EMENTA: RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E FALIMENTAR. AÇÃO REVOCATÓRIA. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. CAUSA DE PEDIR. CONSILIUM FRAUDIS. OMISSÃO. CONTESTAÇÃO APRESENTADA. ESTABILIZAÇÃO DA LIDE. EMENDA DA INICIAL. DESCABIMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO. ARTIGOS ANALISADOS: 264, PARÁGRAFO ÚNICO, 282, 284, 295, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC; E 53 DO DL 7.661⁄45. 1. Ação revocatória ajuizada em 20⁄6⁄2006. Recurso especial concluso ao Gabinete em 9⁄9⁄2011. 2. Controvérsia que se cinge a definir se é cabível a determinação de emenda da petição inicial em momento posterior ao da apresentação da peça contestatória. 3. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas. 4. A aptidão da inicial pressupõe a articulação harmoniosa de alguns requisitos, dentre eles a indicação precisa dos fatos e dos fundamentos jurídicos que dão suporte ao direito vindicado. 5. A falta de explicitação da causa de pedir conduz ao reconhecimento da inépcia da petição inicial e ao seu consequente indeferimento. Inteligência do art. 295, parágrafo único, I, do CPC. Precedentes. 6. Tratando-se de ação revocatória proposta com fundamento no art. 53 da antiga Lei de Falências (DL 7.661⁄45), a petição inicial deve, necessariamente, conter a descrição das condutas fraudulentas atribuídas aos réus como causa de pedir. É aprópria norma invocada que reclama - como requisito a ser preenchido para decretação da ineficácia dos atos praticados pelo falido - a demonstração da existência de fraude imputável ao devedor e aos terceiros que com ele contrataram. 7. De acordo com a jurisprudência deste Tribunal, a petição inicial não pode ser emendada depois de apresentada a contestação, sob pena de malferir o princípio da estabilização da demanda. Ainda que essa perspectiva possa ser flexibilizada em situações excepcionais, o art. 264, parágrafo único, do CPC veda a alteração da causa de pedir após o saneamento do processo. 8. Negado provimento ao recurso especial.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recursoespecial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Brasília (DF), 05 de novembro de 2013(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora
RECURSO ESPECIAL Nº 1.305.878 - SP (2011⁄0103688-7)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : APACE INCORPORAÇÕES E PARTICIPAÇÕES LTDA - MASSA FALIDA
ADVOGADO : ALESSANDRA UBERREICH FRAGA VEGA - SÍNDICO
RECORRIDO : CORPORAÇÃO NACIONAL DE EMPREENDIMENTOS LTDA
ADVOGADO : ARMANDO FERRARIS E OUTRO(S)
Relatora: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso especial interposto por APACE INCORPORAÇÕES E PARTICIPAÇÕES LTDA. - MASSA FALIDA, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional.
Ação: revocatória, ajuizada pela recorrente em face de CORPORAÇÃO NACIONAL DE EMPREENDIMENTOS LTDA. e OUTROS, por meio da qual objetiva a declaração de ineficácia da transferência de diversas unidades condominiais integrantes do Guarulhos Shopping Center e do Shopping Center Leste.
Sentença: julgou extinto o processo, em virtude da ocorrência da prescrição.
Acórdão: deu parcial provimento à apelação interposta pela recorrente, para afastar a ocorrência de prescrição e extinguir o processo, sem resolução do mérito, em razão da inépcia da petição inicial.
Recurso especial: invoca dissídio jurisprudencial e alega violação do art. 284 do CPC. Sustenta que é dever do juiz, uma vez constatada a existência de irregularidades na petição inicial, facultar ao autor a possibilidade de emendá-la, mesmo quando já apresentada a contestação. Afirma que não é necessária a descrição da conduta fraudulenta do recorrido (consilium fraudis), pois, para o sucesso da pretensão revocatória, é exigida apenas a demonstração do evento danoso.
Decisão de admissibilidade: o TJ⁄SP negou seguimento ao recurso especial.
Agravo: interposto pela recorrente, determinei sua reautuação como recurso especial.
Parecer do Ministério Público: o Subprocurador-Geral da República, Maurício de Paula Cardoso, opina pelo não conhecimento do recurso.
