RESUMO: A crescente demanda no Direito de Família acerca da parentalidade socioafetiva e da multiparentalidade, devido aos novos contornos que tem assumido o instituto familiar, que a cada dia mais tem se ampliado e evoluído, considerando a pluralidade de núcleos familiares na contemporaneidade, o desenvolvimento deste trabalho, se mostra de grande valia, uma vez que busca demonstrar a importância destes fenômenos sociais e seus efeitos dentro do ordenamento jurídico, mais precisamente seus reflexos no Registro Civil de Pessoas Naturais e, objetiva uma reflexão acerca da necessidade de adequação, sistematização e operacionalização dentro do Direito nessa esfera. A temática justifica-se pela necessidade de validação da afetividade na construção familiar socioafetiva além das implicações legais asseguradas pela evolução de tais relações. A metodologia utilizada trata-se de revisão da literatura jurídica sobre multiparentalidade e parentalidade socioafetiva e análise de livros, artigos científicos e publicações especializadas em Direito de Família além de análise documental sobre o estudo da legislação pertinente, como o Código Civil e a Constituição Federal e exame de provimentos e resoluções do Conselho Nacional de Justiça sobre o tema. Embora o reconhecimento da multiparentalidade represente um avanço na proteção jurídica das relações familiares contemporâneas, sua implementação no registro civil ainda enfrenta desafios que requerem uma constante evolução do sistema legal e dos procedimentos administrativos para acomodar adequadamente essa nova realidade familiar.
Palavras-chave: Multiparentalidade. Parentalidade Socioafetiva. Registro Civil. Direito.
ABSTRACT: The growing demand in Family Law regarding socio-affective parenting and multiparenting, due to the new contours that the family institute has taken on, which has been expanding and evolving every day, considering the plurality of family nuclei in contemporary times, the development of this work , proves to be of great value, as it seeks to demonstrate the importance of these social phenomena and their effects within the legal system, more precisely their reflections on the Civil Registry of Natural Persons, and aims to reflect on the need for adaptation, systematization and operationalization within of Law in this sphere. The theme is justified by the need to validate affection in the socio-affective family construction in addition to the legal implications ensured by the evolution of such relationships. The methodology used is a review of legal literature on multiparenting and socio-affective parenting and analysis of books, scientific articles and publications specialized in Family Law, as well as documentary analysis on the study of relevant legislation, such as the Civil Code and the Federal Constitution and examination of provisions and resolutions of the National Council of Justice on the subject. Although the recognition of multiparenthood represents an advance in the legal protection of contemporary family relationships, its implementation in civil registration still faces challenges that require constant evolution of the legal system and administrative procedures to adequately accommodate this new family reality.
Keywords: Multiparenthood. Socio-affective Parenting. Civil Registry. Right
Sumário: Introdução; 1. Breves considerações sobre o Instituto Familiar; 2. Princípios relacionados ao Direito de Família: 2.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; 2.2 Princípio do pluralismo das entidades familiares; 2.3 Princípio da Afetividade; 3. Considerações acerca da Filiação; 4.Construções conceituais da parentalidade socioafetiva e da multiparentalidade; 5. Funções e características do Registro Civil das Pessoas Naturais; 6. Dos principais efeitos da parentalidade socioafetiva e da multiparentalidade advindos do Registro Civil das Pessoas naturais; 7. Conclusão.
INTRODUÇÃO
Diante da crescente demanda no Direito de Família acerca da parentalidade socioafetiva e da multiparentalidade, devido aos novos contornos que tem assumido o instituto familiar, que a cada dia mais tem se ampliado e evoluído, considerando a pluralidade de núcleos familiares na contemporaneidade, o desenvolvimento deste trabalho, se mostra de grande valia, uma vez que busca demonstrar a importância destes fenômenos sociais e seus efeitos dentro do ordenamento jurídico, mais precisamente seus reflexos no Registro Civil de Pessoas Naturais e, objetiva uma reflexão acerca da necessidade de adequação, sistematização e operacionalização dentro do Direito nessa esfera.
