VERÔNICA SILVA DO PRADO DISCONZI[1]
(orientadora)
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo principal avaliar os parâmetros éticos de conduta do profissional do Direito em relação à Administração Pública e, complementarmente, compreender como se dá esta relação na atualidade, em face de novos paradigmas legislativos estabelecidos pelas transformações sociais e tecnológicas. Configura-se em uma pesquisa básica exploratória, qualitativa, que se valerá de referenciamento bibliográfico na sua construção. Como resultado, observou-se que os princípios administrativos norteiam o comportamento ético do profissional do Direito junto à Administração Pública, diante de mudanças tecnológicas, legislativas e sociais, incorporando-se novos conceitos, como o de Compliance à cultura ético-jurídica. Concluiu-se que o Direito positivo brasileiro, por suas peculiaridades necessita evoluir no sentido de incorporar novas práticas à sua forma para que os princípios éticos dos profissionais do Direito possam ser respeitados e cumpridos diante da responsabilidade destes para com o estado-nação brasileiro.
Palavras-chave: Ética; profissional do Direito; Administração Pública, Compliance.
Abstract: The main objective of the present work is to evaluate the ethical parameters of conduct of the Law professional in relation to Public Administration, and as a result, complementarily, to understand how this relationship occurs today, in the face of new legislative paradigms established by social and technological transformations. It is configured in a basic exploratory, qualitative research, which will use bibliographic referencing in its construction. As a result, it was observed that the administrative principles guide the ethical behavior of the Law professional with the Public Administration, in the face of technological, legislative and social changes, incorporating new concepts such as Compliance to the ethical-legal culture. It was concluded that positive Brazilian law, due to its peculiarities, needs to evolve in order to incorporate new practices into its form so that the ethical principles of legal professionals can be respected and fulfilled in the face of their responsibility towards the Brazilian nation-state.
Keywords: Ethic; law professional; Public Administration, Compliance.
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 2.1. Os princípios do Direito na administração pública. 2.2. A ética do profissional do Direito em face da administração pública. 2.3. O conceito de Compliance e a nova ética administrativa. 3.Considerações finais. 4. Referências Bibliográficas.
Introdução
De natural, a advocacia é a única dentre as profissões que tem o múnus público previsto constitucionalmente, conforme artigo 133 da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Em diversos momentos da vida do cidadão comum, o mesmo é chamado a cumprir um ato específico para com o Estado, como no caso do voto e do serviço militar. Mas é somente o profissional do Direito, subentendido aqui como o advogado, que, mesmo desvinculado administrativamente do Estado, detém este misto de prerrogativa e dever.
A lógica decorrente de tal fato é a de que sob o ponto de vista ético, a atividade do profissional do Direito encontra-se intimamente associada aos princípios do Direito Administrativo.
Esta lógica decorre que do positivismo jurídico que impera no país não é sob nenhum aspecto ultrapassado pelos acontecimentos, e, portanto, a abordagem do presente estudo se vinculará em vez primeira ao que se espera do profissional do Direito em relação a este corpo doutrinário, que curiosamente, não é escrito – mas que é abarcado no modelo do exercício jurisdicional em todas as suas searas e esferas.
A contraposição vem da lógica do Direito consuetudinário anglo-saxônico – que por sua vez não se encontra positivada em nossos textos legais, mas tem sido adotada em mecanismos de gestão tanto pública quanto estatal. A chamada Compliance é, grosso modo, uma estratégia de prevenção e contenção de danos decorrentes da responsabilidade por atos decorrentes de erros, má fé, desídia, imperícia, dentre outras considerações passíveis de configuração de dano jurídico efetivo.
Especificamente, em se tratando de uma situação em que o agente é imbuído do já referido múnus público, a ideia da responsabilidade no ordenamento pátrio é calcada na subjetividade do Direito, que, mais uma vez, em linhas primeiras de uma forma superficial, resguardadas as possíveis e pertinentes exceções, subentende-se como uma responsabilidade que independe de culpa auferida diretamente.
