EMENTA: CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. A) AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO. INEXISTÊNCIA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS COMPROVADO. POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE COBRANÇA, COM O INTUITO DE RECEBER OS HONORÁRIOS QUE ENTENDE SER DEVIDO. B) MATÉRIA POSSESSÓRIA. TÍTULO PRECÁRIO DOS APELADOS. RECUSA EM DEVOLVER O IMÓVEL AO PRIMEIRO APELANTE APÓS O TÉRMINO DO CONTRATO. ESBULHO CONFIGURADO. CONDENAÇÃO EM PERDAS E DANOS. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO APELO.
- As denominadas sociedades em comum, ou sociedade irregulares, ou sociedades de fato ou sociedades sem registro têm natureza de sociedade, por que nelas se identifica a affectio societatis, mas não são pessoas jurídicas, pois adquirem personalidade jurídica quando da inscrição de seus atos constitutivos no registro próprio e na forma da lei (artigo 45 do Código Civil).
- Os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente por escrito podem provar a existência da sociedade comum, o que não ocorre com os terceiros que podem prová-la de qualquer modo admitido em direito, provas testemunhais, correspondências, dentre outras formas.
- O fato de o proprietário permitir ao possuidor a morada no imóvel não gera direito de posse ao favorecido, em relação ao proprietário.
- Esbulho fundado na inobservância do prazo para desocupação do imóvel. Indenização por perdas e danos, devida a partir do ato ilícito.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas.
Acordam os Desembargadores da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora que integra este acórdão.
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta por José Ivanaldo de Souza e Gilberto de Nadai, já qualificados na exordial, em desfavor da sentença prolatada pela Juíza de Direito da Segunda Vara Cível da Comarca de Natal, nos autos das Ações de Dissolução/Reconhecimento de Sociedade de Fato nº 001.04.006871-5, Manutenção de Posse nº 001.04.004787-4 e Reintegração de Posse nº 001.04.006908-8.
Na referida decisão, a Juíza a quo julgou procedentes os pedidos formulados nas duas primeiras ações judiciais, de números 001.04.006871-5 e 001.04.004787-4, promovida pelos apelados, ao mesmo tempo em que julgou improcedente o pleito constante da Ação de Reintegração de Posse nº 001.04.006908-8, promovida pelos apelantes.
Alegam os apelantes, em suas razões, que o senhor José Ivanaldo de Souza, um dos recorrentes, conhecida personalidade dos meios desportivos deste país, quando residia no exterior, resolveu fazer uma série de investimentos econômicos no Estado do Rio Grande do Norte, tendo iniciado pela construção de 29 (vinte e nove) unidades residenciais destinadas à locação em terreno de sua propriedade, no Bairro de Ponta Negra, nesta cidade de Natal, delegando ao Engenheiro Gilberto de Nadai, seu empresário e administrador de negócios, as decisões sobre a feitura de projetos e a execução da obra.
Segundo os apelantes, ao término dos projetos arquitetônicos, estruturais e de instalações, o senhor Gilberto de Nadai, ora recorrente, resolveu contratar uma empresa construtora local para executá-los, recaindo essa escolha na Construtora Bernardo de Souza, cujo titular era o Engenheiro Francisco Bernardo de Souza, ora apelado.
Asseveram os apelantes que, pelo contrato de prestação de serviços ora firmado, a construtora ficou incumbida da responsabilidade técnica e a administração da obra a ser executada, cabendo ao senhor Gilberto de Nadai, transferir para conta bancária indicada pelo primeiro apelado, todos os recursos necessários para quitação das despesas de construção, incluindo o seu pró-labore.
Em face de vários incidentes ocorridos com a construtora pertencente aos apelados, quando a obra já estava em adiantado estágio, alegam os apelantes que tornou-se impossível a continuidade da prestação de serviços entre as partes.
Por haver ainda uma importância remanescente devida ao primeiro apelado em razão do serviço prestado pela sua empresa, alegam os apelantes que o recorrido, fazendo uso arbitrário das próprias razões, resolveu ocupar uma das unidades residenciais do empreendimento imobiliário pertencente ao apelante José Ivanaldo de Souza, "pretendendo 'ressarcir-se' a partir dessa violação da posse deste'".
