EDUARDO ALVIM PASSARELLA FREIRE[1]
(coautor)
RESUMO: Com o surgimento de novas tecnologias, como a internet, dispositivos móveis, inteligência artificial e redes sociais, surgem também novos desafios e oportunidades para o sistema jurídico. Nesse contexto, o presente estudo tem como objetivo investigar a relação existente entre o Direito Penal e as novas tecnologias, a fim de compreender de que forma a evolução tecnológica tem impactado esse âmbito do Direito, a prática jurídica e os direitos fundamentais dos indivíduos, diante do surgimento dos delitos digitais, envolvendo atividades ilícitas através do uso de computadores ou tecnologia da Internet. Para a realização deste estudo, foi utilizada uma metodologia qualitativa, com pesquisa bibliográfica, abrangendo artigos, dissertações, livros, além de literatura disponível na Internet, bem como a legislação pertinente ao tema abordado. A partir da pesquisa realizada foi possível concluir que, apesar do esforço para se adequar às mudanças constantes advindas da tecnologia, existe a necessidade de maiores adaptações e mudanças no Direito Penal, a fim de promover uma legislação que equilibre proteção social e direitos fundamentais, visando justiça e segurança em um mundo cada vez mais digital.
Palavras-chave: Direito Penal. Tecnologia digital. Crime cibernético. Direito Processual Penal.
ABSTRACT: With the emergence of new technologies such as the internet, mobile devices, artificial intelligence and social networks, there are also new challenges and opportunities for the legal system. In this context, this study aims to investigate the relationship between criminal law and new technologies, in order to understand how technological evolution has impacted this area of law, legal practice and the fundamental rights of individuals, given the emergence of digital crimes, involving illegal activities through the use of computers or Internet technology. In order to carry out this study, a qualitative methodology was used, with bibliographic research, covering articles, dissertations, books, as well as literature available on the Internet, as well as legislation pertinent to the subject. Based on the research carried out, it was possible to conclude that, despite the effort to adapt to the constant changes brought about by technology, there is a need for greater adaptations and changes in Criminal Law, in order to promote legislation that balances social protection and fundamental rights, aiming for justice and security in an increasingly digital world.
Keywords: Criminal law. Digital technology. Cybercrime. Criminal procedural law.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2.A EVOLUÇÃO DAS TECNOLOGIAS E DOS CRIMES DIGITAIS. 2.1 Tipos de crimes cibernéticos . 2.2 Crimes cibernéticos no Brasil. 3. O DIREITO PENAL BRASILEIRO E OS CRIMES DIGITAIS. 3.1 Competência penal nos crimes cibernéticos. 3.2 Meios de prova e crimes digitais. 3.3 Necessidade de modernização do Direito Penal. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
A constante evolução das tecnologias tem provocado importante questionamento sobre a adequação ordenamento jurídico vigente, o qual frequentemente não consegue acompanhar a velocidade das inovações. No cenário brasileiro, assim como em diversos países, a legislação ainda apresenta muitas lacunas no que diz respeito à regulamentação de delitos digitais, como fraudes eletrônicas e ciberataques. Diante do aumento crescente das ocorrências de crimes virtuais, a ausência de uma regulamentação específica e atualizada se torna ainda mais preocupante, demonstrando a urgência de uma resposta legal que se adapte a esses novos desafios.
Muitos são os desafios enfrentados pelo Código Penal brasileiro à medida que a tecnologia e, por conseguinte, os crimes cibernéticos evoluem. De acordo com Meneses (2019, p. 7), os crimes virtuais resultam do uso de sistemas computacionais e constituem “episódios em que as pessoas se aproveitam dessas ferramentas para fazer atos que trazem danos a bens jurídicos de terceiros”. Dessa forma, a criminalidade digital está associada a uma alta frequência de ações ilegais que prejudicam ou geram benefícios indevidos em detrimento de outras pessoas.
O presente trabalho tem como objetivo geral investigar a relação existente entre o Direito Penal e as novas tecnologias, a fim de compreender de que forma a evolução tecnológica tem impactado esse ramo do Direito, a prática jurídica e os direitos fundamentais dos indivíduos. Para alcançar tal objetivo, foram estabelecidos objetivos específicos, a saber: identificar os principais crimes cibernéticos; avaliar as lacunas na legislação penal brasileira quanto à regulamentação de crimes digitais; enfatizar a necessidade da atualização legislativa a partir de propostas para a modernização do Direito Penal.
A hipótese que irá nortear pesquisa é a de que a inadequação das leis penais em face das novas tecnologias contribui para a impunidade e o aumento de crimes cibernéticos, tendo em vista que lacunas legislativas dificultam a tipificação e o devido processo penal em casos que envolvem atos ilícitos digitais.
A escolha do tema justifica-se pelo fato de que, nos últimos anos, observou-se um aumento significativo na prática de crimes cibernéticos, como fraudes eletrônicas e violação de dados pessoais, os quais não se enquadram na legislação existente, dificultando a punição dos infratores, bem como a proteção dos bens jurídicos fundamentais, como a privacidade e a segurança dos cidadãos. No entanto, tendo em vista que os crimes cibernéticos têm um impacto profundo na sociedade, causando vítimas de forma constante, é fundamental que tais criminosos sejam punidos adequadamente.
