A morte da Juíza Patrícia Acioli é um exemplo claro de que com bandido não se duvida. Quando o marginal aponta uma arma, o melhor a fazer é entregar tudo, pois qualquer resistência ou indicativo de reação, ele mata. O bandido mata porque é covarde, e, no Brasil, só não mata quem não quiser.
O primeiro indicativo da covardia do bandido é a fuga à ocupação lícita. Ele se entrega à bandidagem, justamente porque não tem coragem de arregaçar as mangas e enfrentar a dureza do trabalho. Então ingressa no mundo do crime e aí a sua covardia se manifesta na forma de violência. Qualquer sinal de resistência por parte da vítima, ele mata. Mata porque, por incrível que pareça, ninguém tem mais medo de morrer do que bandido.
Aquela cena de centenas de marginais fortemente armados fugindo com o rabo no meio das pernas do morro no Rio de Janeiro porque dois pequenos tanques, carregando duas dúzias de policiais, deslocavam-se para enfrentá-los mostrou para o mundo inteiro como os “nossos bandidos” são frouxos. Isso por um lado é bom. Por exemplo, se eles tivessem coragem de ter enfrentado os policiais naquele episódio, com a posição privilegiada e a grande quantidade de armamento pesado que ostentavam, decerto teriam provocado muitas mortes. Outro indicativo de que a covardia faz bem está nas estatísticas de mortes em confronto. Mesmo estando em maior número e com mais armas, os marginais geralmente levam a pior em confrontos com a polícia. Isso acontece porque se borram de medo na hora do combate e atiram de qualquer jeito, daí não acertam o alvo; por outro lado, tornam-se alvos fáceis. Eu mesmo já troquei tiros com dois assaltantes. Um fugiu e outro se rendeu. Poupei a vida dele, pois eu poderia tê-lo morto, uma vez que estaria em legítima defesa.
O lado ruim da covardia é que eles matam de graça. Matam porque têm medo de que a vítima possa reagir. Assim, diante de qualquer indicativo de reação, eles acionam o gatilho. Por isso, não aconselho ninguém a fazer qualquer movimento na hora de um assalto. Eu reagi porque tenho treinamento militar e aproveitei o descuido dos marginais.
A morte da juíza Patrícia é uma prova dessa covardia e que deve ser levada a sério. Quando eu atuava na linha de frente do Ministério Público Federal (MPF) nunca abri mão da segurança (homens da Polícia Federal, Militar e Civil trabalhavam na minha segurança). Dizer que não tem medo e que não precisa de segurança é burrice. Aliás, medo só não tem o louco que rasga dinheiro. Muitas vezes já me perguntaram se eu não tenho medo. Claro que tenho, mas jamais deixarei de fazer o que acho correto por medo. Quem se deixa dominar pelo medo não deve ser militar, policial e nem membro do Ministério Público ou da Magistratura. Penso que a pessoa tem de ser profissional em tudo o que faz. Quando eu era faxineiro sentia-me muito bem em fazer o piso da padaria na qual trabalhava brilhar de tão limpo.
O mesmo profissionalismo que me fazia limpar a padaria é o mesmo que me acompanha até hoje. No MPF, eu poderia ter me ocupado a processar apenas os “chicos” (réus pobres, frágeis) e deixado os “franciscos” (poderosos e/ou ricos) de lado ou então poderia “fazer de conta” que os processava, pois eles sabem quando é um simulacro de acusação (fingir que agiu). Processos contra “chicos” aumentam-se bastante as estatísticas de “produtividade” e não se corre risco algum. Agora, quando o processo é para valer (e não de faz de conta) contra “franciscos”, correm-se todos os tipos de risco. Ataques na imprensa, representação na corregedoria, represálias, ameaça de morte etc. Passei por tudo isso.
A propósito, muitas vezes me questionei se vale a pena ser profissional em um país como o nosso no qual o sistema é feito para não funcionar e se autoproteger. De outro giro, a nossa legislação é feita para proteger o criminoso e não é só o de colarinho branco. Por exemplo, há milhares de assassinos, estupradores, estelionatários etc. soltos na rua, fazendo vítimas a todo instante. O sujeito que mata, caso venha a ser condenado (isso nem sempre acontece), ficará pouco tempo na prisão. O assassino será contemplado com vários benefícios legais de forma que logo depois estará solto, pronto para fazer novas vítimas.
O desembargador Nelson Calandra, presidente da Associação de Magistrados do Brasil, disse: "A juíza Patrícia Acioli é uma vítima da covardia de organizações criminosas e de um sistema processual penal onde sua excelência é o réu e não o juiz, onde as pessoas cometem um crime de morte e saem pela porta da frente, junto com a família da vítima”. Não é por acaso que cerca 50 mil homicídios são praticados todos os anos no Brasil.
Aqui só não mata quem não quer, pois o assassino sabe que, se der azar de ser condenado, em pouco tempo estará livre. A preocupação da nossa legislação com o criminoso acaba se voltando contra ele, por isso as prisões estão lotadas. A analogia a seguir explica a situação.