Afirmam os recorrentes, ainda, que a sentença apelada padece do grave vício de insuficiência de fundamentação, já que "não está suficientemente explicitado os motivos do convencimento da Julgadora, para entender como procedentes as ações propostas pelos apelados e improcedente aquela aforada pelo apelante".
E continuam, "O mais grave, porém, é que não se pode vislumbrar, ali, os elementos motivadores da decisão, de cunho declaratório-constitutivo, em que a Julgadora de primeiro grau reconhece, por absurdo que seja, venia permissa – a existência de liame societário entre FRANCISCO BERNARDO DE SOUZA, GILBERTO DE NADAI e JOSÉ IVANALDO DE SOUZA, quando, em verdade, o empreendimento pertencia exclusivamente a este, que, além de ser o legítimo proprietário do terreno onde foram chantadas as vinte e nove unidades residenciais, foi somente ele que alocou capitais para o empreendimento, pagou o pessoal e os próprios serviços prestados pelo engenheiro FRANCISCO BERNARDO DE SOUZA, através da já referida CONSTRUTORA BERNARDO DE SOUZA LTDA".
Por fim, pedem que seja conhecido e provido o Recurso de Apelação, a fim de reformar in totum a sentença prolatada pela Juíza a quo e, em consequência, julgar procedente o pedido constante da Ação de Reintegração de Posse nº 001.04.006908-8, promovida pelos apelantes, ao mesmo tempo em que devem ser julgadas improcedentes as Ações de Dissolução/Reconhecimento de Sociedade de Fato nº 001.04.006871-5 e Manutenção de Posse nº 001.04.004787-4, estas últimas propostas pelos apelados.
Devidamente intimados, os apelados apresentaram contra-razões ao recurso, momento em que requereram a intimação dos apelantes para complementação do valor do preparo recursal, sob pena de deserção (fls. 558/593).
No mérito, os apelados pleitearam a manutenção da sentença proferida, que reconheceu a existência de sociedade de fato entre as partes, com a consequente "partilha dos imóveis construídos nos termos das vinte e nove Anotações de Responsabilidade Técnica – ART's, nas proporções ajustadas, assegurados ao autor os vinte e cinco por cento a que faz jus", assim como a manutenção da posse dos imóveis que lhe pertencem.
Com vistas dos autos, o 18º Procurador de Justiça, Doutor Carlos Augusto Caio dos Santos Fernandes, ante a ausência do interesse público primário, deixou de opinar neste feito (fls. 599/601).
É o relatório.
VOTO
Antes de apreciar o mérito do recurso, é necessário decidir acerca da observação feita pelos apelados em suas contra-razões, alegando que os apelantes não teriam recolhido o valor correto do preparo recursal.
De acordo com os apelados, a importância a ser recolhida pelos apelantes deveria ser de R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais), correspondente a soma dos valores estipulados nas ações judiciais, objeto da Apelação, cujo montante perfaz R$ 312.000,00 (trezentos e doze mil reais)
Sem razão os apelados.
Conforme documento de fl. 554 dos autos, os apelantes efetuaram, corretamente, o pagamento da importância de R$ 47,35 (quarenta e sete reais e trinta e cinco centavos), a título de preparo recursal, cujos valores estão previstos no Anexo I, da Portaria nº 242, de 29 de novembro de 2004, expedida pela Corregedoria de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte.
Assim sendo, sem mais delongas, passo a apreciar o mérito da causa.
No caso em questão, em primeiro lugar, deve-se analisar a existência de sociedade de fato havida entre as partes ou apenas um contrato de prestação de serviços para a execução de obras em imóvel.
As denominadas sociedades em comum, sociedades irregulares, sociedades de fato ou sociedades sem registro têm natureza de sociedade, porque nelas se identifica a affectio societatis, mas não são pessoas jurídicas, pois adquirem personalidade jurídica quando da inscrição de seus atos constitutivos no registro próprio e na forma da lei (artigo 45 do Código Civil).
