A segunda e última parte da reportagem sobre o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) apresenta teses aplicadas em julgamentos que discutiram a duração do processo, a relação com a esfera penal, o compartilhamento de provas, a prescrição, o ato de julgar e as hipóteses de reexame, reconsideração e revisão.
Encerrada a fase de instituição da comissão processante, a Lei 8.112/1990 determina que o prazo para a conclusão do PAD não pode exceder 60 dias, admitida a sua prorrogação por igual período, quando as circunstâncias o exigirem. Após esse prazo, a autoridade julgadora tem até 20 dias para proferir sua decisão – um total de até 140 dias para a finalização do processo.
No entanto, o STJ já decidiu que o excesso de prazo para a conclusão do PAD só causa nulidade se houver demonstração de prejuízo à defesa, conforme o teor da Súmula 592, aprovada em 2017 pela Primeira Seção.
Em um dos precedentes que deram origem ao enunciado, o MS 19.823, a Primeira Seção manteve a demissão de um procurador federal após ele ter-se valido do cargo para lograr proveito pessoal em detrimento da dignidade da função pública, bem como ter participado de gerência ou administração de sociedade privada – fatos expressamente puníveis com a pena de demissão (artigo 132, XIII).
Entre outros pontos, o procurador alegou a preclusão do direito de puni-lo, uma vez que a comissão processante só veio a concluir seus trabalhos após o prazo de 140 dias.
A relatora do mandado de segurança, ministra Eliane Calmon (aposentada), lembrou que a jurisprudência do STJ é pacífica no sentindo de que o excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar não é causa de nulidade, quando não demonstrado prejuízo à defesa do servidor.
Segundo ela, o prejuízo de que fala a lei é para o exercício do direito de defesa, "sendo ilógico imaginar-se que eventuais prejuízos decorrentes da aplicação da pena, dada a sua natureza punitiva, sejam suficientes para justificar a declaração de nulidade do processo por excesso de prazo. Afinal, todo e qualquer ato de demissão ocasiona prejuízos, inclusive financeiros, para o demitido".
Em muitos casos, o ato cometido pelo servidor será investigado tanto na esfera administrativa quanto na penal. Nessas situações, a jurisprudência do STJ já se pronunciou no sentido da independência entre as instâncias e da impossibilidade de os efeitos da decisão penal influírem na administrativa, salvo nas hipóteses de inexistência do fato ou negativa de autoria.
Em 2016, no MS 21.305, a Primeira Seção manteve a pena de demissão aplicada a três servidores, apesar de terem sido absolvidos em ação penal e em ação de improbidade administrativa, pelos mesmos fatos apurados nos respectivos PADs.
Denunciados por suposto envolvimento em irregularidades nas licitações do órgão em que trabalhavam, eles foram absolvidos na esfera penal porque o Tribunal de Contas da União (TCU) atestou a regularidade da aplicação dos recursos públicos – o que excluiu a presença do dolo da conduta.
O relator do mandado de segurança impetrado pelos servidores no STJ, ministro Herman Benjamin, explicou que as decisões absolutórias na via judicial – que ainda não haviam transitado em julgado – "não trazem repercussão imediata à esfera do processo administrativo disciplinar, uma vez que não se lastrearam na inexistência do fato ou negativa de autoria, mas, sim, na alegada ausência de dolo dos servidores, haja vista que as contas dos processos licitatórios teriam sido aprovadas por decisão do TCU".
A independência entre as esferas, contudo, não impede que provas já produzidas no âmbito penal sejam compartilhadas no processo administrativo. O entendimento está na Súmula 591, aprovada em 2017 pela Primeira Seção.
Para a jurisprudência do STJ, é possível utilizar provas emprestadas de inquérito policial ou processo criminal na instrução de PAD, desde que respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa.
No MS 17.534, impetrado por um policial rodoviário federal demitido com base em provas de ação penal, o relator, ministro Humberto Martins, reconheceu a possibilidade de uso de interceptações telefônicas como provas emprestadas.
O ministro destacou que foram observados os critérios necessários para a utilização desse tipo de prova: a devida autorização judicial e a oportunidade de o servidor contraditar o seu teor ao longo da instrução.
Os prazos de prescrição previstos na lei penal se aplicam às infrações disciplinares também capituladas como crime, segundo prevê o parágrafo 2° do artigo 142 da Lei 8.112/1990. No entanto, não é necessário que haja apuração criminal da conduta do servidor para aplicar os prazos penais às infrações disciplinares.
O entendimento foi adotado no MS 20.857, julgado em maio de 2019 pela Primeira Seção, que não reconheceu a prescrição em processo administrativo no qual uma servidora alegava o transcurso do prazo para aplicar a penalidade de destituição do cargo em comissão que ocupava. Antes disso, o STJ entendia que a aplicação do prazo de prescrição previsto na lei penal exigia demonstração da existência de apuração criminal da conduta do servidor.
O autor do voto que prevaleceu no julgamento, ministro Og Fernandes, lembrou que o colegiado, ao julgar o EREsp 1.656.383, de relatoria do ministro Gurgel de Faria, definiu que, diante da rigorosa independência entre as esferas, não se pode considerar a apuração criminal um pré-requisito para a adoção do prazo prescricional da lei penal no processo administrativo.
