RESUMO: O presente artigo visa analisar o tema relativo aos impactos da pandemia de Covid-19 nos contratos de concessão de serviços públicos de transportes. A partir de uma abordagem interdisciplinar, que combina lições da doutrina civilista com ensinamentos do Direito Administrativo, busca-se aferir o melhor enquadramento para a pandemia. Uma vez feita a reflexão quanto a sua natureza, caberá projetar esse pressuposto aos aspectos atinentes ao equilíbrio econômico financeiro do contrato, mormente quanto à forma de repartição dos prejuízos.
Palavras-chave: Concessão serviço público. Transporte. Pandemia. Equilíbrio contratual.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A natureza jurídica da pandemia de Covid-19 e as consequências para o equilíbrio contratual. 3. Considerações finais. 4. Referências.
1.Introdução
A pandemia do coronavírus trouxe e ainda está trazendo inúmeros impactos para diversas espécies de contratos. Tais consequências se projetam tanto para avenças mais simples, como um contrato privado de compra e venda a prazo, como para contratos mais complexos, como um contrato administrativo de concessão de serviço público. Em que pesem as particularidades de cada espécie contratual, fato é que a inusitada realidade provocada pelo novo vírus convoca os juristas a propor soluções que levam desde a adequação até a extinção dos negócios previamente celebrados.
Tais propostas ainda estão sendo debatidas, mas uma coisa é certa: independente da natureza do contrato, se privado ou público, se faz necessário revisitar as clássicas categorias do direito civil que guardam relação com o equilíbrio contratual, como a cláusula rebus sic standibus, caso fortuito, força maior e, para os contratos administrativos, fato do príncipe e fato da administração.
A partir desse ponto, será possível refletir quanto ao enquadramento da pandemia da Covid-19 em uma dessas espécies. Embora nem sempre as classificações teóricas deem conta da dinamicidade dos fatos, são extremamente úteis para a construção de um raciocínio jurídico lógico e fundamentado.
A constatação quanto à natureza jurídica da pandemia reflete diretamente nas consequências dos pleitos de reequilíbrio econômico financeiro dos contratos de concessão de transportes públicos causados pela vertiginosa queda da demanda, daí a sua importância. Desse modo, o presente artigo pretende apresentar estândares que poderão auxiliar na tomada de decisões, tanto do gestor público, quanto do julgador em eventual demanda levada ao conhecimento do Poder Judiciário.
2.A natureza jurídica da pandemia de Covid-19 e as consequências para o equilíbrio contratual
Em definitivo, não se tem a pretensão de fixar de forma peremptória a natureza jurídica da pandemia de Covid-19. Trata-se de evento de imensas dimensões que pode ser examinado de múltiplas perspectivas, as quais poderão levar a conclusões diversas. Sem descurar do desafio de subsumir uma circunstância de tamanha repercussão a uma única categoria jurídica, nos parece relevante despender tal esforço.
Isso se faz com o intuito de fixar premissas sólidas que auxiliarão no desenvolvimento de um raciocínio jurídico voltado à solução de outros problemas igualmente complexos, nomeadamente, a distribuição dos ônus oriundos dos pleitos de reequilíbrio econômico financeiro dos contratos de concessão. Desta feita, necessária se faz uma breve análise de cada uma das principais categorias.
Caso fortuito e força maior podem ser compreendidos como efeitos alheios ao comportamento e vontade das partes, ocorrendo sem a sua interferência e que impeça o cumprimento de obrigação anteriormente pactuada. Em que pese a existência de divergências acerca do tema, são institutos tratados como sinônimos por grande parte da doutrina.
Em relação às diferenças, pode-se apontar que o caso fortuito é o evento que não se pode prever e que não se pode evitar. Já os casos de força maior seriam os fatos humanos ou naturais, que podem até ser previstos, mas não podem ser impedidos. A título de exemplo cita-se os fenômenos da natureza, tais como tempestades, furacões e raios, bem como fatos humanos como guerras e revoluções.
O fato do príncipe pode ser caracterizado como um ato de origem estatal, oriundo de uma decisão ou comando de autoridade pública, que repercute em uma relação jurídica já existente. Tal ato causa um dano ou interfere no curso normal de seus efeitos, gerando prejuízos a uma parte que não agira de forma ilícita.