A família atualmente não se limita mais aos laços de sangue, necessitando, também, dos laços de afetividade. Imprescindível se faz reconhecer a família contemporânea como plural, denominada também de família mosaico, decorrente da evolução social das relações de parentesco múltiplas, considerando as desconstituições e as reconstituições dos lares familiares.
Esses rearranjos familiares (famílias reconstituídas) fazem minar a necessidade da evolução do Direito, que muitas vezes se mostra incapaz de acompanhar as mutações que envolvem as relações familiares.
A família, antes vista como uma instituição com objetivos religiosos, econômicos, políticos e culturais, passou a ser compreendida como o principal espaço para a formação e o desenvolvimento da personalidade. Essa nova perspectiva transformou a família e ampliou o papel do Estado, que passou a ter o dever de proteger não só a família como um todo, mas também cada um de seus membros individualmente[1].
O Código Civi[2] vigente também trouxe uma possibilidade de abertura, pela adoção de um modelo baseado em cláusulas gerais, princípios e conceitos legais indeterminados. Isso ocasionou, por exemplo, o reconhecimento da afetividade como valor jurídico, com natureza de verdadeiro princípio do Direito de Família Contemporâneo.
O afeto tem se tornado um elemento muito importante para a identificação e o reconhecimento das relações parentais sendo incorporado como um elemento crucial.
Segundo OTONI[3], o novo conceito de família se desvinculou totalmente da ideia de uma família obrigatoriamente “matrimonializada, hierarquizada e patriarcal”, dando mais liberdade aos membros familiares ao constituírem suas famílias. Na atualidade, a ideia central de família deve ser buscada preservando-se sempre a dignidade da pessoa humana dos seus membros, valorizando-se o indivíduo e não o patrimônio.
A civilização vivencia uma reformulação significativa no conceito de família e de relações de parentesco. A sociedade aberta, plural, multifacetada e globalizada impõe transformações no seio das relações familiares. Dessas mutações sociais decorrem naturalmente, alterações nas concepções jurídico-sociais existentes no sistema.
O Código Civil inegavelmente contribuiu de forma positiva para o direito de
família, porém a nova legislação deixou de tratar da filiação socioafetiva, que já se incluía entre os principais temas de decisões nos Tribunais, ficando, portanto, a cargo da jurisprudência direcionar esse novo tipo de filiação que tem como valor jurídico a manifestação do afeto.
1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O INSTITUTO FAMILIAR
A família é a estrutura básica da sociedade, dela provém todo o alicerce necessário para a formação do ser humano, é um ambiente fecundo para fenômenos culturais, bem como as escolhas pessoais e afetivas.
Os novos valores que inspiram a sociedade contemporânea sobrepujam e rompem, definitivamente, com a concepção tradicional de família. A arquitetura da sociedade moderna impõe um modelo familiar descentralizado, democrático, igualitário e desmatrimonializado. O escopo precípuo da família passa a ser a solidariedade social e demais condições necessárias ao aperfeiçoamento e progresso humano, regido o núcleo familiar pelo afeto, como mola propulsora.
Diferentemente, na concepção admitida no Código Civil de 1916, tinha-se como base o modelo de família patriarcal, hierarquizada, patrimonializada e fundada no matrimônio.
A família tradicional, composta por pais, mães e filhos, foi por muito tempo o modelo predominante. No entanto, a sociedade contemporânea apresenta uma pluralidade de arranjos familiares, como as famílias monoparentais, recompostas e homoafetivas. Essa diversidade é um reflexo das transformações sociais e culturais, e o Direito de Família tem acompanhado essa evolução, garantindo proteção jurídica a todas as formas de família.
Segundo Cristiano Chaves[4], compreendia-se a família como unidade de produção, realçados os laços patrimoniais. As pessoas se união em família com vistas à formação de patrimônio, para a sua posterior transmissão aos herdeiros, pouco importando os laços afetivos. Daí a impossibilidade de dissolução do vínculo, pois a desagregação da família corresponderia a própria desagregação da sociedade.
