EMENTA: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA.CONTRATO DE FORNECIMENTO DE PEÇAS PARA MOTORES (FORD E LAND ROVER) FIRMADO NA ARGENTINA. SEGURO DE RECALL CONTRATADO COM SEGURADORA BRASILEIRA. AÇÃO REGRESSIVA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA BRASILEIRA. 1. Na hipótese, ainda que o contrato de fornecimento das peças automotivas tenha sido ajustado na Argentina por pessoas jurídicas estrangeiras - uma delas com filial no Brasil -, não há como ser afastada a competência da autoridade judiciária brasileira, pois, além de o contrato de seguro, que viabiliza a ação regressiva nopresente caso, ter sido firmado no Brasil, o fato (recall) ocorreu aqui (art. 88, III, do CPC). Precedentes. 2. Recurso especial parcialmente conhecido e nesta parte não provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso, mas negar provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Brasília (DF), 11 de abril de 2013(Data do Julgamento)
Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 1.308.686 - SP (2011⁄0177355-8)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por Basso S.A., com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado:
"Exceção de incompetência - Ação regressiva, fundada em contrato de seguro celebrado no Brasil - Aplicação do disposto no artigo 88, inciso III, do Código de Processo Civil - Agravo desprovido" (fl. 408).
Opostos declaratórios com intuito de prequestionamento, foram rejeitados (fls. 427⁄430).
Extrai-se dos autos que, na origem, a Ace Seguradora S.A., ora recorrida, propôs ação regressiva contra a Basso S.A. no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) a título de ressarcimento pelo pagamento à sua segurada, MWM International Motores (atual denominação da International Engines South América Ltda., com filial na cidade de Canoas⁄RS), em virtude de recall, resultante da necessidade de substituição de válvulas para motores automotivos Ford e Land Rover (fornecidos pela Basso S.A.) nas montadoras e dealers de distribuição.
Narra a inicial que, durante a vigência da apólice de seguro, em março de 2004, foi constatado que algumas válvulas de escape e admissão fornecidas pela ré e usadas na fabricação pela MWM de diversos motores apresentavam fissuras na superfície com possibilidade de quebra e possível colapso integral do motor.
Após a comprovação técnica, a segurada da ora recorrida (isto é, a empresa MWM International Motores, sucedida por International Engines South America Ltda.) providenciou o recall e a reclamação total feita pela segurada foi de R$ 1.678.992,35 (um milhão seiscentos e setenta e oito mil novecentos e noventa e dois reais e trinta e cinco centavos), sendo que foram gastos R$ 860.551,42 (oitocentos e sessenta mil quinhentos e cinquenta e um reais e quarenta e dois centavos) em território nacional e o restante na Argentina, na Inglaterra e na Holanda (os valores em pesos argentinos, libras esterlinas e dólares foram convertidos segundo as taxas vigentes à época em que as despesas ocorreram).
Como o limite da cobertura era de um milhão de reais, a diferença foi suportada pela própria segurada.
Citada por carta rogatória, a ré, ora recorrente, apresentou exceção de incompetência internacional.
Inconformada com a decisão que rejeitou a exceção reconhecendo a competência da jurisdição nacional, a Basso interpôs agravo de instrumento.
O Tribunal estadual, manteve a competência jurisdicional brasileira, firme nos seguintes fundamentos:
"(...)
Infere-se dos elementos dos autos que a recorrida e a empresa International Engines South America Ltda. firmaram seguro de responsabilidade civil contra danos a terceiros.
Em razão de sinistro envolvendo produtos fabricados pela agravante, a seguradora, no exercício do seu direito de regresso, busca ressarcimento pelos danos já indenizados.
Como bem ponderou o julgador 'a quo', todo procedimento de 'recall' para remoção dos cabeçotes avariados dos motores elaborados em montadoras e distribuidoras foi realizado no Brasil, sem contar que o contrato de seguro em que se funda a ação regressiva também foi firmado no Brasil.
