A abusividade está no ar! De fato está sim em diversas situações, mas parece haver um “lobby” impeditivo para que os órgãos de controle, o legislador ordinário de forma mais categórica e o próprio Judiciário às reconheça e delibere a respeito. O consumidor, por vezes desprotegido, incorpora sua hipossuficiência e com ela convive como algo que considera injusto em seu íntimo, mas que o sistema impõe e o ordenamento não tutela.
Preliminarmente vale assentar, que a imposição de condições abusivas, expressas através de cláusulas contratuais, excessivamente onerosas para o aderente e vantajosas ao estipulante, constituem-se num abuso de direito ou ferem o princípio da boa-fé objetiva, caracterizando as denominadas cláusulas contratuais abusivas. Estas são resultantes de um exercício abusivo de direito, com vantagem indevida para um dos contratantes. Neste sentido, as cláusulas abusivas não apenas ferem as normas positivadas como também atingem os princípios gerais de moralidade e de interesse público.
O controle das cláusulas abusivas nos diversos países que possuem legislação sobre a matéria é feito através de três sistemas: sistema das listas enumerativas, sistema da cláusula geral e sistema misto. O sistema de listas tipifica as situações de abusividade mais ocorrentes no universo jurídico, oferecendo uma enumeração dos casos mais graves. O sistema de cláusula geral adota certos valores que, uma vez ultrapassados exigem revisão. A legislação brasileira, procurando beneficiar-se da vantagem do controle prévio e abstrato do sistema de listas e do controle concreto do sistema de cláusulas gerais adotou um sistema misto. O art. 51 enumera na maior parte de seus incisos as hipóteses constantes da lista de cláusulas proibidas. Além destas, o Ministério da Justiça através da Secretaria de Direito Econômico, publicou uma série de portarias acrescendo outras cláusulas abusivas ao rol do art. 51. Por uma questão de legalidade, estas portarias possuem eficácia limitada ao âmbito administrativo, mas servem de parâmetro para o judiciário, podendo ser utilizadas em conjunto com as cláusulas gerais. A exposição que segue das cláusulas abusivas integra as hipóteses das portarias e tem uma separação temática.
Este artigo vem tratar de situação peculiar em que o sentimento de angustia costuma ficar internalizado no âmago do consumidor pela ausência de amparo tanto legal como jurisprudencial quanto ao tema. Falar-se-á do caráter abusivo de certas cláusulas penitenciais para uns, compensatória para outros, “pactuadas” por contratos de adesão formados entre os consumidores e instituições de ensino sobre o regime das concessões à iniciativa privada.
Nestes contratos, em quase sua generalidade, é curial a utilização unilateral por parte das fornecedoras dos serviços de educação desta espécie impositiva contratual clausular, encetada ao contrato assinado por adesão, no caso de o consumidor do serviço se desinteressar da prestação que lhe está sendo fornecida e procurar a resilição.
Os motivos determinantes do desinteresse do consumidor dos serviços educacionais não são considerados, e a multa penitencial é cobrada peremptoriamente, independente da existência de uma má prestação do serviço, que esteja em desacordo com o proposto por ocasião da contratação, mais precisamente na seara temporal pré-contratual. Não há que se falar em tratativas em contratos de adesão, vale lembrar, apenas em proposta e adesão a proposta (aceitação).
Prática no “mercado educacional” é a promessa na fase propositiva de uma prestação de serviço de ensino de excelência, em desconformidade com a realidade fática observada pós-aceitação contratual, quando é nítida a discrepância do ofertado para o fornecido.
