A Lei nº 14.230/2021 trouxe alterações profundas na Lei de Improbidade Administrativa, de forma que dos seus 25 artigos, apenas dois foram mantidos. As modificações se inspiraram em instrumentos normativos diversos, como a Lei Anticorrupção, Lei de Ação Civil Pública, CDC, CP, CPP, NCPC, dentre outros. A reforma nem sempre primou pela boa técnica legislativa, a exemplo dos arts. 1º, § 3º e 17-C, V, que demandam esforço interpretativo. Este ensaio busca enfatizar os principais aspectos da mudança, incluindo as dúvidas que remanescem do julgamento do Tema 309 pelo STF em novembro de 2024 e da ADI 7.236 proposta pela CONAMP, que podem alterar radicalmente o cenário do Direito Administrativo Sancionador.
Com efeito, muitas inovações da NLIA suscitaram questões de direito intertemporal, demandando a harmonia entre diferentes dispositivos legais e constitucionais, como o art. 1°, §2º, da LINDB, o art. 14 do NCPC e os incisos XXXVI e XL do art. 5° da CF, que tratam da coisa julgada e da retroação penal benéfica. Este último tem servido de esteio para precedentes que o aplicaram em casos administrativos, como na redução de multas impostas pela ANTT e no exercício do poder disciplinar em face dos servidores públicos. Mas sua extensão aos casos de improbidade permanece controversa.
A perda do cargo público do servidor estável tem base constitucional no art. 41, § 1º, I, da CF/88, onde se encaixa a LIA, que se divide em cinco partes: sujeito ativo, sujeito passivo, tipologia da improbidade, sanções e procedimento. Essa é a configuração dada ao Projeto de Lei nº 1.446/1991, encaminhado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional em mensagem escrita pelo Ministro da Justiça Jarbas Passarinho.
No tocante à competência legislativa, a LIA regula matérias de competência privativa (princípio federativo da predominância do interesse) e competência concorrente (princípio do federalismo cooperativo). Com efeito, a lei trata da suspensão dos direitos políticos, que é matéria afeta à cidadania, elencada no art. 22, XII, da CF/1988. Trata também de ressarcimento (efeitos civis), perda do mandato (efeito penal) e direito processual, todos previstos no art. 22, I, da CF/88. Por sua vez, as matérias atinentes ao direito administrativo são de competência concorrente, conforme o art. 24 da CF.
A LIA é uma lei nacional, que regulamenta o art. 37, § 4º, da CF/88, portanto, aplicável a todos os entes federativos, no âmbito dos três poderes. A Lei nº 14.230/21 promoveu mudanças na ementa da LIA, a fim de albergar em seu âmbito de incidência os demais atos de improbidade, e não apenas os atos de enriquecimento ilícito. Já o art. 1º, e seus parágrafos, são normas com função jurídico-hermenêutica específica, desempenhando o papel de postulados fundamentais na interpretação dos demais dispositivos da lei.
Antes de adentrar propriamente nos dispositivos, faremos uma breve explanação histórica sobre o tema. A probidade administrativa está relacionada a conceitos tradicionais de honestidade, legalidade e moralidade, que remontam aos escritos de civilizações antigas, como Grécia, Roma e Egito. Com efeito, juristas e filósofos se debruçaram sobre os contornos da moralidade e sua distinção da ética.
Atualmente, a doutrina entende que nem todo ato ímprobo tipificado em lei corresponde à violação da moralidade, em especial ao tempo em que existia o ato ímprobo culposo que causava lesão ao erário. Daí decorre que a probidade é gênero e a moralidade é espécie. Por sua vez, a honestidade tem uma conotação exterior, expressa no provérbio romano “à mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”, referindo-se à Pompeia, que não podia estar sob qualquer suspeita diante dos soldados imperiais.
O princípio da legalidade remonta a tempos mais recentes. Em 911, d.C, os vikings, comandados por Rollo, foram autorizados pelo governante carolíngio Carlos, o simples, a se estabelecer na Normandia, território localizado no norte da França. Em 1066, a Normandia invadiu e conquistou a Inglaterra, estabelecendo-se a proibição da escravidão nos territórios conquistados. Logo em seguida, em 1100, Henrique I assinou a Carta das Liberdades, constando em suas cláusulas o primeiro esboço do princípio da legalidade. Em 1215, o rei João Sem Terra assinou a Magna Carta, com a transcrição das cláusulas da Carta das Liberdades, inclusive do princípio da legalidade. Os diplomas que se seguiram nos séculos XVII e XVIII albergaram o referido princípio, tanto na França como na Inglaterra.
No Brasil, a Constituição Imperial de 1824 trouxe o princípio da legalidade no art. 179, inspirada nas revoluções liberais, em especial na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Todas as constituições que se seguiram adotaram o princípio da legalidade, estando ele previsto atualmente no art. 5º, II, da CF/1988.
A CF/1946 dispunha sobre a vedação ao enriquecimento ilícito no art. 141, § 31. Esse artigo foi regulamentado pela Lei Pitombo-Godoi (Lei nº 3.164/57) e pela Lei Bilac Pinto (Lei nº 3.502/58). Estas duas leis foram expressamente revogadas pelo art. 25 da Lei nº 8.429/92. A Lei nº 3.164/57 resultou do Projeto de Lei nº 670/51, de autoria do Deputado Ari Pitombo, do PST/AL, que afirmou na justificativa do projeto: “Reconheço que o projeto poderá ferir suscetibilidades, já que encarado de maneira geral, atingirá também os que, na maioria, desempenham a função pública com zelo, probidade, honestidade e dando a ela o maior de seus esforços. Mas, esses, cônscios de sua missão, também se sentirão satisfeitos, pois o projeto em questão irá separar o joio do trigo”.
De seu turno, a Lei nº 3.502/58 trouxe regras procedimentais e a declaração de bens e rendas. Ela resultou do Projeto de Lei nº 505/55, de autoria do deputado Bilac Pinto, da UDN/MG, que justificou o projeto com base em medida similar adotada nos Estados Unidos da América, em mensagem do presidente Truman ao congresso americano em 1951, visando à adoção de um registro do patrimônio e da renda de todos os servidores civis e militares daquele país, em especial após o rescaldo da Segunda Guerra Mundial. Vale ressaltar que se trata do mesmo presidente que ordenou o uso de armas termonucleares sobre Hiroshima e Nagasaki entre os dias 06 e 08 de agosto de 1945. Bilac Pinto assim justificou seu projeto: “As instituições políticas que nos regem, nas linhas fundamentais de sua estrutura, não se diferenciam substancialmente daquelas que há mais de um século foram moldadas para estados democráticos criados sob a inspiração do liberalismo econômico. A intervenção do estado na ordem econômica, como um verdadeiro leviatã, trouxe limitações aos direitos individuais e as técnicas tradicionais de controle democrático estão obsoletas”.
Sobre esse excerto da justificativa, dois pontos merecem destaque, o primeiro sobre o liberalismo econômico e o segundo sobre o Estado leviatã. Com efeito, superado o absolutismo do antigo regime, os governantes passaram a submeter-se às mesmas leis aplicadas aos cidadãos, prevalecendo o estado de direito. Com isso, o poder baseado em ideias metafísicas foi substituído pelo poder fundamentado na razão. O liberalismo econômico remonta ao século XVI, em substituição ao mercantilismo, que já não atendia às novas necessidades do capitalismo, e procurou emancipar a economia de qualquer dogma externo a ela. No entanto, foi no início do século XIX que o liberalismo econômico passou a moldar as instituições políticas, tal como indicado na justificativa do projeto, com a lei nº 3.502/58 buscando modernizar os instrumentos de controle do Estado e de seus agentes.
Quanto ao segundo ponto, pesa um paradoxo histórico, pois a referência ao Estado Leviatã possui uma conotação equivocada. O uso do termo na justificativa do projeto faz expressa alusão às autarquias, empresas públicas, sociedade de economia mista e demais modalidades de intervenção do estado na ordem econômica já em meados da década de 1950. Atualmente, só a União conta com 144 estatais. No entanto, a referência negativa tradicionalmente atribuída ao termo não é coerente à sua história. De fato, Leviatã é um monstro bíblico, citado no livro de Jó e nos Salmos, com formato de serpente marinha. Thomas Hobbes escreveu um livro de mesmo nome durante os horrores da guerra civil inglesa, no âmbito da teoria do contrato social. Para Hobbes, a guerra civil e a situação bruta de um estado da natureza (guerra de todos contra todos) só poderia ser evitada por meio de um governo forte e indiviso. O frontispício da obra deixa clara a conotação de concentração do poder estatal, com o rei segurando uma espada e um báculo em cada uma das mãos, representando o poder terreno e o religioso. Assim, o estado leviatã seria a solução para a paz entre os homens, segundo Hobbes, destoando inteiramente das conotações atuais que utilizam o termo em referência ao inchaço da máquina estatal.
Modernamente, o trâmite legislativo do Projeto de Lei nº 1.446/1991, que deu origem à Lei nº 8.429/1992, foi impulsionado por uma entrevista rumorosa de Pedro Collor, irmão do então presidente Fernando Collor. Em entrevista à revista Veja em 1992, Pedro Collor revelou que Paulo César Farias seria o testa de ferro do presidente, desferindo outras acusações contra o irmão, como a propriedade de um apartamento em Paris, uma comissão na raspadinha federal e a propriedade oculta do jatinho “Morcego Negro”. Este último se tratava de um Learjet PT-OHU, no qual também pesava a suspeita de ser usado no tráfico internacional de drogas para a Itália, mas as investigações na época foram dificultadas, pois o jato sempre decolava do hangar presidencial.
Pedro Collor também revelou que PC Farias ficava com 30% e Fernando Collor com 70% dos ganhos ilícitos da sociedade entre ambos. A entrevista foi concedida no momento de um racha na família Collor, em decorrência de divergências nos negócios em Alagoas, como a disputa pelo controle de jornais e rádios. As acusações foram tão graves, que o governo alegou que o irmão do presidente estava em tratamento psiquiátrico, o que foi desmentido em seguida. O escândalo teve como resposta governamental a aprovação a toque de caixa da Lei de Improbidade Administrativa - LIA.
Por outro lado, a Lei nº 14.230/2021 é resultado de um anteprojeto elaborado por uma comissão de juristas, coordenada pelo Ministro Mauro Campbell do STJ, que recebeu sugestões do Ministério Público, Defensoria Pública, AGU e OAB. Em 2019, foi publicada na biblioteca digital do STJ a justificativa do anteprojeto, redigida pelo coordenador, e que faz um bosquejo da doutrina e da jurisprudência que respaldaram as alterações propostas. As razões informais para as alterações, no entanto, residem em frequentes reclamos da classe política de desvios da atividade judicante, direito administrativo do medo e apagão das canetas.
Com efeito, muitos julgamentos de improbidade administrativa têm como pano de fundo disputas políticas locais, tanto que os órgãos públicos foram excluídos do rol de legitimados ativos, permanecendo apenas o Ministério Público, tendo o STF revertido esse dispositivo. Também pesava sobre muitos julgamentos de improbidade administrativa a acusação de condenações sem produção de provas, fundadas em presunções, em especial na afronta a princípios genéricos ou atos culposos, com alteração do ônus da prova ao réu ou com a impossibilidade de realização da prova em seu favor, como a prova diabólica de fato negativo, quando a parte tem que provar que não cometeu ato ilícito, tendo a nova lei expressamente proibido essa prática.