Maria Berenice Dias[5], sustenta a consagração do afeto como um verdadeiro direito fundamental, permitindo projeções do mais alto relevo, como o reconhecimento da igualdade entre a filiação biológica e a filiação socioafetiva. E então esclarece: “O novo olhar sobre a sexualidade valorizou os vínculos conjugais que passaram a se sustentar no amor e no afeto”.
O Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM)[6] afirma que a valorização do afeto como um valor jurídico transformou profundamente o conceito de família. A partir desse novo paradigma, surgiram diversas formas de organização familiar, como as uniões estáveis homoafetivas e heteroafetivas, as famílias monoparentais, as famílias recompostas e a multiparentalidade. Essa diversidade demonstra que as pessoas possuem maior liberdade para construir suas próprias famílias, baseadas no afeto e na convivência, independentemente de modelos tradicionais.
2 PRINCÍPIOS RELACIONADOS AO DIREITO DE FAMÍLIA
2.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
O direito das famílias está ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, aos direitos humanos, pois este princípio significa igualdade para todas as entidades familiares.
Nas palavras de Rezende[7], em razão de uma série de fatores sociais, econômicos e jurídicos, o macroprincípio da dignidade humana fecundou o novo direito de família, de sorte a surgirem corolários seus como os princípios da paternidade responsável e da afetividade pois, “o afeto não é fruto da biologia” mas, antes, de um emaranhado de sentimentos que geram efeitos sociais que não podem ser desprezados pelo direito, “a parentalidade socioafetiva”, ou (...) desbiologização da paternidade.
O novo Código Civil de 2002 passou a dar mais importância ao membro familiar e ao instituto familiar, concedendo-lhe proteção e direitos, aplicando ainda, em especial, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, a fim de acompanhar o regime jurídico igualitário proposto pela Constituição de 1988.
2.2 Princípio do pluralismo das entidades familiares
O Artigo 226, da Constituição Federal[8], em seu caput, diz: “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
Assim, passou a receber proteção estatal, não somente a família originada através do casamento, bem como qualquer outra manifestação afetiva, como a união estável e a família monoparental formada pela comunidade de quaisquer dos pais e seus descendentes, no eloquente exemplo da mãe solteira[9].
Segundo Maria Berenice Dias[10], o pluralismo das entidades familiares, por conseguinte, tende ao reconhecimento e à efetiva proteção, pelo Estado, das múltiplas possibilidades de arranjos familiares, sem qualquer represamento.
Conclui-se então, que não só é conferida a proteção do Estado às famílias tradicionais, e sim, a todas as formas de família possíveis existentes na atualidade. Por isso, a sociedade contemporânea atribuiu à família uma função de entidade de transmissão de cultura e formação da personalidade de pessoa humana, fazendo-se necessário compreendê-la como um sistema democrático entre seus membros.
2.3 Princípio da Afetividade
O afeto é situação relevante para o Direito das Famílias, mas desprovido de exigibilidade jurídica nas relações em que se apresente voluntariamente, isso por conta de seu caráter de sentimento humano espontâneo. Embora o afeto seja fundamental nas relações familiares, a lei não o exige como condição para a existência de um vínculo familiar.
O tema conquistou espaço nos tribunais brasileiros, o afeto pode ser reconhecido como valor jurídico e identificado como um princípio a nortear o direito de família.
Nesse sentido, Pontes destaca[11]: A filiação social, muitas vezes vencida pela filiação biológica, passa a ter reconhecimento pela doutrina e pela jurisprudência, as quais já não balizam o exame de pareamento genético como única forma de se identificar a filiação, cedendo espaço para a valorização dos laços de afeto construídos.
3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA FILIAÇÃO
Ao analisar o instituto da filiação, percebemos que ela não se limita a um único fator determinante. A verdade da filiação é construída a partir de três dimensões interdependentes: a biológica, que se refere à origem genética; a jurídica, que envolve o reconhecimento legal do parentesco; e a afetiva, que se baseia no vínculo emocional. Essa complexidade demonstra que a filiação é um conceito multifacetado e não pode ser reduzido a um único critério.