A metodologia utilizada foi de abordagem qualitativa, embasada na pesquisa bibliográfica, abrangendo artigos, dissertações, livros, além de literatura disponível na Internet, e a legislação pertinente ao tema abordado.
Diante do exposto, a presente monografia se propõe trazer novas contribuições para o debate acadêmico e profissional acerca da modernização do Direito Penal, ressaltando a relevância de uma legislação mais sólida que leve em conta as complexas interações entre a tecnologia e os crimes atuais. Além de apresentar uma análise crítica da realidade, o trabalho visa contribuir para a proposição de mudanças a fim de aprimorar a eficácia do sistema penal na era digital.
2.A EVOLUÇÃO DAS TECNOLOGIAS E DOS CRIMES DIGITAIS
Um dos maiores desafios que o direito penal enfrenta reside na necessidade de se adequar à rápida evolução tecnológica. Os avanços nesta área ocorrem em um ritmo acelerado, dificultando a tarefa das autoridades judiciais e dos profissionais do direito em acompanhar e compreender as nuances dos crimes digitais.
A criação dos computadores e da Internet destacam-se como algumas das principais tecnologias de informação criadas nos últimos tempos. Com o surgimento dos computadores a partir da década de 1970, também veio a necessidade de conexão para envio e recebimento de dados, o que levou ao desenvolvimento da Internet. Apesar de ter sido desenvolvida pelos Estados Unidos com um objetivo militar, durante a Guerra Fria, com o passar do tempo, a Internet ganhou espaço nas mais variadas relações humanas. Nos anos recentes, observa-se uma significativa transformação nos padrões de comunicação, trabalho e lazer das pessoas, resultante do aumento significativo no acesso às redes sociais, decorrente da redução de custos dessas plataformas de interação, reduzindo as distâncias e permitindo a troca de informações instantâneas entre indivíduos nas mais diversas localidades (SOUZA; MARQUES, 2023).
Conforme dispõe Robert Spadinger (2012, p. 65):
A Internet é onipresente, seja na vida individual, como entretenimento ou forma de comunicação, seja nas corporações ou até nos serviços públicos governamentais. Nos próximos anos, se assistirá à continuada escala da Internet e de todos os serviços conjugados em todos os setores. O mundo se transforma a cada dia mais em uma grande Rede, cada vez maior, mas conectada, disponível em qualquer lugar e em qualquer aparelho com o qual se realiza uma infinidade de atividades pessoais e profissionais.
No entanto, apesar de a conexão com a Rede ocorrer principalmente em casa e no trabalho, nas ruas, parques, praças e, também, aeroportos, é possível o acesso à Internet por meio das redes sem cabos de Wi-Fi, o que aumenta a vulnerabilidade no que diz respeito à interceptação de dados, senhas e outras informações privativas do usuário. Diante disso, os surgimentos dessas tecnologias têm interferido de forma significativa no cotidiano, onde várias condutas praticadas através dessas inovações tornam necessária a tutela do Direito, em especial no âmbito Penal (SOUZA; MARQUES, 2023).
Dentro dessa perspectiva, o direito penal enfrenta o desafio de assegurar que a aplicação das leis ocorra de maneira justa e proporcional. Os delitos digitais apresentam uma ampla gama de gravidade, sendo imprescindível que as penas impostas reflitam a natureza do crime praticado. Tal tarefa requer uma compreensão aprofundada dos diversos tipos de crimes digitais e suas implicações (MORAIS, 2022).
Não obstante, apesar da necessidade de acompanhar as transformações digitais, até o ano de 2012, no Brasil, não existia qualquer respaldo legal relacionado à internet, que responsabilizasse os crimes cometidos na rede com base nas consequências de suas ações. Diante desse fato, estudiosos alegavam que a utilização da interpretação seria capaz de solucionar a problemática da aplicabilidade dos preceitos vigentes diante das novas práticas surgidas com o advento das tecnologias modernas, como, por exemplo, o furto eletrônico, o estelionato virtual e o dano informático. Isso se daria por meio da aplicação conjunta dos tipos penais previstos no Código Penal (SANTOS; BOTELHO, 2023).
Assim, frente aos debates quanto à aplicabilidade das disposições penais que se encontram nas novas práticas ilícitas no contexto da internet ou nas novas tecnologias de informação e comunicação, em 2014, foi sancionada a Lei nº 12.965, conhecida como o Marco Civil da Internet, para definir de forma clara os direitos e deveres relacionados à utilização dos meios digitais. No entanto, o Marco Civil da Internet não estabelece sanções penais e, sim, orientações acerca das condutas praticadas no âmbito digital.
