Trata-se de ação de adoção personalíssima ajuizada pelos pretendentes à adoção intrafamiliar - parentes colaterais por afinidade da criança - que estavam com a guarda de fato do menor desde o seu nascimento, não se tendo notícia de que faltassem aos cuidados necessários e adequados ou negligenciassem o infante, somando-se os fatos incontroversos segundo os quais: a) não ocorreu a adoção à brasileira; b) os insurgentes são habilitados junto ao Cadastro Nacional de Adoção; c) a criança fora lançada para estágio de convivência com guarda precária deferida em favor de família substituta, sem que fossem os autores comunicados e, ainda, em momento anterior ao próprio julgamento do recurso de apelação contra a sentença de extinção da adoção personalíssima intrafamiliar.
A Constituição Federal de 1988 rompeu com os paradigmas clássicos de família consagrada pelo casamento e admitiu a existência e a consequente regulação jurídica de outras modalidades de núcleos familiares (monoparental, informal, afetivo), diante das garantias de liberdade, pluralidade e fraternidade que permeiam as conformações familiares, sempre com foco na dignidade da pessoa humana, fundamento basilar de todo o ordenamento jurídico.
O legislador ordinário, ao estabelecer no artigo 50, § 13, inciso II, do ECA que podem adotar os parentes que possuem afinidade/afetividade para com a criança, não promoveu qualquer limitação (se aos consanguíneos em linha reta, aos consanguíneos colaterais ou aos parentes por afinidade), a denotar, por esse aspecto, que a adoção por parente (consanguíneo, colateral ou por afinidade) é amplamente admitida quando demonstrado o laço afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, bem como quando atendidos os demais requisitos autorizadores para tanto.
Em razão do novo conceito de família - plural e eudemonista - não se pode, sob pena de desprestigiar todo o sistema de proteção e manutenção no seio familiar amplo preconizado pelo ECA, restringir o parentesco para aquele especificado na lei civil, a qual considera o parente até o quarto grau.
Isso porque, se a própria Lei n. 8.069/1990, lei especial e, portanto, prevalecente em casos dessa jaez, estabelece no § 1º do artigo 42 que "não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando", a única outra categoria de parente próximo supostamente considerado pelo ditame civilista capacitado legalmente à adoção a fim de que o adotando permanecesse vinculado à sua "família" seriam os tios consanguíneos (irmãos dos pais biológicos), o que afastaria por completo a possibilidade dos tios colaterais e por afinidade (cunhados), tios-avós (tios dos pais biológicos), primos em qualquer grau, e outros tantos "parentes" considerados membros da família ampliada, plural, extensa e, inclusive, afetiva, muitas vezes sem qualquer grau de parentalidade como são exemplos os padrinhos e madrinhas, adotarem, o que seria um contrassenso, isto é, conclusão que iria na contramão de todo o sistema jurídico protetivo de salvaguarda do menor interesse de crianças e adolescentes.
Em hipóteses como a tratada no caso, critérios absolutamente rígidos previstos na lei não podem preponderar, notadamente quando em foco o interesse pela prevalência do bem estar, da vida com dignidade do menor, recordando-se, a esse propósito, que no caso sub judice, além dos pretensos adotantes estarem devidamente habilitados junto ao Cadastro Nacional de Adoção, são parentes colaterais por afinidade do menor "(...) tios da mãe biológica do infante, que é filha da irmã de sua cunhada" e não há sequer notícias de que membros familiares mais próximos tenham demonstrado interesse no acolhimento familiar dessa criança.
Este Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a relativização de regras previstas no ECA, em atenção à primazia dos interesses do menor tutelado, sendo permitido, excepcionalmente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto, que o adotante seja pessoa não inscrita previamente no cadastro e, ainda, não raro, seja "escolhida" pelos pais do adotando na chamada adoção intuitu personae.
Ademais, nos termos da jurisprudência do STJ, a ordem cronológica de preferência das pessoas previamente cadastradas para adoção não tem um caráter absoluto, devendo ceder ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, razão de ser de todo o sistema de defesa erigido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem na doutrina da proteção integral sua pedra basilar (HC 468.691/SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 11/03/2019).
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