Desde criança, em Cachoeiro de Itapemirim, aprendi a recitar o Confiteor em Português (Confesso a Deus Todo-poderoso) e em Latim (Confiteor Deo omnipotente).
A partir dessa lembrança, que me é tão querida, escrevo esta página.
Todo dia é véspera da morte e anúncio de um parto. Vida, morte, nascimento, renascimento, convergência, ruptura. Esta é a dialética da vida.
Para os que creem na eternidade da essência humana, não existe a morte, que é simples passagem, igual a tantas outras que marcam a evolução do Cosmos.
Quando jovem eu pensava que esta vida transitória, neste corpo perecível que vestimos, fosse infinita. Tenho hoje a consciência da transitoriedade. Cada manhã eu agradeço ao Senhor o dia que me é concedido.
Paulo Apóstolo tinha pressa de partir. Impaciência com a espera. Não tenho a urgência do Apóstolo. Pudera ser contemplado com o augúrio do Profeta: ver os filhos dos filhos, até a terceira e quarta geração.
Estas reflexões me convocam para um balanço geral.
Gostaria de ser indulgenciado por todas as faltas, que são muitas, na pequenez do meu pó.
Que relevassem meu silêncio todos aqueles a quem deveria ter agradecido por ajudas, conselhos, exemplos.
Não teria descortinado a dimensão social do Evangelho, se não fosse a convivência com Dom João Baptista da Mota e Albuquerque, Dom Luiz Gonzaga Fernandes, Padre Waldyr Ferreira de Almeida, Irmã Heloísa Maria Rodrigues da Cunha e outros.
Jamais teria compreendido que não existe profeta individual, mas que a profecia do mundo contemporâneo é coletiva e partilhada, se não fossem as lutas travadas na Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória, ao lado de Rogério Coelho Vello, Antônio César Menezes Penedo, Vera Maria Simoni Nacif, Dante Pancini Pola, Sandro Chamon do Carmo, Ewerton Montenegro Guimarães, Pastor Claude Labrunie, Pastor Joaquim Beato, Reverendo Jaime Wright e tantos outros.
Não teria vislumbrado a visão humanista do ofício judicial se não tivesse comungado vida e experiências com os magistrados Carlos Teixeira de Campos, Mário da Silva Nunes, Homero Mafra, Pedro Borges de Rezende e Eliézer Rosa.
Que o empenho de dar voz a quem não tinha voz, denunciar a injustiça mesmo sob a vigilância da ditadura, junto a caminhantes da mesma caminhada, todos esses pequenos méritos fossem valorizados em cêntuplo.
Que o esforço de proporcionar tratamento humano aos presos tivesse a recompensa prometida aos que viram no encarcerado a imagem do Crucificado.
Que a busca por servir à dignidade da pessoa humana na cadeira de juiz, na tribuna de professor, no livro e no jornal fosse recebida como humilde oferenda àquele sob cujo selo todos somos rigorosamente iguais, portadores da mesma dignidade e valor porque marcados pelo mesmo Sopro Divino.
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