De fato, muitas alterações geraram rechaço na doutrina, que sustenta a inconstitucionalidade ou inconvencionalidade do esvaziamento do combate à improbidade, com base nos mandados constitucionais anticorrupção explícitos e implícito, e na supralegalidade das convenções internacionais contra a corrupção internalizados no ordenamento pátrio.
Seguem exemplos de alterações questionáveis na LIA: exclusão dos partidos políticos e suas fundações; exclusão da pessoa jurídica caso o ato de improbidade também seja tipificado na Lei Anticorrupção; rol taxativo na violação aos princípios; revogação do desvio de finalidade do art. 11, I; revogação da omissão dolosa no ato de ofício do art. 11, II; a exigência de lesividade relevante na violação aos princípios; a intransmissibilidade da perda do cargo público; limitação à vedação de promoção pessoal; autorização ao nepotismo nas indicações políticas; a forma de contagem da suspensão dos direitos políticos; limitação sancionatória da multa em casos de menor ofensa aos bens jurídicos tutelados. Como se verá, muitas dessas alterações não passaram pelo crivo de constitucionalidade no âmbito do STF.
Importante gizar que a implantação da administrativização sancionadora gera debates atuais sobre a teoria dos jogos e a fórmula de Hand, elaborada pelo juiz norte-americano Learned Hand, que analisam a negligência utilizando critérios objetivos e métodos matemáticos.
Após esse panorama histórico, passaremos a um exame pormenorizado da Lei de Improbidade Administrativa, contando com comentários sucintos aos seus principais dispositivos, em ordem enumerada de 142 itens.
- 1. O art. 1º, caput, traz quatro conceitos, dispondo que o sistema de responsabilização tutelará a probidade tanto na organização do Estado quanto no exercício de suas funções, buscando assegurar a integridade tanto do patrimônio público quanto do patrimônio social.
- 2. O art. 1º, § 1º, ressalva a existência de tipos previstos em leis especiais. Exemplificam-se com os tipos previstos no art. 52 do Estatuto das Cidades e no art. 73, § 7º, da Lei das Eleições. No entanto, esse último dispositivo remete expressamente ao art. 11, I, da LIA, que foi revogado.
- 3. O art. 1º, § 2º, dispõe que não basta a voluntariedade do agente. No REsp nº 765.212/AC, julgado pelo STJ, o Min. Herman Benjamin entendeu pela tese da voluntariedade, bastando a simples intenção do agente. No entanto, prevaleceu no julgamento a tese do Min. Mauro Campbell, que consignou: “Voluntariedade não se confunde com vontade. A vontade necessariamente pressupõe uma conduta com resultado querido. Novamente com Luiz Regis Prado, citando Welzel: ‘a voluntariedade significa que um movimento corporal e suas consequências podem ser conduzidos a algum ato voluntário, sendo indiferente quais consequências queria produzir o autor.’ Isso quer dizer que a voluntariedade se caracteriza pela simples inervação muscular que põe em andamento um processo de natureza causal. De outro lado, a vontade tem conteúdo próprio inerente ao comportamento humano, e diz respeito a um resultado querido. O conceito de voluntariedade deixa de fora inúmeras situações, nas quais, apesar de haver voluntariedade na conduta, não se poderá caracterizar a improbidade”.
- 4. O art. 1º, § 3º, dispõe que o mero exercício do cargo não importa responsabilidade por ato de improbidade administrativa, devendo ser comprovado o elemento subjetivo, consistente no ato doloso com fim ilícito. A tendência de repulsa aos atos culposos de improbidade teve início com o julgamento pelo STF do Tema 897 em 2016, que afastou o ressarcimento para atos culposos. A partir daí a jurisprudência dos tribunais superiores passou a exigir a culpa grave nos atos de improbidade. Na ADI 6678, julgada pelo STF em 2021, houve o afastamento da suspensão dos direitos políticos aos atos culposos. No ano seguinte, sobreveio o julgamento do Tema 1199, com o STF aplicando uma versão mitigada da retroação benigna prevista no art. 5ª, XL, da CF, estendendo a revogação dos atos culposos aos processos em curso, inclusive na fase recursal, mas vedando a retroatividade aos feitos transitados em julgado. Por fim, em novembro de 2024, julgando o Tema 309, o STF entendeu que a punição dos atos culposos é inconstitucional, ferindo o art. 37, §4º, da CF, alcançando as condenações definitivas, a exemplo do que se dá na aplicação do princípio da retroatividade benigna no âmbito penal. Contudo, algumas dúvidas surgiram desta última assentada, que serão exploradas no item 83, a que remetemos o leitor.
- 5. O art. 1º, § 4º, dispõe que se aplica os princípios do direito administrativo sancionador (DAS). Esses princípios não estão positivados, podendo o intérprete se valer dos princípios indicados no caput do art. 37 da CF/88. Na doutrina, Fábio Medina Osório vê semelhança entre os princípios aplicáveis ao direito administrativo sancionador e os aplicáveis ao direito penal.
- 6. O art. 1º, § 5º, se refere novamente aos quatros conceitos indicados no caput do art. 1º.
- 7. O art. 1º, § 6º, elenca um rol fechado de entidades privadas, sem a utilização de uma cláusula aberta final, indicando apenas as entidades que recebam subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, abrangendo tanto entes públicos quanto governamentais.
- 8. O art. 1º, § 8º, exclui da configuração de improbidade os atos praticados com fundamento em dissídio jurisprudencial, seja no âmbito do judiciário ou dos tribunais de contas. O dispositivo se inspirou nas alterações da LINDB que visaram conferir segurança jurídica ao gestor público.
- 9. O art. 2º, caput, e parágrafo único, possuem rol com cláusulas abertas, indicando “qualquer outra forma de investidura ou vínculo” e “ajuste administrativo equivalente”.
- 10. O art. 3º, § 1º, dispõe que os sócios, cotistas, diretores e colaboradores da pessoa jurídica só respondem pelo ato de improbidade se houver, conjuntamente, participação e benefício direto. O dispositivo deve ser conjugado com a previsão de benefícios indiretos referenciados em diversos tipos de improbidade.
- 11. O art. 3º, § 2º, dispõe que não haverá dupla punição da pessoa jurídica pelo mesmo ato, prevalecendo as sanções previstas nos arts. 6º e 19 da Lei Anticorrupção. Algumas sanções coincidem com as da LIA, como a multa e a perda de bens e valores, e outras são exclusivas da Lei Anticorrupção, como a dissolução compulsória da pessoa jurídica. Assim, não é possível cumular a perda de valores da LIA com a mesma sanção da Lei Anticorrupção, aplicando-se somente a desta última.
- 12. O art. 8º dispõe que o sucessor responde apenas pela reparação do dano ao erário ou enriquecimento ilícito, nos limites da herança ou patrimônio transferido. O dispositivo não incluiu a responsabilidade pelas multas na sucessão, em virtude da intranscendência da pena. Mesmo antes da alteração, a reparação ao erário tinha natureza de indenização civil, sendo postulada em ação de improbidade atípica. Diferentemente, a multa tinha natureza de sanção, sendo postulada em ação de improbidade típica.
- 13. O art. 8º-A, “caput”, e parágrafo único, tiveram inspiração no art. 4º, § 1º, da Lei Anticorrupção, que também prevê a limitação da responsabilidade. A LIA, contudo, não mencionou as sociedades controladas e coligadas, indicadas no art. 4º, § 2º, da Lei Anticorrupção.
- 14. O art. 9º, caput, possui a cláusula aberta “qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida”, seguida de rol exemplificativo, conforme indicado pelo termo “notadamente”. Os atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito foram os primeiros a terem previsão no ordenamento jurídico, no art. 141, § 31, da Constituição Federal de 1946. Posteriormente, foram incluídos os atos que causam prejuízo ao erário e que violam os princípios administrativos.
- 15. O art. 9º, V, cita: a exploração de jogos de azar, prevista no art. 50 da Lei de Contravenções Penais; lenocínio, previsto no art. 230 do Código Penal, com o nome de rufianismo; narcotráfico, termo inusual no ordenamento pátrio, apesar de comum no restante do continente americano, devendo o intérprete se valer dos tipos da Lei de Drogas; contrabando, previsto no art. 334-A do Código Penal; usura, previsto no art. 4º da Lei nº 1.521/51; seguida da cláusula de abertura “qualquer outra atividade ilícita”.
- 16. O art. 9º, VI, prevê o ato de improbidade consistente em receber vantagem econômica para fazer declaração falsa sobre obra pública, quantidade, peso ou qualidade de mercadoria. A conduta pode configurar também o crime do art. 337-O, incluído pela Nova Lei de Licitações, que prevê no § 2º a aplicação em dobro da pena se for praticado com o fim de obter benefício, direto ou indireto, próprio ou de outrem.
- 17. O art. 9º, VII, prevê como ato de improbidade adquirir bens cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou renda. A desproporção entre a evolução patrimonial e a renda do agente público é um forte indicativo de enriquecimento ilícito. No entanto, sempre foi um desafio comprovar essa conduta. Na esteira do art. 91-A do CP, incluído pelo PAC, a LIA instituiu uma presunção de ilicitude no enriquecimento do agente. À semelhança do art. 91-A, § 2º, do CP, cabe ao agente suspeito de ato ímprobo demonstrar a procedência lícita do patrimônio, invertendo-se o ônus da prova. Neste caso, não se aplica a vedação do art. 17, § 19, II, da LIA.
- 18. O art. 9º, VIII, prevê o ato ímprobo de exercer atividade de consultoria para pessoa jurídica que tenha interesse atingido pelas atribuições do agente. Em geral, as condutas que importam em enriquecimento ilícito são precedidas dos verbos receber, perceber, adquirir ou incorporar. No entanto, neste dispositivo, a lei aludiu apenas ao exercício de atividade, devendo assim ser conjugado com o caput do art. 9º, com a comprovação da vantagem patrimonial indevida pelo agente, para além do mero exercício da atividade.
- 19. O art. 9º, caput, pode ser invocado para o enquadramento da conduta de receber vantagem econômica indevida na atuação legislativa lato sensu, conforme o enunciado nº 7 da I Jornada de Direito Administrativo do CJF em 2020.
- 20. O art. 10, caput, previu os atos de improbidade que causam prejuízo ao erário, utilizando os termos “efetiva e comprovadamente”, indicando rechaço a qualquer presunção em desfavor do agente público. As condutas indicadas igualmente compõem um rol exemplificativo, conforme o uso do termo “notadamente”.
- 21. O art. 10, VII, alude à concessão de benefício administrativo ou fiscal sem as formalidades legais. No conceito de “benefícios administrativos” incluem-se a concessão de benefícios previdenciários, auxílio-emergencial e bolsa família.
- 22. O art. 10, VIII, prevê a dispensa indevida de processo licitatório. Apesar de a Lei nº 8.666/93 ainda estar vigente, aplica-se o art. 75 da NLL, que possui hipóteses mais amplas de dispensa. O termo “dispensa” utilizado pela LIA está no sentido lato, albergando também os casos de inexigibilidade, previstos no art. 74 da NLL. O dispositivo reforça a necessidade de demonstração de perda patrimonial efetiva, conforme já disposto no caput. É comum em pequenos municípios a entrega da coleta do lixo para aliados ou o aluguel de veículos de apoiadores de campanha, sem o regular processo licitatório.