O tema era disciplinado no artigo 305 do Código Comercial Brasileiro. Porém, com a sua revogação pelo novo Código Civil Brasileiro, o assunto agora está disciplinado no artigo 987, que tem a seguinte redação:
"Art. 987. Os sócios, nas relações entre si ou com terceiros somente por escrito podem provar a existência da sociedade, mas os terceiros podem prová-la de qualquer modo".
Com relação aos meios de comprovar a existência da sociedade comum, trago o posicionamento de Ronaldo Guaranha Merighi:
“Embora a existência jurídica não esteja plenamente reconhecida, a existência fática pode ser facilmente demonstrada pelos terceiros que se relacionarem com esses entes. Através de qualquer meio de prova – qualquer documento, ou mesmo por intermédio de testemunhas – o interessado poderá demonstrar a existência da sociedade em comum”.[1] (negritou-se).
Em igual sentido, o posicionamento de José Carlos Fortes:
“Ante a ausência da formalidade, a sociedade é chamada de Sociedade em Comum (artigos 986 a 990 do Código Civil) quando, embora ajustada entre os sócios, não possui seus atos constitutivos inscritos no órgão competente. Esta sociedade é dita não personificada, pois não está juridicamente constituída, não podendo ser considerada uma pessoa jurídica. Este modelo de negócio não é uma boa opção, pois além do descumprimento da lei, neste caso, os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente por escrito podem provar a existência da sociedade, o que não ocorre com os terceiros que podem prová-la de qualquer modo admitido em direito, provas testemunhais, correspondências, dentre outras formas”. (negritou-se)
Analisando-se as circunstâncias fáticas e probatórias que circundam o caso, vislumbra-se indubitavelmente que não se pode reconhecer a existência de sociedade de fato havida entre as partes, conforme entendeu a Juíza a quo em sua sentença, mas sim, um contrato verbal de prestação de serviços para execução de obras em imóvel, pertencente ao primeiro apelante.
Para tanto, passo a analisar as diversas provas constantes nos autos.
Em primeiro lugar, ao meu ver, o fato das Anotações de Responsabilidade Técnica – ARTs, firmadas unilateralmente por FRANCISCO BERNARDO DE SOUZA (fls. 29 a 57), atestarem que "O profissional não quantificou os honorários por ser parceiro do proprietário da obra no empreendimento", não demonstra a existência de sociedade de fato ajustada entre as partes.
Sabe-se que, por força da Lei Federal nº 6.496/77, a ART é um instrumento formal pelo qual o engenheiro, o arquiteto, o engenheiro agrônomo ou qualquer outro profissional do sistema CONFEA/CREA registram os seus contratos profissionais junto à autarquia profissional, mediante o pagamento de uma taxa.
A ART é feita por intermédio de um formulário próprio, onde são declarados os dados principais do contrato escrito ou verbal, firmado entre o profissional e seu cliente. É, assim, a súmula de um contrato firmado entre eles para a execução de uma obra ou prestação de um serviço.
Desta forma, além das obrigações contratuais, a ART define a identificação dos responsáveis técnicos pelo serviço ou obra, bem como a delimitação clara desta responsabilidade, não podendo ela ser usada, pelo menos no caso sub judice, como meio de demonstrar a existência de sociedade de fato havida entre as partes.
Outra evidência acerca da existência de contrato de prestação de serviços firmado entre as partes, decorre das alegações dos próprios apelados, em suas contra-razões, mais especificamente à fl. 563 dos autos, ao afirmarem que:
"(...) o Engenheiro FRANCISCO BERNARDO DE SOUZA apontou ao Senhor GILBERTO DE NADAI o terreno que já tinha em mira, na Vila de Ponta Negra, ele, então proprietário de uma pequena Construtora Bernardo de Souza Ltda., na Av. Rodrigues Alves 517, sala 03, Tirol, e impossibilitado de comprar sozinho o imóvel e construir ali um conjunto de casas.