Logo, é rigor a aplicação do disposto no artigo 88, inciso III, do Código de Processo Civil, segundo o qual, 'é competente a autoridade brasileira quando a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil' (grifo nosso).
(...)" (fls. 409⁄410).
Ainda inconformada, nas razões do apelo especial, a Basso sustenta, além da negativa de prestação jurisdicional por ausência de prequestionamento explícito (art. 535, II, do Código de Processo Civil), que foram violados os artigos 88, I, II, III, 100, IV, "a", do Código de Processo Civil e 12 da LICC (Decreto-Lei nº 4.657⁄42), pois o acórdão recorrido sequer levou em consideração que o contrato objeto da ação foi celebrado e concluído em território estrangeiro; que as partes que celebraram o contrato são duas empresas argentinas (a recorrente com sede em Santa Fé e a MWM International emCórdoba); que a recorrente não possui nenhuma agência, filial ou sucursal no Brasil, de modo que o reconhecimento da competência internacional da justiça brasileira implica grave violação das normas delimitadoras da jurisdição, além de dificultar sobremaneira o exercício do seu direito de defesa e a própria eficácia da medida executiva, na hipótese de eventual procedência da ação principal.
Afirma, por fim, que o Tribunal estadual conferiu diferente interpretação jurisprudencial ao art. 88 do Código de Processo Civil ao descartar as regras utilizadas pela jurisprudência quanto (i) ao domicílio da parte, (ii) à existência de bens passíveis de execução no Brasil e (iii) ao interesse da jurisdição brasileira na análise da demanda, o que enseja o provimento do presente recurso também em razão do dissídio jurisprudencial.
Recurso respondido e não admitido.
Interposto agravo contra decisão denegatória, foi conhecido para determinar a sua reautuação como recurso especial (fl. 559).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.308.686 - SP (2011⁄0177355-8)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): De início, o recurso não pode ser conhecido pela alínea "c" do permissivo constitucional, pois ausentes os requisitos legais e regimentais autorizadores do apelo nobre pela divergência jurisprudencial.
Outrossim, a alegação da recorrente de que o acórdão recorrido causa lesão de grave e de difícil reparação, na medida em que, além de violar as normas que regem a limitação da jurisdição internacional, prejudica o exercício do direito da recorrente que, sem filial no Brasil, tem arcado com altos custos para defesa da demanda, esbarra inarredavelmente no óbice da Súmula nº 284 do Supremo Tribunal Federal.
Por outro lado, não se exige, na hipótese, reexame de provas a obstaculizar o conhecimento do recurso. Ademais, verifica-se que o Tribunal local analisou a questão da competência da jurisdição pátria para a demanda, razão por que a tese recursal encontra-se prequestionada.
Por consequência, reconhecido o prequestionamento da tese recursal, não há falar em violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, motivo pelo qual é de ser afastada a alegação de negativa de prestação jurisdicional.
Delimitada a área de conhecimento do recurso pela alínea "a", passa-se à análise do mérito.
Alega a recorrente que o acórdão recorrido violou os artigos 88, I, II, III, 100, IV, "a", do Código de Processo Civil e 12 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, ou LICC, (Decreto-Lei nº 4.657⁄42).
De início, dispõem os arts. 9º e 12 do Decreto-Lei nº 4.657⁄42, que regem a matéria:
"Art. 9º. Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.
(...)"
"Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação."