- 23. O art. 10, XIV e XV, dispõem sobre os atos de improbidade praticados na celebração de consórcios públicos, conforme determinado pela Lei nº 11.107/05. Por sua vez, a Lei nº 13.019/14 estendeu os atos de improbidade para a celebração de parcerias com entidades privadas, nos incisos XVI, XVII, XVIII e XX, inclusive na liberação de recursos. A Lei nº 14.230/21 deu nova redação ao inciso XIX, com a inclusão da análise da prestação de contas das parcerias firmadas.
- 24. O art. 10, XXI, prevê o ato de improbidade antes indicado no art. 10-A. Trata-se de norma específica, que se aplica em detrimento do inciso VII, o qual se refere genericamente a benefício fiscal. O dispositivo alude tanto a benefícios financeiros quanto tributários, remetendo ao art. 8º-A, § 1º, da LC 116/03.
- 25. O art. 10, § 1º, reforça a necessidade de comprovação de perda patrimonial efetiva, já disposta no caput. A parte final veda o enriquecimento sem causa das entidades públicas. O art. 884 do Código Civil dispõe que aquele que se enriquecer à custa de outrem, sem justa causa, será obrigado a restituir o indevidamente auferido. O dispositivo em comento visa afastar condenações de ressarcimento às entidades públicas sem a comprovação do ato de improbidade e do efetivo prejuízo, o que resultaria na falta de justa causa indicada no art. 884 do NCC. A indenização deve ter por base o art. 927 do Código Civil, devendo ser comprovado o dano a fim de dar ensejo à reparação.
- 26. O art. 10, § 2º, dispõe que a perda patrimonial decorrente da atividade econômica não configurará ato de improbidade. Conforme referido, o Estado passou a atuar na ordem econômica por meio de diversas entidades públicas, com distintas configurações jurídicas, existindo atualmente 144 estatais no âmbito da União. Muitas delas atuam no mercado em concorrência com o setor privado, conforme permissão do art. 173 da CF/88, daí advindo lucros e prejuízos. O dispositivo ressaltou o ato doloso com a finalidade de causar perda patrimonial, reclamando assim um elemento subjetivo específico para a configuração do ato de improbidade.
- 27. O art. 11, caput, elenca os princípios da honestidade, imparcialidade e legalidade, dos quais se discorreu acima, seguido de um rol taxativo de condutas. A Lei nº 14.230/21 excluiu do art. 11 o princípio da lealdade às instituições, comum aos estatutos militares, bem como revogou o art. 4º, que previa também os princípios da moralidade e publicidade. Insta salientar que os incisos I e II do art. 11 também restaram revogados, tendo o STJ e o STF estendido essa revogação aos processos em curso, conforme noticiado no informativo 800 do STJ, publicado em fevereiro de 2024. Já no informativo 802 do STJ, publicado em março de 2024, houve o entendimento pela continuidade típico-normativa das condenações por violação genérica aos princípios, caso o atual rol exaustivo do art. 11 traga a mesma conduta especificada em algum de seus incisos. Se não for esse o caso, a retroatividade da revogação dos incisos I e II do art. 11 alcança inclusive as condenações definitivas, na esteira do julgamento do Tema 302 pelo STF em novembro de 2024, nada obstante a tese aprovada tenha se limitado aos atos ímprobos culposos.
- 28. O art. 11, V, prevê a conduta de frustrar o caráter concorrencial do procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros. O dispositivo exige um elemento subjetivo específico, consistente na finalidade de obtenção de benefício. A conduta pode caracterizar o crime do art. 337-F do Código Penal, incluído pela NLL, que igualmente exige a finalidade de obter vantagem para si ou para outrem. Contudo, o ato ímprobo possui maior abrangência que o delito citado, indicando a obtenção de benefício direto ou indireto. Tanto no delito quanto no ato ímprobo, é escusado o efetivo recebimento da vantagem ou benefício para a sua configuração, bastando a existência desse especial fim de agir. O efetivo recebimento é mero exaurimento do ato, que impacta na sanção aplicada.
- 29. O art. 11, VI, prevê a conduta de deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades. A redação atual do dispositivo inclui um elemento subjetivo específico, consistente na finalidade de ocultar irregularidades. Com isso, estão fora da incidência da norma os casos de mero desleixo do gestor de verbas públicas.
- 30. A norma ainda adicionou como requisito para sua incidência a existência de condições para a prestação de contas, consistente na ausência de empecilhos ao administrador público, a exemplo do extravio de livros contábeis e de notas fiscais nos arquivos das prefeituras após a mudança de gestão. Concerne salientar que a prestação de contas, quando aplicada ao ente federativo, se qualifica como um princípio constitucional sensível, previsto no art. 34, VII, d, da CF/88, podendo seu descumprimento dar ensejo à ação direta de inconstitucionalidade interventiva no STF, ajuizada pelo PGR, com a prova da violação do princípio, conforme o art. 3, III, da Lei nº 12.562/11.
- 31. O art. 11, VII, prevê o ato de improbidade consistente na revelação de medida política ou econômica antes de sua divulgação oficial. O dispositivo não exige finalidade específica. No entanto, o art. 11, § 1º, exige a finalidade de obter proveito ou benefício indevido. A conduta pode ainda configurar o crime de “insider trading”, previsto no art. 27-D, § 1º, da Lei nº 6.385/76, incluído pela Lei nº 13.506/17, que faz alusão ao repasse de informação sigilosa sobre fato relevante, porém o tipo penal não faz referência à obtenção de vantagem indevida.
- 32. O art. 11, XI, dispõe sobre a prática de nepotismo, tendo incorporado a redação da Súmula Vinculante nº 13 do STF. A proibição atinge tanto os parentes da autoridade nomeante quanto os parentes de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, mesmo que este último não tenha atribuição de efetuar nomeações. O art. 11, § 5º, exige a aferição de dolo com finalidade específica no caso de nomeações por parte de detentores de mandatos eletivos. A constitucionalidade desse dispositivo pode ser questionada diante do princípio republicano, previsto no art. 1º da Constituição Federal de 1988.
- 33. O art. 11, XII, dispõe sobre a proibição de propaganda pessoal na administração pública. O art. 37, § 1º, da CF/88 indica que a propaganda institucional deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, sendo vedado nomes, símbolos ou imagens que induzam promoção pessoal de autoridades e servidores. O LIA utiliza os termos “agente público” e “personalização de atos”, exigindo inequívoco enaltecimento. Além disso, o ato de publicidade deve ser realizado no âmbito da administração pública e com recursos do erário. É notório que a LIA reduziu o alcance da vedação constitucional.
- 34. Em julgamento de PAD, o CNMP decidiu pela demissão de um membro do MPF integrante da operação Lava Jato, pelo cometimento de ato de improbidade, por ter encomendado um outdoor com a imagem dos integrantes da operação, em posição que imita a liga da justiça, caracterizando promoção pessoal. Após a decisão, ainda é necessário ajuizar ação de perda do cargo pelo PGR. Nas cidades e estradas Brasil afora vicejam outdoors com a imagem de políticos contendo promoção pessoal e propaganda eleitoral antecipada.
- 35. O art. 11, § 1º, exige o elemento subjetivo específico para caracterização do ato de improbidade que viola os princípios, consistente na finalidade de obtenção de proveito ou benefício indevido para si ou para outrem. Para tanto, o dispositivo se escuda nos arts. 18 e 19 da Convenção da ONU contra a Corrupção, que exigem a finalidade específica nas condutas de tráfico de influência e abuso de funções. O art. 11, § 2º, da LIA estende a exigência a todos os atos de improbidade tipificados nesta lei e em leis especiais, tais como a Lei das Eleições e o Estatuto das Cidades, além de exigi-la a qualquer tipo especial instituído por leis futuras.
- 36. O dispositivo pode resultar em antinomia, caso uma lei futura traga um tipo de improbidade sem a exigência expressa do elemento subjetivo. Ou mesmo quando o tipo advém de provimento jurisdicional, tal como o tipo omissivo de não ajuizar a ação de regresso contra o servidor público ou na prática de tortura por policiais, que proveem de julgados dos tribunais superiores. No caso de antinomia de primeiro grau, o critério hierárquico prevalece sobre o cronológico e da especialidade. Assim, prevalece a Convenção da ONU caso se reconheça seu status supralegal. No caso de antinomia de segundo grau, com um conflito de uma norma especial anterior com outra geral posterior, prevalecerá o critério da especialidade em face do cronológico, valendo a primeira norma. Assim, prevalecerá o disposto na LIA caso a lei vindoura seja geral.
- 37. O art. 11, § 3º, revela mais uma vez a preocupação com a demonstração objetiva da prática de ilegalidade, com a indicação precisa das normas violadas.
- 38. O art. 11, § 4º, dispensa a comprovação de danos ao erário ou enriquecimento ilícito para a caracterização dos atos de improbidade que violam os princípios. Contudo, o dispositivo exige lesividade relevante ao bem jurídico tutelado para serem passíveis de sancionamento. Este último verbete não está dicionarizado, no entanto, é bastante empregado em arestos dos tribunais superiores, ora como sinônimo de sanção ora no sentido de aplicação de sanção, por vezes reclamando a preposição “de”.
- 39. O art. 12, caput, prevê o ressarcimento integral do dano, se efetivo. Novamente, o legislador enfatizou a necessidade de comprovação de dano como requisito para reparação. Contudo, não elencou a indenização como espécie de sanção por improbidade, tendo se alinhado ao entendimento prevalecente nas cortes superiores.
- 40. Segue-se o elenco de sanções independentes: sanções por crime comum; sanções por crime de responsabilidade; sanções civis; e sanções administrativas. A sanção penal comum pode resultar em perda do cargo, função pública ou mandato eletivo, caso aplicada pena privativa de liberdade “igual ou superior” a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, ou “superior” a quatro anos, nos demais casos, conforme o art. 92, I, “a” e “b”, do CP.
- 41. O art. 41, § 1º, da CF/88 prevê a perda do cargo do servidor estável, conforme a redação da EC nº 29/98. No inciso I é indicada a sentença judicial transitada em julgado, onde se encaixa a sanção disposta na LIA. Já o inciso II se refere ao PAD, decidido administrativamente.
- 42. Por sua vez, os crimes de responsabilidade estão previstos na Lei nº 1.079/50, que prevê a destituição ipso fato do cargo, conforme seu art. 34. Neste caso, a perda do cargo pode ou não vir acompanhada de inabilitação, a depender de segunda votação pelo Senado Federal, conforme o entendimento do STF exarado no impeachment de Dilma Rousseff, alterando assim a jurisprudência firmada no impeachment de Collor de Mello.
- 43. Vale salientar que o Decreto-Lei 201/67 dispõe em sua ementa se tratar de crimes de responsabilidade dos prefeitos, no entanto, é assente que a norma contém apenas crimes comuns. De fato, o art. 1º, § 1º, deste DL dispõe que as condutas indicadas no art. 1º, incisos I e II, são punidas com pena de reclusão de 2 a 12 anos, enquanto as dos incisos III a XXIII são punidas com pena de detenção de 3 meses a 3 anos. O art. 1º, § 2º, deixa claro que a reparação do dano causado ao patrimônio público possui natureza civil, prevendo ainda a perda do cargo e inabilitação pelo prazo de cinco anos. A Lei nº 1.079/50 utilizou a conjunção “com” para a inabilitação, prevendo duas votações. Por sua vez, o DL 201/67 utilizou a conjunção aditiva “e”. Apesar disso, o STJ entende que a inabilitação não é efeito automático da condenação, devendo ser motivada na sentença. Importante pontuar que as sanções políticas e criminais do DL 201/67 podem ser cumuladas com as penalidades da LIA, segundo entendimento do STF (Tema 576 - 2019) e STJ (ARE 2.031.414/MG, julgado em 13/06/2023).
