PEDRO MANOEL CALLADO MORAES[1]
(orientador)
RESUMO: Este trabalho explora a evolução e a eficácia dos sistemas penitenciários de Portugal e do Brasil, destacando suas abordagens distintas e impactos. O objetivo é comparar a implementação de políticas penais e suas consequências para a população carcerária. A pesquisa analisa a evolução histórica dos sistemas, desde punições públicas e corporais na Antiguidade até a predominância da privação de liberdade no século XIX. Em Portugal, a trajetória evolutiva inclui a adoção do Sistema de Filadélfia, reformas do Código Penal, e uma abordagem centrada na ressocialização, evidenciada por medidas alternativas ao encarceramento e um sistema de justiça mais humanitário. Em contraste, o sistema brasileiro, apesar das reformas, enfrenta desafios significativos como superlotação, condições inadequadas e altas taxas de reincidência. Utilizando uma metodologia comparativa, foram examinados dados de encarceramento, reincidência e custos dos sistemas penitenciários dos dois países. A análise revela que, enquanto Portugal investe em reintegração e alternativas ao encarceramento, o Brasil enfrenta um colapso carcerário que agrava a marginalização e os custos sociais. Conclui-se que Portugal apresenta um modelo mais eficaz e humanitário em comparação ao sistema brasileiro, que ainda depende fortemente da prisão, exacerbando seus problemas estruturais e sociais.
PALAVRAS-CHAVE: Sistema penitenciário. Ressocialização. Reincidência. Superlotação. Políticas penais.
ABSTRACT: This paper explores the evolution and effectiveness of the penitentiary systems of Portugal and Brazil, highlighting their distinct approaches and impacts. The aim is to compare the implementation of penal policies and their consequences for the prison population. The research analyzes the historical evolution of the systems, from public and corporal punishment in Antiquity to the predominance of deprivation of liberty in the 19th century. In Portugal, the evolutionary trajectory includes the adoption of the Philadelphia System, reforms of the Penal Code, and an approach focused on resocialization, evidenced by alternative measures to incarceration and a more humanitarian justice system. In contrast, the Brazilian system, despite the reforms, faces significant challenges such as overcrowding, inadequate conditions, and high recidivism rates. Using a comparative methodology, data on incarceration, recidivism, and costs of the penitentiary systems of both countries were examined. The analysis reveals that, while Portugal invests in reintegration and alternatives to incarceration, Brazil faces a prison collapse that exacerbates marginalization and social costs. It is concluded that Portugal presents a more effective and humanitarian model compared to the Brazilian system, which still relies heavily on prisons, exacerbating its structural and social problems.
KEYWORDS: Penitentiary system. Rehabilitation. Recidivism. Overcrowding. Penal policies.
1 INTRODUÇÃO
O exame comparativo a ser apresentado neste artigo busca analisar práticas luso-brasileiras que podem inspirar melhorias no sistema penitenciário brasileiro, como as superlotações, uma questão crítica no Brasil, enquanto Portugal utiliza a obrigação de permanência na habitação (prisão domiciliar) de forma eficaz, contribuindo para um sistema mais eficiente e menos congestionado. Este comparativo fornece conteúdos valiosos para identificar pontos de convergência e divergência entre os sistemas.
Este comparativo, a ser apresentado de forma imparcial, utiliza dados do sistema DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional), DGRS (Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais) e WPB (World Prison Brief). Com base nesses dados, é possível verificar medidas mais eficazes. Serão analisadas a taxa prisional desses países, comparando suas populações, medidas de ressocialização e percentual de reincidência.
Inicialmente não é novidade do século XXI que todos os sistemas de justiça e de segurança pública busquem se tornar cada vez mais eficientes, razões pelas quais estudos acadêmicos são realizados a fim de apresentar à segurança pública medidas mais eficazes e que possibilitem a ressocialização do indivíduo na sociedade. Dessa forma, o presente estudo se insere no contexto de fornecer elementos para essa reflexão a partir do Direito Comparado.
O sistema penitenciário brasileiro enfrenta sérios desafios de superlotação, condições precárias e alta reincidência. Segundo dados do INFOPEN (2019), a população carcerária brasileira é uma das maiores do mundo, com um déficit de vagas que agrava as condições de detenção. Em contrapartida, Portugal adota amplamente medidas diferentes do cárcere como a obrigação de permanência na habitação, regulamentada pelo Código de Processo Penal (CPP) nos artigos 193º e 201º, que ajudam a evitar a superlotação e permitem um acompanhamento mais humanizado dos detentos.