Por primeiro, o disposto no art. 9º, caput, da LICC, norma de Direito Internacional Privado conflitual (regra de conexão e não norma competencial), "objetiva indicar, em situações conectadas com dois ou mais sistemas jurídicos, qual dentre eles deva ser aplicado (...)". Isso porque o direito internacional privado "cuida primeiramente de classificar a situação ou relação jurídica dentre um rol de qualificações, i. e., de categorias jurídicas; em seguida, localiza a sede jurídica desta situação ou relação e, finalmente, determina a aplicação do direito vigente nesta sede." (Jacob Dolinger, Direito Internacional Privado - Parte Geral, 8ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2005, págs. 49⁄50 e 291)
Por outro lado, cumpre esclarecer que, segundo abalizados doutrinadores pátrios (cf. Vicente Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. 1, 14ª ed., São Paulo, Saraiva, 1999, págs. 175⁄177; Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, 4ª ed., São Paulo, Malheiros, 2004, pág. 335), o supracitado art. 12, caput, da LICC foi tacitamente revogado pelo artigo 88, I, II e III, do CPC, que regulamentou globalmente a matéria, preconizando:
"Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando:
I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;
II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;
III - a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil."
Desse modo, ao revés de se cogitar violação do art. 12, caput, da LICC, é de se limitar o eventual enquadramento da demanda aos ditames do art. 88 do CPC.
Na hipótese, a Ace Seguradora S.A. propôs ação regressiva contra a Basso S.A. buscando o ressarcimento pela indenização paga decorrente de cobertura de seguro de recall.
A lide, assim, está posta entre a seguradora, com sede no Brasil, e a Basso S.A., com sede na Argentina, e calcada em contrato de seguro de recall atrelado a contrato firmado entre a Basso S.A. (fabricante de válvulas de admissão e de escape) e a segurada MWM International Motores, fabricante de motores automotivos, empresa argentina com filial no Brasil.
De fato, o recall não é um risco típico previsto nos contratos de seguro, visto que se situa na esfera exclusiva das perdas financeiras suportadas diretamente pelo segurado, antes mesmo de qualquer tipo de produção real de dano ou perda a terceiras pessoas.
Por isso, o risco da retirada de produtos (recall) recebeu relevante atenção jurídica. Editaram-se normas que passaram a exigir a comercialização de produtos seguros, impondo a sua retirada do mercado no caso de apresentarem problemas e, consequentemente, perigos de danos aos consumidores. No Brasil, a matéria está disciplinada pelos artigos 10 e 64 da Lei nº 8.078⁄90 (Código de Defesa do Consumidor - CDC).
Ademais, a cobertura desse tipo de risco tem aplicação basicamente para produtos de massa, produzidos em série e em grande quantidade, os quais são espalhados por grandes regiões geográficas, e se estende, também, à retirada dos produtos no exterior.
Ao que se tem, portanto, não obstante o contrato de fornecimento de peças para montagem de motor ter sido firmado no estrangeiro entre a Basso S.A. e a empresa argentina MWM International, tanto o contrato de seguro quanto a obrigação que deu origem ao recall, objeto do contrato de seguro, ocorreram no Brasil.
Com efeito, o dano sofrido pela segurada, no qual sub-rogou-se a ora recorrida, aconteceu majoritariamente em território nacional, haja vista que uma parte dorecall acabou por atingir outros países para onde os motores foram exportados, justamente porque a montadora segurada, sediada no Brasil, foi responsável pela montagem e distribuição dos motores.
Nesse contexto, se o contrato de seguro foi firmado no Brasil, o pagamento da indenização pela seguradora foi realizado no Brasil por conta de obrigação surgida no país (recall), deve prevalecer, tal como concluído pelas instâncias ordinárias, a competência da jurisdição pátria, nos termos do inciso III do artigo 88 do CPC ("a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil").
A propósito, e por pertinente, cita-se a lição do ministro Athos Gusmão Carneiro, quando diz que "Competente será a Justiça brasileira quando a obrigação assumida deve ser cumprida em território nacional, ou seja, quando aqui esteja o 'forum destinatae solutionis'; não importará, então, eventual circunstância de que o autor e o réu sejam pessoas (físicas ou jurídicas) domiciliadas no exterior. (...) Diga-se que, embora o texto legal mencione apenas as ações destinadas ao 'cumprimento' da obrigação, os motivos inspiradores da regra da competência aplicam-se igualmente às demandas em que se pretenda indenização como sucedâneo da prestação."(Jurisdição e competência. São Paulo. Saraiva. 2005, pág. 74 - grifou-se)
Nesse pensar, inclusive, já decidiu esta egrégia Terceira Turma:
"Processo civil. Embargos de declaração. Ausência de omissão, contradição ou obscuridade. Competência internacional. Contrato de arrendamento mercantil internacional cuja execução se daria essencialmente em território brasileiro. Danos oriundos de fato debem arrendado com defeito oculto.