Resolveram eles, de pronto, adquirir o terreno para construir o projeto do Engenheiro FRANCISCO BERNARDO DE SOUZA, que, efetivamente, foi realizado, tendo o Engenheiro FRANCISCO BERNARDO DE SOUZA sido o responsável técnico por todas as casas, JÁ COMO PARCEIRO DO RECLAMADO JOSÉ IVANALDO DE SOUZA E DO PRÓPRIO SENHOR GILBERTO DE NADAI, conforme se vê das ART's do CREA, em anexo aos autos (...)".
(reprodução autêntica)
Ora, se realmente existia uma sociedade de fato, como alegam os apelados, ao adquirir, juntamente com os apelantes, o terreno para a construção de um condomínio fechado, deveria constar os seus nomes na Escritura Pública de Compra e Venda do imóvel, como legítimos proprietários, o que não ocorreu, conforme se verifica às fls. 14/17 dos autos.
Aduziram, também, os apelados, que venderam um imóvel de sua propriedade, no valor de R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais), "para suportar o trabalho sem remuneração, incorporando-se em parceria no empreendimento". Quanto a essa afirmação, constato que não há qualquer evidência nos autos de que o suposto recebimento desta importância teve, como destino, a participação societária dos recorridos no referido empreendimento.
Na audiência de instrução, ficou evidenciado, em alguns depoimentos, inclusive de testemunha arrolada pelos apelados, sobre a existência de um contrato verbal de prestação de serviços ajustado entre as partes, e não uma sociedade de fato. Senão vejamos:
SÉRGIO HENRIQUE DE FREITAS BRAGA (testemunha arrolada pelos apelados)
"Que é de seu conhecimento que o Sr. Bernardo possuía um terreno[2], havia feito um projeto de construção de um condomínio para aquele terreno e que iniciou a construção com os recursos do Sr. Souza". (fl. 495) (destacado)
FELIPE AUGUSTO LEITE (declarante arrolado pelos apelantes)
"Que na época o Sr. Gilberto Nadai morava em São Paulo e de lá enviava, como procurador do Sr. José Ivanaldo, os recursos alocados para o implemento da obra. Que houve uma reclamação trabalhista em que eram partes como reclamados o Sr. José Ivanaldo e o Sr. José ivanaldo em que o declarante funcionou como advogados dos mesmos, que lembra que juntou um comprovante de salário do Sr. Bernardo que era em torno de R$ 3.000,00 mensais. Que o dinheiro para pagamento das pessoas que prestavam serviços na construção do condomínio era enviado através do seu procurador Gilberto Nadai pelo Sr. Ivanaldo de Souza. Que toda a parte financeira era bancada por José Ivanaldo e a execução era administrada pelo autor. Ele era o engenheiro responsável pela obra. (fl. 499) (destacado) [reprodução autêntica]
ALEXANDRE JOSÉ LEITE MOURA (testemunha arrolada pelos apelantes)
"Que o terreno pertence a José Ivanaldo de Souza. Que o condomínio pertence a José Ivanaldo de Souza. Que acompanhou a construção do condomínio. Que acompanhou a obra por curiosidade, uma vez que o proprietário lhe havia dito que seria ele quem as alugaria as casas do condomínio. Que o autor era o engenheiro da construção do condomínio. Que pela sua visualização o Sr. Bernardo era proprietário da empresa contratada para construção das obras, pelo Sr. Ivanaldo".
É certo que em alguns depoimentos, algumas testemunha/declarante arrolados pelos apelados afirmaram serem as partes sócias no empreendimento, porém, no meu entender, não corresponde à realidade dos fatos, pois, além de divergir das outras provas constantes dos autos, nenhuma delas disseram de onde vieram essa informação.
Na verdade, o que fica evidente, é que, sendo contratado para executar e administrar a obra projetada, o primeiro apelado, através de sua pessoa física ou jurídica, recebia todos os recursos necessários para a quitação das despesas do empreendimento condominial, inclusive os gastos com a sua remuneração.
