O presente artigo procura desmistificar o neoconstitucionalismo que tantos do mundo jurídico escutam falar, mas poucos o compreendem da forma esperada. Talvez por isso um modelo crível de críticas algumas vezes oportunistas pela intelectualidade e outras pela notoriedade, algumas com certa justificativa que dever-se-ia ponderar, mas se abstém-se no propósito de reconstituir as amarras de uma tradição obsoleta, macróbia e inservível para a regulação das sociedades contemporâneas. São positivistas e oportunistas tentando retroceder quanto às conquistas que se deveriam aprofundar.
É no findar da 2ª Grande Guerra que ficou evidenciado que o velho constitucionalismo europeu caracterizado pelo culto exacerbado ao positivismo legislado (legiscentrismo) e pela sodomia à lei denotou-se incapaz de evitar o surgimento de regimes despóticos responsáveis por sistemáticas violações aos mais caros direitos fundamentais. Assim, sob as ruínas do velho continente, nasce um movimento, denominado "neoconstitucionalismo", que procura reconstruir as bases do Direito Constitucional de uma forma que o tornasse mais efetivo e sagaz amparador das situações conflituosas que haveriam de surgir, ofertando uma tutela mais efetiva aos direitos fundamentais, que antes só se protegiam os que eram esposados por regras e por isso muitos deles subordinados a uma vontade política e ao arbítrio das funções políticas de poder.
Em grande parte, foi essencial para o desenvolvimento do neoconstitucionalismo a promulgação de constituições de caráter social e democrático, marcadas pela positivação de princípios e postulados jurídicos, pela previsão de amplos catálogos de direitos fundamentais e pela contemplação de normas programáticas (de intenção). Inicialmente, na Itália (1947) e na Alemanha (1949) e, depois, em Portugal (1976) e na Espanha (1978), essas constituições marcam a ruptura com os sistemas totalitários e pactuam o compromisso desses povos com a paz, o desenvolvimento e o respeito aos direitos humanos. Estes novos marcos normativos que se traçavam, agregados à necessidade de superação de um passado recente de excrementos totalitários exigiram uma nova postura na aplicação e interpretação do direito constitucional.
Assim, o neoconstitucionalismo proclama emblematicamente a primazia do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual deve ser protegido e promovido pelos Poderes Públicos e pela sociedade em geral. Da mesma sorte, esse movimento enaltece a força normativa da constituição, a qual deixa de ser um mero catálogo de competências e de recomendações políticas e morais, para se tornar um sistema de preceitos vinculantes, capazes de conformar-se com as realidades que se dinamizam.
No Brasil, os grandes marcos do neoconstitucionalismo são a abertura democrática vivida em meados da década de 1980 e posteriormente e de forma mais avançada a Constituição de 1988.
Em feliz síntese, Inocêncio Mártires Coelho ensina que esse novo constitucionalismo marca-se pelos seguintes aspectos:
"Mais Constituição do que leis; mais juízes do que legisladores; mais princípios do que regras; mais ponderação do que subsunção; mais concretização do que interpretação".
Ouso dissentir apenas em sua última parcial, diria mais concretização pela equidade que pela estrita legalidade, pois da interpretação não se abdicou, pelo contrário, concedeu-se novas ferramentas mais eficazes para se obter uma justiça mais ponderada e equilibrada para cada caso concreto.
Acresceria ainda, uma maior abertura aos métodos mais abertos de raciocínio jurídico, uma aproximação do direito a moral e uma maior judicialização dos meios políticos (Executivo e Legislativo) com o influxo de um maior "prioritarismo" (permissão ao neologismo) às decisões jurisdicionais.
Para Luís Roberto Barroso, são características do neoconstitucionalismo a redescoberta dos princípios jurídicos, (em especial a dignidade da pessoa humana), a expansão da jurisdição constitucional com ênfase no surgimento de tribunais constitucionais e o desenvolvimento de novos métodos e princípios na hermenêutica constitucional.
