato administrativo, ainda que de natureza discricionária, fica a eles vinculada" (RMS 20.565/MG, 5.ª T., rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 15.03.2007, DJ 21.05.2007).
III - Embargos de declaração acolhidos, sem efeitos modificativos. (EDcl no RMS 48.678/SE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/02/2017, DJe 08/03/2017) (grifos acrescidos)[20]
ADMINISTRATIVO. ATO ADMINISTRATIVO. VINCULAÇÃO AOS MOTIVOS DETERMINANTES. INCONGRUÊNCIA. ANÁLISE PELO JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. DANO MORAL. SÚMULA 7/STJ.
1. Os atos discricionários da Administração Pública estão sujeitos ao controle pelo Judiciário quanto à legalidade formal e substancial, cabendo observar que os motivos embasadores dos atos administrativos vinculam a Administração, conferindo-lhes legitimidade e validade.
2. “Consoante a teoria dos motivos determinantes, o administrador vincula- se aos motivos elencados para a prática do ato administrativo. Nesse contexto, há vício de legalidade não apenas quando inexistentes ou inverídicos os motivos suscitados pela administração, mas também quando verificada a falta de congruência entre as razões explicitadas no ato e o resultado nele contido” (MS 15.290/DF, Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 26.10.2011, DJe 14.11.2011).
3. No caso em apreço, se o ato administrativo de avaliação de desempenho confeccionado apresenta incongruência entre parâmetros e critérios estabelecidos e seus motivos determinantes, a atuação jurisdicional acaba por não invadir a seara do mérito administrativo, porquanto limita-se a extirpar ato eivado de ilegalidade.
4. A ilegalidade ou inconstitucionalidade dos atos administrativos podem e devem ser apreciados pelo Poder Judiciário, de modo a evitar que a discricionariedade transfigure-se em arbitrariedade, conduta ilegítima e suscetível de controle de legalidade.
5. “Assim como ao Judiciário compete fulminar todo o comportamento ilegítimo da Administração que apareça como frontal violação da ordem jurídica, compete-lhe, igualmente, fulminar qualquer comportamento administrativo que, a pretexto de exercer apreciação ou decisão discricionária, ultrapassar as fronteiras dela, isto é, desbordar dos limites de liberdade que lhe assistiam, violando, por tal modo, os ditames normativos que assinalam os confins da liberdade discricionária.” (Celso Antônio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo, Editora Malheiros, 15ª Edição.)
6. O acolhimento da tese da recorrente, de ausência de ato ilícito, de dano e de nexo causal, demandaria reexame do acervo fático-probatórios dos autos, inviável em sede de recurso especial, sob pena de violação da Súmula 7 do STJ. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1280729/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/04/2012, DJe 19/04/2012). (grifos acrescidos)[21]
Ainda no âmbito do Superior tribunal de Justiça, releva citar a redação do informativo 505 (20/09 – 3/10/2012), no qual o referido Tribunal associa a aplicação da teoria dos motivos determinantes aos princípios da proteção da confiança e da boa-fé objetiva, em decorrência do princípio constitucional da moralidade administrativa (art. 37, CF), basilar para a atuação da administração pública. Veja-se a ementa do Referido Informativo:
DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. ATO VINCULADO. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES.
Há direito líquido e certo ao apostilamento no cargo público quando a Administração Pública impõe ao servidor empossado por força de decisão liminar a necessidade de desistência da ação judicial como condição para o apostilamento e, na sequência, indefere o pleito justamente em razão da falta de decisão judicial favorável ao agente. O ato administrativo de apostilamento é vinculado, não cabendo ao agente público indeferi-lo se satisfeitos os seus requisitos. O administrador está vinculado aos motivos postos como fundamento para a prática do ato administrativo, seja vinculado seja discricionário, configurando vício de legalidade - justificando o controle do Poder Judiciário - se forem inexistentes ou inverídicos, bem como se faltar adequação lógica entre as razões expostas e o resultado alcançado, em atenção à teoria dos motivos determinantes. Assim, um comportamento da Administração que gera legítima expectativa no servidor ou no jurisdicionado não pode ser depois utilizado exatamente para cassar esse direito, pois seria, no mínimo, prestigiar a torpeza, ofendendo, assim, aos princípios da confiança e da boa-fé objetiva, corolários do princípio da moralidade. MS 13.948-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/9/2012. (grifos acrescidos)[22]
Em consonância com o entendimento do STJ, também há jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT), veja-se:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. REEXAME NECESSÁRIO. CARGO EM COMISSÃO. ATO DISCRICIONÁRIO. LIVRE NOMEAÇÃO E EXONERAÇÃO AD NUTUM. A PEDIDO. MOTIVO E MOTIVAÇÃO. ELEMENTOS DO ATO ADMINISTRATIVO. INCOMPATIBILIDADE ENTRE O MOTIVO EXPRESSO NO ATO E REALIDADE FÁTICA. CONFIGURAÇÃO. NULIDADE DO ATO. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. APLICABILIDADE. SENTENÇA MANTIDA.