Referido diploma expõe o seguinte:
Artigo 201.º
(Obrigação de permanência na habitação)
1 - Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a obrigação de não se ausentar, ou de não se ausentar sem autorização, da habitação própria ou de outra em que de momento resida ou, nomeadamente, quando tal se justifique, em instituição adequada a prestar-lhe apoio social e de saúde, se houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos.
2 - A obrigação de permanência na habitação é cumulável com a obrigação de não contactar, por qualquer meio, com determinadas pessoas.
3 - Para fiscalização do cumprimento das obrigações referidas nos números anteriores podem ser utilizados meios técnicos de controlo à distância, nos termos previstos na lei.
A pesquisa foi conduzida com base no método dedutivo, utilizando dados comparativos dos sistemas penitenciários do Brasil e de Portugal. A análise envolveu a coleta e interpretação de dados estatísticos e bibliográficos, permitindo uma comparação objetiva entre as estruturas e a eficácia dos sistemas de ambos os países.
Este assunto cruza fronteiras, o que torna um tema internacional, mas para um posicionamento interno responsável necessita de pesquisas como esta para espelhar divergências e convergências de situações que ocorrem nos sistemas internacionais, para que somente após muito estudo trazer medidas mais eficazes a nosso País.
2 HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DAS PUNIÇÕES: DE CASTIGOS PÚBLICOS À CONSOLIDAÇÃO DAS PRISÕES
A discussão sobre o sistema prisional moderno precisa ser contextualizada historicamente para entender suas transformações ao longo do tempo. Inicialmente, é importante observar que a prisão nem sempre foram o principal meio de punição.
Na Roma Antiga, por exemplo, as prisões eram utilizadas principalmente como locais de detenção temporária, garantindo que os presos fossem levados a julgamento posteriormente.
Passagens da Bíblia no Novo Testamento descrevem as prisões e julgamentos romanos, como em Atos 12:1-4:
Por aquele tempo, o rei Herodes estendeu a mão sobre alguns da igreja para maltratá-los. E matou a espada Tiago, irmão de João. Vendo que isso agradava aos judeus, prosseguiu prendendo também Pedro. Era então o tempo dos pães ázimos. Havendo-o feito prender, lançou-o no cárcere, entregando-o a quatro escoltas de quatro soldados cada uma, para o guardarem, com a intenção de levá-lo perante o povo depois da páscoa.
Este trecho apresenta, Pedro discípulo de Jesus que é preso por Herodes Agripa I e colocado sob guarda romana, com a intenção de ser julgado após a Páscoa.
Michel Foucault (1975) argumenta que "o suplício judiciário deve ser compreendido também como um ritual político", sublinhando que a aplicação das penas era não apenas um meio de punir, mas também um instrumento de controle social e demonstração de poder. Essa concepção reflete como, ao longo dos séculos, a função das prisões e a natureza das punições foram sendo moldadas por transformações sociais, políticas e econômicas.
A transição da punição corporal para a privação de liberdade, que começou a se consolidar no século XIX, marcou o surgimento das prisões modernas. Antes desse período, as punições eram predominantemente públicas e visavam a humilhação, o sofrimento físico e, em muitos casos, a morte. Castigos corporais, exílio, deportação, pena de morte e trabalhos forçados eram comuns (Gonçalves, 1993).
Com o tempo, a sociedade passou a valorizar formas de punição menos brutais e mais "civilizadas". Segundo Foucault (1975), "a mudança no meio de punição vem junto com as mudanças políticas da época, com a queda do antigo regime e a ascensão da burguesia, a punição deixa de ser um espetáculo público, tornando-se uma punição fechada, que segue regras rígidas" (p. 15). Nesse contexto, as prisões modernas emergiram como a principal forma de punição, substituindo os métodos antigos e se tornando o eixo central do sistema penal.
Hoje, a prisão se consolidou como a forma dominante de punição, enquanto os métodos punitivos mais antigos foram abolidos ou significativamente reduzidos. Essa mudança reflete não apenas uma transformação nos métodos de punição, mas também na maneira como a sociedade compreende e administra a justiça.