O consumidor que se sente lesado por não haver sido efetivada as promessas (em suas generalidades restritas ao âmbito verbal) quando da contratação dos serviços, o que muitas vezes pode vir a gerar dano a um projeto de vida, percebe-se “em um mato sem cachorro” quando lhe é oportunizado uma de duas possibilidades: ou permanece adimplindo o contrato em desacordo com as legítimas expectativas criadas ou propõe a resilição, quando terá que arcar com o prejuízo de um projeto não consumado acrescido de uma multa clausular penitencial/compensatória em favor da instituição de ensino em montante quase sempre impeditiva do desejo de se desligar do projeto. Grande parcela das instituições de ensino, em verdade, contrata por adesão à possibilidade unilateral de aprisionamento do consumidor dos serviços de educação prestados (mal ou bem prestados).
São as instituições, organizadas em interesse social, que se incumbem na atividade da Educação, sacramentada na Carta Constitucional, em seu artigo 205, como sendo direito de todos e dever do Estado e da família, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho.
As instituições educacionais constituem pessoas jurídicas, a serem consideradas sujeitos de direitos, ou seja, dotadas de personalidade jurídica na titularidade de direitos e obrigações. Em qualquer de seus níveis (ensino fundamental, médio ou superior), as instituições de ensino enquadram-se em duas categorias administrativas: a) instituições públicas, assim entendidas as criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público; b) instituições privadas, assim entendidas as mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado (art. 19, da Lei n° 9.394/96).
Indaga-se, contudo, qual seria a espécie de pessoa jurídica que caracterizaria a instituição educacional privada, dentre as possíveis do art. 44 do Código Civil. Resposta facilmente evidenciada pelo fato de que o caráter “educacional” da instituição consubstancia atividade, e não estrutura de pessoa jurídica. Portanto, a atividade educacional de pessoa privada poderá ser constituída por pessoa jurídica na forma de fundações, associações ou sociedades.
A LDB (Lei nº 9.394/96), que estabeleceu o “plano nacional de educação” conforme determinou o art. 214 da Constituição Federal, tratou de definir quatro possíveis categorias para as instituições de ensino, a saber: instituições particulares em sentido estrito, instituições comunitárias, instituições confessionais e instituições filantrópicas (art. 20).
As instituições comunitárias são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas educacionais, sem fins lucrativos, que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade (art.20, inciso II). As instituições confessionais são as instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas que atendem a orientação confessional e ideologia específicas, bem como aos quesitos das instituições comunitárias (art.20, inciso III).
Afora as instituições comunitárias e confessionais, importa distinguir as instituições educacionais particulares em sentido estrito e as filantrópicas. A lei define serem instituições educacionais particulares em sentido estrito as instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, que não apresentem características das outras instituições, mormente a ausência de filantropia (art.20, inciso I). Quanto às instituições filantrópicas, menciona lei que estas devem atender à legislação especial (art.20, inciso IV).
Assim, as instituições de ensino superior devem atender às especificações previstas na lei 9.131/95, cujos artigos 7º-B e 7º-C determinam seus requisitos e obrigações para seu status de filantropia, conforme se explicitará adiante. Da conceituação de filantropia, identifica-se do grego philos, e antropos, no sentido de “afeição” ao ser humano ou à humanidade. Da evolução terminológica, destaca-se o trabalho e desempenho de atividades sociais, cuja caracterização se filia às instituições educacionais sem finalidade lucrativa, nos termos da própria constituição, a exemplo do art. 150, inciso VI, alínea “c”, a ser também comentada no presente trabalho.
Instituições como a renomada Fundação Getúlio Vargas são consideradas filantrópicas por preencherem os requisitos do art. 20, IV, da LDB, consideradas sem finalidade econômica. Conforme mencionado na própria LDB, a filantropia ou “status” de não-finalidade lucrativa é atribuído nos termos da lei. Para tanto, deverá a instituição educacional, cuja estrutura poderá optar na constituição de associação, fundação, sociedade simples e até sociedade cooperativa, atender aos requisitos legais, estes previstos no artigo 12 da Lei nº 9.532/97.