A ética no exercício da atividade jurisdicional como um todo, e particularmente do profissional do Direito junto à Administração Pública segue a linha deste subjetivismo, da presunção do conhecimento. O comportamento ético, a exemplo dos princípios administrativos, não é um imperativo legal em si, mas algo que permeia o ordenamento legal em sua completude.
Há ainda a questão da ética em si, a compreensão de um mandamento ético, como ele se estabelece. A ética costuma ser confundida com princípios de ordem moral, e no escopo do estudo se procurará delinear alguns de seus contornos que a diferenciam de um padrão moral.
De outra parte, o presente artigo se apresenta como uma pesquisa básica, que no dizer de Fontenelle (2017), busca aprofundar o saber já existente, com objetivo exploratório de compreensão do tema abordado – e qualitativa no sentido em que se busca um resultado valorativo pela via da abordagem da bibliografia pertinente.
2 Desenvolvimento
2.1 Os princípios do Direito na administração
O Direito tem a sua fundamentação estruturada em princípios que se extraem dos costumes e dos valores que se consolidam a partir destes últimos. Em qualquer época, em qualquer cultura, esta é a regra. Se algum mérito há na cultura ocidental é o estudo cientifico destes princípios, ao ponto de que as chamadas leis não escritas adquirem de consenso um caráter de universalidade – mesmo diante de incongruências e comportamentos anômalos que não raro partem de figuras que representam a institucionalidade social.
Pinto (2008) em artigo sobre o Direito Administrativo esclarece sobre os princípios do Direito de forma geral:
“Da mesma forma, os princípios gerais de direito permeiam o sistema jurídico-normativo, caracterizando-se como elementos fundamentais da cultura jurídica e cânones que não foram ditados explicitamente pelo elaborador da norma, mas que estão inseridos no ordenamento jurídico como normas de valor genérico, capazes de orientar a compreensão, aplicação e integração do direito. É preciso se ter presente que os princípios, sejam princípios constitucionais ou princípios gerais de direito, sempre marcaram a ciência jurídica, e isto se justifica pelo fato de que se fundam em premissas éticas extraídas da lei, sendo verdadeiros focos de luz, capazes de iluminar e orientar o intérprete da norma.” (PINTO, 2008, pág.130)
Denote-se que o autor, ao tratar dos princípios do Direito definindo-os, fundamenta-os naquilo que denomina “premissas éticas”. Em uma acepção própria, pode-se colocar que tais premissas éticas advêm dos costumes e valores, naquilo que se provam eficazes para o bom funcionamento de um corpo social.
A relação do profissional do Direito no Brasil ante as colocações anteriores do nosso Direito positivado que traz em si todo um peso histórico posto a luz da ciência jurídica, reflete-se na relação deste profissional com a res pública.
Tendo o Estado à função de gerir o corpo social na nossa cultura, no nosso tempo histórico, o Direito Administrativo gere por sua vez esta relação.
Dada à limitação espacial do presente trabalho, seguindo a alocução do autor em comento, enumeram-se os principais princípios do Direito Administrativo que representam as ditas premissas éticas: Legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência – além de subsidiariamente, os princípios da indisponibilidade, supremacia do interesse público, autotutela, legitimidade, veracidade, especialidade, proporcionalidade, segurança jurídica. Todos se encontram referendados no arcabouço constitucional. No trato com a coisa pública, o profissional do Direito tem o dever de observá-los todos.
Exemplificando, em relação à questão da Impessoalidade, não pode um profissional atuando, ter prerrogativa no exercício de sua função por ser Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados, o direito é impessoal – assim como, em relação à moralidade, não se pode ofender os costumes, como o direito à consciência, não discriminando alguém por sua religião ou mesmo por se declarar ateu ou usar de recursos públicos para prover interesses privados escusos.
