1. Antes da promulgação da lei do Processo Eletrônico (Lei 11.419/06), já existiam experiências no sentido de empregar as tecnologias no Poder Judiciário?
Sim, em 1999, tivemos o marco inicial do uso da tecnologia na prática processual com a Lei 9800 que possibilitou o uso do fax ou outro dispositivo similar para a transmissão de peças por meio eletrônico, condicionando a juntada do original em papel a posteriori. Além desta iniciativa, desde o início desta década, já tínhamos a experiência da tramitação de milhares de processos sem papel nos Juizados Especiais Federais.
2. Esta experiência nos Juizados serviu de exemplo para a implantação das práticas processuais adotadas na lei do processo eletrônico?
A adoção do informalismo em busca da celeridade processual adotado pelos Juizados Especiais Federais serviu de balão de ensaio para que um grupo de juízes ligados a AJUFE encaminhasse ao congresso no final de 2001, o projeto de lei 5828 que teve a tramitação durante cinco anos e um mês.
Nestes juizados, o meio eletrônico já vinha sendo utilizado não apenas para a transmissão, mas também para atos como distribuição, intimações, citações e arquivamento das peças processuais integralmente em formato digital.
3. O legislador brasileiro contou com a experiência de algum outro país que tenha implantado iniciativa semelhante?
Não existe nenhum país no mundo que tenha implantado o processo eletrônico na amplitude que está sendo proposto no Brasil. Existem exemplos como a Espanha que implantou procedimentos de autos integralmente por meio eletrônico para os processos administrativos de competência tributária, em Portugal onde existe a utilização de correio eletrônico para a prática de alguns atos processuais, na Suíça no Centro de Mediação de Conflitos sobre domínios da internet na Organização Mundial da Propriedade Intelectual e no Estados Unidos onde existe o sistema PACER que adotou o processo eletrônico na Justiça Federal Americana, mas nenhum destes será tão abrangente quanto o exemplo brasileiro e nem mesmo terá o volume de processos que tramitarão somente em formato digital.
4. O que vai mudar efetivamente no dia-a-dia da Justiça brasileira com o processo eletrônico?
As mudanças serão significativas, pois desde o advento da lei 11419, verificamos que foi dada a partida para um processo de transição cujo impacto será bem mais notório do que em outros momentos semelhantes que aconteceram no passado na Justiça Brasileira quando superamos a fase do bico de pena e da máquina de datilografia.
Sempre digo que toda mudança assusta, mesmo as boas... No passado, quando nos deparávamos com mudanças de hábitos como a deixar escrita manual para a máquina de escrever, apurei que existiram julgados que tornaram nulos acórdãos que haviam sido datilografados. Depois veio a impressão, mas ainda dependíamos do papel para expor as nossas idéias e todos os atos processuais eram exclusivamente presenciais.
Com a nova lei, gradativamente estaremos substituindo o papel pelo documento eletrônico e os atos processuais serão praticados eventualmente presenciais.
5. Quais as principais práticas que serão realizadas por meio eletrônico a partir desta lei na Justiça Brasileira?
O avanço propiciado pela lei fará com que os tribunais não regulamentem apenas a transmissão de peças, mas a utilização do meio eletrônico também a tramitação, o arquivamento dos autos processuais de forma parcial ou integralmente digital, além de implantar as comunicações como o Diário de Justiça Eletrônico, citações e intimações por meio de portal próprio nos sites dos Tribunais.
6. Em linhas gerais, qual será o principal benefício gerado para o cidadão, para os advogados?
Os benefícios mais significativos a meu ver estão concentrados no combate a morosidade com a redução do tempo inerte de tramitação dos processos físicos associado à burocracia do papel.
Na medida em que são implantadas várias rotinas eletrônicas eliminado o manuseio de papel em determinados procedimentos como autuação, carimbo, expedição remessa de autos certamente haverá um impacto direto na redução do tempo na solução dos conflitos.
7. Além deste impacto existem outros?
O segundo impacto é que o legislador fez a opção para que os atos processuais sejam praticados pela internet, isto significa que as barreiras geográficas desaparecerão e com isto a prática dos atos poderá ser realizada a distância, bastando que o interessado esteja contando com boa estrutura de acesso independente do local onde esteja situado.
O fato de o cidadão estar localizado perto dos tribunais para ter a comodidade de praticar determinados atos nem sempre será considerada de agora em diante uma vantagem competitiva, desde que seja possível contar com uma boa conexão de banda larga que propicie conforto para as práticas processuais por meio eletrônico.
Isto sem falar ainda no impacto ambiental causado pela economia do papel que será substituído pelo documento eletrônico. Para se ter uma idéia, só ano de 2006, o STF movimentou cerca de 680 toneladas de papel.
8. É possível garantir a segurança na manipulação dos documentos que constam dos autos processuais?