A FGV, por exemplo, apesar de ser considerada uma instituição filantrópica possui os cursos mais caros do país. Quem com ela contrata tem que ter ciência que poderá estar contratando gato por lebre, ou melhor, pagando pela força da marca, e que estará aprisionado a uma possível realidade fática de lebre até o final do contrato, pois há previsão no contrato de adesão que a resilição por parte do educando representará o pagamento de multa penitencial de 20% de todas as parcelas financiadas faltantes para o termo natural de adesão, tudo em nome da filantropia...
Vale lembrar que, como instituição de ensino possui isenções e imunidades tributárias diversas, como instituição fundacional filantrópica de ensino algumas outras, que se somam a incentivos públicos que consubstanciam repasses que sangram o erário público.
Entendo nulas de pleno direito, por abusividade, cláusulas que preveem multas substancialmente elevadas sobre prestações vincendas que o consumidor do serviço de ensino não irá usufruir em caso de resilição por sua vontade. O educando deve ter o direito, nos termos de sua hipossuficiência natural, de resilir um contrato com uma instituição de ensino que não atendeu as legítimas expectativas que se faziam razoáveis de uma prestação de serviço prometida e não cumprida. Falar-se-ia de exceção do contrato não cumprido (“exceptio non adimpleti contractus”), princípio da boa-fé objetiva, da equidade, do equilíbrio contratual e da tutela ao sistema de proteção consumeristas.
Vamos supor que, uma instituição de renome, como a acima mencionada, que promete excelência em sua prestação e cobra muito por isso, ofereça um serviço de qualidade menor, frustrante de qualquer legítima expectativa. Apenas por esta frustração mereceria o consumidor ser indenizado, mas não é o que se percebe na pratica, quando este terá que adimplir, caso queira resilir, com o valor de 20% de todo curso faltante que não cursará, a título de multa. Vale notar que, quem deu causa a resilição neste caso em tela não foi o consumidor, mas a instituição de ensino que não atendeu as legítimas expectativas do consumidor, nos termos da teoria da causa adequada.
Impelir por contrato de adesão que o consumidor hipossuficiente arque com o ônus de uma resilição que não deu causa, mas se perpetrou fruto de uma má prestação de serviços por parte da instituição de ensino, é medida abusiva e nula de pleno direito, que deveria ser repelida pelo Poder Judiciário com a aplicação de indenizações com caráter pedagógico-punitivo para afugentar esta prática do essencial mercado de ensino, com base na teoria do risco do negócio, nos princípios consumeristas e civilistas já mencionados, e do artigo 51, IV, IX, XII, XV e parágrafo 1º, II e III do CDC.
Deixar estas instituições de ensino amparadas por promessas que não estão dispostas a cumprir é levar o consumidor a erro, causar-lhe lesão, propagar enganosidades, e, após o termo de adesão contratual perfeito e acabado, permitir a perpetração de serviços descompromissados com a qualidade prometida pela certeza de o sistema assegurar-lhes uma zona de conforto que os mantêm seguros pelo fato de o consumidor não ter o direito de resilir sem indenizar com vultosos valores, vindo a romper ainda mais equilíbrio contratual inicial que deve ser mantido por toda relação contratual e atingir de morte o princípio da boa-fé.
Necessária à modificação deste quadro de injustiças legalizadas pelo sistema pela ausência de legislação específica proibitiva e de um judiciário em parte ainda desatento a estas particularidades. As vítimas desta prática devem demonstrar suas indignações perante o Judiciário para que este saia de sua inércia e comece a promover uma maior adequação aos termos do melhor direito de não perpetração de danos à partir da inversão de valores tutelados.
Advogado. Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Direito Processual Civil, Direito Empresarial e com MBA em Direito e Processo do Trabalho pela FGV.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARMENTO, Leonardo. As Abusivas Multas Praticadas Por Instituições de Ensino em Casos de Resilição Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 maio 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1795/as-abusivas-multas-praticadas-por-instituicoes-de-ensino-em-casos-de-resilicao. Acesso em: 20 abr 2024.
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