De acordo com Barboza[12], há três critérios para se identificar o vínculo paterno-filial, vejamos:
“Existem três critérios para o estabelecimento do vínculo parental: (a) critério jurídico – está previsto no Código Civil, e estabelece a paternidade por presunção, independentemente da correspondência ou não com a realidade (CC art. 1.597); (b) critério biológico – é o preferido, principalmente em face da popularização do exame de DNA; e (c) critério socioafetivo – fundado no melhor interesse da criança e na dignidade da pessoa humana, segundo o qual pai é o que exerce tal função, mesmo que não haja vínculo de sangue”.
Essa nova realidade demonstra que o laço de sangue não é mais o único fator determinante para a existência de um vínculo parental. Atualmente, o critério socioafetivo, baseado na construção de laços afetivos e na convivência familiar, ganhou relevância jurídica, possibilitando o reconhecimento de relações parentais que vão além do parentesco biológico.
O texto constitucional, ao reconhecer os filhos não biológicos, possibilitou a formalização de relações familiares baseadas no afeto e na convivência, que antes eram marginalizadas pela sociedade. Essa mudança representa uma evolução significativa, pois rompe com paradigmas antigos e consolida a ideia de que o amor parental é o fundamento da família, independentemente do vínculo biológico, segundo entendimento de Anna Lúcia Wanderley Pontes.[13]
A lei 8.560 de 1992 trouxe uma importante conquista na afirmação dos direitos de filiação. Como por exemplo, o art. 5° diz que é vedado fazer qualquer referência à filiação no registro de nascimento e ainda no art.6° caput e §1° o legislador diz que também é proibido constar na certidão que a concepção ocorreu de forma extraconjugal ou a natureza da filiação.
Adoções e casamentos de pessoas do mesmo sexo, paternidades formadas por vínculos de afetividade exigem que a consciência coletiva respeite, aceite e reconheça o ser humano que ali está em cada uma dessas constituições familiares, cabendo à sociedade respeitá-los vez que sua dignidade não pode ser tolhida.
Hoje, apesar do preconceito e discriminação ainda existentes em relação às uniões homoafetivas, essas lacunas vêm sendo preenchidas paulatinamente por doutrinadores e jurisprudência que se consolida cada vez mais. Observa-se o crescente número de decisões protegendo as novas relações familiares constituídas, fundando-se no princípio da dignidade da pessoa humana.
4 CONSTRUÇÕES CONCEITUAIS DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA E DA MULTIPARENTALIDADE
Atualmente, no Direito de Família, vem-se construindo um conceito de parentalidade socioafetiva e multiparentalidade pautados basicamente nos princípios da afetividade e da dignidade da pessoa humana.
A autora Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf,[14] conceitua a afetividade como a relação de carinho ou cuidado que se tem com alguém íntimo ou querido, como um estado psicológico que permite ao ser humano demonstrar os seus sentimentos e emoções a outrem, sendo, também, considerado como o laço criado entre os homens, que, mesmo sem características sexuais, continua a ter uma parte de amizade mais aprofundada.
Christiano Cassettari[15], em sua obra Multiparentalidade e Parentalidade socioafetiva, aduz que: “(…) a parentalidade socioafetiva pode ser definida como o vínculo de parentesco civil entre pessoas que não possuem entre si um vínculo biológico, mas que vivem como se parentes fossem, em decorrência do forte vínculo afetivo existente entre elas”.
Apreende-se do conceito de parentalidade socioafetiva, no âmbito do Direito, ao tipo de paternidade em que não há vínculo biológico, mas afetivo entre a criança e o adulto, a criança está, no estado de filha (o), sendo tratada e reconhecida como tal.
Já o que se propõe com a multiparentalidade é a inclusão no registro de nascimento do pai ou mãe socioafetiva permanecendo o nome de ambos os pais biológicos. A ideia da multiparentalidade com a possibilidade de fazer constar no registro de nascimento dois pais e/ou duas mães comtemplando a identidade genética e a socioafetividade, deve retratar o bem estar emocional do filho e a real reprodução da realidade do caso concreto.