(...)
- A autoridade judiciária brasileira tem competência para apreciar ação de indenização proposta por seguradora brasileira, sub-rogada nos direitos de arrendatária também brasileira, contra arrendadora norte-americana com o objetivo de ser ressarcida de danos oriundos de alegado inadimplemento de contrato de arrendamento mercantil cuja execução se daria essencialmente em território brasileiro.
Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido" (REsp 498.835⁄SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJ 9⁄5⁄2005 - grifou-se).
Outra não é a lição de Celso Agrícola Barbi, quando leciona que "o item III cuida de ação originada de fato ocorrido ou praticado no Brasil, isto é, em que a ação tenha como causa de pedir este fato ou ato, v.g, colisão de veículos de dois estrangeiros aqui não residentes, em que o fato causador do dano ocorreu no Brasil" (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, Forense, 2002, pág. 297 - grifou-se).
Ademais, mesmo que por amor ao debate, leve-se em consideração os argumentos da Basso de que é uma empresa argentina sem filial no Brasil e de que o contrato do fornecimento de peças foi firmado por empresas argentinas em território estrangeiro, ainda sem razão a recorrente, haja vista que as peças foram entregues à MWM argentina como parte de todo um processo de fabricação de motores que acabou por ser cumprido no Brasil, pois, somente aqui, a MWM brasileira procedeu, se não à montagem, à distribuição dos motores contendo as peças defeituosas fabricadas pela recorrente (fl. 488). Ou seja, ainda que o contrato de fornecimento tenha sido firmado na Argentina, os problemas decorrentes das peças defeituosas, em maior parte, ocorreram em território brasileiro, conforme reconhecido pelas instâncias ordinárias.
Precisa, a propósito, a lição doutrinária do Prof. Arruda Alvim, no sentido de que, "Na exegese da atual lei, que é regra de competência internacional, devemos observar que o n. II, do art. 88, não disciplina a hipótese de foro do contrato, mas sim, exclusivamente, do foro do local do cumprimento; já o foro do contrato pode ser considerado como existente, em face da redação do n. III, do mesmo art. 88, pois na realidade, o local da celebração do contrato foi erigido como determinador da competência internacional, dado que é um 'atopraticado no Brasil. Conquanto não exista explicitamente previsão de foro contratual, propriamente dito, em tema de competência internacional, existe tal previsão – pela força de compreensão do conceito de contrato no de ato praticado no Brasil, art. 88, III – ao nível de competência internacional." (Competência internacional - Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo n. 11, dez⁄77. São Paulo: Centro de Estudos – págs. 196⁄198).
Nesse trilhar, ainda, os seguintes precedentes deste Tribunal Superior:
"Processo civil. Competência internacional. Contrato de distribuição no Brasil de produtos fabricados por empresa sediada no Reino Unido. Impropriedade do termo 'leis do Reino Unido'. Execução de sentença brasileira no exterior. Temas não prequestionados. Súmulas 282 e 356 do STF. Execução contratual essencialmente em território brasileiro. Competência concorrente da Justiça brasileira. Art. 88, inc. II, do CPC. Precedentes.
(...)
- A autoridade judiciária brasileira tem competência para apreciar ação proposta por representante brasileira de empresa estrangeira, com o objetivo de manutenção do contrato de representação e indenização por gastos efetuados com a distribuição dos produtos.
- O cumprimento do contrato de representação deu-se, efetivamente, em território brasileiro; a alegação de que a contraprestação (pagamento) sempre foi feita no exterior não afasta a competência da Justiça brasileira.