3 ANÁLISE DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO
Durante o período colonial, o Brasil seguia as Ordenações Filipinas, que estabeleciam penas severas, como a morte e a humilhação pública, mas não previam a privação de liberdade como pena. Essas ordenações permaneceram como o principal código penal até o início do século XIX. Com a independência e a promulgação da Constituição de 1824, iniciou-se um processo de reforma no sistema punitivo, extinguindo-se penas cruéis como o açoite, a tortura e o ferro quente, e determinando-se que as cadeias deveriam ser “seguras, limpas e bem arejadas”.
Em 1830, o Brasil adotou seu próprio Código Penal com a promulgação do Código Criminal do Império, que consolidou a pena de prisão como a principal forma de punição, embora a pena de morte tenha sido mantida. No entanto, o código não estabeleceu um sistema penitenciário uniforme, deixando essa responsabilidade aos governos provinciais.
Com o Estado Novo em 1937, o Brasil passou por nova reforma penal, culminando no Código Penal de 1940, que trouxe uma estrutura penal mais modernizada, ainda vigente hoje, com várias revisões ao longo das décadas. A evolução do sistema penitenciário no Brasil reflete a transição de um regime colonial baseado em punições corporais para um sistema centrado na pena de prisão, mostrando também a permanência de certas práticas, como a pena de morte, até a modernização trazida pelo Código Penal de 1940.
O sistema penitenciário brasileiro é um conjunto de instituições, legislações e práticas que regulamentam a privação de liberdade no país. Esse sistema é composto por cadeias, presídios, centros de detenção provisória, clínicas de reabilitação e outras formas de detenção, além das normas que orientam tanto a conduta dos detentos quanto a dos profissionais que trabalham nessas instituições.
A principal função do sistema prisional é garantir a segurança da sociedade, aplicando sanções aos que cometem crimes, conforme estipulado em lei, sujeitando-os à restrição de liberdade. Entretanto, o sistema vai além da punição, buscando também a reabilitação e a ressocialização dos detentos, visando à sua reintegração à sociedade após o cumprimento da pena. Sem o sistema prisional, aqueles que cometem crimes poderiam sofrer mais por viverem excluídos da sociedade pelos atos que cometeram.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, estabelece os direitos fundamentais que devem ser respeitados pelo Estado ao exercer seu poder punitivo, como a proibição de tratamento desumano ou degradante e a vedação de penas cruéis, perpétuas e trabalhos forçados. A Lei de Execução Penal (LEP) também estabelece objetivos de reintegração social do condenado e prevenção do crime, prevendo medidas como educação e assistência social.
O Código Penal inclui medidas que visam à ressocialização dos condenados, como a suspensão condicional da pena e o livramento condicional. A Lei nº 12.106 criou o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, vinculado ao Conselho Nacional de Justiça, para monitorar a execução das penas.
Em 2019, o sistema carcerário brasileiro abrigava cerca de 810 mil detentos, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com problemas críticos como superlotação, deficiências na infraestrutura e falta de atendimento médico adequado. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 alertava para o colapso do sistema, destacando um déficit de mais de 236 mil vagas e as condições precárias nas unidades prisionais.
Dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN), referentes ao segundo semestre de 2023, indicam que o Brasil tinha cerca de 850 mil custodiados, entre estabelecimentos prisionais físicos e prisão domiciliar. Além da superlotação, a saúde precária é outro grande problema. Segundo o CNJ, os encarcerados têm 30 vezes mais chances de contrair tuberculose e 10 vezes mais chances de contrair doenças sexualmente transmissíveis, como HIV, em comparação com a população geral.
Após a liberdade, muitos ex-detentos enfrentam dificuldades para se reinserir na sociedade, agravadas por vícios em álcool ou drogas que podem ter sido adquiridos durante o encarceramento. Países como os Estados Unidos investem em programas de combate ao uso de álcool e drogas para reduzir a reincidência, o que poderia ser uma estratégia útil no Brasil.
As condições insalubres nas prisões brasileiras, como a falta de saneamento adequado, contribuem para a propagação de doenças evitáveis. A violência é endêmica, com a "lei do mais forte" prevalecendo sobre as regulamentações oficiais. A presença de facções criminosas intensifica os conflitos, e muitos presos são vítimas de violência física e psicológica, além do mais controlam grande parte das unidades prisionais, tornando o ambiente ainda mais hostil e perigoso para os detentos que não pertencem a esses grupos. Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal, destacou essa realidade, classificando o sistema prisional brasileiro como uma das maiores violações de direitos humanos no país (Barroso, 2023).