Em seu artigo 3º, a lei define os fundamentos para a proteção da privacidade e dos dados pessoais, garantindo os direitos e as proteções do usuário da internet. Adicionalmente, o artigo 7º assegura a inacessibilidade dos fluxos de comunicação, bem como a inviolabilidade e a confidencialidade das comunicações privadas armazenadas, salvo por determinação judicial. Além disso, o artigo 10, parágrafo 1º, que aborda a proteção de registros, dados pessoais e comunicações privadas, prevê a possibilidade de requisição de dados privados mediante ordem judicial, sempre em conformidade com os direitos dos usuários (BRASIL, 2014).
Nesse contexto, levando em consideração novos desafios e preocupações em relação à privacidade dos dados pessoais advindos do avanço tecnológico e das transformações digitais, foi criada a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), Lei 13.709, de 14 de agosto de 2018, que tem como objetivo proteger os dados pessoais dos cidadãos e regulamentar o tratamento desses dados por empresas públicas e privadas.
A LGPD e o Marco Civil da Internet, embora sejam legislações distintas, possuem pontos em comum, e ambas visam harmonizar a proteção dos direitos individuais com a liberdade de expressão e as inovações tecnológicas. Contudo, a grande variedade de ferramentas e técnicas para cometer crimes ainda representa um desafio para o Direito Penal, o que aponta para a necessidade de adaptação a de garantir a responsabilização dos criminosos.
2.1 Tipos de crimes cibernéticos
De acordo com a definição apresentada por Jesus e Milagre (2016, p. 48), o crime cibernético é caracterizado como "um fenômeno inerente às transformações tecnológicas" que a sociedade vivencia, resultando em impactos diretos no campo do Direito Penal. Segundo os autores, o crime cibernético ocorre através de meios eletrônicos, englobando ações como a invasão de redes ou a extração de dados de dispositivos eletrônicos sem o consentimento ou autorização da vítima.
Para Greco Filho (2000), tais ações ilegais ocasionam consideráveis prejuízos econômicos, uma vez que podem ser realizadas sem a presença física do executor no local em que o dano se efetiva. Além disso, é difícil constatar os danos causados, uma vez que seria necessário comprovar a intencionalidade.
Kunrath (2014) classifica os crimes cibernéticos em quatro categorias principais:
a) Crime contra indivíduos:
Cometidos contra pessoas físicas incluem crimes como transmissão de pornografia infantil, assédio a qualquer pessoa com o uso de um computador, como e-mail, difamação cibernética, hacking, exposição indecente, spoofing de e-mail, crime de IRC (Internet Relay Chat), extorsão de rede, código malicioso, tráfico, distribuição, publicação, phishing, fraude de cartão de crédito e disseminação de material obsceno, incluindo pirataria de software.
b) Crime contra propriedade: incluem vandalismo digital (destruição de bens alheios), delitos relacionados à propriedade intelectual, ameaças, entre outros, comumente observados em instituições financeiras ou com a finalidade de cometer delitos financeiros (KUNRATH, 2014).
c) Crime contra organização: o terrorismo cibernético é um tipo discreto de crime desse tipo, e se transforma em terrorismo quando um ser humano “penetra” em um site do governo ou mantido por militares (KUNRATH, 2014)
d) Crime contra a sociedade: incluem-se nesta categoria falsificação, terrorismo cibernético, pornografia infantil, crimes financeiros, venda de artigos ilegais, extorsão na rede, contrabando cibernético, manipulação de dados, entre outros (KUNRATH, 2014).
Além disso, os crimes cibernéticos praticados podem ser classificados como crimes próprios e impróprios. De acordo com Almeida et al. (2015, p. 224), “Os crimes virtuais próprios são aqueles em que o sujeito ativo utiliza o sistema informático do sujeito passivo, no qual o computador como sistema tecnológico é usado como objeto e meio para execução do crime”. Já os crimes cibernéticos impróprios, são os “que atingem o bem comum sendo o meio virtual apenas uma das formas de execução do crime, podendo ser praticado por outros meios” (SALUSTIANO, 2021, p. 10).
A respeito da evolução dos crimes cibernéticos, Bertholdi (2020) destaca que a trajetória dos cibercrimes constitui uma narrativa significativa de sua progressão e importância no contexto global, evidenciando um ambiente propício que a Internet oferece para atividades criminosas. É perceptível que as fronteiras nacionais não se configuram como barreiras para hackers e cibercriminosos, os quais se aproveitam da alta fragilidade das vias virtuais e da diversidade de normas e legislações locais, frequentemente desprovidas de aplicação no cenário internacional.
2.2 Crimes cibernéticos no Brasil
Uma investigação realizada pela Check Point Research revela que o total de incidentes cibernéticos durante o primeiro trimestre de 2024 apresentou um acréscimo de 28% em comparação ao último trimestre de 2023. Os dados também demonstram um aumento de 5% quando se analisa o mesmo intervalo do ano anterior. No Brasil, a elevação foi ainda mais significativa, alcançando 38% (DI LORENZO, 2024).