Recurso especial não conhecido" (REsp 804.306⁄SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 3⁄9⁄2008).
"PROCESSO CIVIL. COMPETÊNCIA INTERNACIONAL. Nada importa que o contrato principal tenha sido ajustado, em outro país, por pessoas jurídicas estrangeiras; ainda que lá assumida, a fiança dada em garantia do respectivo cumprimento por brasileiros aqui residentes, com bens situados no território nacional, pode ser executada perante o Judiciário Brasileiro. Recurso especial não conhecido" (REsp861.248⁄RJ, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, DJ 19⁄3⁄2007 - grifou-se).
"COMPETÊNCIA INTERNACIONAL. CONTRATO DE CONVERSÃO DE NAVIO PETROLEIRO EM UNIDADE FLUTUANTE. GARANTIA REPRESENTADA POR 'PERFOMANCE BOND' EMITIDO POR EMPRESAS ESTRANGEIRAS. CARÁTER ACESSÓRIO DESTE ÚLTIMO. JURISDIÇÃO DO TRIBUNAL BRASILEIRO EM FACE DA DENOMINADA COMPETÊNCIACONCORRENTE (ART. 88, INC. II, DO CPC).
- O 'Performance bond' emitido pelas empresas garantidoras é acessório em relação ao contrato de execução de serviços para a adaptação de navio petroleiro em unidade flutuante de tratamento, armazenamento e escoamento de óleo e gás.
- Caso em que empresas as garantes se sujeitam à jurisdição brasileira, nos termos do disposto no art. 88, inc. II, do CPC, pois no Brasil é que deveria ser cumprida a obrigação principal. Competência internacional concorrente da autoridade judiciária brasileira, que não é suscetível de ser arredada pela vontade das partes.
(...)
Recurso especial não conhecido, prejudicada a medida cautelar" (REsp 251.438⁄RJ, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, DJ 2⁄10⁄2000).
Por fim, quanto à eficácia da execução e à ausência do interesse da jurisdição pátria, porquanto os seus bens se situam na Argentina, sem razão a recorrente.
Isso porque, tal como previsto no Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa (Protocolo de Las Leñas), ratificado pelo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, as sentenças judiciais proferidas nos países do Mercosul são dotadas de eficácia extraterritorial, ou seja, independem de homologação nos Estados onde devam ser executadas:
"Artigo 1º Os Estados Partes comprometem-se a prestar assistência mútua e ampla cooperação jurisdicional em matéria civil, comercial, trabalhistas e administrativa. (...)
(...)
Artigo 18. As disposições do premente capítulo serão aplicáveis ao reconhecimento e a execução das sentenças e dos laudos arbitrais pronunciados nas jurisdições dos Estados Partes em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa, e serão igualmente aplicáveis às sentenças em matéria de reparação de danos e restituição de bens.
(...)
Artigo 20 As sentenças e os laudos arbitrais a que se refere o artigo anterior terão eficácia extraterritorial nos Estados Partes quando reunirem as seguintes condições:
(...)".
