Quanto à possibilidade de adjudicação do imóvel, cumpre relembrar que a incorporação imobiliária é regida pela Lei n. 4.591/1964 e, como se depreende do seu art. 28, parágrafo único, envolve a promessa de venda de uma coisa futura, composta por edificações erguidas em um único terreno, sobre as quais haverá titularidade exclusiva da unidade ocupada pelo adquirente (apartamento, conjunto comercial ou casa), mas compartilhada a propriedade do terreno com os demais adquirentes, em regime de condomínio.
A legislação de regência foi promulgada com o intuito de se atribuir segurança jurídica a uma situação fática comumente adotada na dinâmica dos negócios jurídicos, mediante a subversão do princípio da acessão - segundo o qual tudo que se acede ao solo é de propriedade do dono do terreno - e a garantia ao adquirente de que a coisa será entregue conforme as características prometidas no contrato.
Em face disso, há uma obrigação legal imputada ao incorporador de levar a registro na matrícula do imóvel a ser incorporado o memorial de incorporação, que, segundo a redação original do art. 32 da Lei n. 4.591/1964, vigente ao tempo da assinatura dos contratos ora em análise, é composto, entre outros documentos, do título de propriedade de terreno, ou de promessa, irrevogável e irretratável, de compra e venda ou de cessão de direitos ou de permuta do qual conste cláusula de imissão na posse do imóvel.
Da leitura do dispositivo legal, verifica-se a possibilidade de o incorporador não possuir o prévio domínio do terreno sobre o qual será edificado o prédio, o que, contudo, não o isenta da apresentação de títulos capazes de demonstrar que a futura transferência da propriedade da unidade autônoma poderá ser efetivada.
Sendo assim, com a pretensão de se conceder mais segurança aos contratantes, o incorporador poderá negociar as unidades autônomas somente após arquivar, no Cartório de Registro de Imóveis competente, os documentos elencados na lei. Vale dizer, enquanto não registrado o memorial de incorporação, o incorporador não está autorizado a comercializar as unidades autônomas futuras.
Reforçando a proteção ao promitente comprador, o § 2º do art. 32 da Lei n. 4.591/1964 determinava que os contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas são irretratáveis e, uma vez registrados, conferem direito real oponível a terceiros, atribuindo direito à adjudicação compulsória perante o incorporador ou a quem o suceder, inclusive na hipótese de insolvência posterior ao término da obra.
Na mesma linha, o art. 43, VI, da Lei n. 4.591/1964 prevê a possibilidade de o incorporador ser destituído pela maioria absoluta dos votos dos adquirentes das unidades autônomas quando, sem justa causa, paralisar as obras por mais de 30 (trinta) dias ou retardar-lhes excessivamente o andamento.
Contudo, para que se viabilize a destituição do incorporador é indispensável a formalização da incorporação, configurando um requisito mínimo de segurança jurídica aos negócios jurídicos que envolvam o imóvel e aos terceiros que deles venham a participar de boa-fé.
No caso, levando-se em consideração que não houve o registro do memorial de incorporação e que não houve nenhuma formalização da transferência do imóvel para a suposta incorporadora, não se mostra possível a destituição desta e a adjudicação compulsória do imóvel pelos promitentes compradores em razão do não preenchimento dos requisitos legais.
Relembre-se que os promitentes compradores de imóveis somente adquirem o direito real de propriedade após o registro do instrumento público ou particular no Cartório de Registro de Imóveis (art. 1.417 do CC), de maneira que a deliberação tomada em assembleia pela maioria absoluta dos adquirentes, para destituir a incorporadora, não tem o condão de fazer surgir o direito real quando o alienante não possui o domínio e não levou a registro a incorporação.
Entretanto, cumpre registrar que a jurisprudência desta Corte Superior tem considerado que o descumprimento da obrigação de registro do memorial de incorporação pelo incorporador não implica a invalidade ou nulidade do contrato de compromisso de compra e venda, pois este gera efeitos obrigacionais entre as partes e, até mesmo, contra terceiros.
Assim, a melhor solução à espécie é, afirmando a validade das promessas de compra e venda, rescindir os contratos e reconhecer a responsabilidade da suposta incorporadora pelas perdas e danos suportados pelos adquirentes em decorrência do descaso e oportunismo perpetrados por aquela.
|
Precisa estar logado para fazer comentários.