Os comentos seriam infinitos, em relação a exemplos – mas destaque-se uma questão que é recorrente, os aparentes conflitos de princípios. Muitos tendem a dizer que os princípios podem conflitar, mas não se trata disto. Os princípios não se conflitam, eles têm sua aplicabilidade de acordo com os fatos, com os casos específicos. Em um Tribunal de Júri popular, por exemplo, prevalece o direito individual, o princípio do in dúbio pró réu. No caso de uma pandemia, prevalece à supremacia do interesse público, ou in dúbio, pró societá.
Existem ainda princípios ligados ao Direito Administrativo que devem ser observados pelo profissional do Direito, em caráter mais ético e específico como o da modicidade, não cobrar honorários escorchantes, que impossibilitem a população o acesso ao serviço prestado, o princípio da cortesia, o bom trato para os que se valem dos serviços do profissional, e o da atualidade, o de manter os patrocinados informados sobre os andamentos profissionais.
Repisando algumas considerações anteriores, é preciso entender, em relação à ética contida nos princípios administrativos, que a mesma não se apega a princípios morais de uma forma totalizante e abrangente.
Há uma lógica racional nos princípios do Direito que os aproxima muito mais de um padrão ético laico, quase como se estivéssemos tratando de uma matemática do bem viver, em que em alguns momentos pondera sobre o que é menos danoso.
Para que se entenda, cita-se a obra de Fuller (1976), bem conhecida de todos os estudantes de Direito, em que uma situação hipotética é posta. Moralmente, alguns espeleólogos presos em uma caverna, não poderiam praticar o homicídio seguido de canibalismo para garantir a sobrevivência da maioria do grupo.
Eticamente, no entanto, a postura dos personagens do livro ao praticar em condições complexas um homicídio, para o bem do grupo todo, pode ser vista como uma situação válida, que é abarcada no ordenamento legal brasileiro em diversas situações, como excludentes de ilicitude, antijuridicidade, dentre outras.
2.2 A ética do profissional do Direito em face da Administração Pública
O conceito de ética é apontado como “ciência do comportamento moral dos homens, em sociedade”, e uma vez que haja a perda de tais valores, sua ausência afeta de forma sobremaneira a dignidade humana, que tem sua integridade maculada. (NALINI, 2014, p.30).
Trata-se de um conceito muito discutido por estudiosos de diversos ramos científicos humanos. Pode-se compreender com justeza o debate a partir do contido no terceiro capítulo do livro de Durkheim (1987) que busca estabelecer a ciência da sociologia. Durkheim no referido capítulo, estabelece que a régua de uma sociedade seja ela mesma, grosso modo. A partir do tempo, da cultura, de cada povo, temos princípios éticos definidos – não se compara uma sociedade com outra, sejam contemporâneas ou de épocas e lugares diferentes.
É do caráter do ocidente contemporâneo o regramento universalista fundamentado na argumentação cientifica. Não seria diferente em relação aos princípios éticos.
Melo (2005) classifica três abordagens sobre ética:
Referência a teorias que têm como objeto de estudo o comportamento moral, ou seja, como entende Adolfo Sanchez Vazquez; "... a teoria que pretende explicar a natureza, fundamentos e condições da moral, relacionando-a com necessidades sociais dos homens." [1] Teríamos, assim, nessa acepção, o entendimento de que o fenômeno moral pode ser estudado racional e cientificamente por uma disciplina que se propõe a descrever as normas morais ou mesmo, com o auxílio de outras ciências, ser capaz de explicar valorações comportamentais.
Um segundo emprego dessa palavra é considerá-la uma categoria filosófica e mesmo parte da Filosofia, da qual se constituiria em núcleo especulativo e reflexivo sobre a complexa fenomenologia da moral na convivência humana. A Ética, como parte da Filosofia, teria por objeto refletir sobre os fundamentos da moral na busca de explicação dos fatos morais.