- 44. O caput do art. 12 prevê ainda as sanções civis e administrativas, como as decorrentes da NLL ou de infrações ambientais, previstas no Decreto nº 6.514/08. As sanções da Lei Anticorrupção não podem ser aqui enquadradas, por configurarem “bis in idem” vedado pela LIA. Por sua vez, as sanções da Lei Antitruste podem ser aplicadas cumulativamente.
- 45. O art. 12, I e II, dispõe que o pagamento da multa civil será no valor equivalente ao valor do acréscimo patrimonial ou do dano ao erário, podendo ser aplicada até o dobro, ou seja, duas vezes o valor equivalente ao acréscimo ou dano, conforme o § 2º.
- 46. O art. 12, II, dispõe que, no ato de improbidade que cause prejuízo ao erário, pode ser aplicada a pena de perda dos bens ou valores ilicitamente acrescidos ao patrimônio, se concorrer esta circunstância. No entanto, por uma premissa lógica, caso haja acréscimo patrimonial, a conduta se enquadrará em ato de improbidade que importa enriquecimento ilícito, cujo rol é exemplificativo e possui sanções mais severas.
- 47. O art. 12, III, não elencou a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos dentre as sanções por ato de improbidade administrativa que viola os princípios, inovando em relação ao regramento anterior. Também houve redução da multa civil, que passou de até 100 vezes o valor do salário, para 24 vezes, podendo chegar a 48 vezes, uma redução em mais de 50%.
- 48.O art. 12, § 1º, dispõe que a perda da função pública atinge apenas o vínculo de mesma qualidade ou natureza que o agente tinha na época do cometimento da infração. Assim, caso o cargo exercido por ocasião da sentença seja de natureza diversa do cargo exercido na época da infração, não haverá perda do cargo atual. Essa regra comporta uma exceção, referente ao ato de improbidade que importa enriquecimento ilícito, sendo uma faculdade do juiz, neste caso, estender a perda da função pública para os demais vínculos, mesmo que de natureza diversa, levando em conta as circunstâncias do caso e a gravidade da infração.
- 49. No tocante aos militares, há discussão na doutrina se é possível aplicar a pena de perda da função pública. Os cargos vitalícios previstos na CF/88, como magistrados e membros do Ministério Público, podem ser perdidos em decorrência de ato de improbidade administrativa, conforme previsto nas respectivas leis orgânicas. Como exemplo, um promotor de justiça que cometa ato de improbidade pode perder o cargo por meio de dois procedimentos: ação de improbidade administrativa na primeira instância ou ação de perda do cargo a ser ajuizada pelo PGJ na segunda instância.
- 50. O art. 142, § 3º, X, da CF/88 prevê que a lei disporá sobre a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade. O art. 50, IV, a, da Lei n. 6.880/1980 dispõe que a estabilidade das praças será alcançada após 10 anos de tempo de serviço efetivo. Quanto aos oficiais, o art. 142, § 3º, VI, dispõe que eles só perderão o posto e a patente se forem julgados indignos do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra.
- 51. Assim, o oficial somente pode perder a função pública por decisão judicial, caracterizando um regime semelhante à vitaliciedade. O STF ainda não definiu se a justiça comum federal pode condenar oficial das forças armadas à perda do posto e da patente por ato de improbidade administrativa, ou se essa decisão é exclusiva dos tribunais militares. O mesmo se diga das forças auxiliares, como polícia militar e bombeiros militares, uma vez que o art. 42, § 1º, da CF/88 dispõe que cabe à lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, podendo adotar quanto ao seus oficiais o mesmo regramento das forças armadas.
- 52. O art. 12, § 3º, dispõe que na responsabilização da pessoa jurídica deverão ser considerados os efeitos econômicos e sociais das sanções, de modo a viabilizar a manutenção de suas atividades. O dispositivo revela uma preocupação em punir apenas os agentes privados pelos atos ímprobos cometidos, preservando a empresa, que gera receitas tributárias e vagas de trabalho. A discussão sobre a função social da empresa recebeu impulso por ocasião da operação Lava Jato, que resultou no fechamento de grandes empreiteiras acusadas de corrupção, deixando milhares de trabalhadores desempregados. A Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) já havia positivado esse princípio, esteando-se no direito norte-americano, privilegiando a punição dos administradores em detrimento da empresa.
- 53. O art. 12, § 4º, prevê a extrapolação excepcional da proibição de contratar com o poder público. O art. 46 da Lei nº 8443/92 dispõe que o TCU pode declarar a inidoneidade para licitar com a Administração Pública Federal. De outro giro, o art. 156, § 5º, da NLL dispõe que a declaração de inidoneidade para licitar ou contratar se estende à Administração Pública direta e indireta de todos os entes federativos. Apesar de não ser expressa, essa inabilitação alcança os três poderes. A LIA conjuga esses dois regramentos. Como regra, a sanção de inabilitação se aplica apenas ao ente público lesado, podendo excepcionalmente ser extrapolado. Como a extensão pode inviabilizar a empresa, que não poderá contratar em outras praças, sua aplicação deve observar os impactos econômicos e sociais, a fim de preservar a função social da pessoa jurídica. Ademais, o art. 2º, III, da Lei de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/19) prevê como princípio a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas.
- 54. O art. 12, § 5º, possui aplicação voltada aos atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário, que causem menor ofensa aos bens jurídicos tutelados, em virtude do disposto no art. 11, § 4º.
- 55. O art. 12, § 6º, dispõe que, inobstante a independência das instâncias, a reparação do dano ao patrimônio público deverá ser compensado, deduzindo-se o que for pago nas instâncias criminal, civil e administrativa, que tiverem por objeto os mesmos fatos. O dispositivo não faz distinção da instância penal comum e a dos crimes de responsabilidade, tal como no caput, uma vez que nesta última hipótese não cabe condenação ao ressarcimento dos danos.
- 56. O art. 12, § 8º, dispõe que a sanção de proibição de contratar com o poder público deve constar no CEIS, assim como a limitação territorial contida na decisão judicial na ação de improbidade. Como dito, as sanções de inabilitação podem ser aplicadas administrativamente pelo TCU ou pelo órgão licitador, com efeitos limitados à Administração Pública Federal ou a todos os entes federativos, respectivamente. Por sua vez, a proibição para contratar na LIA é aplicada judicialmente, no âmbito do ente público lesado, podendo ser extrapolada territorialmente, conforme o dispositivo em comento.
- 57. O art. 12, § 9º, dispõe que, como regra, as sanções somente poderão ser aplicadas após o trânsito em julgado. Por sua vez, o § 10 prevê uma exceção para a sanção de suspensão dos direitos políticos, cuja contagem do prazo de suspensão deve considerar o tempo decorrido entre a decisão colegiada e o trânsito em julgado. O dispositivo se inspirou na Lei Complementar nº 64/90, alterada pela lei da Ficha Limpa (LC nº 135/2010), que previu a inelegibilidade a partir da decisão colegiada. O período de suspensão foi ampliado, podendo chegar a 14 anos, no entanto, sua forma de contagem foi modificada. Assim, é possível que, quando o feito transitar em julgado, o prazo de suspensão já tenha expirado.
- 58. O art. 13, § 3º, prevê hipótese de demissão para o agente público que se recusar a prestar a declaração dos bens dentro do prazo ou que prestar declaração falsa. O art. 13, § 5º, da Lei nº 8.112/90 possui disposição semelhante, mas sem cominar a pena de demissão. O dispositivo da LIA prevê a pena administrativa de demissão, aplicada judicialmente, não configurando sanção específica do art. 12. A declaração falsa de bens pode configurar ato de improbidade, previsto no art. 9º, se presente os demais requisitos, já que esta espécie de improbidade possui um rol aberto. A Lei nº 8.730/93 já exigia a declaração de bens, porém restrita aos cargos indicados no art. 1º, incisos I a VII. Como dito, a Lei nº 3.502/58 trouxe regras procedimentais e a exigência da declaração de bens e rendas. Ela resultou do Projeto de Lei nº 505/55, de autoria do deputado Bilac Pinto, da UDN/MG, que justificou o projeto em medida similar adotada nos Estados Unidos, em mensagem do presidente Truman ao congresso americano em 1951, para adoção de um registro sobre o patrimônio e a renda dos servidores civis e militares daquele país.
- 59. O art. 14 dispõe acerca das representações sobre os atos de improbidade. O dispositivo ficou a meio caminho entre a representação penal e a por infração disciplinar. O art. 27 do CPP dispõe que qualquer pessoa do povo pode representar ao Ministério Público sobre crimes de ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção. Por sua vez, o art. 39 do CPP dispõe que a representação do ofendido será feita oralmente ou por escrito e conterá todas as informações que possam servir à apuração do fato e da autoria. Por fim, o art. 5º, I, do CPP permite que a autoridade policial inicie o inquérito policial de ofício, nos crimes de ação pública. Com base nesse regramento, a jurisprudência admite a denúncia anônima na esfera penal, não a impedindo a vedação ao anonimato prevista no art. 5º, IV, da CF/88.
- 60. De outro giro, no âmbito do PAD, o art. 144 da Lei nº 8.112/90 estabelece que as denúncias sobre irregularidades serão objeto de apuração, desde que contenham a identificação e o endereço do denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a autenticidade. Já o art. 143 da mesma lei dispõe que a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata. Com base nesse regramento, o STJ consolidou o entendimento pela possibilidade de denúncia anônima no âmbito do PAD, conforme a súmula nº 611.
- 61. Em ambos os casos, a denúncia anônima deve ser seguida de diligências preliminares, a fim de averiguar sua procedência. O art. 14, § 1º, da LIA dispõe que a representação conterá a qualificação do representante, não havendo disposição semelhante aos arts. 5º, I, do CPP ou 143 da Lei nº 8.112/90, que aludem à atuação de ofício da autoridade. Apesar disso, a jurisprudência deve se inclinar pela possibilidade da denúncia anônima no âmbito da LIA, nos moldes do quanto aplicado no inquérito civil e na ação civil pública.
- 62. O art. 14, § 3º, dispõe que a apuração administrativa dos atos de improbidade será regulada pelas normas aplicáveis ao PAD, como os arts. 143 a 182 da Lei nº 8.112/90, caso se trate de agente público federal. O STJ não admite que a ação de improbidade seja intentada exclusivamente contra particulares, sendo caso de litisconsórcio necessário com agente público. Esse litisconsórcio, no entanto, não é unitário, podendo haver decisões diferentes entre os litisconsortes. Na fase de apuração administrativa, é possível que o agente público responsável pelo ato ainda não seja conhecido, havendo a presença apenas de particulares na investigação. Neste caso, não poderá ser aplicado o rito do PAD.
- 63. O art. 16, “caput”, e § 10, estabelecem que o pedido de indisponibilidade pode ser antecedente ou incidente, a fim de garantir a recomposição ao erário ou do acréscimo patrimonial. O dispositivo excluiu a garantia da indisponibilidade para o pagamento da multa civil, contrariando o posicionamento do STJ. No caso de lesão ao erário, a multa civil pode ser aplicada até o dobro do valor da recomposição dos danos, podendo esse valor ser postulado na exordial, conforme a gravidade dos fatos. Em sendo postulada a dobra da multa, a indisponibilidade poderá atingir até um terço do valor da causa indicado na petição inicial, conforme referido no § 5º. O art. 16, § 6º, prevê que o valor do dano será objeto de estimativa realizada pelo órgão do Ministério Público na exordial, podendo readequá-lo durante a instrução do processo, após o contraditório.