5 FUNÇÕES E CARACTERÍSTICAS DO REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS
O Registro Civil de Pessoas Naturais (RCPN), como seu próprio nome indica, tem como foco de interesse a pessoa física ou natural, vale dizer o indivíduo, o ser humano, tal como ele é levado em consideração pelo direito. Cabem ao registrador civil o registro e a publicidade de fatos e negócios jurídicos inerentes à pessoa física, desde o seu nascimento até a sua morte, tendo em vista que tais fatos e atos que repercutem não apenas na esfera do indivíduo, mas interessam toda a sociedade.
Segundo Guilherme Loureiro[16], o registro tem por função fixar o estado civil ou o estado de família da pessoa natural, provando seu nome, filiação, idade e capacidade para os atos da vida civil, o casamento ou a viuvez, entre outros atos e fatos importantes para a identificação e a proteção da pessoa natural e para a sua vida jurídica e social.
Ainda em conformidade com o respectivo autor, hoje, o principal núcleo de proteção da ordem jurídica é a pessoa humana e, pelo fato do ser humano ser revestido de personalidade própria, quando se tutela a pessoa, não se pode retirar do âmbito de proteção à personalidade, já que ambas estão relacionadas.
Em suma, o Registro Civil de Pessoas Naturais é o repositório dos atos de estado civil, o mecanismo apto para a constatação e publicação dos fatos e atos que definem o estado de uma pessoa física.
Nesse sentido, a função do Oficial Registrador é de suma importância já que é um agente bacharel em direito que recebe uma delegação do Estado, investido mediante concurso público, com fé pública, que confere autenticidade, publicidade e segurança jurídica aos atos da vida civil postos à registro.
Diante da crescente demanda relacionada ao Direito de Família ganha o Oficial Registrador um papel de destaque, já que se apresenta o RCPN como um mecanismo de desjudicialização visando desafogar judiciário e conferir maior celeridade sem, contudo, abrir mão da segurança jurídica dos atos relacionados a personalidade do indivíduo no que diz respeito ao registro e suas modificações possíveis.
6 DOS PRINCIPAIS EFEITOS DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA E DA MULTIPARENTALIDADE NO REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS
O reconhecimento da parentalidade socioafetiva e da multiparentalidade exige a demonstração de alguns requisitos fundamentais, como a presença de um vínculo afetivo sólido entre os pais e a criança, o exercício compartilhado da autoridade parental e a posse de estado de filho. Esses elementos, quando presentes, garantem que a relação familiar seja baseada no afeto e no bem-estar da criança, em conformidade com os princípios da dignidade humana e do melhor interesse da criança.
O CNJ[17] no provimento nº 16 de 2012, já se manifestou no sentido de ser possível o reconhecimento da parentalidade afetiva no RCPN, regulando o procedimento em todo o Brasil, sem que haja a necessidade de judicialização, nos casos em que ocorrerem indicações de supostos pais de pessoas que já se acharem registradas sem paternidade estabelecida, bem como sobre o reconhecimento espontâneo de filhos perante os oficiais registradores. Em seu artigo 6º dispõe que sem prejuízo das demais modalidades legalmente previstas, o reconhecimento espontâneo de filho poderá ser feito perante Oficial de Registro de Pessoas Naturais, a qualquer tempo, por escrito particular, que será arquivado em cartório.
Carlos Lasarte[18], citado por Christiano Cassettari em sua obra “Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva” afirma que todos os filhos possuem direito ao sobrenome dos pais, sejam provenientes do casamento ou fora dele, os filhos possuem os seguintes direitos a respeito de seus pais ou, quando apropriado, sobre o pai, cuja filiação foi determinada: sobrenome, assistência e alimentos; direitos sucessórios.
