Art. 86 da CF: apreciação das teses da defesa e necessidade de aguardar juízo de admissibilidade da Câmara dos Deputados
O Plenário, por maioria, resolveu questão de ordem — em inquérito que apura supostos delitos de obstrução de justiça e organização criminosa praticados pelo presidente da República — no sentido de que o juízo político de admissibilidade exercido pela Câmara dos Deputados [CF, art. 86, “caput” (1)] precede a análise jurídica pelo STF para conhecer e julgar qualquer questão ou matéria defensiva suscitada pelo denunciado.
A Corte decidiu, ainda, que a possibilidade de rescisão ou de revisão, total ou parcial, de acordo de colaboração premiada, devidamente reconhecido pelo Poder Judiciário, em decorrência de descumprimento de deveres assumidos pelo colaborador, não propicia conhecer e julgar alegação de imprestabilidade das provas, porque a rescisão ou revisão tem efeitos somente entre as partes, não atingindo a esfera jurídica de terceiros.
No caso, fatos alegadamente delituosos vieram à tona por meio de acordos de colaboração premiada celebrados entre o Ministério Público Federal e integrantes de grupo empresarial. Entretanto, diante de indícios de omissão de informação no acordo de delação premiada, a PGR abriu investigação para apurar supostas irregularidades na celebração do acordo. A defesa, então, alegou que as provas produzidas estavam maculadas e requereu a sustação da denúncia.
O Tribunal afirmou que, somente após a autorização da Câmara dos Deputados, é que se pode dar sequência à persecução penal no âmbito do STF. Essa conclusão ressai cristalina quando se atenta para a redação do art. 86, § 1º, I (1), da CF, o qual determina o afastamento do Presidente da República das suas funções se recebida a denúncia ou a queixa-crime pelo STF.
A realização de um juízo de admissibilidade positivo por parte do STF, prévio ao da Câmara dos Deputados, implicaria admitir que a CF tivesse imposto ao presidente da República enfrentar o juízo predominantemente político, a ser realizado pela Câmara dos Deputados, fora do exercício de suas funções.
Essa concepção teria o condão de aniquilar o próprio escopo protetivo da Presidência da República buscado pela Constituição ao submeter a acusação por crime comum a um juízo prévio, predominantemente político, a ser realizado pelos deputados federais.
Afinal, condicionando o processamento do Presidente da República à autorização da Câmara dos Deputados, tem a CF, justamente, a finalidade de proteger a soberania do voto popular, impondo que, quem fora eleito pelo sufrágio, só seja afastado do exercício de seu mandato com a autorização dos representantes do próprio povo.
Essa é a razão, também, pela qual a CF elegeu a Câmara dos Deputados para realizar esse juízo político, eis que se trata da Casa do Congresso Nacional tradicionalmente associada à representação do povo.
Assim, somente após a autorização da Câmara dos Deputados, o STF determinará, nos termos do art. 4º da Lei 8.038/1990 (2), a notificação do denunciado para, no prazo de 15 dias, apresentar sua resposta à acusação.
Não cabendo ao STF proferir juízo de admissibilidade sobre denúncia oferecida contra o presidente da República antes da autorização da Câmara dos Deputados, igualmente não cabe proferir juízo antecipado a respeito de eventuais teses defensivas, cuja ambiência própria é o momento previsto no art. 4º da Lei 8.038/1990, o qual prevê a apresentação de resposta à acusação após o oferecimento da denúncia.
A discussão sobre o valor probatório dos elementos de convicção, ou mesmo a respeito da validade desses elementos que eventualmente embasarem a denúncia, constitui matéria afeta à configuração da justa causa, uma das condições da ação penal, cuja constatação ou não se dará por ocasião do juízo de admissibilidade a ser levado a efeito pelo Plenário do STF, após eventual autorização da Câmara dos Deputados.
O ministro Dias Toffoli ressaltou que, teoricamente, o relator, antes de encaminhar a denúncia ao Congresso Nacional, pode trazê-la ao Plenário para a sua rejeição, quando não estiverem presentes pressupostos processuais, quando houver carência da ação ou quando não houver justa causa.
Vencido o ministro Gilmar Mendes, que resolveu a questão de ordem no sentido de devolver os autos à PGR para que esta limite a imputação dos atos do presidente aos fatos relativos ao seu mandato. O ministro se manifestou, ainda, no sentido da possibilidade de se suspender o envio da acusação à Câmara dos Deputados, até a conclusão das investigações sobre a participação de membros do Ministério Público nos fatos narrados em gravação apresentada pelos investigados.
(1) CF: “Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade. § 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções: I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal; II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal. § 2º Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo. § 3º Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão. § 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.
(2) Lei 8.038/1990: “Art. 4º. Apresentada a denúncia ou a queixa ao Tribunal, far-se-á a notificação do acusado para oferecer resposta no prazo de quinze dias”.
Inq 4483 QO/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 20 e 21.9.2017. (Inq-4483)
1ª Parte :
2ª Parte :
3ª Parte :
Decisão publicada no Informativo 878 do STF - 2017
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