- 64. O art. 16, § 2º, dispõe que o pedido de indisponibilidade incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações no exterior. Neste caso, o pedido terá natureza procedimental, uma vez que resultará na abertura de procedimento investigativo, composto de diligências e confecção de laudo pericial contábil, se for o caso.
- 65. O art. 16, §§ 3º, 4º e 8º, evidenciam a natureza de tutela provisória de urgência do pedido de indisponibilidade, já que apresentam os mesmos requisitos do art. 300, caput, e § 2º, do NCPC, devendo ser por eles regida, no que for cabível. O dispositivo contraria o entendimento consolidado do STJ, que atribuía ao incidente a natureza de tutela da evidência, com “periculum in mora” presumido, prescindindo da demonstração de risco de dilapidação patrimonial. Com a alteração legal, o STJ mudou seu entendimento, firmando a compreensão de que o novo requisito tem natureza cautelar, de índole processual, aplicando-se imediatamente aos processos em curso, segundo o art. 14 do NCPC, conforme noticiado no informativo 800. Importante pontuar que o requisito do periculum in mora exigido pela NLIA não se estende à indisponibilidade da Lei Anticorrupção, que se limita à plausibilidade do pleito, cuja extensão segue os nove parâmetros do art. 7° desta lei, dentre os quais a existência de programas de compliance.
- 66. O art. 16, § 7º, exige que a indisponibilidade de bens da pessoa jurídica deve ser precedida da desconsideração de sua personalidade, de forma antecedente ou incidental, seguindo-se o rito dos arts. 133 e ss. do NCPC.
- 67. O art. 16, § 9º, dispõe que cabe agravo de instrumento das decisões que deferirem ou indeferirem o pedido de indisponibilidade. O art. 1.015 do NCPC já previa o cabimento desse recurso contra as decisões que versarem sobre tutelas provisórias, seja deferindo ou indeferindo o pedido. No entanto, a previsão deste recurso em lei especial se enquadra na cláusula de abertura do art. 1.015, XIII, do NCPC.
- 68. O art. 16, § 11, inverteu a ordem indicada no art. 835 do NCPC. O pedido de indisponibilidade se enquadra na parte final do art. 301 do NCPC, que estabelece que a tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. O art. 835 do NCPC elenca um rol preferencial para a penhora, sendo aplicado também para o arresto e demais cautelares patrimoniais.
- 69. O dispositivo da LIA determina que a indisponibilidade deve incidir em primeiro lugar sobre os veículos de via terrestre, que figuram em quarto lugar na ordem do art. 835. O inciso X do art. 835 se refere ao percentual de faturamento da empresa, tendo sido excluído da LIA por não se coadunar com a medida de indisponibilidade. Por outro lado, o inciso XII pode ser aplicado, não havendo razão para sua exclusão, conforme a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) e o art. 1.417 do Código Civil. Os art. 835, §§ 1º e 2º, do NCPC dispõe que a penhora em dinheiro é prioritária. O inc. I deste artigo, em redação sofrível, define a preferência por dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira. Com exceção do dinheiro em espécie, as outras duas constrições são reguladas pelo art. 854 do NCPC. Todavia, o dispositivo da LIA determinou que o bloqueio de contas bancárias pelo sistema BacenJud será adotado apenas em último caso, justificando a medida na garantia de subsistência do acusado e na manutenção da atividade empresarial durante o processo.
- 70. O art. 16, § 12, dispõe que o exame da indisponibilidade deve ponderar os efeitos práticos da decisão na prestação dos serviços públicos. O dispositivo se inspirou nos arts. 20 a 30 da LINDB, bem como no princípio da continuidade dos serviços públicos.
- 71. O art. 16, § 13, excluiu da decretação de indisponibilidade a quantia de até 40 salários mínimos. O dispositivo se assemelha ao art. 833, X, do NCPC, que prevê a impenhorabilidade para quantias até 50 salários mínimos depositadas em caderneta de poupança. No entanto, a LIA estendeu a vedação às aplicações financeiras e em conta-corrente. O art. 834 do NCPC permite a penhora sobre os frutos e rendimentos. Os juros se qualificam como frutos civis. Assim, como não se trata de impenhorabilidade absoluta, a indisponibilidade pode recair sobre os juros e rendimentos das aplicações financeiras, excluindo-se apenas a correção monetária, que não tem natureza de fruto civil. No caso de atualização pena taxa Selic, o índice aplicado já é composto de juros e correção, não cabendo a incidência de novos juros, sob pena de anatocismo vedado em lei, conforme o STJ.
- 72. O art. 16, § 14, dispõe que a indisponibilidade não pode incidir sobre bem de família, ressalvada a comprovação da origem ilícita, à semelhança do disposto no art. 3º, VI, da Lei nº 8.009/90. O dispositivo contrariou a jurisprudência consolidada do STJ, que entendia ser possível a indisponibilidade do bem de família, já que a medida não acarretava imediata privação do bem.
- 73. O art. 17 dispõe que a ação de improbidade administrativa seguirá o rito comum do NCPC. Esta regra geral é excepcionada por dispositivos específicos regulados na LIA.
- 74. O art. 17, § 4º-C, dispõe que a ação será proposta no foro do local do dano ou da pessoa jurídica prejudicada. O dispositivo conjugou o regramento da Lei de Ação Civil Pública, CDC e NCPC. De fato, a regra de competência disposta no NCPC é o foro de domicílio do réu. No entanto, a LIA previu o foro do ente público prejudicado em concorrência com o do local do dano. No microssistema de tutela coletiva ( LACP e Título III do CDC) esse foro possui natureza absoluta. No entanto, no âmbito da LIA, a competência será decidida por prevenção, se forem ajuizadas ações nos dois foros, fixando-se no juízo em que primeiro ocorreu o registro ou distribuição da petição inicial, conforme art. 59 do NCPC.
- 75. O art. 17, § 5º-A, repete a norma do art. 2º, parágrafo único, da Lei de Ação Civil Pública. No entanto, não previu que o juízo do local do dano terá competência funcional, portanto absoluta, tal como na LACP.
- 76. O art. 17, § 6º, dispõe sobre a justa causa para o ajuizamento da ação de improbidade administrativa, à semelhança da justa causa na ação penal, indicada nos arts. 41 e 395, III, do CPP, consistente em indícios de autoria e materialidade do ato ímprobo.
- 77. O art. 17, § 6º-A dispõe que o Ministério Público pode requerer as tutelas provisórias adequadas e necessárias. O dispositivo utiliza os termos indicados no art. 282, I e II, do CPP para as medidas cautelares. Ao contrário da indisponibilidade, que tem nítido caráter cautelar, o dispositivo em comento autoriza o MP a postular também tutelas antecipadas e da evidência, estas últimas independentemente de perigo da demora, conforme art. 311 do NCPC. Esse dispositivo também agrupou regramentos do CPP e CPC.
- 78. O art. 17, § 6º-B, prevê um juízo prévio de admissibilidade da ação de improbidade, conjugando as normas dos arts. 319, 330, I, e § 1º, do NCPC com o art. 395 do CPP. Essa fase substituiu a defesa prévia do regramento anterior.
- 79. O art. 17, § 9º-A, prevê o cabimento de agravo de instrumento contra a rejeição das preliminares suscitadas na contestação. Como regra, o NCPC dispõe que as questões preliminares não são recorríveis de imediato, devendo ser suscitadas apenas em preliminar de apelação ou em contrarrazões, conforme o art. 1.009, §§ 1º e 2º. Excepcionam-se as matérias expressamente elencadas no art. 1.015 do NCPC, como as tutelas provisórias e o mérito do processo.
- 80. A não recorribilidade imediata das decisões interlocutórias teve inspiração no processo do trabalho. Assim, caso a preliminar da contestação da ação de improbidade aborde assunto meritório, como prescrição e decadência (art. 487, II, do NCPC), caberá agravo de instrumento. Há casos que não estão expressamente elencados no art. 1.015, porém permitem a recorribilidade imediata. São os casos previstos em outros dispositivos do NCPC ou em leis especiais, conforme a cláusula de abertura do inciso XIII. Como exemplos, os arts. 354, parágrafo único, e 356, § 5º, do NCPC e o dispositivo em comento da LIA. Caso o réu argua na contestação sua ilegitimidade passiva, deve apontar o responsável pelo ato de improbidade, caso tenha conhecimento, sob pena de arcar com as despesas processuais, nos moldes do art. 339 do NCPC, que substituiu a nomeação à autoria.
- 81. O art. 17, § 10-B, prevê a possibilidade de réplica do Ministério Público, após o oferecimento da contestação. A regra foi inspirada no art. 351 do NCPC e art. 409 do CPP. O dispositivo em comento dispõe no inciso I sobre o julgamento conforme o estado do processo, em compasso com os arts. 354 e ss. do NCPC, prevendo a possibilidade de absolvição sumária do réu, à semelhança do art. 397, III, do Código de Processo Penal. Por sua vez, no inciso II é previsto o desmembramento do litisconsórcio. Esse procedimento já era adotado no litisconsórcio multitudinário ativo, evitando o tumulto processual. Ele visa evitar a exclusão de litisconsortes e otimizar a instrução do processo.
- 82. O art. 17, § 10-C, dispõe que o juiz deve sanear o processo, nos moldes do art. 357 do NCPC, indicando com precisão a tipificação do ato de improbidade, sendo-lhe vedado modificar o fato e a capitulação legal. O dispositivo contraria a regra da “emendatio libelli” prevista no art. 383 do CPP, que permite ao juiz adotar definição jurídica diversa, uma vez que o réu se defende dos fatos da causa e não da imputação. Quanto à indicação precisa do tipo, os artigos 9º e 10 possuem rol exemplificativo de condutas, havendo rol taxativo apenas no art. 11.
- 83. O art. 17, § 10-D, dispõe que deverá ser indicado um único tipo para cada ato de improbidade. O dispositivo visa evitar imputações subsidiárias. Assim, não é mais possível atribuir ao réu ato de enriquecimento ilícito ou, na eventualidade de este não restar comprovado, de violação aos princípios. Antes, era comum priorizar as capitulações nos atos que causam prejuízo ao erário, que admitiam a modalidade culposa, por ser elemento subjetivo de fácil comprovação em comparação ao dolo. No ARE 843.989, a PGR postulou no STF a continuidade da punição por erro grave ou culpa consciente, tese que restou vencida pelo julgamento do Tema 309 pela mesma corte, que estendeu a revogação dos atos ímprobos culposos às condenações definitivas, cabendo ação rescisória para desconstituição do julgado, limitando-se ao juízo rescindente, à semelhança da revisão criminal nos casos de abolitio criminis. Com efeito, os arts. 525, §15 e 535, §5º, do CPC preveem a inexigibilidade do título decorrente de controle difuso exercido pelo STF, tal como se deu no Tema 309 da Repercussão Geral. Na dicção do art. 975 do CPC, o prazo da rescisória é de dois anos após a última decisão proferida na causa, mas no caso de decisão em controle difuso pelo STF, o termo inicial do referido prazo se dá apenas com o trânsito em julgado do julgamento da Suprema Corte. Concerne salientar que foram opostos quatro embargos de declaração contra a decisão no Tema 309, com o MPSP postulando a modulação dos efeitos da decisão, juntando ao processo em 18/03/2025 uma Nota Técnica subscrita pelo Conselho Nacional dos Procuradores Gerais - CNPG contrária à retroação. Da mesma forma, a AGU opôs embargos de declaração pugnando pela aplicação prospectiva da tese, com base no art. 535, §6º, do CPC, que tem o seguinte teor: “No caso do § 5º, os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo, de modo a favorecer a segurança jurídica.” Segundo o órgão, a modalidade culposa por dano ao erário vigorou por três décadas, decorrendo daí milhares de ações com condenações definitivas de ressarcimento ao erário, que podem ser desconstituídas caso se confiram efeitos ex tunc à declaração de inconstitucionalidade. Logo, tanto da perspectiva do Direito Sancionador (MPSP) quanto do ressarcimento ao erário (AGU), há uma tendência de o STF modular os efeitos da decisão quando do julgamento dos embargos de declaração, a fim de obstar uma enxurrada de ações rescisórias.
