Não é fácil a tarefa de julgar, como não é fácil exercer qualquer função que lide com insolúveis problemas de desigualdade social.
O juiz vê, todos os dias, acumular-se em sua mesa uma avalanche de processos, que cresce assustadoramente, e se angustia com sua impotência em resolver todos os problemas que lhe são trazidos.
Pouca gente sabe que cerca de 80% dos processos são consequência direta da insegurança jurídica provocada por planos econômicos e abuso de medidas governamentais, ilegais, inconstitucionais, editadas ao longo dos anos... e que igual percentual de recursos processuais visa apenas retardar o cumprimento da lei ou da decisão judicial... muitas vezes pelos próprios governos.
A Justiça poderia ser mais célere e ágil, porém se vê presa a formulismos, muitas vezes inúteis, vendo-se obrigada a cumprir leis que não é ela quem edita. Às vezes a predominância da forma sobre a essência faz tardar a justiça e justiça tardia é uma injustiça.
O processo deve ser tão simples que prescinda de tantos compêndios e manuais que o expliquem. Não deve ser um fim em si mesmo, mas mero instrumento de realização da justiça. Não deve transformar-se em jogo de astúcia e sagacidade porque deve vencer a causa quem tem o melhor direito, não quem tem o melhor advogado. De que adianta um belo processo que sacramenta uma grande injustiça?
O juiz tem grande responsabilidade social e política, não podendo atuar apenas sobre as conseqüências, mas também sobre as causas dos problemas sociais.
A tarefa do julgador não é fácil. A responsabilidade de julgar é pessoal e intransferível. É sua a responsabilidade de julgar e de fazer justiça.
Seu dever não é apenas de julgar, mas de julgar bem.
Não pode omitir-se com a preocupação da imparcialidade, porque a lei lhe impõe a obrigação de buscar as provas para formar seu convencimento, estejam onde estiverem.
O juiz deve ser parcial em favor da verdade e da justiça.
Em cada sentença, manchada de suor e lágrimas, segue um pedaço do coração do juiz. Cumpre a pena com o réu condenado até o último dos dias; reparte a miséria, muitas vezes, em uma ação de separação e sua sangue ao destinar a alguém uma criança que todos querem ou a uma instituição outra que ninguém quer.
Em cada julgamento, no entanto, a certeza do dever cumprido. A convicção de que naquele momento essa a decisão mais acertada e que aquele processo, naquele instante, era o mais importante de todos os que tramitam no Foro. Não é apenas papel.... é a vida de alguém em cada página dos autos.
Muitas madrugadas mal dormidas e angústias na busca da melhor solução porque sabe todo o Juiz que não há apenas uma decisão possível em cada processo.
É utópica a visão maniqueísta de distinção absoluta dos conceitos do certo e do errado, do justo e do injusto. Na ciência social as coisas não se apresentam com essa clareza e distinção.
Muitas vezes a solução mais adequada num determinado momento histórico nem seja aquela que, à primeira vista, pareça ser a de maior embasamento teórico-jurídico.
Não foi apenas uma vez que, diante da folha em branco, adiei a prolação de uma sentença que ainda não estava madura, nem que abandonei sentença já escrita para redigir outra de forma diversa, convencido de que não alcançara na primeira vez a verdadeira justiça do caso concreto.
O juiz exerce a sagrada e sublime função de julgar e nessas horas é um homem só... incompreendido, muitas vezes colocado sob suspeita, mas consciente de que, qualquer que seja sua decisão, é a que acredita que, no caso, naquele momento, é a que melhor representa o ideal de justiça da sociedade a que se dirige.
A justiça, como obra dos homens, pode não ser perfeita, mas porque a sociedade é cheia de desigualdades e imperfeições. Busca-a o juiz, com o auxilio das partes, dos advogados, de todos aqueles que atuam na cena judiciária, cabendo-lhe zelar para manter viva a indignação que, sua vocação, levou-o a abraçar a carreira da magistratura.
Sempre vi com certa restrição a composição dos tribunais e a destinação de um quinto das vagas a egressos de outras carreiras jurídicas – promotores e advogados – justificadas na oxigenação das Cortes, pois se lhes sobram conhecimentos jurídicos e experiência, falta-lhes a vocação e a prática diária da imparcialidade ao longos dos anos, que traz o juiz de carreira.
A composição das Cortes superiores deveria dar-se por escolha imparcial de seus próprios membros entre os melhores julgadores dos tribunais estaduais e federais, sem interferências políticas ou mesmo econômicas.
Como destaca Maquiavel em sua obra, “O Príncipe” - quomodo adulatores sint fugienti – não é fácil fugir dos aduladores e interesseiros, sendo constante a luta do juiz para manter-se equidistante das partes e interesses. Mais difícil, ainda, para quem é guindado às Cortes superiores por indicação e aprovação política, com pretensas vinculações que, no exercício de seu mister, cumpre romper.
Há um momento, no entanto, em que o julgador é posto ante um caso controverso que lhe cumpre decidir. Ante a soma de influências e interesses que jogam sobre seus ombros, cumpre-lhe tomar consciência de sua condição de JUIZ, função quase divina que o destino lhe reservou.
Deve despir-se de todo e qualquer sentimento que possa afetar seu bom julgamento, proferindo decisão justa e adequada à sociedade a que se destina. A linguagem jurídica admite as mais diversas formas de intepretação e fundamentação de qualquer decisão. Esta será mais justa ou correta na medida em que adequada à realidade social.
Maiorias efêmeras na composição dos tribunais não devem alterar sua jurisprudência, pois a segurança jurídica exige uma firme orientação, ainda mais quando podem afetar milhares de julgamentos.
Também a transição de juiz singular para integrante de colegiado exige dolorosa adaptação, porquanto sua convicção particular deve ceder perante a tradição da Corte e a jurisprudência consolidada pela maioria, amadurecida ao longos dos anos.
A riqueza dos fatos sociais estão sempre a desafiar o julgador. Muitas e muitas vezes as respostas não estão expressas na lei, pois o direito a precede e a informa. Seguidamente a Jurisprudência avança à frente da lei como instrumento de reforma sociojurídica.
Deve o julgador ter consciência de que lei é apenas mais um instrumento com o qual o artífice do direito constrói a obra da justiça.
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