Observe-se que as leituras desses autores em pouco se diferem. Na realidade, mais do que decorar teorias ou pontos de vistas, o que interessa é que os intérpretes e aplicadores do direito busquem conferir às Cartas Constitucionais uma cada vez maior força irradiante para os demais ramos do direito e das sociedades.
É, de todo, o neoconstitucionalismo passível de elogios e críticas, amores e aversões, embora deva asseverar que as segundas adjetivações (negativas) não encontrem tanto eco em minhas percepções, às entendendo como consequências naturais do processo que não reduzem os valores de suas conquistas presentes e futuras e que de certa forma se encaixam muito bem às nossas realidades, pedindo vênia às nobres opiniões divergentes, muitas das quais mais no ímpeto de polemizar e de flertar com o debate do que atentar contra o belo processo que se está construindo.
O neoconstitucionalismo é um conceito formulado na Itália e na Espanha que surge no Brasil muito forte após a chegada de uma coletânea do jurista mexicano Miguel Carbonell publicada na Espanha em 2003 e que recebia o título de "Neoconstitucionalismo".
No Brasil, alguns jurisconsultos de renome procuram como forma de penetrar com "inovações" a esta nova realidade decantada e bem planificada no exterior, alterar sua denominação e trazer algumas críticas ao processo de "neocontitucionalização", parcela por razões de vaidade, parcela por amor ao dissenso, ainda que imotivado, aproveitando-se dos desconhecimentos para conseguir eco de quase nenhuma valia prática para a academia.
O que acontece é que são chamados ou se autoproclamam neoconstitucionalistas, jurisconsultos que por vezes negam a própria essência do neoconstitucionalismo, e nesta linha criam-se uma série de neoconstitucionalismos dissidentes que guardam apenas algumas características comuns, alguns que chegam a desnaturá-lo e que por este fato procurar alterar sua nomenclatura para desqualifica-lo e quem sabe emplacar um novo modelo de neoconstitucionalismo desvirtuado por essência.
Ao se perceber que ao final da 2ª Guerra Mundial as sociedades ficavam ao bel prazer das ideologias de governo mais facínoras despidas qualquer proteção, perseverou-se em fortalecer, conferir efetividade e supremacia a um diploma jurídico que contivesse direitos essenciais a uma existência digna longe do pérfido arbítrio de putrefatas razões políticas de dominação e exploração. Daí o surgimento de uma jurisdição constitucional capacitada a garantir, em tese, os direitos fundamentais em suas parcelas essenciais, ainda que se tenha a necessidade de acionamento dos meios jurisdicionais de solução de conflitos e omissões estatais (executivas e legislativas).
Quando este fenômeno deste novo constitucionalismo se espraia pelas Cartas Constitucionais da Europa percebe-se uma aproximação com a Carta Constitucional Norte-Americana, com a diferença importante da extensão temática das novas Cartas Europeias, que passaram a tutelar uma enormidade de direitos que vão muito além da exiguidade da Carta Yankee, incluindo direitos políticos, individuais e algumas já sociais prestacionais de 2ª dimensão.
Nascia o fenômeno da constitucionalização da ordem jurídica, quando todos os diversos diplomas existentes e criados deveriam ser lidos à luz de uma exegese constitucional de fundamento de validade.
Repletos de normas-princípios com indeterminações semânticas, o método da subsunção passou a ser dedicado apenas às normas-regras, que deveriam se pautar nos valores aduzidos pelas normas-princípios para que fossem dotadas de um valor moral que passaria a lhe conferir maior legitimidade. As tensões passam em grande parte a serem discutidas e analisadas a partir do sopesamento de princípios com forte valor axiológico plural, quando o sopesamento com base no postulado da proporcionalidade como técnica para solução de conflitos se torna o meio que nega o pragmático positivista como idôneo método de resolução dos conflitos para as novas realidades.
Surge a Função Judiciária de poder como garantidora da nova ordem constitucional, da supremacia da Constituição, quando os magistrados "bocas da lei" nas célebres palavras de Montesquieu tornam-se efetivos prestadores de justiça e ganham meios de forçar o implemento dos deveres de um novo Estado social-prestador que não pode mais omitir-se sob o pálio de uma positivismo empobrecido.