O fato da administração é uma causa que impossibilita o cumprimento do contrato administrativo pelo contratado. Pode ser conceituado como a ação ou omissão do Poder Público, especificamente relacionada ao contrato, que impede ou retarda sua execução. Destarte, a sua incidência pode ensejar a rescisão judicial ou amigável do contrato, ou ainda, a paralisação da execução contratual, até que a situação seja normalizada.
A doutrina aponta como hipóteses de Fato da Administração, as previstas no art. 78, incisos XIV, XV, e XVI, da lei 8666/93, como a suspensão da execução do contrato, por ordem da Administração, por mais de 120 dias; o atraso no pagamento, pelo Poder Público, por mais de 90 dias e a não liberação, pela Administração, de área, local ou objeto para execução de obra ou serviço[1].
O debate relativo ao enquadramento da pandemia dentro de uma das categorias supra descritas remonta necessariamente à análise do disposto no artigo 393 do Código Civil (CC). Nesse sentido, pretende-se examinar a aplicação do parágrafo único do referido dispositivo aos debates acerca do reequilíbrio econômico financeiro de contratos de concessão de prestação do serviço público de transporte. A matéria será abordada a partir de uma perspectiva abstrata, sem adentrar em disposições contratuais específicas[2].
Para analisar a aplicação desses institutos clássicos aos contratos de concessão de serviço público de transporte é importante referir a algumas das características destes. Como o próprio nome expressa tais espécies de contrato visam prestar um serviço público para a sociedade, são remunerados por tarifa, preveem cláusulas exorbitantes em favor do poder público, têm longa duração e dividem os riscos entre concessionário e poder concedente. Essa divisão pode ser feita mediante listagem em que dividem os ônus de cada uma das partes ou mais modernamente com o apoio em uma matriz de riscos.
Sublinhe-se que tais contratos, além de normalmente envolverem complexas e especializadas técnicas para a implementação do serviço, perduram por longos prazos, de modo que possuem como característica intrínseca a mutabilidade[3]. Nessa linha de entendimento, são classificados como contratos de administrativos de investimento, que são pautados por uma lógica completamente distinta dos contratos administrativos de desembolso[4].
Tais aspectos fizeram com que a doutrina do Direito Administrativo projetasse a teoria da imprevisão, que tem origem remota na teoria geral do direito, aos contratos administrativos referindo à categoria do (des)equilíbrio econômico financeiro do contrato.
Tamanha a sua incidência nessa seara, que os contratos comumente preveem revisões ordinárias e extraordinárias de suas bases. Trata-se de um reconhecimento de que, em razão do longo período de vigência, as bases inicialmente pactuadas serão necessariamente alteradas. Ademais, espera-se resiliência das partes a fim de garantir a continuidade do serviço público.
Ocorre que, mesmo com a consolidação de institutos jurídicos e com o grande avanço de matrizes de risco que buscam alocar os ônus de cada parte de forma antecipada, nenhum contratante poderia imaginar que no mês de março de 2020 seria declarado o estado de pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS)[5] e decretado o estado de calamidade pública por diversas autoridades governamentais[6], sendo a redução do contato social a medida mais eficaz para evitar a proliferação da doença.
Não é necessário muito mais para constatar que a demanda por transportes públicos caiu vertiginosamente. Com isso diversas concessionárias têm apresentado requerimentos de revisão extraordinária, buscando o reequilíbrio econômico financeiro dos contratos perante agências reguladoras e Judiciário[7]. As possíveis alegações das concessionárias em busca da revisão são múltiplas, mas vale sublinhar duas delas em específico a fim de se alcançar o ponto central do presente artigo.
A primeira é de que a pandemia é um caso fortuito[8] e de que esse risco está alocado como de responsabilidade do Poder Concedente. Isso porque, como este vale-se de prerrogativas de direito público, a contrapartida seria suportar os ônus decorrentes desse tipo de acontecimento inesperado. Assim, sustenta-se que o Estado é quem deve arcar com os prejuízos, já que todo o planejamento de investimentos da concessionária ocorrera tendo como referência uma expectativa de receita que não será alcançada.