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.305.878 - SP (2011⁄0103688-7)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : APACE INCORPORAÇÕES E PARTICIPAÇÕES LTDA - MASSA FALIDA
ADVOGADO : ALESSANDRA UBERREICH FRAGA VEGA - SÍNDICO
RECORRIDO : CORPORAÇÃO NACIONAL DE EMPREENDIMENTOS LTDA
ADVOGADO : ARMANDO FERRARIS E OUTRO(S)
Relatora: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
VOTO
Cinge-se a controvérsia a definir se é cabível a determinação de emenda da petição inicial em momento posterior ao da apresentação da peça contestatória.
1. Da não comprovação do dissídio jurisprudencial.
01. Não se pode examinar o recurso especial no que concerne à alegação de dissenso jurisprudencial, pois a recorrente não realizou o necessário cotejo analítico entre os acórdãos trazidos à colação, tampouco comprovou a existência de similitude fática entre as hipóteses relacionadas, elementos indispensáveis à demonstração da divergência.
02. A análise da existência do dissídio, nesse cenário, revela-se inviável, na medida em que foram descumpridos os arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ.
2. Dos requisitos da petição inicial e da ação revocatória.
03. A interpretação do art. 282 do CPC autoriza a conclusão de que a petição inicial deve comunicar ao juiz, de forma clara e concatenada, a pretensão objetivada pelo autor da demanda e todos os elementos que a compõem.
04. A aptidão da inicial, circunstância imperiosa à formação válida da relação jurídico-processual, pressupõe a articulação harmoniosa de alguns requisitos, dentre eles a indicação precisa dos fatos e dos fundamentos jurídicos que dão suporte ao direito vindicado. A narrativa levada a conhecimento do julgador necessita apresentar-se de modo objetivo e inteligível, revelando-se inepta quando aludir a situações vagas e genéricas que não sustentem a afirmação dos efeitos jurídicos pretendidos.
05. Tratando-se, como na espécie, de ação revocatória proposta com fundamento no art. 53 da antiga Lei de Falências (DL 7.661⁄45), é forçoso admitir que a petição inicial deve, necessariamente, conter a descrição das condutas fraudulentas atribuídas aos réus.
06. Isso porque é a própria norma invocada como alicerce da pretensão da recorrente que reclama - como requisito a ser preenchido para decretação da ineficácia dos atos praticados pelo falido - a demonstração da existência de fraude imputável ao devedor e aos terceiros que com ele contrataram.
07. Ora, se o dispositivo legal em questão exige que o autor da revocatória comprove o consilium fraudis, é de rigor lógico concluir que a petição inicial deve indicar, como causa de pedir, as condutas fraudulentas perpetradas pelos réus e sua intenção de prejudicar o direito dos credores.
08. Vale frisar, a propósito do tema, que o entendimento desta Corte é uníssono no sentido de que a decretação da ineficácia de atos praticados anteriormente à quebra da sociedade empresária não prescinde de prova concreta da fraude, conforme se dessume dos seguintes julgados: REsp 1.197.723⁄SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 4ª Turma, DJe 27⁄10⁄2010, e REsp 681.798⁄PR, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª Turma, DJ 22⁄08⁄2005.
3. Da impossibilidade de emendar a petição inicial depois de apresentada a contestação.
09. Na hipótese dos autos, a inaptidão da inicial foi reconhecida porque o Tribunal de origem verificou que a recorrente não descrevera, especificamente, "a conduta ilícita do réu [Corporação Nacional de Empreendimentos] adquirente de unidades autônomas em shopping center" (e-STJ, fl. 2.241). Foi assentado, outrossim, que "a inicial é rigorosamente omissa em relação a tal comportamento [consilium fraudis], de modo que não se pode decidir sobre fraudes abstratamente consideradas" (e-STJ, fl. 2.245).
10. A recorrente, nas razões do especial, não se insurgiu contra essas premissas, limitando-se a defender a tese de que a Corte estadual deveria ter-lhe oportunizado, nos termos do art. 284 do CPC, a emenda da inicial – mesmo depois de contestada a ação –, a fim de que pudesse sanar as irregularidades detectadas.
11. É importante salientar, por um lado, que a Segunda Seção deste Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de que a petição inicial não pode ser emendada depois de apresentada a contestação, sob pena de malferir o princípio da estabilização da demanda (EREsp 674.215⁄RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Rel. p⁄ Acórdão Min. Ari Pargendler, 2ª Seção, DJe 04⁄11⁄2008).