O positivismo formalista da subsunção como método de aplicação das normas jurídicas, os "discricionarismos" da política como refúgios legítimos e insindicáveis que pecavam pela ineficiência encontram uma nova realidade mais oxigenada que os retiram a primazia, passando a discutir novos métodos de argumentação para a solução dos grandes "pepinos" que o direito sempre ofertou para que se tivesse uma justa solução mais arejada que trouxesse uma reaproximação do direito à moral, nasce o neoconstitucionalismo.
Com o neoconstitucionalismo o princípio da Separação dos Poderes deve ser lido sem o caráter absoluto e mumificante que se dava até então. A função Judicial passou a ostentar o papel preponderante de fiel executora das normas constitucionais, passou a garantir normatividade aos seus preceitos independente de originariamente a competência para ofertar efetividade devesse partir da Função Executiva ou Legislativa de Poder. Não implementada efetividade aos mandamentos da Carta Constitucional por estas duas últimas Funções caberia agora à Função Judicial sindicar e fazer cumprir a ordem constitucional.
Nada mais realizável por perfeito encaixe para a nossa realidade de omissões e desvios de finalidade dos poderes políticos do país. Mas cabe a pergunta que muitos fazem para confundir: E como fica o Princípio Democrático das concepções majoritárias? Primeiramente as concepções majoritárias hão de perseverar caso não sucatei as minorias, Hoje mister que se faça uma leitura de respeito às vontades das maiorias caso não se sucatei, vilipendie, extermine os interesses das minorias, este via de regra protegidos pelos valores encetados aos direitos fundamentais. É exatamente nesta senda que podemos asseverar que o tribunal Constitucional é via de regra uma Tribunal que julga pelas minorias, que se deixadas ao desamparo da democracia majoritária terminas esmagadas em verdadeiro "apartheid" social.
Neste pensamento que deve ser percebido o que se convencionou alcunhar de "ativismo judicial", lido por muito com sentido pejorativo, mas que busca em verdade retirar discricionariedades e conformações dos poderes políticos (Executivo e Legislativo) pautados na democracia majoritária para conferir ao Judiciário o papel um normatizador do espírito da Constituição. Nestes termos que se assenta o papel contramajoritário que um tribunal pode perseverar em seu espírito de decisões.
Propugnam-se por vezes pelo respeito às minorias, à democracia das minorias, nos termos de uma isonomia material, ainda que a palavra final caiba ao poder não legitimado diretamente pelo voto da democracia das maiorias, mas, em regra, pela meritocracia dos concursos públicos nos termos cogentes da Constituição. Lembre-se ainda que, as decisões judiciais são manifestações nos termos da lei (sentido amplo) construidas majoritariamente nos termos de processo legislativo próprio, e que por isso não há que se falar em ausência de legitimidade democrática em uma decisão judicial.
É com o neoconstitucionalismo que o debate moral ganha proeminência para o direito. Advém da carga axiológica atribuída às normas-princípios do Estado Democrático de Direito, da Dignidade da Pessoa Humana, da Isonomia, da Solidariedade. Nasce daí grande divergência que separa os positivistas dos neoconstitucionalistas, quando aqueles só conferem normatividade a moral positivada, expressa, quando estarão dotadas de força jurídica, ao contrário dos neocontitucionalistas, para os que o direito para ter validade jurídica deve estar em consonância com a moral.
Pensasse desta forma a Alemanha-nazista, esta ideologia totalitária não encontraria a legitimidade positivista/legalista que encontrou para praticar barbáries nos termos da lei. O direito sem carga moral é um direito essencialmente injusto, embora para parcela de positivistas possa ser legal.
Vale lembrar, que até a efetiva "positivação" do modelo neoconstitucionalista no Brasil com a Carta de 88 a lei tinha maior normatividade que a Constituição e no Direito Público decretos e portarias mais que leis, aplicava-se o método interpretativo da especialidade, para melhor entendimento. Tínhamos uma Constituição despida de normatividade e os direitos constitucionais estavam sempre na dependência da boa vontade política das funções políticas, sem que houvesse um Judiciário capaz de enfrentar possíveis omissões e desvios de finalidade escapistas do interesse público.