- 84. O art. 17, § 10-E, se inspirou no disposto no art. 357, II, do NCPC, que prevê a fase de especificação de provas.
- 85. O art. 17, § 10-F, prevê a possibilidade de julgamento parcial do mérito, à semelhança dos arts. 356, II, e 355, I, do NCPC. O inciso I do dispositivo em comento estende o princípio da congruência ao tipo indicado na petição inicial, sob pena de nulidade, caracterizando sentença “extra petita”. Por sua vez, o inciso II deve ser compatibilizado com o art. 370, parágrafo único, do NCPC, que dispõe que o juiz poderá indeferir diligências inúteis ou meramente protelatórias.
- 86. O art. 17, § 11, prevê uma modalidade de julgamento antecipado do mérito, exclusivamente para o caso de improcedência da demanda. Não há uma fase específica, podendo essa decisão ser tomada em qualquer momento do processo.
- 87. O art. 17, § 14, prevê a intervenção da pessoa jurídica interessada. No regime anterior, a LIA mantinha um regramento similar ao art. 6º, § 3º, da Lei da Ação Popular, que dispõe sobre a intervenção móvel da pessoa jurídica interessada, que pode abster-se de contestar o pedido ou atuar ao lado do autor.
- 88. O art. 17, § 16, prevê a conversão da ação de improbidade em ação civil pública. O instituto da conversão de ações já compõe a praxe forense alusiva à tutela coletiva. Prefere-se o termo subsistema de tutela coletiva, ao invés de microssistema ou minissistema, uma vez que ele é composto por uma dúzia de leis, possuindo como núcleo a LACP e o CDC. Como exemplo, é comum a conversão de ação civil pública em ação coletiva, quando em jogo direitos individuais heterogêneos, sem origem comum, que dependem da análise caso a caso, sendo tuteláveis por ação ordinária, caracterizando simples representação processual; ou da conversão da ação ordinária com pedido declaratório cumulado com obrigações de fazer e não fazer em ação de improbidade administrativa. Neste último caso, era comum a citação ser convertida em notificação, e a contestação em defesa prévia, com adequação ao antigo rito da LIA. Esse procedimento pode redundar em tumulto processual, decorrente de decisão “extra petita”, ferindo o princípio da congruência entre o pedido e o provimento judicial.
- 89. A decisão prevista no art. 17, § 16, fica a meio caminho entre o julgamento antecipado de improcedência do § 11 e a condenação nula do § 10-F. Visando evitar esses dois desfechos, o legislador dispôs que, quando não estiverem presentes todos os requisitos para a imposição aos agentes das sanções da LIA, pode o magistrado adotar o rito da Lei de Ação Civil Pública, aplicando as cominações do seu art. 3º, a saber, a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigações de fazer ou não fazer. Essas cominações podem ser cumuladas, posto que a conjunção “ou” tem o sentido aditivo, e não alternativo, conforme há muito decidido pelo STJ no REsp. nº 653.323/2003, da relatoria do Min. Teori Zavascki, que fundamentou nos arts. 21 da LACP e 83 do CDC.
- 90. O art. 17, § 17, dispõe que da decisão de conversão de ações cabe agravo de instrumento. Essa previsão se enquadra no art. 1.015, XIII, do NCPC.
- 91. O art. 17, § 18, dispõe que a revelia do acusado não importará no seu efeito material, consistente na confissão dos fatos. Apesar de ter natureza civil, à ação de improbidade, por seu viés sancionador, é aplicável a disciplina do processo penal no particular, em benefício do réu.
- 92. O art. 17, § 19, I, dispõe que a revelia não importa em presunção de veracidade dos fatos alegados pelo Ministério Público na petição inicial. O dispositivo se coaduna com a vedação ao efeito material da revelia disposta no parágrafo anterior.
- 93. O art. 17, § 19, II, veda a inversão do ônus da prova ao réu, disposta no art. 373, §§ 1º e 2º, do NCPC. Há outras previsões de inversão do ônus da prova no subsistema de tutela coletiva, como o art. 6º, VIII, do CDC. No entanto, mais uma vez, a LIA se valeu da disciplina do processo penal, sendo ônus exclusivo do Ministério Público demonstrar a pertinência da acusação, nos moldes do art. 156 do CPP. A exemplo da desproporção entre a renda e o patrimônio, é possível apontar mais uma exceção à regra, consistente na autenticidade de assinatura, cuja prova cabe a quem produziu o documento, não por força do art. 373, §§ 1º e 2º, do NCPC, mas de regra específica indicada no art. 429, II, do mesmo códex.
- 94. O art. 17, § 19, III, dispõe que o CNMP dirimirá os conflitos de atribuição entre órgãos de Ministérios Públicos distintos. Em se tratando de membros do mesmo Ministério Público, caberá ao PGJ dirimir o conflito, caso se trate de MP estadual. Os tribunais do trabalho têm acatado a ação de improbidade trabalhista, cuja atribuição para ajuizamento é do Ministério Público do Trabalho. O conflito de atribuições entre membros do MPT é dirimido pela CCR, com recurso para o PGT. Igualmente, o conflito de atribuições entre membros do MPDFT é dirimido pela CCR, com recurso para o PGJ. O conflito de atribuições entre membros do MPF é dirimido pela CCR, com recurso para o PGR, que atua neste caso como chefe deste sub-ramo. Por sua vez, o conflito de atribuições entre membros do MPF/MPT/MPDFT é dirimido diretamente pelo PGR, como chefe do MPU.
- 95. De outro giro, o conflito entre membros de Ministérios Públicos estaduais distintos é dirimido pelo CNMP, assim como o conflito entre membros do Ministério Público estadual e do MPF/MPT/MPDFT, conforme o atual entendimento do STF. Em um primeiro momento, o STF entendia ser sua a competência, por vislumbrar no caso um típico conflito federativo. Posteriormente, o STF repassou essa competência ao PGR. Atualmente, a corte tende a se inclinar pela competência do CNMP, com base nas atribuições elencadas no art. 130-A, § 2º, da CF/88.
- 96. Não há atuação do MPM no caso, uma vez que não foi reconhecida à Justiça Militar da União competência para processar e julgar ações de improbidade administrativa. No entanto, é possível à justiça castrense julgar faltas disciplinares que se enquadrem como atos de improbidade administrativa previstos na Lei nº 8.429/92, mas sem aplicação das sanções do art. 12, e sim de seus estatutos militares, à semelhança do art. 132, IV, da Lei nº 8.112/90 no âmbito do PAD.
- 97.O art. 17, § 19, IV, vedou o reexame necessário da sentença de improcedência ou de carência da ação. Esse dispositivo contrariou o entendimento consolidado do STJ, que aplicava analogicamente o art. 19 da Lei da Ação Popular, a exemplo do EREsp. nº 1.220.667/MG, julgado em 2017. O mesmo tribunal entendia pela aplicação do art. 19, §1º, da LAP, que prevê o agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias. O fundamento eram as normas de envio previstas nos arts. 21 da LACP e 90 do CDC. Este último entendimento inspirou o atual §9º-A do art. 17 da LIA.
- 98. O art. 17, § 20, dispõe que a assessoria jurídica deve defender judicialmente o administrador público. O dispositivo se inspirou no art. 10 da Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações), mas sem aludir às provas do ato ilícito. O STF suspendeu os efeitos do referido dispositivo em sede de MC nas ADIs 7.042 e 7.043, nada obstante o Min. Alexandre de Moraes não tenha fundamentado essa decisão, em afronta ao art. 93, IX da CF. O art. 11, §1º, da Lei nº 9.868/99 confere efeitos vinculantes “erga omnes” à cautelar, em contrariedade ao art. 102, §2º, da CF, que prevê esse efeito apenas às decisões definitivas. Posteriormente, o dispositivo teve interpretação conforme à constituição por ocasião do julgamento do mérito das ADIs, tendo o STF dispensado a assessoria jurídica de fazer tal defesa, salvo em caráter extraordinário e desde que norma local assim determine.
- 99.O art. 17, § 21, dispõe como regra a recorribilidade das decisões interlocutórias, em antítese ao processo civil e trabalhista. No âmbito administrativo, o procedimento do PAD disposto nos arts. 143 e ss. da Lei nº 8.112/90 serviu de inspiração para a LIA, por constituir um rito típico do direito administrativo sancionador (DAS). No âmbito judicial, existe instituto similar no art. 853 da CLT, que trata do inquérito para apuração de falta grave de empregados estáveis.
- 100. O art. 17-B, I e II, dispõem sobre o acordo de não persecução civil no âmbito da LIA. O regramento da lei se inspirou na regência do ANPP e na Resolução nº 179/17 do CNMP, que já previa o ANPC nas causas de improbidade. Os incisos I e II trazem os mesmos requisitos do art. 28-A, I e II, do CPP para a celebração do ANPP. O art. 1º, § 2º, da Res. nº 179/17 também já exigia o ressarcimento ao erário como condição do ANPC. Referido acordo pode ser celebrado após a sentença condenatória, conforme entendimento do STJ nos informativos 686 e 728, podendo a homologação do ANPC ser feita na fase recursal. Importante pontuar os efeitos recíprocos dos acordos nas esferas cível e penal. Com efeito, o ANPC pode ter repercussões na esfera penal, assim como a colaboração premiada na esfera penal pode repercutir na ação por improbidade administrativa, servindo como prova emprestada, desde que homologada judicialmente e corroborada por outros elementos de prova. Da mesma forma, o ANPP e o acordo de leniência da Lei Anticorrupção podem servir de fundamento corroborar as provas na ação de improbidade administrativa.
- 101. O art. 17-B, § 1º, I, prevê a oitiva do ente federativo lesado, antes ou após a propositura da ação. Não se trata da oitiva do órgão público prejudicado, mas sim do ente federativo a que pertence.
- 102. O art. 17-B, § 1º, II e III, teve seu regramento inspirado no art. 28-A do CPP. Os dispositivos exigem aprovação pelo Conselho Superior do Ministério Público, se antes do ajuizamento, e homologação judicial, tanto antes quanto após o ajuizamento da ação.
- 103. O art. 17-B, § 2º, prevê que a celebração do ANPC considerará as vantagens para o interesse público na rápida solução do caso. Em média, uma ação de improbidade tramita por quatro anos e dois meses até a sentença. A prescrição intercorrente neste caso é de quatro anos, contados entre a propositura da ação e a sentença em primeira instância. Assim, a continuar a atual taxa de congestionamento, grande parte das ações de improbidade estarão fadadas à improcedência com resolução do mérito, pela prescrição, nos moldes do art. 487, II, do CPC. O quadro tende a se agravar, em virtude da previsão de recorribilidade ampla das decisões interlocutórias. Em vista disso, o ANPC pode ser um instrumento idôneo para salvaguardar o interesse público.