Ademais, segundo a mesma pesquisa, uma entidade brasileira enfrenta, em média, 1.770 incidentes semanais. As informações referem-se ao período dos últimos seis meses, abrangendo de outubro de 2023 a março de 2024. Em um contexto global, a média de ataques é de 1.155 (DI LORENZO, 2024).
Entre as empresas brasileiras atacadas virtualmente durante esse período, destacam-se: o Instituto nacional do Câncer, o Governo Federal Brasileiro, o Banco do Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, a Secretaria da Saúde de São Paulo e o Ministério da Educação (BOX TECNOLOGIA, 2024)
Outro estudo, realizado pela empresa de segurança cibernética EST, apontou que o Brasil foi o 4º país na América Latina com mais ameaças digitais detectadas no primeiro semestre de 2024, com o total de 201 mil ameaças (ARAÚJO, 2024).
Por outro lado, de acordo com uma pesquisa do DataSenado, publicada em outubro de 2024, nos últimos 12 meses, 24% dos brasileiros maiores de 16 anos foram alvo de golpes digitais. Isso representa mais de 40,85 milhões de indivíduos que sofreram perdas financeiras devido a crimes cibernéticos, como clonagem de cartões, fraudes na internet ou invasão de contas bancárias (AGÊNCIA SENADO, 2024).
Ainda, um levantamento produzido pela Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP), identificou que número de crimes digitais praticados durante o ano de 2024, no Brasil, cresceu 45% em relação ao ano anterior, somando cerca de 5 milhões de fraudes praticadas. Segundo a associação, as modalidades mais praticadas foram as de golpes bancários, phishing e golpes sociais, nos quais a vítima é convencida a tomar alguma atitude que lhe causa prejuízo financeiro (PUPULIM, 2025).
O presidente da ADPP, Francisco Gomes Júnior, enfatizou que as fraudes foram aprimoradas por meio da utilização da inteligência artificial, a qual é capaz de replicar com precisão a voz e até mesmo a imagem de indivíduos, tornando qualquer solicitação mais convincente para quem o recebe (PUPULIM, 2025).
Face aos exemplos citados, fica claro o aumento progressivo desses crimes em todos os níveis cibernéticos. Tais crimes, cometidos virtualmente, independentemente da posição geográfica, dificulta a punição dos infratores. Sendo assim, na próxima seção será abordado como o Direito Penal brasileiro tem lidado com os desafios no enfrentamento dos crimes digitais.
3. O DIREITO PENAL BRASILEIRO E OS CRIMES DIGITAIS
O Código Penal Brasileiro é uma legislação formada por um conjunto organizado de normas de natureza repressiva, sendo uma ciência jurídica que sofre bastante influência da sociedade, por ser o principal ramo capaz de retirar um direito fundamental do indivíduo, que é o direito à liberdade (SOUZA; MARQUES, 2023).
O direito penal está continuamente atento e se esforçando para assegurar a Constituição Federal de 1988, regulamentando as infrações e buscando garantir os direitos dos cidadãos.
No Brasil, os crimes virtuais são reprimidos pelo Código Penal; as normas aplicadas são as mesmas do mundo real, mas que ocorrem no ambiente virtual. Isso não reflete o modelo atual da criminalidade, o que representa um grande desafio para a adaptação dos crimes cibernéticos no direito penal brasileiro (SOUZA; MARQUES, 2023).
Segundo Queiroz (2021), “O Direito é a única forma de controle que pode conter o avanço da criminalidade no mundo virtual, de todos os sistemas de controle social, também é o único que exerce coercitividade, sancionando e punindo as condutas havidas por ilícitas”.
O Código Penal é regido pela lei nº 2.848 de 1940, o que demonstra nitidamente o atraso das leis penais no Brasil para combater os crimes virtuais. Por esse motivo, surge a necessidade de leis especiais para combater o avanço dos crimes tecnológicos. Bomfati e Kolbe Júnior (2020, p.66) ressaltam que: “Em termos de crimes virtuais, ainda se caminha para uma legislação específica, na qual há vários conceitos a serem entendidos...”.
Atualmente, o Código Penal (CP) não possui nenhum artigo que classifique o indivíduo que comete uma infração utilizando um computador. Normalmente, esses criminosos são punidos com base em outros artigos, como estelionato (art. 171 do CP), extorsão (art. 158 do CP), furto (art. 155 do CP), crime de ameaça (art. 147 do CP), entre outros.
Contudo, o ordenamento jurídico brasileiro conta com duas leis principais que regulam os crimes virtuais. A mais antiga é a lei ordinária 12.735/2012, e a outra é a lei 12.737/2012, popularmente chamada de “Lei Carolina Dieckman”, que foi elaborada após o vazamento de fotos pessoais da atriz em seu computador particular.
No que se refere a lei nº 12.737/2012 (Lei dos Crimes Cibernéticos), ou, também conhecida como a Lei “Caroline Dickmann”, ela promoveu mudanças significativas no Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal). Essa legislação formalizou e tipificou comportamentos delituosos relacionados ao ambiente digital, criando assim os chamados “crimes cibernéticos”.
