ICMS: substituição tributária e mercado livre de energia elétrica - 4
O Plenário retomou o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade em que se discute a validade de decreto do governo estadual São Paulo que centralizou nas distribuidoras de energia elétrica a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) devido sobre a comercialização (compra e venda) dessa energia no mercado livre, em vez de cobrá-lo diretamente das comercializadoras — Informativo 634.
A ação foi ajuizada pela Associação Brasileira dos Agentes Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel), contra a alínea “b” do inciso I e os §§ 2º e 3º do art. 425 (1) do Decreto 45.490/2000 do Estado de São Paulo — Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte do Estado de São Paulo —, com a redação dada pelo Decreto 54.177/2009, dessa mesma unidade federativa. A autora alega que, ao determinar o recolhimento do ICMS por empresas distribuidoras de energia elétrica no mercado livre, os dispositivos impugnados teriam estabelecido sistema de “substituição tributária lateral” quanto ao ICMS incidente sobre a comercialização de energia elétrica nesse ambiente.
A ministra Cármen Lúcia (Presidente), em voto vista, acompanhou a ministra Ellen Gracie (relatora) e julgou procedente a ação direta. Afirmou que o Decreto 54.177/2009 é formalmente inconstitucional por contrariedade aos arts. 5º, II (2) e 150, I (3), da Constituição Federal (CF). O decreto cria modalidade de substituição tributária não cogitada em lei, pois não se enquadra no que autorizado pela Lei 6.374/1989.
Além disso, o decreto é materialmente inconstitucional. Relatou que o decreto paulista impôs a eliminação da confidencialidade dos preços ao determinar que o destinatário da energia elétrica deverá, para fins da apuração da base de cálculo, prestar, à Secretaria Fazenda, declaração do valor devido, cobrado ou pago pela energia elétrica. Dessa forma, possibilitou que o agente de distribuição, que não atua nas relações de compra e venda de energia elétrica no Ambiente de Contratação Livre, conheça o preço praticado nesse ambiente por seus concorrentes, o que parece contrariar os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência (CF, art.170).
Ademais, os dispositivos impugnados contrariam os arts. 22, IV (4) e 145, § 1º (5), da CF. Isso porque, na contramão do que estabelecido pela União (a quem compete legislar sobre energia), o Estado de São Paulo, pelo decreto questionado, aponta as concessionárias de distribuição de energia elétrica como substitutas tributárias do ICMS nas operações de comercialização de energia elétrica das quais elas não participam. O pressuposto de fato da obrigação tributária de recolher o ICMS na espécie é a comercialização de energia elétrica no Ambiente de Contratação Livre, em cuja cadeia de circulação econômica não há participação do agente de distribuição.
Em seguida, pediu vista o ministro Alexandre de Moraes.
(1) Decreto 45.490/2000, com redação dada pelo Decreto 54.177/2009 do Estado de São Paulo: “Artigo 425 - A responsabilidade pelo lançamento e pagamento do imposto incidente nas sucessivas operações internas com energia elétrica, desde a sua importação ou produção, fica atribuída (Lei Complementar federal 87/96, art. 9º, § 1º, II, e Lei 6.374/89, art. 8º, VI, na redação da Lei 10.619/00, art. 1º, IV): I - a empresa distribuidora, responsável pela operação de rede de distribuição no Estado de São Paulo, que praticar operação relativa à circulação de energia elétrica, objeto de saída por ela promovida, destinando-a diretamente a estabelecimento ou domicílio situado no território paulista para nele ser consumida pelo respectivo destinatário, quando este, na condição de consumidor, estiver conectado a linha de distribuição ou de transmissão, integrante da rede por ela operada, em razão da execução de: (...) b) contratos de conexão e de uso da respectiva rede de distribuição, com ela firmados para fins do consumo da energia elétrica adquirida pelo destinatário por meio de contratos de comercialização por ele avençados, ainda que com terceiros, situados neste ou em outro Estado, em ambiente de contratação livre; (...) § 2º - O destinatário da energia elétrica nas hipóteses das alíneas b e c do inciso I deverá, para fins da apuração da base de cálculo, prestar, à Secretaria Fazenda, declaração do valor devido, cobrado ou pago pela energia elétrica. § 3º - Na ausência da declaração de que trata o § 2º ou quando esta, a critério do fisco, não merecer fé, a base de cálculo do imposto, as hipóteses das alíneas b e c do inciso I, será o preço praticado pela empresa distribuidora em operação relativa à circulação de energia elétrica objeto de saída, por ela promovida sob o regime da concessão ou permissão da qual é titular, com destino ao consumo de destinatário, situado no território paulista, em condições técnicas equivalentes de conexão e de uso do respectivo sistema de distribuição”.
(2) Constituição Federal/1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”
(3) Constituição Federal/1988: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.
(4) Constituição Federal/1988: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão”.
(5) Constituição Federal/1988: “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (...)§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.
ADI 4281/SP, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 2.8.2017. (ADI-4281)
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