- 104. O art. 17-B, § 3º, prevê a manifestação do tribunal de contas para a apuração do valor do dano. O dispositivo exige que o órgão indique na manifestação os parâmetros utilizados para chegar ao valor sugerido. Também é possível a oitiva do ente federativo lesado, que pode contribuir para a apuração do valor do dano, nos moldes do art. 17-B, § 1º, I.
- 105. O art. 17-B, § 4º, dispõe que o ANPC pode ser realizado em qualquer fase do processo, incluindo a execução. O dispositivo se coaduna com o entendimento do STJ, que já se manifestava favorável à celebração do acordo na fase recursal.
- 106. O art. 17-B, § 5º, prevê que o acordo deve ser celebrado com a assistência do defensor. O dispositivo se inspirou no regramento do ANPP no art. 28-A do CPP.
- 107. O art. 17-B, § 6º, prevê a adoção de programa de integridade pela pessoa jurídica. O ANPC tem a natureza de um negócio jurídico processual, à semelhança do ANPP, acordo de leniência ou colaboração premiada. Esta última se qualifica como meio de obtenção de prova, conforme art. 3-A da Lei nº 12.850/13. Pende no STF a definição sobre a possibilidade de o réu da ação de improbidade administrativa firmar delação premiada com o Ministério Público. O sistema de “compliance” pode ser adotado tanto nas empresas privadas como nos entes públicos.
- 108. O art. 17-B, § 7º, dispõe que o descumprimento do ANPC impede a celebração de novo acordo pelo prazo de cinco anos. Esse prazo teve inspiração no art. 28-A, § 2º, III, do CPP, que prevê prazo idêntico para o ANPP.
- 109. O art. 17-C, II, dispõe que a sentença deve considerar as consequências práticas da decisão, sempre que decidir com base em valores jurídicos abstratos. O dispositivo tem amparo na vertente consequencialista, inspirando-se na reforma da LINDB, que visou conferir maior segurança jurídica ao gestor público. O art. 20 da LINDB, incluído pela Lei nº 13.655/18, possui idêntica previsão. Ele é regulamentado pelo art. 3º, §§ 1º a 3º, do Decreto nº 9.830/19. Segundo esse regramento, consideram-se valores jurídicos abstratos aqueles previstos em normas jurídicas com alto grau de indeterminação e abstração. A motivação da decisão deve observar os critérios de adequação, proporcionalidade e de razoabilidade. A doutrina reporta que a proporcionalidade se divide em três subprincípios: adequação, necessidade/exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito.
- 110. O art. 17-C, IV, “a” a “g”, elencou dentre os vetores para aplicação das sanções os mesmos do art. 16 do Decreto nº 9.830/19, que regulamentou a LINDB.
- 111. O art. 17-C, V, contém uma falha redacional. O dispositivo buscou transcrever o art. 16, § 2º, do Decreto nº 9.830/19, mas incorreu em ambiguidade. A dosimetria a que se refere o referido decreto é das sanções a serem aplicadas, e não das sanções já aplicadas, como deixa antever o dispositivo da LIA. A premissa lógica é que a sanção já aplicada atenue a sanção futura, desde que seja da mesma natureza da anterior e se refira ao mesmo fato. No entanto, a LIA não trouxe tais requisitos, aplicando-se a compensação ainda no caso de sanções de natureza diversa, socorrendo-se o intérprete no art. 8º do Código Penal.
- 112. O art. 17-C, VII, realça uma vez mais a necessidade de adoção de critérios objetivos para a punição dos atos que violam os princípios.
- 113. O art. 17-C, § 1º, dispõe que a ilegalidade sem o dolo que a qualifique não configura ato de improbidade. O STJ há muito diferencia a ilegalidade da improbidade, reservando as punições da LIA à conduta desonesta, excluindo aquelas apenas formalmente ilegais. Para a corte, a improbidade se caracteriza por uma ilegalidade qualificada.
- 114. O art. 17-C, § 2º, dispõe que, na hipótese de litisconsórcio passivo, a condenação se limita à participação e benefícios diretos, vedada a solidariedade. À semelhança do art. 3º, § 1º, calha a observação de que existem tipos de improbidade que albergam tanto as vantagens diretas quanto as indiretas, a exemplo do art. 9º, I e do art. 11, V.
- 115. O art. 17-C, § 3º, reforça o quanto disposto no art. 17, § 19, IV, ampliando seus termos.
- 116. O art. 17-D, caput, e parágrafo único, fazem alusão à ação de improbidade típica, tratada linhas atrás. Desta forma, o controle de legalidade de políticas públicas e a responsabilidade de agentes públicos, políticos, entes públicos ou governamentais, submetem-se aos termos da Lei nº 7.347/85, nos casos de danos morais e patrimoniais causados aos bens jurídicos elencados em seu art. 1º. O dispositivo da LIA utilizou técnica legislativa questionável, optando por transcrever todos os bens jurídicos elencados na Lei de Ação Civil Pública, ao invés de citar seu art. 1º. Desde a aprovação do CDC, esse rol já passou por diversas alterações, não surpreendendo que lhe sejam adicionados novos bens jurídicos futuramente, o que ocasionará descompasso com a previsão da LIA.
- 117. O art. 18, § 1º, dispõe que a pessoa jurídica prejudicada tem legitimidade para a liquidação do dano e para o cumprimento da sentença, referentes ao ressarcimento do patrimônio público ou à perda ou reversão dos bens. A LIA por vezes se refere à fase de execução, como no art. 17-B, por vezes ao cumprimento de sentença, como nos arts. 18 e 18-A. Originalmente, o ajuizamento da ação de improbidade e o pedido de medidas cautelares seriam atribuições exclusivas do Ministério Público, assim como a liquidação e o cumprimento de sentença das sanções aplicadas. Apenas quanto ao ressarcimento do patrimônio público e à perda ou reversão de bens teria a pessoa jurídica prejudicada legitimidade para as fases de liquidação e de cumprimento da sentença. Contudo, o STF estendeu à pessoa jurídica prejudicada ampla legitimidade ativa para a ação de improbidade administrativa, tanto a sancionatória quanto a ressarcitória. Caso as sanções pelo ato de improbidade sejam julgadas prescritas, a ação poderá continuar quanto ao pleito de ressarcimento, não sendo necessário ingressar com ação autônoma, conforme entendeu o STJ no Tema 1089, julgado pela 1ª Seção em 22/09/2021, um mês antes da publicação da Lei nº 14.230/2021. O dispositivo em comento faz alusão tanto à perda dos bens quanto à sua reversão ao ente público desfalcado. Insta salientar que as multas aplicadas pelo TCU não podem ser executadas pelo MPTCU, cabendo a sua legitimidade ao ente público credor.
- 118. O art. 18,dispõe que caberá ao Ministério Público a legitimidade subsidiária para a liquidação e cumprimento de sentença nos casos tratados no parágrafo anterior, se as providências não forem tomadas no prazo de seis meses. O dispositivo se inspirou no art. 100 do CDC, que estabelece o prazo de um ano. O art. 142 do CPP também atribui legitimidade ao MP para as medidas assecuratórias, no caso de interesse da Fazenda Pública, servindo de inspiração para a LIA.
- 119. O art. 18-A prevê a soma ou majoração das sanções no caso da prática de atos de improbidade em concurso. A unificação das sanções visa beneficiar o réu, e depende de seu requerimento, sendo aplicada na fase de cumprimento de sentença. O dispositivo se inspirou no tratamento penal destinado ao concurso de crimes e à unificação de penas. A jurisprudência dos tribunais de superposição se inclina pela possibilidade de aplicação da continuidade delitiva na fase de execução penal, com esteio nos arts. 75, § 2º, do CP e 111, parágrafo único, da Lei de Execuções Penais, bem como na súmula 611 do STF. Esse entendimento orientou o regramento da LIA.
- 120. No âmbito penal, a continuidade delitiva permite a majoração da maior pena entre as frações de um sexto e dois terços. Na LIA, o juiz da fase de cumprimento de sentença, equivalente ao juiz da execução penal, irá majorar a maior sanção na fração de um terço. O dispositivo não deixou margem ao magistrado na aplicação do aumento, o que decorreria com a utilização do verbete “até” antes da fração. O mesmo raciocínio se aplica no caso de atos de improbidade cometidos em concurso formal, quando o réu for condenado por duas ou mais infrações em decorrência de uma única ação ou omissão.
- 121. O art. 70 do CP faz alusão à prática de dois ou mais crimes mediante uma só ação ou omissão, com aumento da pena mais grave entre um sexto e um meio. O art. 70, parágrafo único, do CP diz que a majoração das penas não pode resultar em uma pena maior do que a que adviria de sua soma, aplicando-se neste caso a regra do concurso material prevista no art. 69, com a soma das penas. Da mesma forma, na LIA promove-se a majoração em um terço da maior sanção aplicada ou a soma das sanções, o que for mais benéfico ao réu, tanto no caso de “continuidade do ilícito” quanto da “prática de diversas ilicitudes”, englobando de forma ampla os casos de infrações continuadas, em concurso formal ou em concurso material. Apesar de ter se inspirado em diversos dispositivos do Código Penal, a LIA nada aludiu acerca da reincidência em ato de improbidade, seja em termos processuais, como afastamentos cautelares, ou em termos materiais, como o regime da prescrição, dosimetria da sanção ou seu cumprimento.
- 122. O art. 18-A, parágrafo único, dispõe que as sanções de suspensão de direitos políticos e de proibição de contratar ou receber incentivos do poder público tem como limite máximo o prazo de vinte anos. O art. 5º, XLVII, b, da CF/88 vedou as penas de caráter perpétuo. O art. 75 do CP prevê um limite máximo de pena de quarenta anos. A pena de inabilitação para o exercício de cargo público do prefeito condenado nos termos do DL 201/67 é de cinco anos, mesmo que a pena privativa de liberdade aplicada seja maior, desde que haja motivação, não sendo efeito automático da condenação. O art. 93 do CP também prevê a reabilitação do condenado, que alcança quaisquer das penas aplicadas. No caso da LIA, aplicada suspensão dos direitos políticos por 28 anos, por exemplo, em decorrência da prática de duas infrações de enriquecimento ilícito, a sanção deverá ser unificada por ocasião do cumprimento da sentença, a fim de atender ao limite máximo de 20 anos, nos mesmos moldes do art. 75, § 1º, do CP.
- 123. O Capítulo VI da LIA, iniciado pelo art. 19, possui a epígrafe “Das Disposições Penais”. No entanto, a única disposição genuinamente penal é o próprio art. 19, que prevê o crime de denunciação caluniosa de ato de improbidade administrativa.
- 124. O art. 20, § 1º, prevê a medida cautelar de afastamento do agente público do cargo, sem perda da remuneração. A medida já era prevista antes da alteração da lei, e se assemelha à suspensão do exercício da função pública prevista no art. 319, VI, do CPP. O dispositivo diz que a medida deve ser necessária à instrução processual ou para evitar a iminente prática de novos ilícitos, inspirando-se no art. 282, I, do CPP. O termo “iminente” é de difícil comprovação, o que dificultará o afastamento por esse motivo, assemelhando-se à salvaguarda da ordem pública, diante do risco de reiteração de ofensa ao bem jurídico tutelado. Não houve menção no dispositivo da LIA à gravidade do ato ou às circunstâncias do fato, previstas no art. 282, II, do CPP, para o afastamento do agente.