Conhecida como Lei Carolina Dieckmann, a Lei nº 12.737/2012 representou uma imensa inovação na legislação brasileira, ao tipificar o crime de invasão de dispositivo informático, previsto no artigo 154-A do Código Penal. O núcleo central do delito é “invadir”; o instrumento para efetivação é “dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores”; e o objetivo é “obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita” (BRASIL, 2012).
O segundo artigo da referida lei realizou modificações na seção IV do Código Penal brasileiro, que aborda os crimes contra a inviolabilidade dos segredos, uma vez que foram incluídos no compêndio penal os artigos 154-A e 154-B, os quais buscam proteger de quaisquer violações os dispositivos informáticos.
Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
§ 1º Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput.
§ 2º Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico.
§3º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido: Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.
§ 4º Na hipótese do § 3o, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos.
§ 5ºAumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for praticado contra:
I - Presidente da República, governadores e prefeitos;
II - Presidente do Supremo Tribunal Federal;
III - Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembleia Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara Municipal; ou
IV - dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal.
Art. 154-B. Nos crimes definidos no art. 154-A, somente se procede mediante representação, salvo se o crime é cometido contra a administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas concessionárias de serviços públicos. (Brasil, 2012).
Nessa perspectiva, o artigo 154-B estabelece que as práticas criminosas previstas no dispositivo 154-A só se procederão por intermédio de representação do ofendido. No entanto, em casos de crimes contra a administração pública direta ou indireta da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, ou, ainda, contra empresas concessionárias de serviços públicos, a ação penal será de natureza pública incondicionada (ALMEIDA et al. 2015).
Nos últimos anos, a lei nº 14.155, de 27 de maio de 2021, também ganhou destaque no cenário legislativo nacional:
A Lei nº 14.155, a mais recente no ordenamento jurídico brasileiro, de 27 de maio de 2021, também fez alterações no Código Penal ao tornar mais graves os crimes de violação de dispositivo informático, furto e estelionato cometidos de forma eletrônica ou pela internet; alterou, ainda, o Código de Processo Penal para definir a competência em modalidades de estelionato (Brasil, 2021).
A Lei nº 14.155/2021 ampliou as penas cominadas pela Lei Carolina Dieckmann (Lei nº 12.737/2012); penas relativas ao crime de invasão de dispositivo informático, previsto no artigo 154-A do Código Penal. A pena que era de detenção de três meses a um ano e multa agora é de reclusão de um a quatro anos e multa; o aumento previsto no §2º (de um sexto a um terço) agora é de um terço a dois terços; e a pena prevista no §3º (reclusão de seis meses a 2 anos e multa) conservou a multa e aumentou a reclusão para dois a cinco anos. Mudanças foram implementadas também nos artigos 155 (furto) e 171 (estelionato) do Código Penal e no artigo 70 do Código de Processo Penal (para definir a competência em modalidades de estelionato) (BRASIL, 2021).
Apesar da existência dessas inovações, ainda existem diversas lacunas que precisam ser preenchidas no que se refere aos crimes digitais, entre elas, as que tratam da competência penal nos crimes cibernéticos e dos meios de prova utilizados para identificação do autor e da prática do ato ilícito.
3.1 Competência penal nos crimes cibernéticos
Em regra, a competência será da Justiça Comum Estadual, sendo excepcionalmente competência da Justiça Federal, nos casos descritos no artigo 109, incisos IV e V, da Constituição Federal.
A competência da Justiça Federal pode ser atribuída quando forem inseridos dados falsos em um sistema de informação de uma autarquia federal, configurando o crime previsto no art. 313-A do Código Penal. Além disso, de acordo com inciso V, do artigo 109, da Constituição Federal, serão de competência da Justiça Federal “os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente” (BRASIL, 1988).
Assim, somente o fato de o crime ter sido cometido pela Rede Mundial de Computadores não determina a competência Federal. Como exemplos, podemos citar os crimes de tráfico internacional de drogas, tráfico de armas, exploração sexual de pessoas, envio ilegal de crianças ou adolescentes para fora do país e racismo, que são considerados como de competência da Justiça Federal, uma vez que estão previstos em tratados internacionais e legislações nacionais. No que se refere ao crime de racismo, em particular, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que a competência territorial será definida com base no local onde ocorreram as ofensas consideradas racistas, conforme pode-se verificar no exemplo a seguir:
PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE RACISMO PRATICADO POR INTERMÉDIO DE MENSAGENS TROCADAS EM REDE SOCIAL DA INTERNET. USUÁRIOS DOMICILIADOS EM LOCALIDADES DISTINTAS. INVESTIGAÇÃO DESMEMBRADA. CONEXÃO INSTRUMENTAL. EXISTÊNCIA. COMPETÊNCIA FIRMADA PELA PREVENÇÃO EM FAVOR DO JUÍZO ONDE AS INVESTIGAÇÕES TIVERAM INÍCIO.
1. A competência para processar e julgar o crime de racismo praticado na rede mundial de computadores estabelece-se pelo local de onde partiram as manifestações tidas por racistas. Precedente da Terceira Seção.
