EMENTA: CIVIL. SUCESSÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INDIGNIDADE. EXCLUSÃO DA HERDEIRA. CRIME CONTRA A HONRA DO OFENDIDO. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO PENAL. 1. Para que a ré fosse excluída da sucessão, em razão do cometimento de crime contra a honra do autor da herança, como previsto no inciso II, segunda parte, do artigo 1.814 do Código Civil, seria necessária a sua condenação prévia, pelo juízo criminal, que tem competência para averiguar a materialidade e a autoria do crime, após o ajuizamento de ação penal própria. 2. Recurso não provido.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores da 4ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, CRUZ MACEDO - Relator, FERNANDO HABIBE - Revisor, ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS - Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS, em proferir a seguinte decisão: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 20 de julho de 2011
Certificado nº: 44 36 13 0C 05/08/2011 - 12:12
Desembargador CRUZ MACEDO
Relator
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso de apelação interposto por MARCOS EDMUNDO DE SOUZA JÚNIOR E OUTROS contra sentença proferida pelo douto Juízo da Primeira Vara Cível de Brasília/DF (fls. 388/390v) que, nos autos da ação declaratória de indignidade ajuizada em desfavor de ANA ROSA DE GOES CURY, julgou improcedente o pedido inicial, tendo como fundamento a ausência de "prévia condenação da ré pela prática de crime contra a honra praticado contra seu pai". (fl. 390v)
Nas razões do apelo (fls. 394/408), os recorrentes reiteram os argumentos da inicial, informando que a ré (genitora dos autores) praticou atos ofensivos contra o autor da herança (pai da ré), caracterizados como crime contra a honra, e que, em razão da idade avançada e do frágil estado de saúde, o ofendido não recorreu ao Poder Judiciário, falecendo pouco tempo depois.
Reafirmam que a Jurisdição é independente e que não há necessidade de prévia condenação na esfera criminal para que a ré seja declarada indigna, nos termos do Artigo 1.814 do Código Civil. Acolhem a tese de que "o Direito Penal deve intervir como ultima ratio respeitando o princípio da fragmentariedade e da subsidiariedade, e quando outras sanções que não penais já tenham atuado neste controle". (fl. 404)
Alegam que há divergências doutrinárias sobre o tema e que a declaração de indignidade é cabível ao caso, tendo em vista que restou comprovada a conduta desabonadora da ré em relação ao autor da herança, consubstanciada em maus tratos e desamparo, além de agressões verbais e físicas. Rebatem o argumento da sentença de que o ofendido teria perdoado a ré.
Reafirmam que o autor da herança ajuizou ação de revogação de doação contra a ora apelada, demonstrando seu desapontamento com a herdeira, e que o processo foi extinto sem julgamento do mérito em razão do falecimento do autor, mas que a demanda ainda está em curso, restando pendentes os recursos Especial e Extraordinário.
Por fim, argumentam que, "se não houve a apuração do fato delituoso na esfera penal, deve o juízo Cível averiguar todas as provas trazidas aos autos a fim de constatar, ou não, a autoria da apelada, aplicando, nesse caso, a reprimenda civil, qual seja a exclusão do direito a suceder o patrimônio do falecido" (fl. 408)
Requerem o provimento do recurso para que a sentença seja cassada e os autos retornem à vara de origem para apuração da autoria dos fatos narrados, ou, caso o Tribunal entenda que a causa encontra-se madura, julgue procedente o pedido, declarando-se a indignidade da ré para suceder ao falecido, nos termos do Artigo 1.814, inciso II, do Código Civil.
Em contrarrazões (fls. 414/425), a apelada rebate os argumentos desfavoráveis e pugna pelo não provimento do recurso.
O Ministério Público deixou de se manifestar, em razão de não haver "interesse público ou social a ser tutelado." (fl. 430)
Sem preparo, frente aos benefícios da justiça gratuita concedidos em primeira instância (fl.124)
É o relatório.
VOTOS
O Senhor Desembargador CRUZ MACEDO - Relator
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
O apelo não comporta provimento.
A despeito de teses doutrinárias e jurisprudenciais contrárias, filio-me ao entendimento segundo o qual seria necessária a condenação prévia, na esfera criminal, para que a ré fosse excluída da sucessão, em razão do cometimento de crime contra a honra do autor da herança, como previsto no inciso II, segunda parte, do artigo 1.814 do Código Civil.