A respeito, traz-se a lição de José Carlos de Magalhães:
"O Protocolo de Las Leñas, incluído nesse rol e objeto deste estudo, constitui importante passo para o processo de integração, ao conferir às decisões judiciais provindas dos países do Mercosul o efeito de extraterritorialidade, podendo contribuir muito para o processo de integração regional. (...) Ao 'dotar as sentenças judiciais e laudos arbitrais emanados dos países do MERCOSUL de eficácia extraterritorial, o Protocolo atribui-lhes efeitos plenos nos territórios dos Estados-Partes,independentemente de homologação pelo Judiciário do país onde deve ser executada. Isso porque, ao admitir a eficácia extraterritorial àqueles atos, ou seja, a produção de efeitos fora do território onde foram proferidos, o Protocolo de Las Lenãs confere jurisdição internacional aos juízes dos Estados-Partes,como, a propósito, e com melhor técnica, foi acordado no Protocolo de Buenos Aires sobre Jurisdição Internacional em Matéria Contratual, já referido. (...) Não se trata de uma decisão estrangeira, despida de autoridade no território de outro país onde se pretenda tenha eficácia para execução, e que, por isso, deve ser homologada por esse país. Trata-se de ato que vale por si só, não dependente de homologação, em virtude do acordo internacional firmado pelo Brasil. (...) Em virtude desse efeito, o vencedor em ação judicial promovida em qualquer desses Estados poderá requerer a execução da sentença em qualquer dos demais países integrantes do MERCOSUL, desde que preenchidas as condições do art. 20 do Protocolo de Las Leñas." (O Protocolo de Las Leñas e a eficácia extraterritorial dassentenças e laudos arbitrais proferidos pelos países do MERCOSUL, in Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 144, out⁄dez 1999 - grifou-se).
Por consequência, não há falar em falta de interesse da jurisdição brasileira na espécie, conforme bem elucida a ilustre Ministra Nancy Andrighi quando afirma que,"Segundo a doutrina, dois princípios devem atuar na definição da jurisdição brasileira para conhecer de determinada causa. Além dos critérios dos arts. 88 e 89 do CPC, que, como já dito, não são exaustivos, deve-se ter atenção, sempre, para os princípios daefetividade e da submissão. O princípio da efetividade, (...) atua para definir as hipóteses em que, a despeito de estar, a causa, incluída no rol do art. 88 do CPC, a autoridade judiciária brasileira deverá se declarar internacionalmente incompetente para dela conhecer (pág. 60). (...) 'o Estado não tem interesse jurídico, a saber: a) nas causas cuja decisão demande a aplicação de Direito nacional mas cuja sentença só possa ser utilmente executada no exterior, em território de Estado que, em geral ou no caso particular, não reconheça a eficácia à sentença estrangeira; (...)" (RO 64⁄SP, DJ 23⁄6⁄2008 - grifou-se).
Em vista de todo o exposto, conheço em parte do recurso especial e, nesta parte, nego-lhe provimento.
É o voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2011⁄0177355-8
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.308.686 ⁄ SP
Números Origem: 01018193420108260000 990101018195 99010101819550000
PAUTA: 11⁄04⁄2013 JULGADO: 11⁄04⁄2013
Relator
Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO VIEIRA BRACKS
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : BASSO S⁄A
ADVOGADOS : CARLOS DAVID ALBUQUERQUE BRAGA E OUTRO(S)
GABRIELLA DE PAULA ALMEIDA E OUTRO(S)
BEATRIZ VALENTE FELITTE E OUTRO(S)
RECORRIDO : ACE - SEGURADORA S⁄A
ADVOGADA : RENATA DUARTE IEZZI E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Seguro
SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr(a). TIAGO SCHREINER GARCEZ LOPES, pela parte RECORRENTE: BASSO S⁄A
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, conheceu parcialmente do recurso, mas negou provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi criado pela Constituição Federal de 1988 com a finalidade de preservar a uniformidade da interpretação das leis federais em todo o território brasileiro. Endereço: SAFS - Quadra 06 - Lote 01 - Trecho III. CEP 70095-900 | Brasília/DF. Telefone: (61) 3319-8000 | Fax: (61) 3319-8700. Home page: www.stj.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. STJ. Civil e Processo Civil. Exceção de incompetência. Contrato de fornecimento de peças para motores (Ford e Land Rover) firmado na Argentina. Seguro de 'recall' contratado com seguradora brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 mar 2014, 08:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudencias/38545/stj-civil-e-processo-civil-excecao-de-incompetencia-contrato-de-fornecimento-de-pecas-para-motores-ford-e-land-rover-firmado-na-argentina-seguro-de-recall-contratado-com-seguradora-brasileira. Acesso em: 04 dez 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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