RESUMO: O presente ensaio tem por finalidade analisar o andamento do julgamento do Recurso Extraordinário 635659, que diz respeito à descriminalização do uso de drogas. Através de pesquisas feitas sobre o tema, verificou-se que é questionável a constitucionalidade do art. 28 da Lei nº 11.343/2006, uma vez que afronta alguns princípios basilares da Constituição e do próprio Direito Penal. As manifestações feitas pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal apontam o uso de drogas como questão de saúde pública e nos mostra os benefícios de uma possível descriminalização.
Palavras-chaves: Art. 28. Uso de Drogas. RE 635659. Lei nº 11.343/2006. Descriminalização.
1. INTRODUÇÃO
O presente ensaio tem por objetivo analisar a constitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/2006, fazendo uma relação entre a aplicação do artigo e os princípios constitucionais que tendem a limitá-lo. Explora como discussão central o julgamento em andamento no Supremo Tribunal Federal do Recurso Extraordinário 635659/SP, elucidando a opinião de cada um dos Ministros. Usou para isso, como metodologia, um levantamento em sites e artigos que contêm o pertinente assunto, além de embasar-se nos votos dos próprios Ministros dados até agora, servindo assim, como partes essenciais para posteriores conclusões.
2. DESENVOLVIMENTO
Grandes são as discussões acerca da constitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/2006. A Suprema Corte tem traçado um debate sobre a existência ou não de harmonia deste dispositivo legal e a Constituição, uma vez que ao tornar crime o porte de drogas para uso pessoal, a lei fere a concepção da dignidade humana (capacidade de autodeterminação do ser humano, prevista no art. 5º da CFRB) e da pluralidade (permissão em uma mesma sociedade de diferentes ideologias). Com base no princípio da alteridade, o Direito Penal deve interferir e punir apenas comportamentos que violem direitos de outras pessoas, assegurando, portanto, os dois princípios anteriormente citados. Nessa mesma linha, Cezar Roberto Bitencourt (2012) relata que:
Para que se tipifique algum crime, em sentido material, é indispensável que haja, pelo menos, um perigo concreto, real e efetivo de dano a um bem jurídico penalmente protegido. Somente se justifica a intervenção estatal em termos de repressão penal se houver efetivo e concreto ataque a um interesse socialmente relevante, que represente, no mínimo, perigo concreto ao bem jurídico tutelado.
O artigo 28 da Lei 11.343/2006 não traz em seu preceito secundário a cominação da pena de detenção de 06 (seis) meses a 2 (dois) anos, anteriormente prevista, gerando como consequência para quem adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, unicamente penas alternativas ou medidas socioeducativas.
No entanto, no que diz respeito à descriminalização do artigo em análise, o legislador, embora tenha trazido grande preocupação com os usuários, ainda não se manifestou, tendo sido esta uma das questões levantadas pelo Supremo Tribunal Federal, por intermédio do Recurso Extraordinário 635.659/SP interposto pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo-SP.
O Recurso Extraordinário 635.659/SP foi interposto pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, no caso em que um egresso assumiu a posse de 3 (três) gramas de maconha e por isso foi condenado a dois meses de prestação de serviços. A Defensoria alegou que o art. 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) não deve ser considerado crime, em virtude da sua falta de lesividade para com terceiros, além de ferir princípios constitucionais da intimidade e a liberdade individual.
O Recurso em questão possui como relator o ministro Gilmar Mendes, tendo esse votado a favor da descriminalização, com a ressalva de que as punições atuais destinadas ao flagranteado com drogas sejam mantidas na esfera administrativas. Em seu voto, trouxe a contraposição entre o direito coletivo à saúde e à segurança com o direito à intimidade e à vida privada, defendendo que a criminalização das drogas para uso pessoal é inconstitucional, visto que invade o direito à privacidade do usuário, além de afastá-lo dos serviços de saúde e não garantir a segurança pública. Como um de seus argumentos, o Ministro apontou o fato da criminalização do consumo não possuir tanto impacto na decisão de consumir drogas, bem como citou a multiplicação de políticas de redução de danos e prevenção de riscos às drogas, em diversos países, sugerindo que fossem aplicadas no Brasil. Gilmar afirmar ainda que é necessário adotar critérios objetivos para distinguir usuários de traficantes, posto que esta distinção não seja feita pela Lei de Drogas, o que aumenta a massa carcerária.
O Ministro Edson Fachin, por sua vez, manteve o voto a favor da descriminalização das drogas, mas restringiu o campo de incidência a maconha. Para ele o fato da criminalização fere a vida privada dos cidadãos, usando como argumento o fato de a conduta do uso de drogas ser moralmente repreensível, contudo a moral apenas não é utilizada como justificativa para a intuição de leis pelo Estado. Fachin afirma que é necessária a prevenção por meio de políticas públicas, defendendo que a questão em análise é objeto da saúde pública, sendo importante a atuação do governo e da sociedade. Assim como o Relator, o Ministro defende que a aprovação pelo Congresso Nacional de uma lei que defina critérios objetivos para diferenciar usuários e traficantes.