2. No caso, o procedimento criminal (quebra de sigilo telemático) teve início na Seção Judiciária de São Paulo e culminou na identificação de alguns usuários que, embora domiciliados em localidades distintas, trocavam mensagens em comunidades virtuais específicas, supostamente racistas. O feito foi desmembrado em outros treze procedimentos, distribuídos a outras seções judiciárias, sob o fundamento de que cada manifestação constituía crime autônomo.
3. Não obstante cada mensagem em si configure crime único, há conexão probatória entre as condutas sob apuração, pois a circunstância em que os crimes foram praticados - troca de mensagens em comunidade virtual - implica o estabelecimento de uma relação de confiança, mesmo que precária, cujo viés pode facilitar a identificação da autoria.
4. Caracterizada a conexão instrumental, firma-se a competência pela prevenção, no caso, em favor do Juízo Federal de São Paulo - SJ/SP, onde as investigações tiveram início. Cabendo a este comunicar o resultado do julgamento aos demais juízes federais para onde os feitos desmembrados foram remetidos, a fim de que restituam os autos, ressalvada a existência de eventual sentença proferida (art. 82 do CPP).
5. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 9ª Vara Criminal da Seção Judiciária de São Paulo, o suscitante. (BRASIL, 2013).
Nos crimes que atentam contra a honra por meio das redes sociais, a situação é distinta, uma vez que a competência recai sobre a Justiça Estadual, definida pelo local de residência do réu. Os crimes de calúnia, injúria ou difamação, mesmo quando cometidos em plataformas de acesso internacional e ultrapassando fronteiras, geralmente ficam sob a alçada do ente federativo, já que não costumam atender aos critérios necessários para estabelecer a competência Federal. O caso abaixo ilustra essa situação:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE INJÚRIA PRATICADO POR MEIO DA INTERNET, NAS REDES SOCIAIS DENOMINADAS ORKUT E TWITTER. AUSÊNCIA DAS HIPÓTESES DO ART. 109, INCISOS IV E V, DA CF. OFENSAS DE CARÁTER EXCLUSIVAMENTE PESSOAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1 - O simples fato de o suposto delito ter sido cometido por meio da rede mundial de computadores, ainda que em páginas eletrônicas internacionais, tais como as redes sociais "Orkut" e "Twitter", não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal.
2 - É preciso que o crime ofenda a bens, serviços ou interesses da União ou esteja previsto em tratado ou convenção internacional em que o Brasil se comprometeu a combater, como por exemplo, mensagens que veiculassem pornografia infantil, racismo, xenofobia, dentre outros, conforme preceitua o art. 109, incisos IV e V, da Constituição Federal.
3 - Verificando-se que as ofensas possuem caráter exclusivamente pessoal, as quais foram praticadas pela ex-namorada da vítima, não se subsumindo, portanto, a ação delituosa a nenhuma das hipóteses do dispositivo constitucional, a competência para processar e julgar o feito será da Justiça Estadual.
4 - Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito do Juizado Especial Cível e Criminal de São Cristóvão/SE, o suscitado. (BRASIL, 2013).
No caso de furto mediante fraude, realizado por meio do sistema informático, a competência será Federal, nos termos do julgado a seguir:
EMENDA: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL E PROCESSO PENAL. FRAUDE ELETRÔNICA NA INTERNET. TRANSFERÊNCIA DE NUMERÁRIO DE CONTA DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. FURTO MEDIANTE FRAUDE QUE NÃO SE CONFUNDE COM ESTELIONATO. CONSUMAÇÃO. SUBTRAÇÃO DO BEM. APLICAÇÃO DO ART. 70 DO CPP. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARANAENSE.
1. O furto mediante fraude não se confunde com o estelionato. A distinção se faz primordialmente com a análise do elemento comum da fraude que, no furto, é utilizada pelo agente com o fim de burlar a vigilância da vítima que, desatenta, tem seu bem subtraído, sem que se aperceba; no estelionato, a fraude é usada como meio de obter o consentimento da vítima que, iludida, entrega voluntariamente o bem ao agente. 2. Hipótese em que o agente se valeu de fraude eletrônica para a retirada de mais de dois mil e quinhentos reais de conta bancária, por meio da "Internet Banking" da Caixa Econômica Federal, o que ocorreu, por certo, sem qualquer tipo de consentimento da vítima, o Banco. A fraude, de fato, foi usada para burlar o sistema de proteção e de vigilância do Banco sobre os valores mantidos sob sua guarda. Configuração do crime de furto qualificado por fraude, e não estelionato. 3. O dinheiro, bem de expressão máxima da idéia de valor econômico, hodiernamente, como se sabe, circula em boa parte no chamado "mundo virtual" da informática. Esses valores recebidos e transferidos por meio da manipulação de dados digitais não são tangíveis, mas nem por isso deixaram de ser dinheiro. O bem, ainda que de forma virtual, circula como qualquer outra coisa, com valor econômico evidente. De fato, a informação digital e o bem material correspondente estão intrínseca e inseparavelmente ligados, se confundem. Esses registros contidos em banco de dados não possuem existência autônoma, desvinculada do bem que representam, por isso são passíveis de movimentação, com a troca de titularidade. Assim, em consonância com a melhor doutrina, é possível o crime de furto por meio do sistema informático. 4. A consumação do crime de furto ocorre no momento em que o bem é subtraído da vítima, saindo de sua esfera de disponibilidade. No caso em apreço, o desapossamento que gerou o prejuízo, embora tenha se efetivado em sistema digital de dados, ocorreu em conta-corrente da Agência Campo Mourão/PR, que se localiza na cidade de mesmo nome. Aplicação do art. 70 do Código de Processo Penal. 5. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal de Campo Mourão - SJ/PR. (BRASIL, 2007).