6.1Direitos de alteração do nome e o de inclusão dos sobrenomes dos novos pais e avós
Junto com a parentalidade e a socioafetividade surge também a possibilidade de alteração do nome, mesmo porque o Código Civil confere o direito ao nome, nele incluído prenome e sobrenome, como corolário da garantia de individualização da pessoa natural na sociedade. Mas é importante salientar a necessidade e importância que se faz de ser cancelado um dos registros obrigatoriamente, sempre levando em conta obviamente a situação fática familiar em que o indivíduo encontra-se inserido. Para que se mantenha a segurança jurídica das relações, a fim que não seja o sistema registral submetido à vulnerabilidades evitando assim, que ocorra falhas, pois a dupla identificação tornaria o organismo um caos.
Em decorrência da alteração do nome do adotado ou reconhecido afetivamente constarão em seus registros os nomes de seus avós paternos e maternos das pessoas que o fizerem independente de anuência dos mesmos. Vê-se contudo, diante de tais alterações que vincula-se toda a cadeia parental, há o nascimento de um vínculo afetivo que se estende aos avós e avôs, tias e tios, primos e primas, etc.
Cassettari[19] reconhece que a extensão da parentalidade que se forma entre pais e filhos socioafetivos irá alterar a árvore genealógica e dará ao filho novos ascendentes e colaterais. Dessa forma quando uma paternidade ou maternidade socioafetiva se constitui, estas pessoas estarão unidas pelos laços parentais, que dará ao filho não apenas um pai e/ou uma mãe, mas também, avós, bisavós, triavós (...). Já os pais receberão, por exemplo, netos, bisnetos, trinetos sociafetivos.
6.2 Da garantia dos direitos sucessórios
De fato, não há como não se obter direitos sucessórios, efeitos estes advindos de pais sejam eles biológicos ou afetivos ou de ambos, no caso da multiparentalidade. Deve, portanto, o legislador manter-se atento para as práticas ainda não reguladas pelo ordenamento jurídico, moral e eticamente condenáveis, mas que existem.
Admite-se possível a aplicação de todas as regras sucessórias na parentalidade socioafetiva, devendo os parentes socioafetivos ser equiparados aos biológicos no que concerne a tal direito. Porém, devemos ver com cautela o direito sucessório pleiteado post mortem, quando o autor nunca conviveu com o pai biológico em decorrência de ter sido criado por outro registral e dele já ter recebido a herança.
Chaves[20], em estudo sobre adoção publicado na revista dos tribunais destaca convenientemente que enquanto não houver legislação específica excluindo a possibilidade de o adotado ter direito sucessório em relação ao pai biológico, cabe admitir, como se admite no Brasil, que o adotado conservasse os seus direitos sucessórios em relação aos parentes naturais.
O Colendo STJ[21] admite a relação socioafetiva e tutela os efeitos que dela decorrem quando se procura invalidar o registro de nascimento realizado com erro (falsidade ideológica que caracteriza adoção à brasileira, por exemplo).
6.3 Dos deveres de guarda e alimentos dos filhos socioafetivos
O dever de guarda e alimentos é devido aos filhos independentemente do tipo de vínculo que exista, seja este biológico ou afetivo. O dever de guarda se coaduna com o dever de proteção, insurge as responsabilidades parentais imprescindíveis para a formação da personalidade do ser humano como pessoa/indivíduo. Essa transformação torna explícita a de cuidado, seja da criança ou adolescente.
Sendo o filho menor, biológico ou afetivo, o artigo 1634 do Código Civil impõe aos pais o dever de dirigir a criação e a educação, o que fundamenta a obrigação alimentar.
A jurisprudência brasileira tem se deparado com diversos casos em que pais biológicos se recusam a pagar pensão alimentícia para filhos com os quais possuem um forte vínculo socioafetivo, mas não biológico. É fundamental destacar que a obrigação de prestar alimentos é recíproca e se aplica tanto a pais biológicos quanto a aqueles que possuem um vínculo de paternidade ou maternidade socioafetiva.
Por esse motivo, o dever de prestar alimentos, havendo o binômio necessidade-possibilidade,é recíproco entre pais e filhos socioafetivos, da mesma forma como ocorre com a parentalidade biológica haja vista que essa regra deriva do art. 229 da Constituição Federal.