Com as devidas vênias, essa não parece ser a melhor posição. O caso fortuito é inesperado tanto para o Poder Concedente quanto para a concessionária e poder trazer consequências desastrosas para ambas as partes. Portanto, se não houver cláusula contratual expressa alocando esse risco em um dos polos da relação, não há base legal a justificar que o reequilíbrio seja feito exclusivamente em favor do concessionário[9].
A segunda alegação é de que o caso seria de fato da administração, porque foi o Poder Concedente quem editou decretos impedindo a circulação de pessoas e com isso atingiu concreta e diretamente a concessão[10]. Nesse caso não haveria maiores dúvidas de que o contrato deveria ser reequilibrado em prejuízo da Administração, já que se trata de verdadeira hipótese de inadimplemento de sua parte[11].
Caso o contrato seja omisso em relação a alocação do risco causado pela pandemia de Covid-19, o que parece ser a hipótese mais provável, essas duas linhas de raciocínio podem ser abordadas levando em consideração o disposto no parágrafo único do artigo 393 do CC. Veja-se a redação do dispositivo:
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
A parte final desse dispositivo tem estreita relação com o alargamento da noção de impossibilidade, na esteira da reforma do Código Civil alemão (BGB) em 2001[12]. Embora paire controvérsia em relação aos efeitos que se extraem do aludido trecho[13], são úteis e esclarecedoras as lições e exemplos cunhados pela doutrina portuguesa nesse tema.
Partindo da premissa de que o dispositivo alberga hipóteses em que a prestação que incumbe ao devedor ainda seria possível, mas exigir que este viesse a cumpri-la lhe acarretaria um esforço desproporcional, esclerece Antônio Manuel Menezes Cordeiro, que o exemplo clássico na matéria, dado por HECK, é o da prestação de entrega de um anel, que caiu no fundo arenoso de um lago: “seria possível drenar o lago e pesquisar adequadamente na areia, numa operação de milhões. Haveria, todavia e perante a boa-fé, um grave desequilíbrio perante o interesse do credor.”[14]
Essa lógica pode ser aplicada para um contrato de concessão de serviço público de transporte. Da mesma forma que não é exigível que o devedor drene um lago para encontrar um anel, mutatis mutandis, não era exigível que o Poder Público se comportasse de outra forma, senão restringindo a circulação de pessoas. Apesar de este ser um trabalho inserido no âmbito jurídico, admite-se que há considerável consenso no campo da epidemiologia no sentido de que, antes da vacinação em massa, o distanciamento social era a forma mais eficaz para conter a proliferação do vírus.
Portanto, ao determinar medidas voltadas à redução do fluxo de transportes, o Estado agiu buscando resguardar o interesse público, mais especificamente, o direito à vida e à saúde da população. Não era exigível que atuasse de forma distinta, ainda que considerada a legítima expectativa gerada pelos pressupostos anteriormente considerados. Frise-se que a boa-fé objetiva, além de incidir à luz do caso concreto, desempenha função interpretativa da avença como um todo e não apenas sob a perspectiva de apenas uma das partes.
Diante disso, ainda que o Poder Público tenha assumido compromisso contratual, que deve gerar o máximo grau de vinculação para ambas as partes, sustenta-se que os decretos que geraram obstáculos para a circulação de pessoas não podem ser interpretados como fato da administração e sim como caso fortuito.
Ora, é evidente que não se está diante de ato que interferiu direta e concretamente apenas nos contratos de concessão de transporte público. Pelo contrário, assim como houve ordens de fechamento de estações de transporte, também assim ocorreu em relação (i) a outros serviços públicos; (ii) a setores da indústria e (iii) a prestação de serviços em geral.
Assim, se na hipótese de fato da administração o reequilíbrio deve se dar exclusivamente em favor do concessionário, que, repita-se, não é a hipótese do caso em apreço, o mesmo não ocorre no caso fortuito. Nesse caso, a justificativa para o reequilíbrio não serão as prerrogativas de direito público, já que se trata de circunstância inesperada para ambas as partes, e sim o princípio da continuidade da prestação dos serviços públicos[15].
3.Considerações finais
Diante do exposto, percebe-se que a controvérsia exposta, não se circunscreve apenas ao âmbito dogmático. A depender da caracterização jurídica conferida à pandemia, independente do nomen iuris que se dê, diversas serão as conclusões referentes ao reequilíbrio econômico financeiro dos contratos de concessão de transportes públicos.