Diante dos exemplos apresentados, verifica-se que a competência para apurar a prática dos crimes virtuais exige a verificação de certas especificidades, levando-se em consideração a diversidade dos crimes digitais existentes, além da forma de consumação e resultado de cada um deles.
3.2 Meios de prova e crimes digitais
A responsabilidade penal de um crime só poderá ser estabelecida quando existir um conjunto de provas sólido capaz de identificar a autoria e a prática do ato ilícito. Conforme Fernando Tourinho Filho (2009, p. 522), prova é:
antes de mais nada, estabelecer a existência da verdade; e as provas são os meios pelos quais se procura estabelecê-la. É demonstrar a veracidade do que se afirma, do que se alega. Entendem-se, também, por prova, de ordinário, os elementos produzidos pelas partes ou pelo próprio Juiz visando a estabelecer, dentro do processo, a existência de certos fatos. É o instrumento de verificação do thema probandum
Apesar disso, Marina Caldeira e Rodrigo Caldeira (2023) ressaltam que as violações cometidas no contexto digital, de maneira geral, não deixam vestígios e, devido às incertezas que a Internet ainda apresenta, muitos casos necessitam da identificação do responsável pelo ato. Em alguns casos, torna-se necessário prévia autorização judicial para ter acesso a determinadas informações nas redes virtuais. Assim, embora as práticas criminosas estejam cada vez mais sofisticadas, para utilizar determinada prova é preciso obedecer ao mesmo trâmite previsto na legislação aplicada em infrações penais comuns, tendo em vista que elas não estão adequadas ou atualizadas.
Para mais, as provas no ambiente informático, geralmente só são preservadas quando têm alguma relevância para o provedor de acesso ou nas hipóteses em que o Judiciário determina. Nesse sentido, o armazenamento de dados efetuado pelo provedor de acesso é de suma importância para o conjunto de provas relacionado aos crimes virtuais (CALDEIRA, M.; CALDEIRA, R., 2023).
Outra prova importante para a comprovação dos delitos virtuais é a prova pericial, pois permite a configuração da materialidade e a indicação da autoria do crime, especialmente em casos de pedofilia e racismo realizados virtualmente (CALDEIRA, M.; CALDEIRA, R., 2023).
Percebe-se que os meios de prova citados aqui ainda são muito superficiais e restritos diante do avanço dos crimes virtuais, bem como das modalidades de delitos que vão se aperfeiçoando com o passar do tempo. Sendo assim, tornam-se necessárias técnicas mais aperfeiçoadas para apuração desses crimes, desde que sejam observados os princípios constitucionais e as garantias fundamentais.
3.3 Necessidade de modernização do Direito Penal
Em face da necessidade de frear o crescimento descontrolado das práticas criminosas no ambiente digital, sistemas jurídicos ao redor do mundo reconheceram a urgência de desenvolver uma legislação específica. No Brasil, classificado como um país em desenvolvimento, embora a legislação tenha mostrado progresso nos últimos anos no contexto digital, Araújo (2021, p. 508) destaca que “em que pese haja a tipificação de alguns crimes virtuais feita pelo Código Penal, o dispositivo possui penas brandas e sem suficiência para a coibição da prática desses atos”.
Lócio (2019, p. 17) ao descrever o que pode ser considerado uma solução para o problema das punições fracas, afirma que se torna necessária “a elaboração de penas mais severas, leis penais mais positivas, melhor fundamentadas e com aplicação devida”.
Ainda assim, a implementação de penalidades mais severas para crimes já tipificados só resolve o problema relacionado aos delitos que já existem, mas a ausência de uma legislação específica para os crimes digitais continua sem uma solução, o que, muitas vezes, leva à sensação de que a Internet é uma terra sem lei. Segundo Campos (2018, p. 20):
Frise-se que não basta a elaboração da norma propriamente dita, pois, como se tem conhecimento e já fora objeto de discussão neste trabalho, já existem diversas Leis sem apresentações reais de resultados eficazes – destaque-se que embora seja variada, a quantidade mostra-se insuficiente ainda. “O Direito e, consequentemente, a legislação devem evoluir para acompanhar de perto a dinâmica social, sob pena de se tornar letra morta, sem aplicabilidade aos casos concretos e sem força coercitiva”
Corroborando, Barbosa (2020, p. 18) ressalta:
O Brasil sofre inúmeras críticas no que se refere à sua legislação, de modo geral, e mais ainda, haja vista o atual cenário, em relação à legislação específica que trata dos crimes virtuais. O fato de “não haver uma legislação específica à respeito de crimes virtuais ou cibernéticos, ou mesmo com a legislação existente, ainda ser um país que sofre constantemente com a prática de crimes virtuais” é a principal crítica.
