EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. INTIMAÇÃO PESSOAL. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO. INOCORRÊNCIA DE PREJUÍZO. REJEIÇÃO. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. POSSE MANSA E PACÍFICA DO IMÓVEL. ART. 1.238, PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. PRECEDENTES.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas.
Acordam os Desembargadores que integram a Terceira Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em turma, à unanimidade de votos, rejeitar a preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa suscitada pelo recorrente e no mérito, pela mesma votação, negar provimento ao recurso para manter a sentença a quo por seus próprios fundamentos, nos termos do voto do Relator que fica fazendo parte integrante deste.
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta por Construtora Flor Ltda., em face de sentença proferida pelo MM Juiz de Direito da Comarca de Nísia Floresta que, nos autos da Ação de Usucapião movida por Valdeci do Carmo Zieringer, julgou procedente o pedido e declarou pertencer à mesma o domínio do imóvel descrito na inicial.
Nas razões recursais, aduz a apelante, em preliminar, que deve ser anulada a sentença, já que teve cerceado o seu direito de defesa, vez que a intimação dirigida aos patronos para comparecimento à audiência aprazada, além de ser inconsistente, não supre a intimação específica da parte, eis que não há informação no mandado qual seria o tipo de audiência.
No mérito, sustenta que dos documentos acostados pela autora/recorrida, no que concerne aos contratos particulares de compra e venda, o mais antigo data de 1996, não havendo demonstração de posse mansa e ininterrupta pelo tempo afirmado pela mesma.
Argumenta que não há prova de que a posse tenha se iniciado e continuado desde 1972 a 1980, mas tão só meros indícios de que tenha se iniciado em 1996.
Defende que pelas provas dos autos não há que se cogitar de que exista tempo suficiente de posse a justificar a aquisição da propriedade por usucapião.
Por fim, pugna pela anulação da sentença para possibilitar o comparecimento da parte ré e suas testemunhas em nova audiência de instrução e, no mérito, pelo provimento do recurso, para que seja reformada a sentença a quo, julgando improcedente o pedido autoral.
A parte apelada apresentou contra-razões pugnando pelo improvimento do apelo (fls. 113/119).
A 13ª Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e rejeição da preliminar suscitada pela recorrente e no mérito pelo improvimento do recurso (fls. 122/127).
É o relatório.
VOTO
Presentes os requisitos de admissibilidade conheço do recurso.
PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA SUSCITADA PELA RECORRENTE
Suscita a apelante a preliminar sob enfoque, uma vez que, no seu entender, a intimação para a audiência de instrução e julgamento fora realizada, tão somente, na pessoa do advogado constituído, quando deveria ter sido feita diretamente à parte, já que havia a advertência de realização de depoimento pessoal.
Contudo, não vislumbro nenhum prejuízo processual à parte, pois, de fato, não havia realmente necessidade de se colher o depoimento pessoal da parte, sendo devidamente afastada qualquer irregularidade que se queira impingir à audiência.
Ademais, o próprio magistrado a quo, consignou, durante a audiência, que "EM MOMENTO ALGUM HOUVE PEDIDO PARA QUE A PARTE PROMOVIDA PRESTASSE DEPOIMENTO PESSOAL, razão pela qual era totalmente desnecessária a intimação pessoal da parte promovida".
Como bem observado pelo ilustre 14ª Procurador de Justiça, em substituição à 13ª Procuradoria de Justiça:
"O depoimento pessoal da apelante era uma faculdade do juiz, e para tanto, somente a ele caberia decidir se a ouviria, e com entendeu desnecessário, suprida está a irregularidade pela falta de intimação pessoal, inclusive não causando-lhe nenhum prejuízo. Verdade é que para decidir a lide em sede de usucapião extraordinário, necessário se faz apenas a comprovação do tempo e que posse seja mansa e pacífica.
No processo civil, se não for demonstrado o prejuízo não há que se falar em nulidade, assim, não prospera a preliminar argüida, haja vista, não haver nenhum prejuízo para a parte, uma vez que seu depoimento não interferia na decisão da lide".