Ainda que se reconheça a tenuidade do tema, inclina-se pela configuração de um caso fortuito que surpreendeu tanto o Poder Concedente, quanto o concessionário, não apenas no setor de transportes, como também nas mais diversas searas da vida em sociedade. Consequentemente, deve se reconhecer uma necessária repartição de seus efeitos maléficos do ponto de vista financeiro.
Nesse sentido, sem adentrar de forma minuciosa na controvérsia sobre a forma de cálculo do quantum indenizatório em favor da contratada, entende-se que o poder público não terá a obrigação de recompor a totalidade dos lucros esperados pela concessionária. Com efeito, deverá assegurar recursos para que o serviço não cesse, tendo como parâmetro o princípio da continuidade dos serviços públicos, sendo os prejuízos acarretados pela pandemia suportados por ambas as partes, de forma compartilhada.
4.Referências
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos, 4. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017, pp. 480/483.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 5 out. 1988.
BRASIL. Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 22 jun. 1993.
BRASIL. Lei 10.046, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 11 jan. 2002.
CORDEIRO, Antônio Manuel Menezes. A Modernização do direito das obrigações. Revista da Ordem dos Advogados de Portugal, vol. II, abr./2002. Disponível em: http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=31559&idsc=13744&ida=13767. Acesso em 24.08.2020.
GARCIA, Flávio Amaral. Concessões, parceria e regulação. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2019. p. 162.
MODESTO, Paulo. Reforma do Estado, formas de prestação de serviços ao público e Parcerias Público-Privadas: demarcando as fronteiras dos conceitos de serviço público, serviços de relevância pública e serviços de exploração econômica para as parcerias público-privadas. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, n. 2, maio/ jul. 2005
MOREIRA, Egon Bockmann. Contratos Administrativos de Longo Prazo: A lógica do seu Equilíbrio Econômico-Financeiro. In: MOREIRA, Egon Bockmann (Coord.). Tratado do Equilíbrio Econômico-Financeiro: contratos administrativos, concessões, parcerias público-privadas, taxa interna de retorno, prorrogação antecipada e relicitação. Belo Horizonte: Fórum, 2019. pp. 89-98.
[1] Lei no 8.666/93. Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato: (...)XIV - a suspensão de sua execução, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 (cento e vinte) dias, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, ou ainda por repetidas suspensões que totalizem o mesmo prazo, independentemente do pagamento obrigatório de indenizações pelas sucessivas e contratualmente imprevistas desmobilizações e mobilizações e outras previstas, assegurado ao contratado, nesses casos, o direito de optar pela suspensão do cumprimento das obrigações assumidas até que seja normalizada a situação;
XV - o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação;
XVI - a não liberação, por parte da Administração, de área, local ou objeto para execução de obra, serviço ou fornecimento, nos prazos contratuais, bem como das fontes de materiais naturais especificadas no projeto;
[2] Que nem por isso deixam de ser relevantes para a solução do caso concreto como será mencionado a seguir.
[3] “Reconhece-se hodiernamente que os contratos concessionais são incompletos e, consequentemente, devem ser dúcteis e flexíveis, para se adaptarem às inexoráveis modificações que passam a ser inerentes à sua própria essência. ” GARCIA, Flávio Amaral. Concessões, parceria e regulação. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2019. p. 162.
[4] MOREIRA, Egon Bockmann. Contratos Administrativos de Longo Prazo: A lógica do seu Equilíbrio Econômico-Financeiro. In: MOREIRA, Egon Bockmann (Coord.). Tratado do Equilíbrio Econômico-Financeiro: contratos administrativos, concessões, parcerias público-privadas, taxa interna de retorno, prorrogação antecipada e relicitação. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 89-98.
[5] A declaração ocorreu em 11 de março de 2020, conforme amplamente noticiado pelos meios de comunicação, a exemplo da reportagem disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/03/11/oms-declara-pandemia-de-coronavirus.ghtml. Acesso em 24.08.2020.
[6] No Estado do Rio de Janeiro o estado de calamidade pública foi declarado pelo Decreto no 46.984, de 20 de março de 2020.