A ressocialização, que deveria ser um dos objetivos centrais do sistema, é frequentemente negligenciada. As condições precárias das prisões e a falta de programas de reabilitação efetivos contribuem para altos índices de reincidência, perpetuando o ciclo de criminalidade. Em países como os Estados Unidos, programas de combate ao uso de álcool e drogas têm demonstrado eficácia na redução da reincidência, algo que o Brasil ainda precisa desenvolver com mais profundidade.
As políticas atuais de encarceramento no Brasil buscam alternativas ao encarceramento tradicional, como a prisão domiciliar e as penas restritivas de direitos. A prisão domiciliar é uma medida prevista no Código de Processo Penal (CPP) e na LEP, aplicada em situações específicas, como idade avançada e problemas graves de saúde. Durante a pandemia, a prisão domiciliar foi usada para evitar a propagação do vírus em ambientes superlotados.
O monitoramento eletrônico, por meio de tornozeleiras eletrônicas, é uma forma de acompanhar o cumprimento da prisão domiciliar. No entanto, a infraestrutura e os recursos para monitorar esses presos ainda são limitados. Além da prisão domiciliar, o Brasil tem experimentado outras possibilidades ao encarceramento, como a suspensão condicional da pena e a justiça restaurativa, que visa reparar o dano causado à vítima e reintegrar o infrator à sociedade.
Essas medidas refletem uma mudança gradual na política de encarceramento, buscando equilibrar a segurança pública com a necessidade de oferecer alternativas mais humanas e eficazes ao sistema prisional tradicional. Para o sucesso dessas políticas, é crucial que sejam acompanhadas de investimentos em infraestrutura, programas sociais e uma reforma mais ampla do sistema de justiça criminal.
4 ANÁLISE DO SISTEMA PENITENCIÁRIO PORTUGUÊS
Desde que a pena de prisão se tornou a principal reação penal em Portugal, muitos autores têm se preocupado com seus fins, defendendo uma corrente doutrinária majoritária que promove a recuperação dos membros da sociedade que cometeram crimes (Rodrigues, 2000). Marcado por uma forte matriz ressocializadora, o sistema penal português manteve-se fiel a essa orientação, mesmo em momentos de grande contestação. Embora essa opção não seja consensual, ela é majoritária e todas as alterações legislativas sustentam esta raiz.
Levy Maria Jordão, figura central na reforma do direito penal, introduziu o Sistema de Filadélfia em Portugal por meio da Lei de 1º de julho de 1867, que impunha isolamento total, tanto diurno quanto noturno, aos reclusos. Esses deviam trabalhar em suas celas, sendo o convívio restrito a um professor e a um padre, que tinham a missão de promover a interiorização dos valores morais e religiosos. A Lei de 29 de janeiro de 1913 substituiu o Sistema de Filadélfia pelo Sistema de Auburn, permitindo o trabalho em comum, mas em silêncio. Até a reforma de 1936, algumas alterações foram feitas na execução da pena de prisão, mas a socialização dos delinquentes, especialmente por meio do trabalho penitenciário, manteve-se central.
A reforma penal de 1936 introduziu um regime progressivo de cumprimento da pena, começando com um período de isolamento rígido que foi gradualmente flexibilizado. A educação religiosa e o trabalho foram considerados essenciais na recuperação dos delinquentes. O Decreto nº 26.643, de 28 de maio de 1936, é um marco na organização prisional, sendo internacionalmente reconhecido como uma das mais avançadas legislações penitenciárias da época (Rodrigues, 2000). Beleza dos Santos se destacou como uma referência do Direito Penal e Penitenciário nesse período, consolidando Portugal como um dos países mais progressistas no tratamento da execução das penas privativas de liberdade.
A reforma do sistema prisional de 1979 e o Código Penal de 1982 ocorreram em um período de consolidação da democracia em Portugal. A reforma prisional, liderada por Eduardo Correia, seguiu as orientações internacionais e reforçou a tradição ressocializadora do país, apesar de enfrentar debates acalorados sobre sua eficácia. A reforma de 1979 consagrou a planificação individualizada da pena de prisão, estabelecendo que cada recluso deveria ter um Plano Individual de Readaptação, com base em seu diagnóstico pessoal, familiar e profissional. Além disso, os direitos dos reclusos foram amplamente reconhecidos, incluindo o direito ao trabalho em condições equivalentes às dos trabalhadores em liberdade.