Face ao exposto, em harmonia com o órgão ministerial, rejeito a preliminar suscitada.
MÉRITO
O recurso não merece provimento, pelas razões a seguir expostas.
Do constante dos autos, infere-se que a autora, de fato, exerce a posse sobre o imóvel usucapiendo de forma mansa, pacífica e ininterrupta pelo prazo exigido em lei, sendo a sua posse somada à posse de seus antecessores, conforme a prova testemunhal produzida.
Veja-se excertos dos testemunhos colhidos durante audiência realizada:
Sr. Manoel Andrade de Góis (fl. 90):
"Foi proprietário dos terrenos mostrados à fl. 07, ou seja, era proprietário com escritura e tudo do terreno pintado de rosa e possuidor do terreno pintado de laranja; 2. Comprou o terreno de uma pessoa chamada José Rildo, aproximadamente em 1986, tendo vendido para a autora aproximadamente em 2002; 3. Ressalta que comprou o terreno mostrado à fl. 07, ou seja, a posse, do Sr. José Rildo em 1986; 4. Informa que o terreno pintado de rosa (fl. 07), a testemunha já tinha antes de 1986, pois adquiriu de outra pessoa; 5. Antes de comprar o terreno de posse (laranja – fls. 07) verificou os "antecedentes" e constatou que os antigos posseiros eram pessoas nativas chamas Elias e depois Pedro".
Sr. Pedro Rodrigues de Lima (fl. 90):
"Conhece o terreno que a autora mora, pois esta é sua vizinha; 2. É proprietário de um bar na beira no rio Pium há aproximadamente 15 (quinze) anos, localizado na Av. Beira Rio; 3. A testemunha conhece a autora há quatro anos, desde que a mesma morava no imóvel; 4. Antes da autora, o dono do terreno era Sr. Manoel de Góis; 5. Antes do Sr. Manoel de Góis, o proprietário era o Sr. José Rildo, que frequentava o bar da testemunha e gosta de tomar um caldinho de peixe e tomar uma cachaça de vem em quando; (...); 8. Antes de Zé Rildo, a testemunha conheceu o antigo proprietário do terreno, chamado Pedro, que foi embora de Pium".
O Novo Código Civil, tratando da usucapião extraordinária no art. 1.238, dispõe:
“Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis".
Já o parágrafo único do referido artigo, dispõe:
"O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo”.
Como visto, colhe-se do conjunto probatório que a autora exerce a posse do imóvel com animus domini, sem oposição, preenchendo, assim, os requisitos formais a aquisição originária pela usucapião.
Repita-se, por oportuno, que pelos documentos acostados e pelos relatos das testemunhas, depreende-se que a posse da autora tem origem em sucessivas transmissões de direitos possessórios, sendo que a recorrida obtivera o seu direito possessório através da promessa de compra e venda de fl. 19/22, somadas às posses anteriores, atendendo o requisito temporal a permitir a usucapião da área pretendida.
É que diz o art. 1.243 do NCC, in verbis:
"O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas seja contínuas, pacíficas e, no caso do art. 1.242, com justo título e de boa-fé".
Invoco a jurisprudência:
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. SOMA DE POSSES ENTRE O AUTOR E SEUS ANTECESSORES POR PERÍODO SUPERIOR AO EXIGIDO EM LEI. Preenchidos os requisitos legais, em especial a posse vintenária decorrente da soma da posse do autor com os possuidores que lhe antecederam, nos termos dos artigos 550 e 552, ambos do Código Civil de 1916, aplicável à espécie, impõe-se à procedência da ação. DERAM PROVIMENTO AO APELO”. (TJRS, Apelação Cível nº 70018031005, 17ª Câmara Cível, Relator Desembargador Alzir Felippe Schmitz, j. em 14.06.2007)
“EMENTA: CIVIL - USUCAPIÃO - PRESCRIÇÃO AQUISITIVA - OPOSIÇÃO VÁLIDA - INEXISTÊNCIA - USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO - REQUISITOS FORMAIS - PRESENTES - SENTENÇA MANTIDA.