[7] A título exemplificativo a seguinte notícia extraída do sítio eletrônico da Agência Reguladora de Transportes do Estado do Rio de Janeiro (AGETRANSP) revela a tramitação de revisão extraordinária instaurada pela Supervia: http://www.agetransp.rj.gov.br/exibeconteudo?article-id=2124405. Acesso em 24.08.2020.
[8] Entenda-se e expressão como sinônima de força maior, conforme sustentado por grande parte da doutrina nacional.
[9] Nesse sentido é elucidativa a exposição de Paulo Modesto: “(...) entre nós a noção de equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão tem sido extremamente generosa para o concessionário, pois diante de fatos imprevistos, excepcionais, que afetem a economia do contrato tem-se invocado a responsabilidade integral do Estado pela cobertura destes riscos, enquanto no direito francês os prejuízos decorrentes de fatos imprevisíveis e anômalos (álea econômica) são partilhados entre o concedente e o concessionário. Essa dupla redução de riscos para o concessionário é extraída, pela doutrina majoritária, do disposto no art. 37, XXI, da Constituição Federal, na parte que estatui que as obras e serviços serão contratados ‘com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta’. (...) Mas considero que esta será uma leitura apressada (ou interessada): o dispositivo constitucional obriga que sejam mantidas as condições efetivas da proposta, mas não impede que o legislador determine aos particulares que, na proposta, contemplem objetiva catalogação dos riscos que estão dispostos a assumir em relação a situações típicas de caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária” (MODESTO, Paulo. Reforma do Estado, formas de prestação de serviços ao público e Parcerias Público-Privadas: demarcando as fronteiras dos conceitos de serviço público, serviços de relevância pública e serviços de exploração econômica para as parcerias público-privadas. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, n. 2, maio/ jul. 2005).
[10] No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, os Decretos nos 46.983 de 20 de março de 2020 e 46.986 determinaram o fechamento de 9 (nove) estações ferroviárias, e instaurou regime de acesso restrito em 15 (quinze) outras estações.
[11] ARAGÃO, Alexandre Santos. Direito dos Serviços Públicos. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2017. p. 483.
[12] A reforma consagrou a teoria da impossibilidade relativa (ou subjetiva), que está prevista, em termos gerais, no vigente §275 n.1 do BGB, segundo o qual: “a pretensão ao cumprimento da prestação não subsiste, se for impossível para o devedor ou para todos”.
[13] Nesse sentido, fazendo referência à controvérsia e já projetando a incidência do dispositivo à pandemia da Covid-19, leciona Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho: “O segundo requisito, a inevitabilidade, sede de mais acirradas discussões, diz respeito aos efeitos da ocorrência superveniente na relação jurídica em concreto. Dessarte, havendo meios razoáveis e exigíveis de o devedor impedir que o fato necessário provoque efeitos prejudiciais na escorreita execução da prestação, deverá assim agir sob pena de inadimplemento. Como mencionado anteriormente, a pandemia da Covid-19 em princípio parece preencher também o requisito da inevitabilidade, dado que os efeitos se projetarão na relação negocial independentemente da atuação diligente das partes em evitá-los ou atenuá-los, ressalvadas circunstâncias avaliadas em concreto que indiquem o contrário”. (Grifou-se). MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. Força maior e descumprimento de contratos na pandemia. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-responsabilidade-civil/325782/forca-maior-e-descumprimento-de-contratos-na-pandemia. Acesso em 24.08.2020.
[14] CORDEIRO, Antônio Manuel Menezes. A Modernização do direito das obrigações. Revista da Ordem dos Advogados de Portugal, vol. II, abr./2002. Disponível em: http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=31559&idsc=13744&ida=13767. Acesso em 24.08.2020.
[15] ARAGÃO, Alexandre Santos. Direito dos Serviços Públicos. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2017. pp. 480/481.
Advogado. Pós-graduado pela Escola Superior de Advocacia Pública e Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MEHL, Jonas Veprinsky. O alargamento da noção de impossibilidade projetada aos contratos de concessão de serviço público de transporte no contexto de pandemia da Covid-19 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 abr 2022, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /58234/o-alargamento-da-noo-de-impossibilidade-projetada-aos-contratos-de-concesso-de-servio-pblico-de-transporte-no-contexto-de-pandemia-da-covid-19. Acesso em: 29 dez 2024.
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
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