Na tarde do dia 16, a France Football realizou a 66ª edição da Bola de Ouro, com vistas a premiar os melhores jogadores da temporada 2021/2022. Estavam ali alguns dos soberanos do futebol. Os que já reinaram: Ronaldo, Figo e Zidane, assim como o protagonista da festa, o francês Karim Benzema, o mais velho jogador a ganhar o prêmio. Atletas de alta perfomance, ricos, famosos e multiplicadores, não só de movimento, mas de conhecimento e opinião. O Brasil teria uma tímida participação com Vinícius Junior e Casemiro, os quais foram apenas lembrados. Entretanto, o evento inovou ao sedimentar o prêmio Sócrates, com o intuito de agraciar o jogador que se destacou não só com a bola nos pés, mas também por iniciativas extracampo. O vencedor foi o senegalês Sadio Mané, o qual tem doações de milhões em dólares para construção de hospitais, combate à COVID 19, fornecimento de internet grátis às famílias de sua terra natal, entre outros feitos assistenciais.
Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, o Doutor Sócrates ou Magrão. Médico, jogador do Coríntias e da seleção brasileira. Integrou a esquadra de 1982, aquela conhecida como - a injustiçada. A cada gol, o Doutor erguia os punhos cerrados em homenagem aos direitos humanos e ao símbolo do movimento antirracista norte americano - Panteras Negras. Assim como Mané, Sócrates não só balançava as redes, mas era engajado político e socialmente. Nos anos 80, durante a ditadura militar, juntamente com Wladimir, Casagrande e Zenon fundou a democracia corintiana, um movimento criado no vestiário em que as decisões do clube eram debatidas em conjunto, desde o roupeiro, jogadores, técnico e diretoria, todos tinham direito ao voto. Foi um dos maiores movimentos ideológicos do futebol brasileiro e mundial, utilizado como gatilho para que a população tivesse interesse ao voto. Em 1984, juntamente com Fafá de Belém, Chico Buarque e outros, participou efetivamente do movimento - Diretas Já, o qual ajudou a desenhar caminhos para a transição e abertura política no Brasil. Magrão faleceu em 2011, mas se hoje estivesse vivo, sem dúvida se posicionaria sobre os rumos que o Brasil tem a seguir.
O prémio foi entregue por Raí, irmão mais novo de Sócrates. Também jogador, mas, ao meu sentir, não tão talentoso como o irmão, todavia, sagrou-se campeão do mundo em 1994. Engajado socialmente, é um dos fundadores da fundação gol de letra juntamente com Leonardo, outro tetracampeão. O caçula fez um discurso político emocionado, em que lembrou que o Brasil vive um momento importante e decidirá o seu destino nas próximas semanas. Durante a sua fala, arqueou seus dedos em 90 graus, expondo a sua preferência eleitoral.
É uma nova roupagem do esporte de elite. Em tempos não muito distantes, estes jogadores, de rendimento, resultado, considerados de alto nível, eram vinculados aos seus clubes e patrocinadores, ou seja, apenas reproduziam movimentos: driblavam, cabeceavam e chutavam e, quando se pronunciavam, traziam discursos prontos e pífios quanto ao conteúdo. Há um novo direcionamento destes expoentes, os quais têm se posicionado não só nos gramados, mas em questões ambientais, políticas e sociais como no movimento black lives matter.
Esporte, bola, gol, Sócrates, Raí, Mané, resgate e educação. São palavras que se complementam. Pessoas que fazem e fizeram a diferença através do futebol. Alçaram o ápice de suas carreiras, fizeram fortuna, mas não esqueceram de suas origens e as necessidades do seu povo. Sem dúvida, Senegal assemelha-se ao Brasil não só pela semelhança cultural e racial, mas também pelos seus índices de subdesenvolvimento. As iniciativas desses ídolos vão além das quatro linhas e da formação de atletas. Formam homens. Educam através do movimento e ajudam a construir uma sociedade menos desigual, mais justa e solidária. Em tempos de polarização, fake News e agressões ideológicas, é preciso que se deixe a bola rolar não só dentro de campo, e quem sabe o nosso país possa transpor esse momento de intolerância e voltar a fazer gols de letra, como ensinou o Magrão.
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