A Assembleia Constituinte de 1987/1988, que coroou o processo de redemocratização do país, quis romper com este estado de coisas, e promulgou uma Constituição contendo um amplo arquétipo de direitos fundamentais de diversas dimensões - direitos individuais, políticos, sociais e difusos - aos quais conferiu aplicabilidade imediata (art. 5º, Parágrafo 1º), e protegeu diante do próprio poder de reforma (art. 60, Parágrafo 4º, IV) na forma de cláusulas pétreas. Além disso, reforçou o papel do Judiciário, consagrando a inafastabilidade da tutela judicial (art. 5º, XXXV), criando diversos novos remédios constitucionais, fortalecendo a independência da instituição, bem como do Ministério Público, e ampliando e robustecendo os mecanismos de controle de constitucionalidade. Neste último tópico, ela democratizou o acesso ao controle abstrato de constitucionalidade, ao adotar um vasto elenco de legitimados ativos para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade (art. 103) e ampliou o escopo da jurisdição constitucional, ao instituir no Brasil o controle da inconstitucionalidade por omissão, tanto através de ação direta como do mandado de injunção.
Esta sistemática de jurisdição constitucional adotada pelo constituinte fundamentou o processo de judicialização da política, pois conferiu a qualquer partido político com representação no Congresso, às representações nacionais da sociedade civil organizada e às principais instituições dos Estados-membros, dentre outras entidades, o poder de provocar o STF. Tornou-se prática comezinha que questão relevante que seja resolvida no âmbito parlamentar em divergência que os vencidos no processo político majoritário recorram à Corte Suprema para que dê a palavra final à controvérsia, com base na sua interpretação da Constituição.
E tal modelo vem se aprofundando desde 88, com a criação da Ação Declaratória de Constitucionalidade e a regulamentação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, tudo no propósito de se interpretar nos termos da Constituição.
A CRFB/88, uma Carta social e principiológica, que pecou em muitos momentos pela sua extensão abarcando temáticas próprias de legislação infraconstitucional, repleta de matérias apenas formalmente constitucionais, mas ganhou com a possibilidade da filtragem constitucional da ordem jurídica posta, proporcionando uma releitura do direito nos termos da Carta de 88. Passou-se pela fase da normatividade da Constituição, já que os dispositivos constitucionais não eram visto como normas, mas preceitos dependentes da vontade política para que fossem efetivados, e posteriormente, pela fase da própria efetividade normativa da constituição, quando se concedeu efetividade direta às normas constitucionais independente de regulamentação legislativa como meio de concretização direta da vontade do constituinte de 88.
Sofremos ainda com o problema da efetividade das normas, mas o entendimento de que norma constitucional é uma mera abstração despida de efetividade por si só sem a concretude do legislador ordinário parece ter chegado ao fim. Não terminou, porém, a luta pela efetividade em sua outra vertente, a da seletividade. A norma constitucional ainda guarda maior efetividade quando se trata de proteger os já protegidos pelo sistema, e muitas vezes peca em tutelar os excluídos deste, em geral os hipossuficientes do sistema, em uma espécie de dois pesos e duas medidas burguesa-capitalista.
As entradas das teorias de Dworkin e Alexy que trouxeram as regras ponderação das normas-princípios concedendo-as aplicabilidade fático-jurídica através do Postulado da Proporcionalidade, aprimorando-se no país o estudo da hermenêutica jurídica foram fatores que propiciaram o Brasil a evoluir do arcaico de interpretação positivista em direção a um neopositivismo, mais justo e dinâmico para enfrentar as mudanças e necessidades sociais.
O direito se humaniza pelas razões que promanam da moral, cresce em importância a tutela dos direitos fundamentais sob esta perspectiva moral, trazendo do direito alienígena teorias à serem ponderadas para se encontrar a justiça do direito, nesta esteira as teorias do mínimo existencial, da reserva do possível e da proibição de retrocesso, formando-se a teoria dos direitos fundamentais, enriquecendo sobremaneira os argumentos dos direitos prestacionais e sociais. Deste ponto trato com bastante atenção em minha obra: "A Efetividade dos Direitos Fundamentais e a Eficácia das Políticas Públicas".