A revisão do Código Penal em 1995 introduziu penas alternativas às curtas de prisão, como o trabalho a favor da comunidade e a pena de multa, e endureceu as condições para a liberdade condicional. Essa revisão refletiu uma dualidade: por um lado, promoveu alternativas à prisão para evitar seus efeitos negativos; por outro, endureceu as penas para crimes mais graves, mostrando a coexistência de modelos de justiça retributiva e ressocializadora em Portugal.
O sistema penitenciário português é concebido com base em princípios de humanização, dignidade e reintegração social dos reclusos. A estrutura desse sistema é diversificada, composta por diferentes tipos de estabelecimentos prisionais que variam conforme a natureza das penas e o perfil dos reclusos. Estes estabelecimentos incluem unidades centrais para condenados a pena de longa duração, regionais para penas mais curtas e preventivas, e especiais para grupos específicos, como jovens e mulheres.
O trabalho penitenciário, desde seu surgimento, tem desempenhado um papel fundamental na execução das penas em Portugal, sendo sempre associado à ideia de reinserção social. A evolução das políticas penitenciárias no país reflete uma constante tensão entre a necessidade de ressocialização e a demanda por segurança e punição, resultando em um sistema complexo e em constante evolução. O Relatório Final de 2004 da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional destacou a importância do trabalho penitenciário e da elaboração de planos individuais de readaptação social. O relatório recomendou medidas para preparar adequadamente os reclusos para a vida ativa após a prisão, incluindo programas de apoio ao emprego e à formação profissional. Também sugeriu a criação de "casas de saída" para ajudar ex-reclusos a se reintegrarem na sociedade.
O funcionamento do sistema penitenciário português não se limita à custódia e vigilância dos reclusos, mas engloba uma série de práticas e programas voltados para a reabilitação e reinserção social. Os reclusos têm acesso a programas de educação, formação profissional e tratamento de dependências, todos destinados a reduzir a reincidência criminal. Adicionalmente, o sistema penitenciário adota regimes abertos e semi-abertos, que permitem que os reclusos trabalhem ou estudem fora do estabelecimento prisional durante o dia, retornando à noite, promovendo uma transição mais suave para a vida em liberdade.
Um aspecto importante do sistema português é a medida alternativa à prisão denominada "obrigação de permanência na habitação" (OPH), conhecida popularmente como prisão domiciliar. Esta medida permite que o condenado cumpra a pena em sua residência, sob determinadas condições e supervisão eletrônica, ao invés de estar fisicamente encarcerado. A aplicação da OPH é uma prática que visa aliviar a pressão sobre o sistema prisional, além de minimizar os impactos negativos do encarceramento sobre o indivíduo e sua família. Este regime é aplicado, principalmente, em casos de penas curtas ou em situações onde a reclusão em estabelecimento prisional é considerada excessivamente onerosa, como em situações de saúde precária. A medida é monitorada por tornozeleiras eletrônicas, garantindo que o recluso permaneça dentro dos limites estabelecidos. A OPH representa uma alternativa viável e eficaz à prisão tradicional, reforçando a abordagem humanista do sistema penal português, que busca equilibrar a punição com a preservação dos direitos dos condenados e sua reintegração na sociedade.
A administração e o funcionamento do sistema penitenciário português são coordenados pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP). Este organismo público é responsável pela prevenção criminal, execução das penas, reinserção social dos condenados, e gestão dos sistemas tutelar educativo e prisional. A DGRSP desempenha um papel central na implementação das políticas de justiça criminal em Portugal, com o objetivo de promover a segurança pública e a reintegração dos indivíduos na sociedade. A criação da DGRSP reflete o compromisso do Estado português em modernizar e humanizar o sistema penal, integrando as funções de prevenção, execução penal e reinserção social sob uma única entidade. A DGRSP não apenas administra os estabelecimentos prisionais, mas também desenvolve programas de reinserção social, supervisiona a execução de penas alternativas, como a OPH, e coordena ações educativas para jovens em conflito com a lei.
Não é objetivo uma análise minuciosa do Direito Penal e Penitenciário em Portugal, mas sim compreender suas diretrizes no que tange ao tema abordado e compará-lo ao sistema penitenciário brasileiro. A atuação da DGRSP é fundamental para garantir que o sistema penitenciário português opere de maneira eficaz, justa e humana, contribuindo para a prevenção da reincidência criminal e para a construção de uma sociedade mais segura e inclusiva. A estrutura organizacional da DGRSP permite uma abordagem integrada e abrangente, que abarca desde a prevenção do crime até a reintegração dos reclusos, evidenciando o papel vital do organismo na gestão do sistema de justiça criminal em Portugal.