- 125. O art. 21, I, dispõe que a aplicação das sanções independe da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento e às condutas do art. 10. A configuração de ato de improbidade do art. 10 pressupõe prejuízo ao erário, logo, sem a sua demonstração efetiva, não é possível a aplicação de sanção por esse ato, mesmo com rol exemplificativo de condutas.
- 126. O art. 21, § 1º, dispõe que os atos dos órgãos de controle serão considerados pelo juiz quando servirem de fundamento para a conduta do agente público. O dispositivo se inspirou no art. 24 da LINDB, evitando a punição de gestores que agirem amparados por orientações dos órgãos de controle. A esse respeito, o art. 11 do Decreto 9.830/19 prevê a celebração do “termo de ajustamento de gestão”.
- 127. O art. 21, § 3º, dispõe que as sentenças civis e penais produzirão efeitos em relação à ação de improbidade administrativa quando concluírem pela inexistência da conduta ou pela negativa da autoria. O dispositivo se inspirou no art. 126 da Lei nº 8.112/90 e art. 935 do Código Civil. A LIA alude à "inexistência da conduta" no sentido de falta de materialidade do ato de improbidade administrativa. Trata-se de nítida exceção à regra da independência das instâncias.
- 128. O dispositivo inovou em relação ao regramento dos outros diplomas legais, por incluir as sentenças cíveis. No entanto, é possível que a sentença civil advenha de feito não exauriente ou com limitação probatória, como a sentença proferida em Mandado de Segurança, tendo cognição sumária e análise perfunctória das provas. Neste caso, não cabe sua repercussão na ação de improbidade.
- 129. O art. 21, § 4º, prevê o “trancamento” da ação de improbidade administrativa, à semelhança do processo penal. O dispositivo se inspirou na Lei da Ficha Limpa (LC nº 135/2010), porém de modo inverso, impedindo o trâmite da ação de improbidade no caso de absolvição criminal confirmada por decisão colegiada. O mesmo se aplica no caso de condenação na instância de origem e posterior reforma por decisão colegiada. No informativo 766, o STJ reforçou esse entendimento, firmando a compreensão de que a absolvição por falta de dolo e obtenção de vantagem indevida repercute na ação penal, esvaziando a justa causa para sua manutenção.
- 130. A LIA alude a todos os fundamentos do art. 386 do CPP. A regra é questionável, uma vez que o art. 386, V, por exemplo, faz alusão à não existência de prova para a condenação criminal, prova essa que pode estar presente na ação de improbidade. A jurisprudência dos tribunais superiores admite inclusive a utilização de prova emprestada, entre o processo administrativo disciplinar, a ação de improbidade administrativa, a ação de ressarcimento civil e a ação penal, com esteio no art. 372 do NCPC.
- 131. O art. 21, § 5º, dispõe que as sanções aplicadas em outras esferas deverão ser compensadas com as sanções por improbidade. Como dito acima, essa compensação independe de as sanções serem da mesma natureza ou dizerem respeito aos mesmos fatos, aplicando-se a lógica da atenuação da pena do art. 8º do CP.
- 132. O art. 22 prevê a utilização do inquérito civil ou procedimento investigativo assemelhado pelo Ministério Público. A Resolução nº 23/07 do CNMP regula o inquérito civil e o procedimento preparatório. O art. 73, § 7º, da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97) prevê atos de improbidade no âmbito eleitoral, no entanto, seu art. 105-A impede a utilização dos procedimentos da Lei de Ação Civil Pública em matéria eleitoral, o que inclui o inquérito civil, previsto no art. 8º, § 1º, da Lei nº 7.347/85.
- 133. O art. 23 prevê o prazo de oito anos para a prescrição das sanções por improbidade administrativa. Apesar de ter aumentado o prazo prescricional, a LIA alterou seu modo de contagem. Antes, o termo inicial se dava com o conhecimento do fato pela autoridade competente, seguindo a teoria da “actio nata”, por meio da qual a inércia só se caracteriza quando há conhecimento da violação do direito.
- 134. Atualmente, o dispositivo estabelece como termo inicial da contagem a ocorrência do fato, ou, no caso de infrações permanentes, o dia em que cessar a permanência. Assim, mesmo que a autoridade não tenha tido ciência alguma do ato de improbidade, permanecendo ele oculto por oito anos, estará configurada a prescrição. O dispositivo se inspirou no art. 25 da Lei Anticorrupção, que prevê um prazo de cinco anos, e faz alusão tanto à infração permanente quanto à infração continuada. No entanto, a LIA não se referiu à infração continuada na contagem da prescrição. A regra de contagem para as infrações permanentes se espelhou no art. 111, III, do Código Penal.
- 135. O art. 23, § 2º, dispõe que o inquérito civil deve ser concluído em 365 dias corridos, prorrogável uma vez por igual período, mediante ato fundamentado submetido à revisão do Conselho Superior do Ministério Público. O art. 9º da Resolução nº 23/07 do CNMP prevê o prazo de um ano para a conclusão do IC, podendo esse prazo ser prorrogado quantas vezes se fizerem necessárias. No entanto, cada Ministério Público pode limitar o número de prorrogações.
- 136. O art. 23, § 4º, dispõe sobre os marcos interruptivos da prescrição na ação de improbidade administrativa, de modo similar ao art. 117 do Código Penal, com algumas adaptações. O inc. I prevê a interrupção com o ajuizamento da ação, diferentemente do art. 117, I, do CP, que cita o recebimento da denúncia ou queixa. Essa previsão da LIA se coaduna com os arts. 240, § 1º e 312 do NCPC, que dispõem que a interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação, considerando a data em que foi protocolada. Por sua vez, os incisos II a V estão em consonância com o art. 117, IV, do CP, positivando o entendimento do STJ de que o acórdão confirmatório da sentença de procedência equivale ao acórdão condenatório para fins de interrupção do prazo prescricional.
- 137. O art. 23, § 5º, dispõe que, interrompida a prescrição, o prazo recomeça pela metade a partir do dia da interrupção. O dispositivo se inspirou no art. 9º do Decreto nº 20.910/1932, pelo qual a prescrição interrompida recomeça a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu, no caso da prescrição em favor da Fazenda Pública.
- 138. O art. 23, §§ 6º e 7º, tiveram inspiração no art. 117, § 1º, do CP, desmembrando-o em duas disposições. A norma do Código Penal prevê a extensão aos demais autores apenas no caso de interrupção da prescrição. Já a LIA incluiu a suspensão da prescrição no efeito extensivo aos demais concorrentes. A terminologia “concorrente” é adotada no art. 29 do CP para se referir tanto aos autores como aos partícipes. O art. 3º da LIA prevê sua aplicação àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade. A norma deve ser interpretada no sentido da possibilidade de o agente público também ser partícipe do ato de improbidade, mesmo que não tenha realizado o núcleo verbal, como “receber” ou “adquirir”, desde que induza ou concorra dolosamente para o ato de outrem. O § 7º do art. 23 repete a segunda parte do art. 117, § 1º, do CP, porém incluindo a suspensão da prescrição no efeito extensivo aos atos de improbidade conexos, em analogia ao art. 76 do CPP.
- 139. O art. 23, § 8º, prevê a prescrição intercorrente da pretensão sancionadora, à semelhança da prescrição retroativa e superveniente da pretensão punitiva prevista no art. 110, § 1º, do Código Penal. Essa espécie de prescrição já possuía previsão no art. 40, § 4º, da Lei de Execução Fiscal, incluído pela Lei nº 11.051/2004. O NCPC tratou da prescrição intercorrente no art. 924, V e 921, § 5º, com a redação conferida pela Lei nº 14.195/21. Esse regramento serviu de inspiração para a LIA. O dispositivo do NCPC dispõe que as partes devem ser ouvidas antes da decisão. A LIA igualmente determinou a oitiva prévia do Ministério Público, permitindo que a decisão seja tomada de ofício ou a requerimento da parte.
- 140. O art. 23-A dispõe que o poder público ofereça contínua capacitação aos agentes públicos e políticos que atuem na prevenção e repressão dos atos de improbidade. O dispositivo teve inspiração no art. 6º, item 2, e art. 60 da Convenção de Mérida, internalizada pelo Decreto nº 5.687/06, que regem as medidas de prevenção, bem como no art. 3º, III, da Convenção Interamericana contra a Corrupção, internalizada pelo Decreto nº 4.410/02. Ambas as convenções possuem status supralegal, por protegerem direitos humanos, conforme o entendimento atual do STF.
- 141. O art. 23-B, §§ 1º e 2º, tiveram inspiração no art. 18 da Lei da Ação Civil Pública, bem como no NCPC. O dispositivo veda o adiantamento de custas pelo requerido, indicando que as despesas processuais serão pagas apenas no final da lide, em caso de procedência da ação. Por sua vez, em caso de improcedência da ação, não haverá condenação do Ministério Público em honorários advocatícios, salvo se comprovada a má-fé.
- 142. O art. 23-C excluiu do âmbito de incidência da LIA os partidos políticos e suas fundações. Essa responsabilização é aferida no âmbito da própria Justiça Eleitoral. A Lei nº 9.096/95 prevê os atos passíveis de punição e as sanções cabíveis nos arts. 31, II, 34, § 5º, 36 e 37, § 6º, com as alterações da Lei nº 13.488/17. Como regra, compete à justiça comum estadual decidir os conflitos internos dos partidos políticos. Contudo, a análise dos casos de malversação ou desvio das verbas do fundo partidário de que trata o art. 38 da Lei nº 9.096/95, ou sua utilização fora das hipóteses do art. 44 da mesma lei, será da competência da Justiça Eleitoral. O mesmo ocorre com o fundo especial de financiamento de campanha, previsto no art. 16-C da Lei nº 9.504/97. Como exemplo, a imprensa realizou recente levantamento que constatou o pagamento de diárias a dirigentes partidários que custam mais de três mil reais em hotéis de luxo, além do aluguel de jatinhos. Certamente, na justiça comum esses gastos configurariam atos de improbidade que causam prejuízo ao erário, nos termos do art. 10 da LIA. Em 2015, o STF proibiu as doações eleitorais de pessoas jurídicas, com o objetivo de evitar que os detentores de mandato tenham dívidas a saldar com grupos empresariais doadores no desempenho do cargo eletivo. Após a decisão, o fundo eleitoral teve uma grande elevação, substituindo as doações empresariais por uma dotação orçamentária, e diluindo o custo das eleições para toda a sociedade na forma de impostos. Com os valores turbinados do fundo eleitoral, muitas irregularidades podem ser cometidas, como candidaturas laranjas e a emissão de notas fiscais frias, tendo a Lei nº 9.096/95 autorizado a Justiça Eleitoral a requisitar técnicos dos tribunais de contas para auxiliar nos trabalhos de fiscalização, pelo tempo que se mostrar necessário. A constitucionalidade deste dispositivo é objeto de análise na ADI 7.236, proposta pela CONAMP.
Referências
Capez, Fernando. Nova Lei de Improbidade Administrativa, editora Forense, 3° edição, 2023.
Filho, Marçal Justen. Reforma da Lei de Improbidade Administrativa, editora Forense, 2022.
Neves, Daniel Amorim Assumpção. Oliveira, Rafael Carvalho Rezende. Improbidade Administrativa - Direito Material e Processual, editora Forense, 9° edição, 2022.
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