O espraiamento da normatividade constitucional talvez haja sido a maior colaboração deste novo modelo. Os direitos públicos e privados passaram a ser lidos sob novos paradigmas de validade, uniformizando-se todo o ordenamento a dialética constitucional de interpretação. Surgiram fenômenos como a interpretação conforme a Constituição, a mutação constitucional, que não promovem a revogação de uma norma infraconstitucional, mas dá-lhe nova leitura nos termos da Constituição, algo que tempos atrás revelar-se-ia impensável aos positivistas mais ortodoxos.
O neoconstitucionalismo substantivista (entendo o mais legítimo) confere um amplo espectro de atuação ao Judiciário, ao chamado ativismo judicial como forma de efetivar-se os valores da normatividade constitucional, conferindo papel relevante a argumentação jurídica moral de forma mais madura que a trazida pelo jusnaturalismo, algo que se denota fundamental que se possibilite uma interpretação mais justa do direito independente de sua positivação expressa.
Esta cultura de valorização dos princípios-normas que foi importada pelo direito nacional deve reverência a forma qualificada que penetrou na Corte Constitucional do pais, quando o STF passou a julgar ponderando interesses utilizando-se da técnica da proporcionalidade e desta forma ofertando efetividade ao texto constitucional. Com a saída dos ministros nomeados no período militar, ainda aprisionados às vetustas concepções, houve um arejamento doutrinário no STF que propiciou esta evolução dogmática com a nomeação de uma sequencia de grandes jurisconsultos da academia dedicados ao Direito Constitucional, que puderam paulatinamente mudar os pensamentos da Corte e a transmudar o Supremo Tribunal Federal verdadeiramente em uma Corte Constitucional.
Foi quando as normas de Direitos Sociais deixaram de ser tratadas como meras normas programáticas para se tornarem normas com efetividade suscitante, trouxe ainda a efetividade horizontal dos direitos fundamentais, ampliando o campo de atuação dos direitos fundamentais para além da relação do Estado com o particular para abarcar também os particulares com força de Estado. Trouxeram técnica de decisão como a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, as sentenças aditivas, a figura do "amicus curiae" para democratizar os debates, a realização de audiências públicas, e outras figuras que vieram para sofisticar os instrumentos para se prestar jurisdição constitucional.
Ressalta-se que figuras como a do "amicus curiae" e as audiências públicas conferem maior volúpia de legitimidade às decisões do Supremo, pois destas decisões participam a sociedade civil democratizando e humanizando os que antes se denotava como a fria subsunção da lei.
Por conta do que se chamou de "ativismo judicial" o Supremo alterou substancialmente sua agenda açambarcando inúmeras questões sociais em seus julgados, como a questão das células troncos, das cotas sociais e raciais, dos "abortos" de fetos anencefálicos, uniões homoafetivas, entre outras. As questões políticas também vieram também se tornaram matéria sujeita a apreciação da Corte Constitucional, interferindo diretamente na vocação das demais funções de poderes do Estado (Legislativa e Executiva) como quando decidiu sobre cassação de mandato parlamentar, sobre o controle jurisdicional dos atos das CPI's ou mesmo quando apurava os requisitos para a edição das MP's. Toda essa nova agenda vem a se somar às já tradicionais questões de Direito Público que sempre por vocação constitucional apreciou. Importa relevar deste aditamento de novas pautas o marcante conteúdo de viés moral que se imbricou em suas decisões, marcando a aproximação do direito à moral.
Hoje se pode sustentar que temos um Judiciário ideologicamente dividido quanto as suas concepções constitucionalistas. Se o STF por seus ministros incorporou este novo coração do Constitucional à sua essência, conforme demonstrado, se a base do Judiciário já traz da academia esta ideia (por sua juventude), as instâncias intermediárias (com desembargadores formados pelo Direito Constitucional anterior) ainda se encontram pusilânimes, recalcitrantes com toda esta mudança de paradigma, circunstância que há de se alterar com a oxigenação de novos magistrados nomeados mais jovens advindos das instâncias inferiores, o tempo se ocupará de efetivar esta transição para um modelo único de Direito Constitucional a ser aplicável no país. Nestes termos, sem previsões ao estilo "Mãe Dinah", acredito que o juspositivismo mais ortodoxos está com seus dias contados na hierarquia judiciária do país.