Sá e Silva (2020, p. 34) defendem o aprimoramento das leis que já existem, pois, os autores:
Defendem a ausência de força coercitiva das sanções, ao analisarem que uma pena de detenção de três meses a um ano jamais seria suficiente para inibir e reprimir delitos informáticos – embora sejam considerados de menor potencial ofensivo, a sanção branda ou inexistente não se mostra como uma solução viável, eficaz e suficiente à repressão desse tipo de prática.
Assim, os autores ressaltam “a necessidade de uma legislação que abrange como um todo o uso da internet no Brasil, e que sejam preenchidas as lacunas existentes na legislação para uma efetiva punição, e consequentemente tornando a lei eficaz” (Sá; Silva, 2020, p. 24). Para tanto, eles ainda sugerem “mecanismos de prevenção e sistemas de controle da internet, bem como, a redução da impunidade e a imposição de penas mais severas” (SÁ; SILVA, 2020, p. 23)
A Internet rompeu as barreiras e tornou-se, hoje em dia, o principal meio de disseminação de informações, comunicação, assim como de atividades ilícitas. Diante dessa transformação contínua, na tentativa de proteger o indivíduo dos crimes praticados no âmbito virtual e punir os criminosos, o Direito Penal tem enfrentado desafios, tendo em vista diversas lacunas no que diz respeito à regulamentação de delitos digitais.
Em meio a essa evolução da tecnologia, leis como a de nº 12.965/14 (Marco Civil da Internet no Brasil), Lei nº 12.737/12 (Lei Carolina Dieckmann), Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - LGPD) e a Lei nº 14.155/21 surgiram diante da necessidade de regulamentação básica sobre o tema dos crimes virtuais. No entanto, a criação de leis para a repressão de crimes cibernéticos não deve se confundir com o aprimoramento da legislação, levando-se em consideração a gravidade e diversidade dos delitos digitais.
Os resultados apresentados neste trabalho, como a superficialidade de meios de prova, as várias peculiaridades que permeiam a competência para apurar a prática dos crimes virtuais, a dificuldade de tipificação dos crimes, além do crescimento na quantidade de crimes cibernéticos no Brasil, ano após ano, indicam a inadequação das leis penais quanto à regulamentação de delitos digitais, o que ocasiona dificuldades na punição dos criminosos, assim como compromete a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Sendo assim, fica evidenciada a urgente necessidade de reforma e atualização normativa, que considere as especificidades dos crimes tecnológicos. Nesse sentido, a elaboração de uma legislação que abranja como um todo o uso da internet no Brasil, levando em consideração as particularidades de cada delito, com leis mais bem fundamentadas e penas mais severas demonstra ser uma alternativa eficaz no combate aos crimes digitais.
Portanto, os desafios do Direito Penal frente às novas tecnologias, por ser um tema em constante evolução, exige um diálogo contínuo e um compromisso coletivo em busca de um sistema de justiça penal mais eficiente. Sugerem-se novos estudos a respeito da relação entre Direito Penal e novas tecnologias, como uma pesquisa comparativa das legislações penais sobre crimes cibernéticos em diferentes países e como estas podem inspirar melhorias em nosso ordenamento, visando propostas que promovam eficácia e justiça no sistema penal brasileiro.
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[1] Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) - Juiz de Fora/MG, tendo como linha de pesquisa: Metafísica e Ontologia Geral. Pesquisador e ex-bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) - Belo Horizonte/MG. Advogado. Especialista em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) - Brasília/DF. Bacharel em Direito pelo Instituto Vianna Júnior/Juiz de Fora/ MG. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0613681057420379. ORCID: https://orcid. org/0000-0001-5990-0861. E-mail: [email protected]
Bacharel em Direito pela Faculdade Metodista Granbery, Especialista em Ciências Penais e Segurança Pública, Especialista em Atividade Policial, ambos pelo Instituto de Ensino Rogério Greco, Pós Graduado em Direito Penal e Processo Penal, Mestrando em Criminologia pela Universidade Fernando Pessoa (UFP), com linha de pesquisa em Criminal Law.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEDRO PASSINI MENDONçA, . Os desafios do direito penal frente às novas tecnologias digitais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 abr 2025, 04:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/68301/os-desafios-do-direito-penal-frente-s-novas-tecnologias-digitais. Acesso em: 12 abr 2025.
Por: IGOR DANIEL BORDINI MARTINENA
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: CAMILA BUENA DE SOUZA XAVIER
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