Sendo assim, toda a documentação referente às licenças de construção, à confecção das Anotações de Responsabilidade Técnica – ART's, do CREA/RN e aos demais trâmites junto a órgãos públicos e concessionárias de serviços públicos foram feitas em nome do primeiro apelado, tendo em vista, ainda, a distância do domicílio do proprietário do empreendimento, o Senhor José Ivanaldo de Souza, que, na época, morava na Rússia, e o seu procurador, Gilberto de Nadai, residia no Estado de São Paulo.
Portanto, reconhecida a existência de contrato verbal de prestação de serviços firmado entre as partes, passo a analisar a posse da casa nº 23, do empreendimento condominial, objeto das Ações de Manutenção de Posse nº 001.04.004787-4 e Reintegração de Posse nº 001.04.006908-8, que, atualmente, encontra-se em poder dos recorridos, por força de decisão judicial.
Alegam os apelantes, que "Como havia uma importância remanescente a ser-lhe paga, em razão do serviço prestado pela empresa referida, num gesto inusitado o sr. FRANCISCO BERNARDO DE SOUZA, fazendo uso arbitrário das próprias razões, resolveu ocupar uma das unidades residenciais do empreendimento imobiliário pertencente ao apelante JOSÉ IVANALDO DE SOUZA, pretendendo "ressarcir-se" a partir dessa violação da posse deste". (sic)
Na sua defesa, aduziram os apelados que, com a conclusão da obra, fora destinada a eles, a casa nº 23, do empreendimento condominial, em virtude de não terem recebido remuneração nem fazerem retirada a título de pró-labore.
Diante das provas apresentadas pelas partes, assim como o reconhecimento de que houve um contrato verbal de prestação de serviço ajustado entre os litigantes, percebe-se que os apelados tem uma importância a receber pelo trabalho prestado, confirmado pelos próprios apelantes, em suas razões recursais, o que pode ser cobrado mediante a ação judicial própria.
O que não pode, a meu ver, é ocupar uma unidade residencial do condomínio, de propriedade do primeiro apelante, sem qualquer comprovação de que o imóvel lhe pertence, já que, com a conclusão das obras, deveriam os apelados ter desocupado o referido bem.
Ademais, como muito bem destacou os apelantes, em suas razões recursais, o "(...) fato da unidade residencial de nº 23, que fora objeto do esbulho descrito na Ação de Reintegração de Posse, ter suas contas de água e luz em nome de FRANCISCO BERNARDO DE SOUZA, não significa necessariamente que ele era possuidor do imóvel. Em verdade, na condição de responsável pela administração/execução das obras, ele efetuou a ligação de energia elétrica e água em seu nome, como simples detentor da coisa" (fls. 551/552).
Assim, percebe-se que a "posse" exercida pelos apelados é uma POSSE PRECÁRIA e, como é sabido, não gera – nesta hipótese – direitos.
No mesmo sentido é a lição do brilhante SÍLVIO RODRIGUES, a qual ora transcrevo:
"Diz-se precária a posse daquele que, tendo recebido a coisa para depois devolvê-la (como o locatário, o comodatário, o usufrutuário, o depositário etc.), a retém indevidamente, quando a mesma é reclamada”.
LAFAYETTE definia bem a posse precária, dizendo ser a posse daquele que, tendo recebido a coisa das mãos do proprietário, por um título que o obriga a restituí-la, recusa injustificadamente a fazer a devolução e passa a possuir a coisa em seu próprio nome.
O vício da precariedade macula a posse, não permitindo que gere efeitos jurídicos. Aliás, o artigo 1.208 do novo Código Civil proclama não induzirem posse os atos de mera permissão ou tolerância o que, decerto, abrange a posse precária.
Todavia, quando o legislador permite que a posse convalesça dos vícios da violência e da clandestinidade, silencia no que diz respeito à posse precária. Transcrevo, para fins de conferência, o artigo 1.208 do novo Código Civil:
“Artigo 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade”.