Já falamos da questão da legitimidade acima, mas volta-se a questão neste instante. Quando o Judiciário passou a decidir intervindo na vontade políticas dos poderes políticos vozes soaram alegando a falta de legitimidade, o desrespeito ao Princípio da Separação dos poderes e outros argumentos de menor importância. Neste instante lembro que o direito deve se colmatar à realidade social como forma de regulá-la com eficiência. O país estava (está) açodado na lama da imoralidade, lama que advém em sua maior porção dos poderes políticos do Estado, vivia-se (vive-se) uma profunda crise de legitimidade, de confiança ente a sociedade e os poderes políticos instituídos. Passou a sociedade a acreditar no Judiciário (em particular no STF) como a força instituída capaz de retirar o absoluto sentimento de impunidade e barbárie moral incrustrada na essência dos poderes políticos, e foi nesse momento que o Judiciário, capitaneado pelo Supremo Tribunal Federal adquiriu legitimidade para o enfrentamento legal/moral dos desvios funcionais que lhes eram apresentados. Contava (conta) a Corte maior com o "consensus" para agir nos termos do ordenamento como "longa manus" da sociedade. Nestes termos, como falar em ausência de legitimidade do STF para o enfrentamento das questões de núcleo político? Quem confere legitimidade é o "consensus" social e legalidade ("lato sensu") o ordenamento vigente, nenhum destes requisitos ausentes na atuação do Judiciário neste período turbulento de crises institucionais.
Houve ainda, uma mudança de paradigma na relação da Corte Constitucional com a sociedade. Abre espaço o "modelo enjaulado" das discussões e decisões para que a mídia aproxime o poder instituído do STF da sociedade civil. Se há a abertura de espaço para o oportunista show midiático de um lado, as discussões passam a politizar mais a sociedade, as temáticas se democratizam e passam a ser melhor percebidas, concede-se maior transparência às decisões colegiadas e há uma implícita prestação de contas da prestação jurisdicional de cada ministro de per si considerado, uma responsabilidade social que se ilumina e se aditiva em cada decisão.
Aqui não se quer levantar que o Judiciário se exime de críticas, pelo contrário, apenas ser faticamente mais confiável que seus poderes irmãos (Legislativo e Executivo) não lhe traz a glória. Se o "modus operandi" de fazer política pode ser considerado o grande mal da humanidade moderna e contemporânea o Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal também carrega a contaminação política em sua essência, ainda que em menor grau de ojeriza. Talvez seja a presença da política na prestação jurisdicional a porção apodrecida que deve ser ao menos controlada, já que eliminá-la seria utopia, para que a Função Judicial de Poder se torne a esperança de um país amarrado pela fidúcia, hoje um sonho bem distante.
O judiciário contabiliza outros problemas que parecem crônicos como o enfrentamento da questão da amplitude do acesso a justiça como direito fundamental "versus" a sobrecarga processual que a justiça não suporta. Quando se fala de justiça, se fala de uma prestação jurisdicional nos termos do "due processo of law", nos termos de uma razoável duração do processo, termos que parecem de difícil compatibilidade. As ondas renovatórias processuais são tentativas que buscaram, e ainda estão à procura, de uma prestação jurisdicional que compatibilize essas duas porções, com uma justiça mais célere, mas que respeite o contraditória e a ampla defesa que são cláusulas pétreas processuais que não se pode negociar em um Estado Democrático de Direito. Súmulas vinculantes, o maior respeito aos precedentes das Cortes superiores, a redução infindável do número de recursos procrastinatórios é parte das modificações que se estão implementando e que deverão se implementar na busca de uma verdadeira justiça que represente justiça.
