Antes de adentrar na polêmica decisão sobre o vídeo das cenas picantes da modelo Daniela Cicarelli no site You Tube, é preciso que se deixe claro que a decisão judicial que ordenou alguns provedores a bloquearem o acesso ao site foi cumprida de forma equivocada.
Segundo despacho publicado posteriormente, que esclareceu o teor da decisão, a ordem encaminhada visava somente o bloqueio do acesso do arquivo ou a criação de um filtro que impedisse sua divulgação. Em nenhum instante, o magistrado em seu despacho fez referência a corte do sinal de acesso do site na hipótese de ser inviável a providência tomada.
Em situações análogas, o que se espera dos provedores é que respeitem as decisões judiciais brasileiras, no sentido de prevalecer na mídia eletrônica a legislação pátria, quando os efeitos do ilícito são percebidos no território brasileiro, conforme dispõe o art. 6º do Código Penal.
O fato de o You Tube estar sediado no exterior não deve ser considerado como empecilho para o cumprimento da ordem judicial, pois temos presenciado que este site tem celebrado acordos com gravadoras e empresas da indústria cinematográfica para a retirada de material armazenado protegido pela legislação autoral ou por conveniência política e comercial de potenciais mercados como a China. No caso em questão, não há que se falar em censura prévia da internet.
Entendo que nem o autor e muito menos o magistrado tinham interesse em agir dessa forma. A censura prévia na internet existe sim em 13 países de regime totalitarista considerados pela ONG Repórteres sem Fronteira como os inimigos da internet.
São eles: Bielo-Rússia, Myanmar, China, Cuba, Egito, Irã, Coréia do Norte, Arábia Saudita, Síria, Tunísia, Turcomenistão, Uzbequistão e Vietnã. Nesses países, o Estado exerce um controle rígido sobre os provedores, obrigando-os a instalar filtros para impedir o acesso da população a conteúdo considerado impróprio aos costumes ou mesmo se tratar de material contrário ao regime. O que se pleiteava no caso em comento era apenas a restrição ao acesso do material considerado ilícito em cumprimento a uma ordem judicial de autoridade judiciária brasileira.
Mas será que podemos considerar esse material como ilícito? Qual seria o limite entre o que poderia ser considerado como parte da esfera íntima dos atores da cena ou do conhecimento público? É inquestionável que as novas tecnologias modificaram o eixo da tomada de decisões. A mídia eletrônica proporciona ao indivíduo penetrar na esfera íntima de terceiros e fazer uma megaexposição de imagem, vídeo ou som, capaz de cometer uma execração impiedosa em poucos segundos, divulgando o conteúdo do material sem restrição dos limites das barreiras geográficas, causando um dano potencial.
Defendo o ponto de vista de que a legislação penal deveria ser modificada para agravar a pena daqueles que se utilizam da mídia digital para praticar um crime contra a honra, em razão da potencialidade incalculável que esse dano poderá causar. Podemos afirmar que se um dia Andy Warhol disse que cada cidadão terá direito aos seus 15 minutos de fama, é certo garantir que perante a mídia eletrônica estaremos vulneráveis a 15 minutos de execração, caso um material (imagem, vídeo ou som) de caráter privado e constrangedor seja distribuído na rede sem o controle do seu protagonista.
A colaboração dos provedores para o cumprimento das ordens judiciais é fundamental nesses casos, pois não existe até hoje mecanismo de controle de censura prévia do material que é hospedado. Por isso, é necessário que os provedores tenham ciência formal sobre o fornecimento de suporte para a prática de algum ilícito, de modo a não só providenciar a retirada desse material – sob pena de serem responsabilizados civilmente pelo ato praticado depois de tomarem conhecimento do fato –, como também identificar através dos dados sistêmicos que só eles armazenam, também conhecidos como “logs”, informações capazes de auxiliar no processo investigatório quanto à autoria.
A jurisprudência tem sido unânime quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor na prática dos serviços eletrônicos, responsabilizando os escritórios de empresas localizadas em nosso país como partes legítimas para serem acionadas em situações onde tenha ocorrido armazenamento de conteúdo de material ilícito, não importando se os dados estão em computadores fora do território nacional. Esse correto entendimento tem entrado em choque com o poder diretivo de algumas grandes corporações que estão sediadas no exterior, que sustentam que estariam sujeitas apenas à legislação do país onde estão armazenados, desrespeitando as decisões judiciais dos países onde esse conteúdo mal-intencionado gerou efeitos.
Esse entendimento se sustenta pelo fato de que alguns países, como os Estados Unidos, têm uma legislação cujo conceito de liberdade de expressão é bem mais amplo do que o do Brasil. Estamos diante de uma autêntica “queda-de-braço” entre a soberania estatal, representada pela necessidade do cumprimento das decisões judiciais brasileiras como forma de garantir os direitos individuais violados na internet, e a vontade das grandes multinacionais sediadas no exterior, que detêm em suas mãos o poder de manobrar a infra-estrutura da internet, e que nem sempre colaboram integralmente com as ordens que lhes são impostas pelos países onde têm escritório de representação para prestação de serviços.
É certo que poderemos contar com o valioso auxílio da Justiça para coibir esses abusos. É imperioso que os direitos individuais violados na internet prescindam das decisões judiciais e do seu cumprimento por parte de provedores. Afinal de contas, na mídia eletrônica, quem detém o código de programação é que terá de fato condições de executar as determinações judiciais, evitando que novos abusos sejam cometidos. Se as empresas não cumprirem essas ordens, poderão estar sujeitas às sanções em razão do suporte fornecido para a prática do ilícito.
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