1. A investidura para os cargos em comissão são consignados como de livre nomeação e exoneração. Interpretação conferida pelo dispositivo do art. 37, inciso II, da Constituição Federal.
2. O ato de exoneração de servidores nomeados para ocuparem cargos públicos por ser discricionário, leva em conta os critérios desse tipo de ato, quais sejam, conveniência e oportunidade da Administração Pública, não prescindindo, em regra, neste tipo de ato a motivação para sua prática.
3. Ainda que todos os atos administrativos necessitem do motivo, respeitadas as orientações contrárias, e ressalvadas as exceções legais, em regra descabe falar em existência de motivação para todos os atos praticados pela Administração, em especial nos atos discricionários.
4. Quando a Administração realiza a motivação do ato administrativo, vincula-se a ela, de modo que pela "Teoria dos Motivos Determinantes", a validade desse ato está atrelada à existência e à veracidade dos motivos apontados como fundamentos para a sua adoção.
5. Negado provimento ao reexame necessário e recurso de apelação. (Acórdão 932849, 20140110639549APO, Relator(a): GISLENE PINHEIRO, , Revisor(a): J.J. COSTA CARVALHO, 2ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 6/4/2016, publicado no DJE: 13/4/2016. Pág.: 176/194)[23]
O Caso concreto analisado na referida Apelação Cível do TJDFT representa um dos principais exemplos de aplicação da teoria dos motivos determines, quais sejam, os casos de exoneração de agentes públicos que ocupam cargos em comissão quando a administração pública justifica a exoneração do servidor. Por se tratar de cargo de livre nomeação e exoneração, o ato administrativo é discricionário, ou seja, a administração pública não precisa apresentar os motivos que resultaram na prática do ato. Entretanto, se assim o fizer e, posteriormente, o servidor prejudicado comprovar que aquele motivo não representou a realidade fática, haverá vicio de motivação e o ato poderá ser anulado pelo poder judiciário, com a determinação de reintegração do servidor ao cargo anteriormente ocupado.
No caso analisado pelo TJDFT, a portaria de exoneração de servidora que ocupava cargo em comissão foi publicada com a informação que a exoneração ocorreu a pedido, entretanto, a servidora prejudicada demonstrou que não formulou pedido dessa natureza e requereu a anulação do ato por vício de motivação. O pedido foi acolhido pelo Juízo de 1º grau, que anulou o ato e determinou a reintegração da servidora ao cargo anteriormente ocupado. Após apelação do Distrito Federal, a decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça, com aplicação da teoria dos motivos determinantes, já que, inexistindo pedido de exoneração da servidora, restou demonstrada a incompatibilidade entre o motivo expresso no ato e a realidade fática que o justificou.
Observa-se, portanto, que a jurisprudência pátria é uníssona ao concluir que quando a administração declara a motivação em um ato administrativo discricionário, sua atuação fica vinculada aos fundamentos apresentados.
Assim, a condução de atos administrativos que afetam de qualquer modo direitos e interesses dos administrados é regulada pelo princípio da motivação e, para que o ato seja válido, esta deve observar os princípios basilares do direito administrativo, entre os quais a impessoalidade, licitude e publicidade.[24]
5. Conclusão
Com base em todo o exposto verifica-se que tanto a doutrina especializada quanto a jurisprudência pátria defendem a aplicação da teoria dos motivos determinantes aos atos administrativos discricionários, sendo essa, inclusive, uma das funções mais importantes da referida teoria.