5 COMPARAÇÃO LUSO-BRASILEIRA
Essa análise entre o sistema penitenciário português e brasileiro permite uma compreensão abrangente sobre as diferentes estruturas e operações que resultam em impactos diferentes na eficácia e eficiência de cada sistema. Entretanto, existe entre esses dois países, realidades históricas e sociais distintas, estas revelam abordagens divergentes no tratamento da população prisional, como a implementação de penas e de medidas alternativas ao encarceramento e no impacto geral de suas políticas penitenciárias na sociedade.
Portugal, com uma pequena população carcerária, possui uma das menores taxas de encarceramento da Europa, com cerca de 120 presos para cada 100 mil habitantes. Por outro lado, o Brasil apresenta uma realidade bem diferente e extremamente negativa, com uma população carcerária que já ultrapassa 800 mil presos, correspondendo a uma taxa de encarceramento de aproximadamente 386 presos para cada 100 mil habitantes. Essa diferença reflete diferentes políticas penais adotadas por cada país, bem como as respectivas condições de vida e índices de criminalidade. No que se refere à reincidência penal, o Brasil também apresenta uma realidade desvantajosa em comparação com Portugal. Enquanto a taxa de reincidência portuguesa é de aproximadamente 30%, a brasileira ultrapassa os 50% em alguns estados como no Espirito Santo essa taxa chega ser de 75%. Novamente, essa diferença é resultado de vários fatores, incluindo as políticas públicas de reinserção social adotadas por cada Estado, além do superencarceramento enfrentado no Brasil, que gera consequências como superlotação e condições de vida inadequadas, inviabilizando o processo de ressocialização dos reclusos.
No que tange aos custos associados ao sistema penitenciário, a análise revela que o custo médio anual por preso é significativamente maior em Portugal, o que reflete um maior investimento em programas de reinserção, infraestrutura e recursos destinados à reabilitação dos condenados. Segundo dados do portal de notícias CNN Portugal em 2023 o custo diário de um preso em Portugal foi em média de €56,33 (cinquenta e seis euros e trinta e três cents), equivalente €1.746,23 (mil setecentos e quarenta e seis euros e vinte e três cents) por mês ou aproximadamente R$10.500,00 (dez mil e quinhentos reais) na cotação atual (2024). No Brasil, apesar dos custos serem relativamente mais baixos aproximadamente R$2.000,00 (dois mil reais) por mês (SENAPPEN), eles também refletem investimentos insuficientes, comprometendo a efetivação de políticas públicas. Isso resulta em condições carcerárias sub-humanas e altas taxas de reincidência, que perpetuam elevados índices de criminalidade. No Brasil a reincidência é apresentada pelo DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) com base em dados anuais após a saída do sistema prisional. No primeiro ano, a média de reincidência é de cerca de 21%, passando para 38,9% após 5 anos de saída do sistema penitenciário, seja por decisão judicial, progressão de pena ou fuga, além do cometimento de outro ato ilícito e culpável.
Portugal destaca-se pela implementação de penas e medidas penais alternativas ao encarceramento, como a suspensão da pena, o trabalho comunitário e a "obrigação de permanência na habitação", realizada em regime domiciliar e com monitoramento eletrônico. A aplicação dessas medidas tem contribuído para desafogar o sistema prisional e prevenir a reincidência, ao mesmo tempo em que proporciona uma resposta mais adequada para crimes de menor gravidade e assegura a ressocialização dos condenados. No Brasil, embora a legislação também preveja penas e medidas alternativas, sua aplicação prática é limitada. A obrigação de permanência na habitação, por exemplo, é raramente utilizada, devido a problemas logísticos e culturais que dificultam sua eficácia. Como resultado, o Brasil continua a recorrer ao encarceramento como principal resposta penal, exacerbando a superlotação dos presídios e a reincidência.
As políticas penitenciárias de Portugal têm atendido às necessidades da sociedade, contribuindo para a redução da violência, garantindo que indivíduos privados de liberdade não voltem a delinquir e diminuindo os custos sociais da delinquência e da reincidência criminal. A Direção-Geral de Reinserção e Serviços Penitenciários, responsável pela administração do sistema prisional, desempenha um papel crucial na implementação de políticas de prevenção da delinquência, execução de penas e reinserção social. A visão do sistema português é orientada para a reinserção dos presos na sociedade, promovendo um sistema penal mais humano e eficaz.
