Cinge-se a controvérsia em saber se a Instrução Normativa SRF n. 243/2002 extrapolou o conteúdo da lei em função da qual foi editada, verificando, por conseguinte, a obediência aos primados da anterioridade, da noventena e da irretroatividade.
Conforme o contexto delineado no acórdão recorrido, "o cerne da questão, segundo a contribuinte, consiste no fato de que a sistemática prevista na IN/SRF n. 32/2001 previa fossem 'considerados 60% do valor do preço de venda menos o valor agregado', enquanto, por sua vez, o critério imposto pela IN/SRF n. 243/2002 exigiria fossem considerados 'somente 60% do preço do produto referente à participação dos bens importados'".
O controle de preços de transferência tem como fundamento a necessidade de prevenir a erosão das bases tributáveis de um país por meio da manipulação de preços nas operações transnacionais praticadas entre partes vinculadas - particularmente, no que interessa ao caso analisado dos autos, por meio da inflação intencional dos custos da parte sediada no Brasil em contrapartida de um aumento dos lucros da parte coligada no exterior.
Neste contexto, a legislação brasileira adotou três métodos relacionados às importações, inspirados naqueles recomendados pela OCDE: o método de Preços Independentes Comparados (PIC), o método do Preço de Revenda menos o Lucro (PRL) e o método do Custo de Produção mais Lucro (CPL). Pela aplicação dos métodos, é obtido o chamado preço-parâmetro, que refletirá o custo máximo dedutível na operação intragrupo, seja qual for o preço praticado entre as partes contratantes.
O método PRL, cuja regulamentação é objeto da controvérsia, parte da ideia de que é possível estimar um valor justo (preço livre de interferência) se, a partir do preço de revenda de um bem que foi importado, for deduzida uma margem bruta adequada para, teoricamente, cobrir os custos e despesas operacionais relacionados àquela operação, bem como proporcionar lucro ao importador/revendedor.
Para tanto, a Lei n. 9.430/1996 estabeleceu que, do preço de revenda do bem que foi importado, sejam expurgados os valores constantes das alíneas (a) a (d) do art. 18, II, dentre os quais está a margem de lucro que, na disciplina brasileira do Preço de Revenda menos Lucro (PRL), é legalmente presumida. Esta margem é de 20% para bens importados para simples revenda e de 60% para bens importados e revendidos após sua aplicação à produção no Brasil, conforme redação dada pela Lei n. 9.959/2000.
A Receita Federal regulamentou essa nova redação, inicialmente por meio da IN SRF n. 32/2001. No ano seguinte, a substituiu pela IN SRF n. 243/2002.
O que se verifica, em síntese, é que, sob a IN 32/01, o preço-parâmetro era obtido pela aplicação do percentual de 60% sobre a média dos preços líquidos de venda do bem produzido no Brasil (e não do bem importado), diminuída do valor agregado localmente (art. 12, § 11, II, da IN n. 32/2001). A partir da IN n. 243/2002, o preço-parâmetro passou a ser obtido mediante a aplicação do percentual de 60% sobre a participação do bem importado na média dos preços líquidos de venda do bem produzido, sendo esta margem subtraída da parcela do preço de venda atribuída ao bem importado (participação do item importado no preço do bem produzido - art. 12, § 11, e incisos, da IN n. 243/2002).
A IN n. 243/2002 lança um novo olhar sobre o artigo 18, inciso II, da Lei n. 9.430/1996, em clara alteração quanto ao entendimento da instrução normativa anterior. Pela IN n. 32/2001, a "participação do bem, serviço ou direito importado no preço de venda do bem produzido" não era um elemento relevante para o cálculo do preço-parâmetro. Sob essa perspectiva, é certo que a alteração da interpretação da lei não implica, em si, inconstitucionalidade ou ilegalidade, desde que a nova interpretação seja consonante com a lei interpretada e não seja aplicada a fatos geradores pretéritos.
A diferença fundamental entre a interpretação que levou à IN n. 32/2001 e a que deu origem à IN n. 243/2002 está no referencial sobre o qual recai a margem de lucro presumida na lei: na primeira, seria o preço de venda do bem que é produzido com o item importado cujo controle de preços se almeja fazer, diminuído do valor agregado no país; na segunda, a margem de lucro recai sobre o que seria o preço de revenda do próprio item importado, estimado mediante a "participação do bem, serviço ou direito importado no preço de venda do bem produzido".
Pela metodologia da n. 32/2001, quanto maior o valor agregado no país, maior será o preço-parâmetro (custo máximo dedutível para o bem importado, cujo controle de preços se pretende fazer), chegando-se ao ponto de não manter qualquer pertinência com o custo real do bem (aquele que seria razoavelmente esperado numa operação entre partes independentes).
No entanto, de fato, a IN n. 243/2002 foi além do que permitia a pura exegese do artigo 18, II, da Lei n. 9.430/1996, com a redação dada pela Lei n. 9.959/2000.
Ademais, em que pese a metodologia do PRL60 prevista na IN n. 243/2002 fosse, de fato, mais adequada ao controle de preços de transferência (tanto que incorporada, praticamente com o mesmo teor, à Lei n. 9.430/1996 pela Lei n. 12.715/2012), ela não encontrava, à época do caso, o devido respaldo no texto legal então vigente.
Com efeito, o referido ato normativo desbordou da mera interpretação da norma ao criar novos conceitos e métricas a serem considerados no cálculo do preço-parâmetro, como a participação dos bens importados no custo do bem produzido e a participação dos bens importados no preço de venda do bem produzido.
Reconhece-se, portanto, a ilegalidade da IN n. 243/2002 à luz do disposto no art. 18, inciso II, alínea d), item 1, da Lei n. 9.430/1996, com a redação dada pela Lei n. 9.959/2000.
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