Por fim infirma-se que o "ativismo judicial" é necessário no Brasil ao menos para garantir à tutela dos direitos fundamentais, a proteção das minorias, a aproximação da moral ao direito e o funcionamento do Estado Democrático de Direito em meios a crise de representatividade que as Funções Legislativa e Executiva se enlameiam.
O STF teve em mãos a possibilidade de demarcar um marco inicial civilizatório dando um recado ao legislativo e ao Executivo de um novo Brasil, mas ao final sua porção política evitou que esta mensagem fosse passada da forma contundente esperada pela sociedade. Se a mensagem não foi dada da forma idealizada, cabe á sociedade acreditar que estamos diante de um processo de moralização paulatino e permanente, em que ela própria cumpre um papel preponderante que não pode se descurar, o de fiscal que a democracia lhe conferiu.
Importante ainda que, as decisões judiciais não carreguem o estereótipo de nascerem fruto de decisionismos. Devem estar sempre bem fundamentadas, ou por mandamentos de definição ou de otimização, na teoria de Robert Alexy, respectivamente regras e princípios para que se confira aceitável segurança jurídica. Saber trabalhar com normas-princípios e normas-regras é algo que os prestadores de justiça devem se adaptar com o tempo. Ao mesmo tempo que se deve priorizar a aplicação de uma regra (como menor grau de subjetivismo decisório), que regule expressamente um caso concreto, o princípios (mandamentos mais rarefeitos) devem nortear as decisões, a regra aplicável ao caso concreto deve estar nos termos dos princípios mais caros para a regulação daquele específico caso concreto. Na ausência de regra os princípios devem nortear o julgador para que encontre a mais adequada resposta jurisdicional com a necessidade ainda maior de se promover uma fundamentação que confira segurança à decisão. Subsunção e ponderação como métodos de aplicação do direito ao caso concreto devem encontrar seu ponto de equilíbrio ideal para que a prestação jurisdicional se faça verdadeiramente justa, e portanto, se preste justiça e não apenas se promova um decisão qualificada unicamente pelo arbítrio judicial. A jurisdição vive o paradoxo do dever de prestigiar a maior rigidez em sua hermenêutica jurídica ou a maior maleabilidade, quando o ideal é saber utilizar-se das duas da forma mais adequada, o que requer tempo para maturidade deste novo modelo com mais variáveis.
Alguns críticos alardeiam que o excesso de constitucionalismo, com a Constituição fecundando todo ordenamento como seu fundamento de validade seria antidemocrático, pois limitaria a Função Legislativa. Ouso discordar, não há esta mumificação que querem os opositores do neoconstitucionalismo e do "ativismo judicial" levantar. O legislativo terá sempre a liberdade de legislar, apenas sofrerá controle para que não legisle contrariamente a Constituição.
Como últimas palavras deixa-se a confiança de que o modelo neoconstitucionalista, com seus erros e acertos é o melhor dos mundos se comparado ao pragmático, vetusto e engessado que o positivismo nos impunha. Encontrar o grau de maleabilidade ideal ao ponto de se ofertar segurança jurídica deve ser sempre a meta à ser perseguida na utilização das normas constitucionais em seu processo de fidelização de todo ordenamento. Que o direito se amasie com a moral por meio de um razoável "ativismo judicial", evitando-se os excessos, em caráter de perpetuidade, e que não seja, nestes termos, eterno enquanto dure.
Recomendo: "A Efetivação dos Direitos Fundamentais e o Estado Democrático de Direito" (2014), uma leitura que promove um aprofundado estudo dos direitos fundamentais, apropriado para os exigentes concursos jurídicos o país.
Contato: [email protected]
Advogado. Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Direito Processual Civil, Direito Empresarial e com MBA em Direito e Processo do Trabalho pela FGV.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARMENTO, Leonardo. Neoconstitucionalismo como um avanço do qual não cabe retrocesso Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 abr 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1770/neoconstitucionalismo-como-um-avanco-do-qual-nao-cabe-retrocesso. Acesso em: 27 jul 2024.
Por: Joao vitor rossi
Por: Ives Gandra da Silva Martins
Por: Eduardo Luiz Santos Cabette
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