Luís Roberto Barroso também foi enfático ao afirmar sua posição a favor da descriminalização da maconha, diferentemente da posição tomada pelo Relator, e vai além ao estabelecer critérios objetivos para diferenciar usuários de traficantes, limitando o porte de drogas do primeiro a 25 gramas. O Ministro justifica seu posicionamento a favor da descriminalização apenas da maconha, em uma questão de segurança, para ele é importante ver quais efeitos a legalização da maconha traria na sociedade, para só então fazer a experiência com outras drogas. No que diz respeito ao critério objetivo que diferencia usuários de traficantes, este tem como objetivo reduzir a prisão de usuário, já que atualmente essa diferenciação é feita pela Autoridade Policial.
Percebe-se que três dos onze ministros do Supremo votaram a favor da descriminalização do uso e porte da maconha, estando a descriminalização caminhando a passos largos na Suprema Corte.
O debate a respeito da descriminalização do uso das drogas não surge desvinculado de qualquer análise empírica dos fatos; o direito comparado, por exemplo, mostrou-se como uma das fontes do debate. Embora em situação diferente, no plano econômico-social, de muitos dos países que até agora optaram pela descriminalização, essa será de grande avanço para o sistema carcerário e social brasileiro. É o que salienta Leonardo Sanchez (2022):
Nos países que já descriminalizaram o uso de drogas, não houve variação na quantidade de pessoas que usam, mas o flagrante geralmente já deixou de ser caso de polícia. Isso inclui os países da América Latina, onde Brasil chaga tarde no que diz respeito às políticas de descriminalização de drogas.
Tratar o uso de drogas como uma questão de saúde pública e não de Direito Penal é mais que coerente, visto que a criminalização de tais substâncias estigmatiza os usuários e dependentes, muitas das vezes excluindo-os da convivência em sociedade, o que só dificulta a solução do problema. Visão defendida por Daniel Marques (2022):
Óbvio que a sociedade não pode tolerar a ação dos traficantes, entretanto é racional que os viciados recebam tratamento de saúde para largarem o vício e não sejam abandonados em presídios, ocupando vagas de homicidas, estupradores e outros criminosos.
Diante do exposto o que se busca não é a ideia de uma liberdade vinculada ao uso indiscriminado de drogas, todavia traz uma reflexão acerca de como a criminalização de tais substâncias opera-se de modo contrário a posição explícita em nossa Carta Magna.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nas informações anteriormente expostas, conclui-se que, embora não esgotadas as possibilidades de diferentes opiniões, a constitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/06 é questionável, posto que o porte de drogas para uso pessoal não ultrapassa a esfera da autonomia da vida privada, não atingindo diretamente direito de outrem. É notório que criminalizar o uso de drogas não têm solucionado a questão da criminalidade, nem diminuído o consumo daquelas; mais que uma questão de política criminal, o tratamento dado aos usuários de drogas é uma questão de saúde pública e educação, devendo ser solucionada através de medidas administrativas e políticas socioeducativas estimuladas pelo Estado. O tema em análise possui bastante repercussão jurídica e social, devendo ser alvo de diversas discussões mesmo após a decisão do julgamento em andamento.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal : parte geral, 1 – 17. ed. rev., ampl. e atual. de acordo com a Lei n. 12.550, de 2011. – São Paulo : Saraiva, 2012
CARTA CAPITAL. Mendes vota pela descriminalização do porte de drogas e Fachin pede vista. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/blogs/parlatorio/mendes-vota-pela-descriminalizacao-do-porte-de-drogas-e-fachin-pede-vista-9202.html>. Acesso em 01 de julho de 2022.
CONSULTOR JURÍDICO. Usuário de drogas afeta apenas sua saúde, e não direitos de terceiros. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-out-04/usuario-drogas-afeta-saude-nao-direitos-terceiros>. Acesso em 01 de julho de 2022.
MARQUES, Daniel. Julgamento STF: descriminalização do porte de drogas. Disponível em: <http://www.dm.com.br/opiniao/2015/08/julgamento-stf-descriminalizacao-do-porte-de-drogas.html>. Acesso em 01 de julho de 2022.
RAMALHO, Renan. Supremo volta a julgar nesta quinta descriminalização do porte de drogas. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/09/supremo-volta-julgar-nesta-quinta-descriminalizacao-do-porte-de-drogas.html>. Acesso em 01 de julho de 2022.
RICHTER, André. Fachin vota a favor da descriminalização do porte de drogas. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-09/fachin-vota-favor-da-descriminalizacao-do-porte-de-drogas>.Acesso em 01 de julho de 2022..
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Notícias STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=299756>. Acesso em 01 de julho de 2022..
Bacharela em Direito pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Mestranda em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do Oeste Baiana - UFOB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, MARCELLE PEREIRA DOS SANTOS. A constitucionalidade do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 em face ao julgamento do Supremo Tribunal Federal. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jul 2022, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /58891/a-constitucionalidade-do-art-28-da-lei-n-11-343-2006-em-face-ao-julgamento-do-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 29 dez 2024.
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