1- Dentre os requisitos do usucapião, dois são essenciais: a posse e o lapso de tempo. Para a aquisição do domínio através do usucapião extraordinário, possuidor é aquele que detém a posse efetiva do imóvel, com ânimo de dono, continuamente e sem oposição de quem quer que seja, pelo lapso de tempo igual ou superior àquele estabelecido no Código Civil.
2- A posse mansa, pacífica e contínua indica exercício ininterrupto e sem oposição. A via judicial, com o reconhecimento final do direito de quem a ela se opõe, é o único meio apto a interromper a posse. Assim, ação de reintegração de posse não tem o condão de interromper o prazo para a aquisição da propriedade pelo usucapião, mormente quando se vê que foi ajuizada contra terceiro, e não contra o autor do usucapião.
3- Reconhecida a posse exercida, de forma ininterrupta, mansa e pacífica, sem oposição idônea, por tempo igual ou superior àquele previsto na lei, prevalece a prescrição aquisitiva”. (TJMG, Apelação Cível n° 2.0000.00.505861-3, 11ª Câmara Cível, Relator Desembargador Maurício Barros, j. em 18.08.2006).
Quanto ao argumento de que na maior parte do tempo de posse da recorrida vigia o Código Civil de 1916, devendo-se adotar para contagem do tempo o prazo de 15 (quinze) anos, não há como prosperar tal tese, sendo precisa a lição de Maria Helena Diniz em seu Código Civil Anotado, em comentário ao art. 2.029, senão vejamos:
"Os prazos de usucapião extraordinária (de dez anos, se o possuidor estabeleceu no imóvel sua moradia habitual ou nele realizou obras ou serviços de caráter produtivo) e de usucapião ordinário (de cinco anos, se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base em assento constante do registro próprio, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a suam moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico) sofrerão, até dois anos após a entrada em vigor do novo Código, um acréscimo de dois anos, pouco importando o tempo transcorrido sob a égide do antigo Código Civil. Até 11 de janeiro de 2005, os prazos, no caso em tela, serão de 12 e 7 anos". (Código Civil Anotado, 10ª ed., Saraiva/2004, p. 1478)
Ora, considerando que o presente feito foi autuado em 27 de maio de 2005, sequer havia necessidade de se adotar a regra do art. 2.029 do NCC, sendo certo que a recorrida demonstrou ter a posse do imóvel por quase 20 (vinte) anos, o que leva a concluir que a prescrição aquisitiva se impunha por qualquer ângulo.
De qualquer forma, não houve prejuízo para a parte.
Face ao exposto, em harmonia com o parecer da 13ª Procuradoria de Justiça, conheço e nego provimento ao recurso, para manter a sentença guerreada por seus próprios fundamentos.
É como voto.
Natal, 31 de julho de 2007.
Desembargador João Rebouças
Presidente e Relator
Doutora Branca de Medeiros Mariz
7ª Procuradora de Justiça
Endereço: Praça 7 de Setembro, S/N, Natal/RN, 59025-000> Home page: www.tjrn.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, TJRN - Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. TJRN - Civil. Usucapião extraordinário. Preliminar de nulidade da sentença. Intimação pessoal. Desnecessidade. Ausência de requerimento. Inocorrência de prejuízo. Presquição aquisitiva. Preenchimento dos requistos legais. Posse mansa e pacífica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 abr 2011, 10:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudencias/23998/tjrn-civil-usucapiao-extraordinario-preliminar-de-nulidade-da-sentenca-intimacao-pessoal-desnecessidade-ausencia-de-requerimento-inocorrencia-de-prejuizo-presquicao-aquisitiva-preenchimento-dos-requistos-legais-posse-mansa-e-pacifica. Acesso em: 04 dez 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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