O tema de proteção à mulher e violência de gênero, especialmente no âmbito penal, tem sido objeto de reiteradas modificações e inovações legislativas a cada ano no Brasil.
Nesse contexto e seguindo esse padrão, em 2024 foi inaugurada a Lei 14.994/24, conhecida como “Pacote Antifeminicídio”, que trouxe novidades e alterações significativas, com repercussões diretas na aplicação do direito penal e do direito processual penal, em suma tendo trazido maior rigor e endurecimento de penas.
Criação do Tipo Penal Autônomo para o Feminicídio
Antes da promulgação da Lei 14.994/24, o feminicídio era previsto no Código Penal como uma qualificadora do crime de homicídio. A nova lei tratou de criar um tipo penal específico para o feminicídio, conferindo-lhe mais visibilidade - ao menos em termos de codificação. Com essa mudança, o feminicídio ganhou tipo penal próprio e autônomo no art. 121-A, do Código Penal, como se vê a seguir:
“Art. 121-A. Matar mulher por razões da condição do sexo feminino: (Incluído pela Lei 14.994/24)
Pena – reclusão, de 20 a 40 anos.
§ 1º Considera-se que há razões da condição do sexo feminino quando o crime envolve:
I – violência doméstica e familiar;
II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
§ 2º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 até a metade se o crime é praticado:
I – durante a gestação, nos 3 meses posteriores ao parto ou se a vítima é a mãe ou a responsável por criança, adolescente ou pessoa com deficiência de qualquer idade;
II – contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental;
III – na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima;
IV – em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340/06.
V – nas circunstâncias previstas nos incisos III, IV e VIII do § 2º do art. 121 deste Código. Coautoria § 3º Comunicam-se ao coautor ou partícipe as circunstâncias pessoais elementares do crime previstas no § 1º deste artigo.”
Ampliação do Conceito de Violência de Gênero em Tipos Penais
Além disso, seguindo a lógica da ampliação do conceito de violência de gênero para além do contexto doméstico e familiar, de maneira a abranger tanto “violência doméstica e familiar” quanto “menosprezo ou discriminação à condição de mulher” (ambas espécies do gênero “razões da condição do sexo feminino”), a Lei 14.994/24 previu em outros tipos penais o cometimento da conduta por “razões da condição do sexo feminino” - conceito mais abrangente do que violência no âmbito das relações domésticas e familiares.
Vale lembrar que “razões de condição do sexo feminino” não alberga somente a “violência doméstica e familiar”, mas também as práticas por “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”, ou seja, delitos que sejam motivados por desprezo, ódio ou discriminação à condição de mulher, mesmo sem qualquer vínculo afetivo, familiar ou doméstico entre agressor e vítima e fora do contexto doméstico e familiar.
Nesse trilhar, os delitos de ameaça e de injúria e a contravenção penal de vias de fato, com o advento da Lei 14.994/24 passaram a ser punidos mais severamente se cometidos pela concepção mais ampla, “razões da condição do sexo feminino”.
Veja-se das novas redações:
“Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º Se o crime é cometido contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A deste Código, aplica-se a pena em dobro. (Incluído pela Lei 14.994/24)
§ 2º Somente se procede mediante representação, exceto na hipótese prevista no § 1º deste artigo. (Incluído pela Lei 14.994/24)”
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
(...)
§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência: (Redação dada pela Lei nº 14.532, de 2023)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 14.532, de 2023)
Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
I - contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro;
II - contra funcionário público, em razão de suas funções, ou contra os Presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal; (Redação dada pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)
III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.
IV - contra criança, adolescente, pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou pessoa com deficiência, exceto na hipótese prevista no § 3º do art. 140 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 14.344, de 2022) Vigência
§ 1º - Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 2º Se o crime é cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 3º Se o crime é cometido contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A deste Código, aplica-se a pena em dobro. (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)”
“Art. 21 da LCP. Praticar vias de fato contra alguém:
Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de cem mil réis a um conto de réis, se o fato não constitui crime.
§ 1º Aumenta-se a pena de 1/3 até a metade se a vítima é maior de 60 anos.
§ 2º Se a contravenção é praticada contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A do CP, aplica-se a pena em triplo. (Incluído pela Lei 14.994/24)”.
Elevação de Penas
A nova lei também endureceu as penas para crimes e contravenções praticados contra mulheres em contexto de violência de gênero, como nos delitos de ameaça e de lesão corporal e na contravenção penal de vias de fato.
No crime de ameaça a pena foi duplicada quando cometido contra mulher por razões de gênero (art. 147, §1º, do Código Penal).
No delito de lesão corporal, foram equiparadas as penas para os casos de violência doméstica e de discriminação contra a mulher, estando agora fixadas no intervalo de 2 a 5 anos de reclusão (art. 129, §13, do CP).
Na contravenção penal de vias de fato, por sua vez, a pena foi triplicada quando motivada por menosprezo ou discriminação contra a condição de mulher (art. 21, §2º, do Decreto-lei n.º 3.688).
Alterações no Tipo de Ação Penal
Outro ponto relevante da Lei 14.994/24 consiste em modificação de espécie de ação penal para determinados crimes.
O crime de ameaça cometido contra mulher em contexto de violência de gênero passou a ser de ação penal pública incondicionada, não necessitando mais de representação da vítima como condição de procedibilidade para a ação penal.
Efeitos Extrapenais da Condenação
A novel legislação também incluiu consequências extrapenais para os condenados por crimes de violência contra a mulher, tendo trazido a “incapacidade para o exercício do poder familiar, da tutela ou da curatela nos crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar, contra filho, filha ou outro descendente, tutelado ou curatelado, bem como nos crimes cometidos contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A deste Código” (art. 92, II, do CP) e a vedação à “nomeação, designação ou diplomação em qualquer cargo, função pública ou mandato eletivo entre o trânsito em julgado da condenação até o efetivo cumprimento da pena;” (art. 92, §2º, II, do CP).
Conclusão
Estar a atualizado(a) com as reiteradas inovações legislativas penais no tema de violência de gênero é de suma importância e utilidade prática para a defesa no processo penal – seja como causídico do réu, seja como representante da vítima na assistência de acusação / assistência qualificada – e para todos os demais operadores de direito que atuam na seara.
Nesse sentido, a Lei 14.994/2024 trouxe implicações consideráveis e que recrudesceram o tratamento jurídico conferido à matéria, com modificações que vão desde o estabelecimento de tipo penal próprio para o delito de feminicídio (novel art. 121-A, do CP) – o que lhe conferiu o título de “Pacote Antifeminicídio” - até à elevação de penas em infrações penais e à dispensa de representação no crime de ameaça quando cometido contra a mulher em contexto de violência de gênero.
Bacharel em Direito, servidora pública e assessora jurídica.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MANFRIN, NARA LÍVIA. Inovações e alterações da Lei n.º 14.994/24 (“lei antifeminicídio”) no processo penal relacionado ao tema de violência de gênero Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 fev 2025, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/67808/inovaes-e-alteraes-da-lei-n-14-994-24-lei-antifeminicdio-no-processo-penal-relacionado-ao-tema-de-violncia-de-gnero. Acesso em: 19 fev 2025.
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