O professor César Fiuza[22], considera os alimentos como “tudo que for necessário para a manutenção de uma pessoa, aí incluídos os alimentos naturais, habitação, saúde, educação, vestuário e lazer” e a pensão alimentícia como sendo “soma em dinheiro para prover os alimentos”.
Alguns fatores devem ser considerados para a prestação de alimentos, como o vínculo entre as partes, a necessidade do alimentando e as possibilidades do cônjuge, companheiro ou parente observando o critério da razoabilidade.
O enunciado 341 do CJF[23] diz que para os fins do art. 1696, a relação socioafetiva pode ser elemento gerador de obrigação alimentar. Isso se dá porque a Carta Magna estabeleceu o direito de igualdade entre os filhos em seu artigo 227.
A proteção da pessoa dos filhos encontra-se normatizada no Código Civil, a partir do artigo 1583, que inicialmente estabelece que a guarda será unilateral ou compartilhada. Segundo o citado dispositivo, a guarda unilateral é aquela atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua e a guarda compartilhada é aquela em que há a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivem sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.[24]
Assim sendo, verifica-se que tanto o pai quanto a mãe socioafetivos terão direito à guarda do filho, pois não há preferência para o exercício da guarda, unilateral ou compartilhada de uma criança ou adolescente em decorrência da parentalidade ser biológica ou afetiva, pois o que deve ser atingido é o melhor interesse da criança.
6.4 Dos direitos previdenciários entre parentes socioafetivos.
O Direito Previdenciário não pode se distanciar da realidade já reconhecida pelo Direito Civil. Cumpridos os requisitos exigidos pelo INSS serão devidos todos os benefícios da Seguridade Social aos seus beneficiários quando solicitados.
A parentalidade socioafetiva poderá gerar direitos previdenciários, como a pensão por morte para o filho de criação, integral ou parcial, no caso de ter que ser dividida com os filhos biológicos. Isso porque os filhos socioafetivos menores de 21 anos ou inválidos, desde que não tenham se emancipado entre 16 e 18 anos de idade, terão direito a pensão por morte. Igual direito será conferido aos pais e irmãos socioafetivos, estes últimos não emancipados, menores de 21 anos ou inválidos, em nome do princípio da igualdade.[25]
7 CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, conclui-se que é importante prestigiar o afeto como centro do direito de família. As relações jurídicas devem se concretizar tendo como foco a efetividade do afeto. Mas não se trata de qualquer afeto e sim, o afeto qualificado pela responsabilidade. Esse é o grande vetor a nortear a atividade do intérprete e aplicador da normativa de Família. Trata-se de verdadeiro princípio especial aplicável a essa área do direito.
O afeto qualificado pela responsabilidade sedimenta relações que se estabelecem no plano dos fatos e deve receber a chancela dos operadores do Direito, em âmbito judicial e extrajudicial.
As uniões homoafetivas e adoções por casais homoafetivos, apesar de serem uma realidade, ainda recebem um olhar de reprovação tanto da sociedade como por parte de uma parcela de aplicadores da Lei, ainda que de maneira subliminar.
Acrescente-se que há necessidade de se quebrar a cultura do litígio judicial. Como operadores do Direito, seja em âmbito judicial ou na seara extrajudicial, há uma caminhada a ser percorrida para escrevermos uma nova estória, quebrarmos paradigmas e implementarmos a ideia que é muito melhor auxiliar as partes no alcance de um acordo. A implantação das ferramentas e métodos de composição amigável de conflitos é o novo imperativo que deve ser estimulado.
Neste contexto, insere-se o RCPN como um instrumento pleno de eficácia e intermediação dos conflitos no âmbito do direito de família, que traz celeridade e efeitos tanto na esfera pessoal como patrimonial do indivíduo. Ganha destaque como um meio de desopilação, descongestionamento do judiciário.
O incentivo a resolução das questões ainda em âmbito extrajudicial se faz extremamente necessário, reservando-se para a tramitação judicial os casos em que a prestação jurisdicional é imprescindível e deve ser prestada em tempo razoável, evitando a morosidade.