Og Fernandes ressaltou que o Supremo Tribunal Federal também se posicionou da mesma forma. "O lapso prescricional não pode variar ao talante da existência ou não de apuração criminal, justamente pelo fato de a prescrição estar relacionada à segurança jurídica. Assim, o critério para fixação do prazo prescricional deve ser o mais objetivo possível – justamente o previsto no dispositivo legal referido –, e não oscilar de forma a gerar instabilidade e insegurança jurídica para todo o sistema", afirmou o ministro.
Encerrada a fase do inquérito administrativo, a comissão elaborará relatório minucioso, com o resumo das principais peças dos autos e das provas usadas para formar a sua convicção, o qual será sempre conclusivo quanto à inocência ou à responsabilidade do servidor.
Como regra, a autoridade julgadora acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas dos autos. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que a autoridade pode discordar das conclusões da comissão processante, desde que em decisão devidamente fundamentada, conforme o artigo 168 da Lei 8.112/1990.
No MS 17.811, a Primeira Seção manteve a destituição do cargo em comissão de um servidor, aplicada pela autoridade julgadora, que não acatou a conclusão da comissão processante por entender que a pena proposta contrariava a prova produzida nos autos.
Ele foi investigado por viabilizar a contratação de parentes – irmão, nora, genro e sobrinhos – por meio de convênios celebrados com o órgão em que trabalhava. Por não ter havido dano ao erário, a comissão processante indicou a pena de advertência.
O relator do mandado de segurança do ex-servidor, ministro Humberto Martins, ressaltou que, para a jurisprudência do STJ, o artigo 168 da lei permite que a autoridade contrarie as conclusões da comissão processante, desde que o faça com a devida motivação, para retificação do julgamento em atenção aos fatos e às provas.
Segundo o ministro, um dos fundamentos utilizados pela autoridade julgadora para a aplicação da penalidade recaiu no artigo 117, IX, da Lei 8.112/1990, que proíbe o servidor de "valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública".
Para o ministro, não procede o argumento levantado pelo ex-servidor de que o fato de não ter havido prejuízo ao erário na contratação dos parentes ensejaria a anulação da penalidade de destituição do cargo em comissão. "O dispositivo claramente não elege o dano ao erário como razão suficiente para estabelecer referida proibição ao servidor público" – afirmou o relator, ao ressaltar que o ato da autoridade julgadora "sobeja em fundamentos e motivos para aplicar a pena".
Em 2018, a seção de direito público reafirmou o entendimento de que, caracterizada conduta para a qual a lei estabelece, peremptoriamente, a aplicação de determinada penalidade, não há margem de discricionariedade que autorize o administrador a aplicar pena diversa.
No MS 21.859, o colegiado negou o pedido do ex-reitor de uma universidade pública para a declaração de nulidade do ato que o demitiu do cargo. Segundo ele, a autoridade julgadora do PAD não levou em consideração os seus antecedentes funcionais ao fixar a pena.
O servidor foi investigado por contratar de forma desnecessária uma fundação, sem pesquisa de preço, sem justificativa do valor do contrato e sem que a contratada tivesse condições de executar o projeto assumido.
Segundo a relatora do mandado de segurança, ministra Regina Helena Costa, "não existe para o administrador discricionariedade para a aplicação de pena diversa da demissão" quando é reconhecida a conduta de se valer do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, além da lesão aos cofres públicos e da prática de ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração e causa prejuízo ao erário.
Após o encerramento do PAD, o servidor punido poderá apresentar recurso para reexame do processo – dirigido à autoridade hierarquicamente superior, para discutir o mérito da decisão tomada – ou, ainda, pedir reconsideração à mesma autoridade que aplicou a pena. A Lei 8.112/1990 fixa procedimentos próprios e prazos para protocolar esses pedidos.
A qualquer tempo, no entanto, o servidor poderá apresentar pedido de revisão do PAD, desde que demonstre a existência de fatos novos ou circunstâncias com potencial de justificar a inocência ou a inadequação da punição aplicada. Seguindo essa disposição, a Primeira Seção, no MS 17.666, negou o pedido de revisão a um ex-servidor, demitido havia mais de dez anos do cargo que ocupava no serviço público, por não haver fatos novos em suas alegações.
Após o seu pedido de revisão ser negado no órgão em que trabalhava, ele argumentou no STJ que foi demitido por improbidade administrativa antes da edição da Lei 8.429/1992, a qual teria revogado tacitamente o enquadramento genérico sobre improbidade da Lei 8.112/1990. Dessa forma, sustentou, apenas o Judiciário teria competência para julgar servidores por ato de improbidade, e não mais a administração pública.
Segundo a relatora do mandado de segurança, ministra Assusete Magalhães, o ex-servidor não apresentou, para ensejar a instauração do processo revisional, fatos novos ou qualquer outra circunstância suscetível de justificar a sua inocência ou a inadequação da pena.
Ela explicou que a jurisprudência do STJ já assentou o entendimento de que a Lei 8.429/1992 não revogou dispositivos da Lei 8.112/1990 em relação aos processos administrativos disciplinares. "Isso porque o artigo 12 da Lei 8.429/1992 é claro no sentido de que as sanções nele previstas são independentes em relação às sanções penais, civis e administrativas", afirmou a ministra.
Leia a primeira parte da reportagem:
O servidor e o PAD: a jurisprudência do STJ sobre o processo administrativo disciplinar
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