A Constituição Federal brasileira, logo no seu art. 1º, Parágrafo Único, explícita que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição, além de, no seu Caput, constituir a República Federativa do Brasil como Estado Democrático de Direito. Nesse comando, somado com as disposições relativas aos direitos políticos, ativos e passivos, encontra-se a base para a Democracia.
No momento atual, de polarização de ideologias políticas, tidas, ao menos formalmente, como de “direita” e de “esquerda”, de um lado neoliberal e do outro voltado para uma atuação mais efetiva do Estado para o bem estar social, como proteção dos direitos trabalhistas e sociais, interessante notar como ocorreu a eleição para Presidente da República no corrente ano, em 2022, após dois turnos de votação.
Por uma margem pequena de votos, menos de um por cento dos votos válidos, em segundo turno de votação, já que nenhum candidato atingiu o percentual de maioria de votos válidos em primeiro turno, o novo presidente eleito democraticamente é de um partido tido como de “esquerda”. Essa polarização, diga-se de passagem, não é a bifurcação mais adequada para o panorama político brasileiro, visto que o modelo democrático é mais complexo que isso, principalmente pela atuação dos denominados partidos de “centro”, bem como a possibilidade de políticos, ao longo do mandato, migrarem para lados opostos.
Certo é que a participação efetiva do eleitor é crucial para a escolha majoritária democrática, mais ainda em uma eleição tão acirrada como a que aconteceu, inédita no Brasil, em que cada voto conta. Veja-se os números apurados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para a escolha do presidente no segundo turno das eleições de 2022: O comparecimento foi de 79,41% dos eleitores aptos a votar, uma abstenção de 20,59%. Nulos somaram 3,16%, enquanto brancos 1,43%.
É de se notar da apuração realizada pelo TSE que, se apenas os eleitores que votaram em branco exercessem a sua escolha, dentre as duas opções disponíveis, o resultado da eleição poderia ter sido diferente. Os votos nulo e branco não parecem a melhor opção para um segundo turno como o que aconteceu, visto que, no final das contas, um dos candidatos será inarredavelmente eleito.
Mais razão ainda é o comparecimento para a votação, um percentual de vinte por cento de abstenção é elevado para uma decisão democrática tão importante. Ainda que o eleitor entendesse que as duas opções disponíveis não eram as melhores para presidência da república, o maior cargo do Poder Executivo nacional, a escolha dentre as opções postas deveria ser peremptória, ainda mais quando presente dois projetos de governo, aparentemente, diametralmente opostos.
O acirramento democrático entre duas ideologias é tamanho, na conjuntura atual, que o Congresso Nacional, mesmo com a escolha de um presidente tido como de “esquerda”, encontra-se com uma configuração, para a próxima legislatura, considerada maioria conservadora de direita, com viés neoliberal. Em outros termos, a votação para presidente não foi refletida no Poder Legislativo, o que demandará, por consequência, maior articulação política do representante maior do Estado para viabilizar um governo pacífico, com projetos regularmente debatidos e aprovados pelo Poder Legislativo.
As duas ideologias encontram-se, assim, presentes no Estado e precisam dialogar, de maneira republicana, para o atendimento dos anseios sociais, nas mais diversas áreas. É necessário encontrar equilíbrio entre projetos diferentes.
Mas fato é, afastada as questões das abstenções e votos nulos e brancos, que a democracia se concretizou, de maneira acirrada, com a prevalência de um candidato sobre o outro. A maioria dos cidadãos e das cidadãs, regularmente, elegeram um representante, dentro do que preceitua a Constituição Federal.
Por isso, é preocupante a ação de grupos insatisfeitos que pedem intervenção militar para reverter a decisão democrática apresentada nas urnas, com bloqueios de diversas rodovias, com prejuízos incomensuráveis para toda a população.
No ordenamento jurídico atual, rigorosamente, não há espaço para ações antidemocráticas, pois a base jurídica maior foi erigida sobre um regime político democrático, afastando atos ditatoriais. O pleito foi validado pelo TSE e, em 2023 existirá novo representante do Brasil, eleito pela maioria dos eleitores.
O acirramento democrático é válido, com debate de ideias, para se conseguir uma maioria de entendimento. Atingido isso, ainda que com pequena margem de voto, a democracia foi satisfeita e a Constituição Federal foi atendida. Insatisfeito ou não com o resultado, é esse o regime jurídico político vigente.
A vantagem do regime democrático é a possibilidade de mudança de rumos, para um lado ou para o outro, a cada mandato, como a que aconteceu, seja no Legislativo ou no Executivo. A maioria outrora alcançada pode ser revertida ou mantida. Essa é a beleza, ou a maldição, da democracia brasileira, a busca por maioria periodicamente.
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