Este trabalho revela o novo panorama da realidade da sociedade brasileira. Enfoca uma abordagem da nova parentalidade, inclusive da multiparentalidade e dos novos arranjos familiares reafirmando a relação parental como um poder/dever, com destaque para as demandas e posicionamentos dos nossos Tribunais.
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[1] TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite. Manual de Direito das Famílias e das Sucessões. Belo Horizonte: Del Rey: Mandamentos, 2008, p.194 - 200.
[2] Lei no 10.406, de 10 de Janeiro de 2002.Código Civil Brasileiro.
[3] OTONI, Fernanda Aparecida Corrêa. A Filiação socioafetiva no direito brasileiro e a impossibilidade de sua desconstituição posterior. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/artigos. Acesso em: 18/10/2024.
[4] FARIAS, Cristiano, Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. Editora Juspodium, 16ª edição. vol.6. 2024. Págs 43-75.
[5] DIAS. Berenice. Manual de Direito das Famílias – Princípios do Direito de Família. 5ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo Revista dos Tribunais, 2011. p.61-63, 306.
[6] INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA - IBDFAM. Filiação jurídica-biológica e socioafetiva, 2009. Autor: Dimas Messias de Carvalho. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/artigos. Acesso em: 04/10/2024.
[7] REZENDE. Filiação jurídica-biológica e socioafetiva, 2005. Disponível em: < http://www.ibdfam.org.br/artigos/195/Pai+biol%C3%B3gico+ou+afetivo%3F+Eis+a+quest%C3%A3o>. Acesso em: 16 out 2024.
[8] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htlm> acesso em: 01/10/2024.
[9] Op. cit. 03. Lei no 10.406, de 10 de Janeiro de 2002.Código Civil Brasileiro.
[10] Op. cit. 04. OTONI, Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/artigos. Acesso em: 18/10/2024.
[11] PONTES, Anna Lúcia Wanderley. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. THEMIS – Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará, Ceará, v.7, n.1, jan/jul 2009, p. 134-135; 139-140.
[12] BARBOZA, Heloisa Helena. O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. In: A família na travessia do milênio. IBDFAM: OAB-MG: Del Rey, 2000. p. 201-213.
[13] PONTES, Anna Lúcia Wanderley. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. THEMIS – Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará, Ceará, v.7, n.1, jan/jul 2009, p. 134-135; 139-140.
[14] MALUF, A. C. R. F. D. Direito das famílias: amor e bioética. Rio de Janeiro: 2ª edição Ed. Almedina, 2022.
[15] CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: Efeitos Jurídicos. Editora Atlas, 3ª Ed. 2017. Págs 10-13.
[16] LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: Teoria e Prática. Editora Juspodium, 2023, págs.129-220.
[17] CNJ provimento nº 16 de 17 de Fevereiro de 2012.
[18] Lasarte apud Cassettari em sua obra Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva, págs 53, 54.
[19] Cassettari op cit 07
[20] Op cit 03 FARIAS; ROSENVALD, Págs 43-75
[21] STJ. Precedente citado : REsp 833.712-RS , DJ 4/6/2007. REsp 1.088.157-PB, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 23/6/2009.
[22] FIUZA, César.22. Págs 122.
[23] Enunciado 341 do CJF.
[24] Op cit 07. Filiação jurídica-biológica e socioafetiva, 2009. Autor: Dimas Messias de Carvalho. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/artigos. Acesso em: 04/10/2024.
[25] BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil.. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 15 de out. 2024.
Discente do Mestrado em Direito Internacional da Universidade Autônoma de Assunção.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REIS, DJANNE LOPES REGO. Os principais efeitos no registro civil de pessoas naturais advindos do fenômeno da multiparentalidade e da parentalidade socioafetiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 out 2024, 04:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/66866/os-principais-efeitos-no-registro-civil-de-pessoas-naturais-advindos-do-fenmeno-da-multiparentalidade-e-da-parentalidade-socioafetiva. Acesso em: 26 dez 2024.
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