Numa terceira acepção, a Ética já não é entendida como objeto descritível de uma Ciência, nem tampouco como fenômeno especulativo. Trata-se agora da conduta esperada pela aplicação de regras morais no comportamento social, o que se pode resumir como qualificação do comportamento do homem enquanto ser em situação. É esse caráter normativo de Ética que a colocará em íntima conexão com o Direito. (MELO, 2005, pág.21)
Por óbvio, o que importa no presente estudo é a terceira acepção, e como sendo uma conduta social esperada, remonta-se ao começo do pensamento quando se refere à Durkheim (1987), que o pressuposto ético está em consonância com os costumes e valores praticados por uma sociedade em um determinado tempo.
Há uma correlação não explicitada na dissertação de Melo (2005) quando da tratativa do Direito e da Ética como disciplina que se apega ao viés sociológico.
A questão é, trata-se de uma normatividade esperada da parte do indivíduo médio em uma sociedade. Quando isto é normatizado pela sua positivação, há uma dogmatização. Do que se diz? Daquilo que é expresso, entalhado na pedra, reproduzido no papel, que passa a fazer parte da política do Estado. Algo pelo qual o Estado fará valer sua capacidade coatora.
Na visão de Durkheim (1987), essa função coatora tem um papel de referendar o que já havia em termos de costume assentado, e se torna hábito no plano cultural das gerações. É um modo de pensar a lei como sendo boa, ordenadora, e não como tirana.
Tecidas estas considerações, o Código de Ética da OAB (2015), em seu artigo 2º, caput, repisa o princípio constitucional do amplo múnus público, enquanto que em seu parágrafo único e incisos, tem estabelecidos seus deveres, em especial, no que tange a administração:
IX - Pugnar pela solução dos problemas da cidadania e pela efetivação dos direitos individuais, coletivos e difusos;
X - Adotar conduta consentânea com o papel de elemento indispensável à administração da Justiça; (OAB, 2015)
O artigo 8º e seus §1º e 2º obrigam por sua vez, mesmo os profissionais ligados a administração a observância dos princípios contidos no estatuto. O que importa no estatuto referido, em termos de analise sob a questão ética, em todo o restante de sua construção, é que dificilmente se observará uma linha sequer que não esteja regrada pelos princípios gerais de Direito e pelo Direito Administrativo.
Quaisquer que sejam as novidades propugnadas em termos éticos, em face da utilização de meios eletrônicos de postulação, mudanças na legislação, os princípios na tradição brasileira permanecem inatacáveis.
Mesmo os anglicismos jurídicos, como o incorporado pela Lei 12.850/2013, que dispõe sobre organizações criminosas e, especificamente, a partir do inciso I de seu artigo 3º, da colaboração premiada, desdobrada na seção I da mencionada lei de forma bastante esmiuçada – tem necessariamente de observarem os princípios éticos dispostos no Direito Administrativo, sob pena de inconstitucionalidade. Sobre este viés da influência do direito anglo saxão que se tratará no próximo tópico do presente estudo.
2.3 O conceito de Compliance e a nova ética administrativa
O termo Compliance vem sendo discutido no Brasil nos últimos anos. Sua origem é norte-americana e perpassa todo o século XX, marcada por diversos pronunciamentos dos líderes estadunidenses à nação em momentos da história daquele país.
Ligado à criação de agências reguladoras que tiveram seu modelo implantado no Brasil nos anos 1990 durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, os chamados mecanismos de Compliance poderiam ser descritos como uma cultura administrativa na gestão de empresas privadas e organismos públicos que busca o respeito atinente à normatividade.