Isso porque, da leitura do referido dispositivo, infere-se que serão excluídos da sucessão aqueles que "incorrerem em crime", ou seja, que cometerem uma ação típica e antijurídica, culpável e punível. Nesse aspecto, é o juízo criminal quem tem competência para declarar a existência ou não da materialidade e da autoria, após, é claro, o ajuizamento de ação penal própria, com regular trâmite processual, observando-se a ampla defesa e o contraditório.
Portanto, não caberia ao juízo cível, nesse aspecto, verificar a ocorrência do crime relatado pelos autores, ainda mais se levarmos em consideração que a ação penal própria, nesse caso, é de iniciativa privada, dependente de registro de queixa pelo ofendido, o que não ocorreu.
Além disso, os elementos trazidos aos autos geram dúvidas quanto à extensão dos fatos narrados pelos autores, senão vejamos:
Alegam os ora apelantes que o falecido teria ajuizado ação de revogação de doação, por ingratidão da donatária, o que demonstraria, em tese, a prática da injúria descrita na peça inicial. Tal ação foi extinta, em razão da morte do doador, restando pendentes os recursos Especial e Extraordinário.
De início, cabe consignar que a revogação de doação não dá causa à exclusão da sucessão. De qualquer maneira, é necessário observar que a procuração outorgada pelo doador na referida ação não foi assinada (fl. 39), constando apenas a sua impressão digital. Além disso, a ação foi ajuizada em abril de 2008 (fl. 25), quando o doador já se encontrava com a saúde debilitada, vindo a óbito um mês depois (fl. 21).
Destaque-se, nesse ponto, que causa estranheza o fato de o doador não ter ajuizado a ação revogatória em momento anterior, tendo em vista que a doação foi realizada em 2003, e os próprios autores afirmam que o relacionamento entre o doador e a ré foi permeado por descaso e agressões verbais, desde o momento da doação.
Não é possível, portanto, apreender se a revogação do ato era realmente o desejo do falecido, tampouco se a alegada injúria real, que supostamente teria motivado a ação, de fato tenha ocorrido.
Além disso, as alegadas agressões verbais e físicas não ficaram devidamente comprovadas e não há qualquer elemento que demonstre efetivamente que o autor da herança tenha sofrido a ofensa prevista no artigo 140 do Código Penal. Não há sequer um boletim de ocorrência, registrado pelo ofendido, que demonstre a autenticidade dos fatos narrados pelos autores.
Por tudo isso, não há como, nesse juízo, sem a ação penal própria, averiguar se houve ou não a prática de crime contra a honra, que viabilizaria a punição cível prevista no artigo 1.814 do Código Civil.
Nesse mesmo sentido, colhe-se trecho de julgado proferido pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:
"Em verdade, para que se venha caracterizar a indignidade com fundamento no já mencionado artigo 1814, inciso II, da lei civil, não basta que tenha havido a acusação caluniosa em juízo, senão em juízo criminal, (...) A segunda parte do dispositivo em apreço abarca o cometimento de crimes contra a honra, estes regulados nos artigos 138 a 140 do Código Penal (calúnia, difamação e injúria). Nesta hipótese, tem-se como pressuposto a condenação criminal, em razão de que o Código Civil exclui da sucessão o herdeiro que "incorrer" em crime (in casu, contra a honra) contra o sucedido. Outro não é o entendimento adotado por Silvio Rodrigues, para quem: 'A segunda parte do dispositivo contempla a prática de crimes contra a honra do hereditando, ou de seu cônjuge ou companheiro" (...). É óbvio que o crime só ficará apurado se houver prévia condenação do indigno no juízo criminal' (Rodrigues, Silvio. Direito das Sucessões, v. 7. Saraiva: São Paulo, 2002, p. 69). Na espécie, não há, no acórdão recorrido, qualquer elemento por meio do qual se possa enquadrar o comportamento da recorrida (YARA LÚCIA NUDELMANN GOMES) nos hipóteses traçadas pelo inciso II do artigo 1814 do Código Civil, não se prestando, para tanto, a caracterização, na origem, de "desentendimentos naturais entre pais e filhos" (fl. 294), os quais, diga-se, ainda que possam ser indesejáveis, não são, de fato, suficientes a excluir o herdeiro da sucessão". (REsp 1102360/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/02/2010, DJe 01/07/2010) [sem grifos no original]
Portanto, se não há comprovação da prática do crime contra a honra do autor da herança, não há como excluir a ré da sucessão.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso.
É como voto.
O Senhor Desembargador FERNANDO HABIBE - Revisor
Com o Relator
O Senhor Desembargador ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS - Vogal
Com o Relator.
DECISÃO
NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, UNÂNIME.
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