Desse modo, quando a administração pública declara a motivação de um ato discricionário, tais fatos superam a esfera do mérito administrativo e passam a pertencer ao próprio âmbito de validade do ato, que fica vinculada à existência e à veracidade dos motivos por ela apresentados como fundamentação.
Por essa razão, será possível, nesse caso, que o poder judiciário realize controle de legalidade do ato viciado, sem que haja indevida interferência no mérito administrativo.
Nesse contexto, o entendimento acima, corrobora os princípios norteadores do direito administrativo, em especial a imparcialidade e moralidade, contribuindo para que a atuação proba e justa da administração, sempre observando os limites legais e os direitos dos administrados.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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OLIVEIRA, Rafael Carvalho R. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2024. Página 306. E-book. ISBN 9786559649600. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559649600/. Acesso em: 03 set. 2024
PIETRO, Maria Sylvia Zanella D. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2024. Página. 216. E-book. ISBN 9786559649440. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559649440/. Acesso em: 03 set. 2024.
TEODORO, Rafael Theodor. Considerações sobre a teoria dos motivos determinantes na doutrina e na jurisprudência do STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3459, 20 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23291. Acesso em: 8 set. 2024.
[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2024. Página 92.
[2] PIETRO, Maria Sylvia Zanella D. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2024. Página. 216.
[3] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2024. Página 92.
[4] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2024. Página 172.
[5] Idem.
[6] OLIVEIRA, Rafael Carvalho R. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2024. Página 306.
[7] PIETRO, Maria Sylvia Zanella D. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2024. Página. 216.
[8] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2024. Página 92.
[9] Idem. Página 100.
[10] PIETRO, Maria Sylvia Zanella D. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2024. Página. 216.
[11] COUTO, Reinaldo; CAPAGIO, Álvaro do C. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2022. Página 173.
[12] Idem.
[13] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2024. Página 102.
[14] MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2023. Página 63.
[15] OLIVEIRA, Rafael Carvalho R. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2024. Página 307.
[16] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2024. Página 103.
[17]Bandeira de Mello 2009, p. 398 apud TEODORO, Rafael Theodor. Considerações sobre a teoria dos motivos determinantes na doutrina e na jurisprudência do STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3459, 20 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23291. Acesso em: 8 set. 2024.
[18] PIETRO, Maria Sylvia Zanella D. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2024. Página. 222.
[19] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 67.654/PB. Primeira Turma. Relator Ministro Sérgio Kukina. Data de Julgamento: 13/9/2022. Data de Publicação: DJe de 23/9/2022.
[20] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 48.678/SE. Segunda Turma. Relator Ministro Francisco Falcão. Data de Julgamento: 16/02/2017. Data de Publicação: DJe de 08/03/2017.
[21] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1280729 / RJ. Segunda Turma. Relator Ministro Humberto Martins. Data de Julgamento: 10/04/2012. Data de Publicação: DJe 19/04/2012..
[22] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 13948/DF. TERCEIRA SEÇÃO. Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR. Data de Julgamento: 26/09/2012. Data de Publicação: DJe 07/11/2012.
[23] DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça. Reexame Necessário/Apelação Cível nº 0014774-24.2014.8.07.0018. 2ª TURMA CÍVEL. Relator(a): GISLENE PINHEIRO, Revisor(a): J.J. COSTA CARVALHO, data de julgamento: 6/4/2016, publicado no DJE: 13/4/2016. Pág.: 176/194.
[24] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº. 1.108.757/PI. Primeira Turma. Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Data de Julgamento: 30/11/2020. Data de Publicação: DJe de 3/12/2020.
Graduada em Direito pela Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Possui especialização em sentido amplo em Direitos Humanos pela Faculdade de Ciências e Tecnologias de Campos Gerais (FACICA). Assessora de Defensor Público da Defensoria Pública do Estado de Rondônia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NOGUEIRA, DANIELA ALAÍNE SILVA. Considerações sobre a aplicação da teoria dos motivos determinantes aos atos administrativos discricionários Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 set 2024, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/66426/consideraes-sobre-a-aplicao-da-teoria-dos-motivos-determinantes-aos-atos-administrativos-discricionrios. Acesso em: 26 dez 2024.
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