Para Gabardo e Castella (2015) o Compliance:
O compliance pode e deve ser utilizado, tanto como uma ferramenta de controle, proteção e prevenção de possíveis práticas criminosas nas empresas, como um valioso instrumento de transferência de responsabilidade, evitando ou amenizando a responsabilidade da pessoa jurídica quando do surgimento de alguma patologia corruptiva. (GABARDO; COSTELLA, 2015, pág. 134)
Colares (2014) colabora afirmando que:
Garantir a aderência e cumprimento de leis; desenvolver e fomentar princípios éticos e normas de conduta; implementar normas e regulamentos de conduta; criar sistemas de informação; desenvolver planos de contingência; monitorar e eliminar conflitos de interesses; realizar avaliações de risco periódicas; desenvolver treinamentos constantes e estabelecer relacionamento com os órgãos fiscalizadores, auditores internos e externos e associações relacionadas ao setor da companhia. (COLARES, 2014, pág.64).
A adoção do Compliance é entendida como a linha mestra que poderá orientar sobremaneira a forma como as instituições se comportam, no sentido de diminuir a responsabilidade objetiva com “a contenção dos riscos e eventuais ilícitos, por meio da implementação de ações e procedimentos preventivos constantes e dinâmicos”. (COLARES, 2014, pág. 66)
Seria aqui extenso discorrer sobre toda a sua amplitude, na lógica dos direitos do consumidor, direitos humanos, da economia e eficiência tanto no campo público quanto privado. Envolvem conceitos como os abordados pela IASP (2017), em cartilha publicada sobre o tema, como Helpline e Due Diligence, que no Brasil na seara pública tem sua ação associada a ouvidorias dos diversos órgãos e na atuação do Ministério Público como agente fiscalizador e titular dos interesses públicos e difusos, respectivamente.
É uma cultura que chega ao Brasil por meio de diversos mecanismos anticorrupção, já permeando a normatividade pátria através de legislação especial, citando-se somente a título de exemplo, a lei 12.846 (2013), conhecida como lei anticorrupção.
Spinetto (2015) aponta sobre a referida lei:
O Brasil aprovou uma nova lei anticorrupção, unindo-se a uma tendência internacional entre os países que buscam reprimir a corrupção. Rodrigues (2014) complementa que a Lei nº 12.846 publicada no Diário Oficial da União de 02 de agosto de 2013, a chamada Lei Anticorrupção Empresarial estabelece que empresas, fundações e associações passarão a responder civil e administrativamente sempre que a ação de um empregado ou representante causar prejuízos ao patrimônio público infringir princípios da administração pública ou compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. É a chamada responsabilização objetiva, prevista nas esferas civil e administrativa. (SPINETTO, 2015, pág. 34)
Assim, percebe-se clara correlação com os mecanismos do Compliance, algo que tem implicado no estudo da parte dos profissionais de Direito, como já citado na introdução do presente trabalho. É uma cultura que envolve práticas e mecanismos que visam impedir infrações delituosas, que ferem os princípios éticos, e quando não possível, minimizar os danos ocorridos, inclusive fugindo ao contencioso jurídico pela prática da entabulação de acordos.
A chamada delação premiada, que no texto da lei se coloca como colaboração premiada, é um exemplo. Há muitas controvérsias em torno da questão, o que inclusive levou à discussão no país nos anos mais recentes, sobre o desmantelamento político do país através de certo “marcatismo” judicial que tinha a aparência de se assemelhar a grandes operações contra a corrupção, mas que na verdade tinha conotações ideológicas e não respeitava o devido processo legal brasileiro.
A ideia importada, não se desqualifica por seu eventual emprego errôneo. No que tange aos profissionais do Direito, no Brasil, tanto aquele advogado militante investido da responsabilidade da profissão, quanto o ligado ao setor público, ambos devendo a mesma observância aos princípios éticos – a Compliance serve como uma forma a ser aprimorada, aprofundando-se em nossa tradição positivista.
Há uma limitação cultural do nosso positivismo clássico, devido ao fato de que nossa normatividade ética pressupõe o comportamento ilibado apenas, e quando ferida, se desenrola em todo um processamento que se soma a todas as demandas já existentes, desde as punições disciplinares da corporação, as administrativas do Estado enquanto governo, até as cíveis e criminais cabíveis a espécie no campo pertinente ao Estado juiz.