Estatística semelhante a de homicídios é a de mortes no trânsito. Cerca de 50 mil pessoas morrem todos os anos em acidentes de automóveis. Por outro lado, o número de mortes por acidentes aéreos é muito pequeno. Em média, não chega a 100 mortes por ano. O ano de 2007 foi o pior ano da aviação brasileira, quando morreram o ano inteiro 264 pessoas, incluindo as 199 vítimas do acidente com o avião da TAM no aeroporto de Congonhas.
Apesar de as mortes em acidentes aéreos serem raras, o transporte aéreo mete medo porque as chances de sobrevivência, em caso de acidente, não são grandes. Assim, todo aquele que embarca em um avião sabe que se der alguma coisa errada, ele é forte candidato a passar dessa para melhor ou pior...
No trânsito, quase ninguém tem medo. O indivíduo não imagina que ele é forte candidato a ingressar nas estatísticas de óbitos ou de mutilados e, por isso, abusa da velocidade, faz manobras arriscadas etc. Caso ele tivesse o mesmo medo do viajante aéreo, tomaria cuidado e não haveria tanta morte no trânsito. Resultado: morrem-se milhares de vezes mais no transporte terrestre, que não mete medo, do que no aéreo, que assusta os usuários, mormente os de primeira viagem...
O mesmo se diga da legislação. Se o indivíduo soubesse que seu crime fosse punido com rigor, pensaria muitas vezes antes de praticá-lo. Por exemplo, a pena do homicídio deveria ser, no mínimo, de 30 anos de efetiva prisão. No caso de reincidência, prisão perpétua. Tenho absoluta convicção de que, se o potencial assassino, sabendo que mofaria na cadeia, pensaria milhares de vezes antes de eliminar a vida de outrem. Se houvesse pena de morte no Brasil, do jeito que os “nossos bandidos” são frouxos, o índice de homicídio cairia a quase zero, a exemplo do que acontece na China, onde o homicida sabe que estará cometendo suicídio, se matar alguém.
Paradoxalmente, a legislação, que se preocupa demais com o criminoso, acaba prejudicando-o, pois incentiva-o a ingressar e a permanecer no delito, dando-lhe a certeza de que, por mais cruel que seja o seu crime, ele poderá contar com vários benefícios legais e não ficará muito tempo preso. Daí, é incentivado a praticar o crime. Pratica-o e, se der azar, será preso. Mas em pouco tempo estará solto. Sabedor de que, ainda que seja preso, não ficará muito tempo, volta a praticar crimes e, assim, leva a vida num entra e sai da prisão, até ser morto. Aliás, muitos dos homicídios são frutos de vingança. A família ou amigos da vítima, sabedores de que o assassino jamais será punido, acabam se vingando do homicida.
Apesar de o sistema ser feito para não funcionar, quem tem a função de promover, julgar e reprimir a prática delitiva deve ser profissional, observando a nossa frágil legislação, bem como superando o medo de sofrer represálias, ataques à honra etc. e de ser morto. Com efeito, espero e acredito que os juízes que assumirão os casos que a juíza Patrícia iria julgar serão rigorosos, para mostrar aos bandidos que não adianta tentar intimidar. Eu falo com conhecimento de causa, pois além de ameaça de morte, sofri todo tipo de perseguição, inclusive críticas idiotas de que eu gostaria de entrar na política e por isso queria aparecer. Ora, eu faço somente aquilo de que gosto e de política partidária não gosto e não combina comigo de jeito de nenhum (não tenho vontade e nem estômago...).
Interesso-me por política, pois queiramos não, dependemos dela. A democracia não vive sem política. Porém, o meu interesse é como observador e gostaria que todos os brasileiros se interessassem para fiscalizar e cobrar honestidade e eficiência dos políticos. Infelizmente, aqui no Brasil, cobram-se eficiência de técnicos e de jogadores de futebol. Cobram-se honestidade, caráter, amizade etc. de pessoas que ficam confinadas em reality show, inclusive, cidadãos fazem assinatura de TV fechada para poder “fiscalizar” os confinados 24 horas por dia. Porém, com quem deveria ser feito isso, ou seja, com os políticos, nada se faz.
Eu procuro fazer a minha parte, mesmo sabendo que corro risco de ser morto, perder o cargo e sofrer vários tipos de represálias. Minha consciência, todavia, não me deixa ficar quieto. Confesso que já pensei várias vezes em desistir, pois sei que a missão é quase impossível, mas se Deus me ajudou a conquistar o espaço que tenho não é para eu ficar de braços cruzados. Mesmo sabendo que o endereço da morte é aqui no Brasil e que o sistema é feito para não funcionar e se autoproteger, digo a quem não gosta do que eu faço que, enquanto eu tiver vida (se perder pela causa está de bom tamanho) continuarei o meu mister, seja atuando nos processos que cabem a mim, seja escrevendo, seja provocando as instâncias competentes.
Manoel Pastana
Procurador da República e Escritor
www.manoelpastana.com.br
Procurador da República e autor autobiográfico do livro "De Faxineiro a Procurador da República". Site: www.manoelpastana.com.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PASTANA, Manoel. Brasil: o endereço da morte... Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 ago 2011, 08:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/991/brasil-o-endereco-da-morte. Acesso em: 22 nov 2024.
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