12. Por outro lado, não se desconhece a existência de precedentes desta Corte que, diante de situações que apresentem contornos excepcionais, tenham flexibilizado essa perspectiva, como ocorrido quando do julgamento do AgRg no REsp 752.335⁄MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 4ª Turma, DJe 15⁄03⁄2010, e do AgRg no Ag 441.926⁄SP, Rel. Des. Convocado Paulo Furtado, 3ª Turma, DJe 04⁄12⁄2009.
13. Dentre essas exceções, todavia, não se podem incluir as hipóteses em que os defeitos da petição inicial importem em modificação da causa de pedir, como no particular. Na dicção normativa do art. 264, parágrafo único, do CPC, "a alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo".
14. Ressalte-se que, por ocasião do julgamento do REsp 1.074.066⁄PR (minha relatoria, DJe 13⁄05⁄2010), esta 3ª Turma reconheceu, em circunstância semelhante à aqui debatida, a inviabilidade da emenda da inicial. Naquela oportunidade ficou assentado que:
A adoção desse entendimento não se confunde com o rigorismo do procedimento. Ao contrário, firma-se no princípio da estabilidade da demanda, consubstanciado no art. 264, caput e parágrafo único, do CPC. Com efeito, estabilizada a demanda, é inaplicável o art. 284 do CPC, quando corrigir a inicial implicar a alteração da causa de pedir ou do pedido, ou violar os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Dessarte, declarada a inépcia da inicial, por ausência de causa de pedir, deve extinguir-se o processo, sem a resolução do mérito, sendo inaplicável o art. 284 do CPC.
15. É importante destacar que o defeito constatado na inicial desta ação pelo acórdão recorrido – ausência de descrição de comportamento intencional atribuível à recorrida e praticado em conluio com a falida com vistas a lesar o direito de credores – traduz-se, consoante fixado no tópico antecedente, em omissão da causa de pedir. A conclusão alcançada pelo Tribunal de origem não discrepa desse entendimento:
Não é possível a embargante almejar a emenda da inicial que não contém a causa de pedir, depois de instaurado o contraditório.
Com o devido respeito, a inicial é imprestável, pois visa desfazer quase quatro dezenas de alienações, feitas para diversas pessoas e a vários títulos, sem discriminar qual o comportamento ilícito de cada um dos adquirentes.
Inviável pretender o desfazimento de dezenas de contratos de alienação de ativos, sem indicar, de modo especificado, quais os indícios do consilium fraudis, ou a conduta ilícita de cada um dos adquirentes.
A inicial, genérica e confusa, não presta para o reconhecimento da ineficácia de contratos em geral, sem especificação individual dos vícios.
(e-STJ, fls. 2.260⁄2.261)
16. Cumpre referir, por derradeiro, que a falta de explicitação da causa de pedir, nos termos do disposto no art. 295, parágrafo único, I, do CPC, conduz, inevitavelmente, ao reconhecimento da inépcia da petição inicial e ao seu consequente indeferimento. Nesse sentido, a título ilustrativo, confira-se o REsp 1.062.996⁄PR, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4ª Turma, DJe 26⁄04⁄2010.
17. À vista de todo o exposto, considerando o cenário fático desenhado pelo acórdão recorrido e as circunstâncias que lhe são subjacentes – contra os quais sequer insurgiu-se a recorrente –, bem como o entendimento desta Corte acerca da matéria discutida, impõe-se a conclusão de que não houve violação à norma estabelecida no art. 284 do CPC.
Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2011⁄0103688-7
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.305.878 ⁄ SP
Números Origem: 333866242008826 5715224 99408022866350001 994080338663
PAUTA: 05⁄11⁄2013 JULGADO: 05⁄11⁄2013
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : APACE INCORPORAÇÕES E PARTICIPAÇÕES LTDA - MASSA FALIDA
ADVOGADO : ALESSANDRA UBERREICH FRAGA VEGA - SÍNDICO
RECORRIDO : CORPORAÇÃO NACIONAL DE EMPREENDIMENTOS LTDA
ADVOGADO : ARMANDO FERRARIS E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Empresas - Recuperação judicial e Falência
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.
Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. STJ. Processo Civil. A petição inicial não pode ser emendada depois de apresentada a contestação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 mar 2014, 08:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudencias/38547/stj-processo-civil-a-peticao-inicial-nao-pode-ser-emendada-depois-de-apresentada-a-contestacao. Acesso em: 04 dez 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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