Eu não tenho dúvidas que o processo eletrônico será mais seguro que o processo em papel, pelo fato de que pela lei o Tribunal que resolva a digitalizar os processos será obrigado a implantar rotinas de segurança da informação tais como cópias de segurança de todos os seus dados além de se precaver contra ataque pelo meio eletrônico.
Outro fato que aumentará a segurança, é que a íntegra dos autos passará a ser monitorada de forma muita mais efetiva por todos interessados no deslinde da ação. Desta forma, como as partes e seus procuradores poderão reproduzir cópias digitais da íntegra dos autos, problemas como extravio e perda de informação por causa de incêndios ou outras catástrofes não impactarão mais na necessidade da reconstituição dos autos.
9. O processo eletrônico pode ser considerado como um dos principais resultados práticos da reforma do judiciário?
É importante termos ciência que a Justiça Brasileira anda no limite do impossível para gerenciar os trinta e cinco milhões de processos em papel que tramitam atualmente em nosso país. Se analisarmos qualquer levantamento estatístico atualizado de um tribunal brasileiro, verificaremos que, a cada mês, o número médio de processos distribuídos será sempre maior que o número de processos julgados.
Por este motivo é indispensável que se coloque em prática de forma imediata meios de solução de gerenciamento para reduzir o tempo de tramitação dos processos.
Por isso acredito que o processo eletrônico seja considerado como um dos avanços mais significativos para consolidar a efetiva reforma do judiciário.
10. Existe alguma estatística sobre o número de fóruns e tribunais que já utilizam o meio eletrônico para receber e armazenar petições, recursos realizar as comunicações?
A maioria das pessoas não tem uma noção exata do atual estágio da implantação do processo eletrônico em nosso país, pois estas informações ainda não se encontram consolidadas.
Por meio de um trabalho de pesquisa que venho realizando em diversos tribunais brasileiros para traçar um cenário atual da implantação das práticas processuais por meio eletrônico, apurei que já existem mais de trezentas varas em nosso país onde tramitam processos sem uma única folha de papel.
Já temos mais de duzentos mil processos ativos em formato digital em todo país. Além disso, cada um dos vinte e sete estados brasileiros já implantou pelo menos uma vara onde não existem mais processos físicos.
Quanto às comunicações pelo meio eletrônico, já existem atualmente cerca de quarenta tribunais que já implantaram o Diário de Justiça eletrônico para dar publicidade em caráter oficial de todos os atos processuais.
11. Por que ainda há um número baixo de transmissão de petições por meio eletrônico?
É importante que se entenda a necessidade do desenvolvimento ou aperfeiçoamento do programa de andamentos processuais que existe hoje em cada Tribunal, para colocar em prática as funcionalidades incorporadas pela lei do processo eletrônico. Na maioria dos sites dos tribunais não contamos ainda com a implantação destas novidades que acontecerão num futuro próximo.
Como já disse, estamos em fase de mudança, o número de adesão para transmissão de peças digitais comparando com o volume dos autos em papel ainda é relativamente baixo, mas este quadro vai mudar rapidamente na medida em que os Tribunais, a exemplo do que aconteceu com o STJ, STF e TST recentemente, implantem certas práticas processuais por meio eletrônico a partir do desenvolvimento de programas em seus sites que propiciem este conforto. Todos os Tribunais Brasileiros atualmente estão em fase gradativa de desenvolvimentos semelhantes.
12. A sociedade já está preparada para lidar com o funcionamento destas mudanças na Justiça? O que poderia ser feito para disseminar o uso dessa prática? Não corremos o risco de dificultar ainda mais o acesso dos excluídos à Justiça?
Os advogados e os demais atores processuais dentre eles os jurisdicionados deverão aprender com lidar com este novo cenário de práticas processuais por meio eletrônico. Todo o ensino das faculdades de Direito no Brasil relativo à prática processual forense está defasado, pois só ensina o uso do papel e atos essencialmente presenciais. Precisamos adequar o ensino a esta mudança que veio para ficar, acho que uma boa solução para disseminar o ensino e evitar o apartheid digital seria a utilização de meios de comunicação em massa como a TV Justiça para ajudar neste papel de levar aos milhões de brasileiros como funcionará a Justiça Brasileira nos próximos anos.
Advogado especialista em Direito de Tecnologia da Informação. Sócio de Aristóteles Atheniense Advogados. Coordenador da Pós Graduação em Direito de Informática da Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB/SP. Autor do livro "Comentários à lei 11.419/2006 e as Práticas Processuais por Meio Eletrônico nos Tribunais Brasileiros" e Editor do Blog DNT - O Direito e as Novas Tecnologias.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ATHENIENSE, Alexandre Rodrigues. Processo Eletrônico - Consulex Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 abr 2009, 08:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/246/processo-eletronico-consulex. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Leonardo Sarmento
Por: Eduardo Luiz Santos Cabette
Por: Carlos Eduardo Rios do Amaral
Precisa estar logado para fazer comentários.