Compliance na lógica saxã, na elasticidade de seu Direito consuetudinário, é algo natural, repita-se, formas de evitar conflitos ou resolver os mesmos dentro de um pensamento privado de contenção de danos.
No costume jurídico brasileiro isto não se adequa automaticamente. Mas, enquanto princípio que também pode ser distribuído na evolução do arcabouço normativo – no sentido de evitar conflitos pela observância de comportamentos éticos que já são muito bem definidos, e, de outra parte, resolver as questões sem judicializar tudo o tempo todo, em uma linha que já é explorada, a das ações alternativas no Direito, como tal, a tendência do conceito de Compliance é a de ser absorvido no pensar ético jurídico pátrio, mesmo junto à Administração Pública.
De toda forma, a ideia abre espaço para novas possibilidades em termos de atuação, tanto que se divide em relação às questões tomadas tanto como públicas quanto privadas. Na esfera pública, o profissional do Direito quer seja ligado a Administração, quer atue proponentemente em relação à mesma terá não apenas um espaço novo de atuação, mas também de incorporar novos conceitos que vão para além do trato diante de ações vistas como antiéticas depois de consumadas, incorram estas em algum tipo de dano ou não.
Evitar danos sobre o prisma ético envolve questões neste liame que tem a ver com a imagem do profissional, da profissão, de sua função pública, que trazem confiabilidade a sociedade, que passa a acreditar nos mecanismos de controle, reforçando a fé pública dos agentes encarregados da Administração como um todo.
Considerações Finais
É indelével a associação do que por sua vez é normativamente definido como a obrigação ética do profissional de Direito, no que já foi definido como sendo seu múnus público, - aos princípios norteadores da Administração Pública.
A ética é um comportamento decorrente do viver, do costume, que resulta na construção de valores. À medida que a sociedade humana evolui em sua complexidade social, essas tradições são incorporadas em normas que vão sendo inscritas em corpos legislativos sólidos, o que não deixa de ser uma dogmatização.
Em meio à evolução, busca-se uma estabilidade, que varia de uma sociedade para outra, a depender da cultura, do lugar, do tempo.
O Estado, na forma que o conhecemos, que se completa no iluminismo da revolução burguesa do século XVIII, exige como uma demanda, até mesmo da parte da sociedade que o legitima, o exercício da coerção, do hábito do seguimento dos preceitos valorativos.
O profissional do Direito é peça fundamental desta estrutura e tem nas últimas décadas sido também um precursor de mudanças, no Brasil, uma vez que toma de forma própria a responsabilidade da incorporação de novos métodos e costumes, como o conceito de Compliance, visto no presente estudo, como uma mudança de paradigma ético, naquilo que já existe e já tem o aceite na comunidade jurídica.
Assim, Compliance se mostra uma ferramenta valorosamente útil e relevante, uma vez que intensifica valores éticos essências a qualquer tipo de administração, fundamentados nos princípios constitucionais e nas legislações infraconstitucionais, que buscam a combater o desserviço e a corrupção.
Em apertada síntese, pode-se concluir que de regra a ação do profissional do Direito em relação à Administração Pública se norteia por princípios positivistas já consagrados, mas que inovações apontam uma mudança em que esta atuação trilhará o caminho da prevenção e contenção de danos, e não apenas o trato com o fato consumado, quer seja, a quebra do comportamento ético esperado.
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[1] Graduada em Direito; Especialista de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; Mestre em Gestão de Políticas Públicas; Presidente da Escola Superior da Advocacia; Professora na Unirg e Unitins.
Artigo publicado em 23/08/2021 e republicado em 23/07/2024.
Bacharela em Direito na Universidade de Gurupi UnirG
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Giovana Rodrigues. A atuação ética do profissional de Direito na Administração Pública do Brasil contemporâneo. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jul 2024, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /57128/a-atuao-tica-do-profissional-de-direito-na-administrao-pblica-do-brasil-contemporneo. Acesso em: 29 dez 2024.
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