No Brasil, por outro lado, as políticas penitenciárias têm sido criticadas pelo fracasso em garantir a reinserção dos apenados e pelo aprofundamento da marginalização dos encarcerados. A superlotação, as condições deficitárias do sistema prisional e a falta de investimentos em estratégias de reinserção social resultam em um sistema que agrava a exclusão social, afetando não apenas os indivíduos privados de liberdade, mas também toda a sociedade, que paga um alto preço pela criminalidade e violência cotidianas.
A comparação entre os sistemas prisionais português e brasileiro demonstra que, apesar de ambos os países enfrentarem problemas, Portugal tem encontrado soluções mais satisfatórias. Questões relacionadas à redução do encarceramento, à contenção da reincidência e à inserção dos presos na sociedade representam um contraste entre os dois países. O Brasil ainda está longe de alcançar o nível de qualidade e eficácia das políticas penitenciárias portuguesas. Seja em relação às medidas alternativas à prisão, seja em termos de investimentos na ressocialização, o Brasil possui poucas iniciativas concretas em comparação com Portugal. Dessa forma, o colapso carcerário brasileiro acentua a diferença entre os dois países, evidenciando a falta de políticas judiciais e executivas que, ao mesmo tempo em que reduzam a população carcerária, garantam um encarceramento mais adequado nos casos excepcionais. Essa diferenciação comprova que, no campo penal, Portugal tem demonstrado possuir políticas bem formuladas e uma gestão prisional mais adequada para a construção de um sistema penal mais justo e humanitário.
6 CONCLUSÃO
A pesquisa revela a evolução do sistema penitenciário, desde suas origens nas prisões romanas utilizadas temporariamente antes do julgamento, passando por punições corporais e públicas, até a predominância da prisão como forma de punição no século XIX. Esta mudança refletiu transformações sociais e políticas, substituindo métodos cruéis por sistemas de prisão mais "civilizados".
Em relação ao sistema penitenciário brasileiro, a evolução desde as Ordenações Filipinas, que não previam a prisão como punição, até o Código Criminal de 1830 e o Código Penal de 1940, mostra uma tentativa de modernização. No entanto, o sistema atual enfrenta graves desafios, como superlotação, condições inadequadas e problemas de saúde dos detentos. Embora haja iniciativas para implementar alternativas ao encarceramento, como prisão domiciliar e monitoramento eletrônico, são necessários investimentos estruturais e reformas abrangentes para melhorar a justiça e as condições das prisões.
Por outro lado, o sistema penitenciário português tem se concentrado na ressocialização desde a introdução do Sistema de Filadélfia em 1867. Reformas subsequentes, como a de 1936 e o Código Penal de 1982, enfatizaram o trabalho e a educação na recuperação dos detentos. A reforma de 1979 introduziu planos individuais de readaptação e ampliou os direitos dos reclusos, enquanto o sistema atual, coordenado pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), adota práticas de humanização e reintegração, incluindo alternativas como a prisão domiciliar.
A comparação entre os sistemas mostra que Portugal, com uma taxa de encarceramento significativamente menor e um forte foco na ressocialização, apresenta taxas de reincidência mais baixas e maior investimento em reintegração social. Em contraste, o Brasil enfrenta alta superlotação, taxas elevadas de reincidência e condições precárias. Apesar de ter alternativas ao encarceramento, o sistema brasileiro ainda depende fortemente da prisão, exacerbando problemas de superlotação e marginalização. Portugal oferece um modelo penal mais humano e eficaz, destacando a necessidade urgente de reformas no sistema penitenciário brasileiro para alcançar melhorias comparáveis.
REFERÊNCIAS
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[1] Professor orientador. Juiz de Direito Aposentado. Professor universitário do Centro Universitário de Jales. E-mail: [email protected]
Graduando em Direito pelo Centro Universitário de Jales – UNIJALES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOVIO, GABRIEL FERNANDO DE MATOS. Análise do sistema penitenciário brasileiro e uma visão luso-brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 out 2024, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/66663/anlise-do-sistema-penitencirio-brasileiro-e-uma-viso-luso-brasileira. Acesso em: 21 dez 2024.
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