E por que a posse precária não convalesce? O legislador, naturalmente, reage de maneira mais violenta à hipótese da precariedade em razão dela implicar a quebra da confiança, na falta de fé do contrato. Mas, a meu ver, não é esta a razão principal.
A posse precária não convalesce jamais, porque a precariedade não cessa nunca. O dever do comodatário, do depositante, do locatário etc., de devolverem a coisa recebida, não se extingue jamais, de modo que o fato de a reterem, e de recalcitrarem em não entregá-la de volta, não ganha foro de juridicidade, não gerando, em tempo algum, posse jurídica.
Enquanto a posse violenta ou clandestina pode gerar efeitos jurídicos, uma vez cessada a violência e a clandestinidade, conforme dispõe o citado artigo 1.208 do novo Código Civil, a posse precária - alicerçada em razão de um contrato - jamais convalesce de seu vício, não gerando quaisquer efeitos jurídicos. Ela é incapaz de gerar usucapião ou qualquer outra pretensão de índole possessória.
Nesse caso, deve a posse do imóvel ser reintegrado em favor dos apelantes.
É de exigir-se, ainda, a obrigação dos apelados em indenizar os apelantes pelas perdas e danos, consoante dispõe o artigo 1.252 do Código Civil (novo artigo 582, segunda parte), já que, após a cessação do contrato, os ocupantes, até o presente momento, nada pagaram a título de aluguel.
Nesse sentido é a jurisprudência:
“TJRS-170824) APELAÇÃO CÍVEL - RESOLUTÓRIA DE COMODATO VERBAL C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE - NÃO EXERCENDO POSSE COM "ANIMUS DOMINI" SOBRE O IMÓVEL E NÃO POSSUINDO PRAZO PARA USUCAPIR, CABE A REINTEGRAÇÃO DOS COMODANTES NA POSSE DO IMÓVEL, ALÉM DE INDENIZAÇÃO CORRESPONDENTE A ALUGUÉIS PELO ATRASO NA RESTITUIÇÃO E A CONDENAÇÃO AO DESFAZIMENTO DE CONSTRUÇÃO OU PLANTAÇÃO FEITA NO IMÓVEL.
Atentado. Quem não é parte no feito principal, não pode, em princípio, ser considerado atentante. Reintegratória. O documento juntado pelo apelante na reintegratória, é cópia impugnada. A juntada do original pode deixar de ser feita, sob o argumento de extravio, mas a conseqüência é a perda de crédito da fotocópia, máxime quando desmentida pelas demais provas. Apelo improvido. Unânime”. (Apelação Cível nº 70001243955, 2ª Câmara Especial Cível do TJRS, Rel. Des. Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil. j. 15.05.2001).
“COMODATO - PRAZO INDETERMINADO - NOTIFICAÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO - PERMANÊNCIA NO IMÓVEL - ESBULHO - PERDAS E DANOS.
A notificação é meio idôneo para a rescisão de contrato de comodato por prazo indeterminado. A permanência do comodatário na posse do bem, após o prazo fixado pelo comodante para restituí-lo, caracteriza-se esbulho. O comodatário em mora no cumprimento da obrigação de restituir deve indenizar a comodante em valor correspondente aos aluguéis que o bem deveria”. (TJ-DF - Ac. unân. da 4º T. Cív., publ. em 7-8-96 - Ap. 37.596/95 - Rel.Des.Getúlio Pinheiro - Ana Karina dos Santos Maranhão Gomes de Sá x Marli Lima Gomes - Advs. Benedito Oliveira Braúna e Raul Freitas Pires de Sabóia).
“TJRS-066016) REINTEGRAÇÃO DE POSSE. COMODATO. EXTINÇÃO. ESBULHO. PERDAS E DANOS. ALUGUEIS.
Cessada a relação de comodato, extinta através de notificação, a permanência no imóvel configura ato esbulhativo, autorizando, pelo uso indevido do bem, o reconhecimento das perdas e danos, no caso, no pagamento de aluguéis. Apelo não provido”. (Apelação Cível nº 599371721, 19ª Câmara Cível do TJRS, Porto Alegre, Rel. Des. Guinther Spode. j. 23.11.1999).
“CIVIL. POSSE. CONSTITUTO POSSESSORIO. AQUISIÇÃO FICTICIA (CC, ART. 494-IV). REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CABIMENTO. COMODATO VERBAL. NOTIFICAÇÃO. ESCOAMENTO DO PRAZO. ESBULHO. ALUGUEL, TAXAS E IMPOSTOS SOBRE O IMOVEL DEVIDOS. RECURSO PROVIDO.
I - A AQUISIÇÃO DA POSSE SE DA TAMBEM PELA CLAUSULA CONSTITUTI INSERIDA EM ESCRITURA PUBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMOVEL, O QUE AUTORIZA O MANEJO DOS INTERDITOS POSSESSORIOS PELO ADQUIRENTE, MESMO QUE NUNCA TENHA EXERCIDO ATOS DE POSSE DIRETA SOBRE O BEM.
II - O ESBULHO SE CARACTERIZA A PARTIR DO MOMENTO EM QUE O OCUPANTE DO IMOVEL SE NEGA A ATENDER AO CHAMADO DA DENUNCIA DO CONTRATO DE COMODATO, PERMANECENDO NO IMOVEL APOS NOTIFICADO.
III - AO OCUPANTE DO IMOVEL, QUE SE NEGA A DESOCUPA-LO APOS A DENUNCIA DO COMODATO, PODE SER EXIGIDO, A TITULO DE INDENIZAÇÃO, O PAGAMENTO DE ALUGUEIS RELATIVOS AO PERIODO, BEM COMO DE ENCARGOS QUE RECAIAM SOBRE O MESMO, SEM PREJUIZO DE OUTRAS VERBAS A QUE FIZER JUS”. (REsp. nº 143.707/RJ (1997/0056354-5), 4ª Turma do STJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 25.11.1997).
Diante do exposto, sem intervenção ministerial, voto pelo conhecimento e provimento da Apelação Cível, para reformar in totum a sentença e, em consequência, julgar procedentes as pretensões reintegratória e indenizatória em favor dos apelantes, devendo esta última corresponder ao valor dos aluguéis mensais, calculado de acordo com o mercado à época, a contar do primeiro dia útil seguinte ao prazo do término do contrato de prestação de serviços, até a entrega do imóvel, cuja liquidação dar-se-á por arbitramento.
Julgo, ainda, improcedentes, os pedidos formulados nos autos das Ações de Dissolução/Reconhecimento de Sociedade de Fato nº 001.04.006871-5 e Manutenção de Posse nº 001.04.004787-4, propostas pelos apelados.
Por fim, condeno os apelados nas custas processuais e honorários advocatícios, cujo valor fixo em R$ 4.000,00 (quatro mil reais), já que não poderia esta Relatora impor aos recorridos desmesurada obrigação pecuniária com a condenação dos honorários sucumbenciais calculados sobre a soma dos valores dados às causas, pois estes se apresentam com elevada monta (R$ 312.000,00), o que seria injusto e iria de encontro ao princípio da moderação.
É como voto.
Natal, 19 de junho de 2008.
Desembargador Vivaldo Pinheiro
Presidente
Juíza Convocada Francimar Dias
Relatora
Doutor Paulo Roberto Dantas de
Endereço: Praça 7 de Setembro, S/N, Natal/RN, 59025-000> Home page: www.tjrn.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, TJRN - Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. TJRN - Processo Civil e comercial. Ação de dissolução de sociedade de fato. Inexistência. Contrato de prestação de serviços comprovado. Possibilidade de ajuizamento de ação de cobrança, com o intuito de receber os honorários que entende ser devido Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jul 2011, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudencias/24983/tjrn-processo-civil-e-comercial-acao-de-dissolucao-de-sociedade-de-fato-inexistencia-contrato-de-prestacao-de-servicos-comprovado-possibilidade-de-ajuizamento-de-acao-de-cobranca-com-o-intuito-de-receber-os-honorarios-que-entende-ser-devido. Acesso em: 04 dez 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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