AIRTON ALOISIO SCHUTZ
(orientador)
RESUMO: O presente estudo visa compreender as alterações realizadas pela Lei nº 13.768/18, que entrou em vigor em 27 de dezembro de 2018, e, que é considerada um marco legal para os contratos de alienação de imóveis na planta e em loteamento. Tal alteração se deu em meio a uma crise imobiliária, com vários casos que conduzia o consumidor a desfazer o contrato unilateralmente (resilição unilateral) e a reclamar judicialmente a devolução dos valores pagos com deduções não abusivas. Antes do regimento da que é considerada “a nova Lei do distrato” a jurisprudência delineava esses direitos com base em princípios e cláusulas abertas, diante da falta de texto legal fechado para várias dessas questões. A proposta desta pesquisa qualitativa tem caráter subjetivo, sendo o mesmo pautado em entendimentos jurídicos, doutrinários, narrativas e fatos concretos. No qual foi interpretado as informações obtidas a partir da leitura de doutrinas, jurisprudências e julgados, a fim de compreender a relação contratual de compra e venda no Código do Direito do Consumidor, identificando as alterações realizadas pela Lei nº 13.786/18 e como elas afetaram na prática o mercado imobiliário e o negócio jurídico, e por fim relatar o entendimento dos Tribunais brasileiros acerca do distrato contratual.
Palavras-chave: Contrato de compra e venda de imóvel, Distrato contratual, Lei nº 13.786/2018
ABSTRACT: The present study aims to understand the changes made by Law nº 13.768/18, which came into force on December 27, 2018, and which is considered a legal framework for contracts for the sale of properties in the plant and in subdivisions. This change took place in the midst of a real estate crisis, with several cases that led the consumer to unilaterally undo the contract (unilateral termination) and to claim in court the return of amounts paid with non-abusive deductions. Before the regiment of what is considered “the new dissolution law”, jurisprudence outlined these rights based on open principles and clauses, given the lack of a closed legal text for several of these issues. The proposal of this qualitative research has a subjective character, being the same based on legal, doctrinal, narratives and concrete facts. Where the information obtained from the reading of doctrines, jurisprudence and judgments was interpreted, in order to understand the contractual relationship of purchase and sale in the Consumer Law Code, identifying the changes made by law nº 13.786/18 and how they affected the practice the real estate market and the legal business, and finally reporting the understanding of the Brazilian Courts about the contractual dissolution.
Keywords: Property purchase and sale agreement, Contractual dissolution, Law nº 13.786/2018
1. INTRODUÇÃO
O resultado de uma crise, que levou ao aumento da inadimplência por parte de adquirentes de imóveis, ocasionando em rescições de contratos, gerou a necessidade de uma Lei específica para garantir maior segurança às incorporadoras e loteadoras, tal como aos clientes adquierentes dos imóveis.
Muitas vezes, os distratados são ocasionados por causa do comprador não possuir compreensão das consequências causadas pela sua inadimplência ou até mesmo do desejo de findar o negócio. Diante disso, é preciso entender qual a atual situação das partes do negócio jurídico perante as alterações realizadas pela Lei 13.768/18 e como essa mudança legislativa influenciou o mercado imobiliário e os entendimentos dos tribunais.
Inicialmente, para compreender as alterações que a Lei nº 13.786/18 trouxe ao mercado imobiliário, é necessário entender alguns conceitos à cerca do Direito Civil, para isso será apresentado discussões sobre o contrato de compra e venda, o distrato, a jurisprudência, e as consequências pro mercado imobiliário à cerca da Lei 13.786/18, conceitos chaves para o andamento desta pesquisa.
A proposta da pesquisa tem caráter subjetivo, sendo o mesmo pautado em entendimentos jurídicos, doutrinários, narrativas e fatos concretos. Neste contexto se fez coerente uma pesquisa qualitativa onde foram interpretadas as informações obtidas a partir da leitura de doutrinas, jurisprudências e julgados.
2. DO CONTRATO AO DISTRATO: CONCEITO, EVOLUÇÃO E PRINCÍPIOS
Para que seja possível ocorrer um distrato contratual, primeiro é preciso existir uma fusão na qual há declaração de vontade entre duas partes (bilateral) ou mais (plurilateral) sobre um mesmo objeto, com a finalidade de adquirir, modificar, preservar e extinguir direitos e obrigações, gerando assim, um contrato.
Nesse sentido, Gonçalves (2022, p. 24) afirma que: “sempre, pois, que o negócio jurídico resultar de um mútuo consenso, de um encontro de duas vontades, estaremos diante de um contrato.” Diante disso percebe-se que o fundamento ético do contrato é a vontade humana, desde que atue na conformidade da ordem jurídica e seu efeito é a criação de direitos e de obrigações.
Seguindo o mesmo raciocínio, Miguel Reale afirma que:
Negócio jurídico é aquela espécie de ato jurídico que, além de se originar de um ato de vontade, implica a declaração expressa da vontade, instauradora de uma relação entre dois ou mais sujeitos tendo em vista um objetivo protegido pelo ordenamento jurídico. (2013, p.208-209)
É forçoso empreender uma visão de sistema, para pensar o contrato não de modo isolado, mas no contexto do ordenamento jurídico em que está inserido. O contrato, tal como estava regulado no Código de 1916, passa por uma expressiva evolução de seu conceito, de suas finalidades e de seu conteúdo, na trajetória que leva à Constituição de 1988 e, subsequentemente, ao Código de Defesa do Consumidor e ao Código Civil de 2002.
A palavra contractus significa unir, contrair. E foi no Direito Romano primitivo que o contrato surgiu, e como todo ato jurídico, tinha caráter rigoroso e sacramental. Porém, segundo Venosa (2022, p.1), “o código napoleônico foi a primeira grande codificação moderna”. Idealizado sob o calor da Revolução de 1789, o referido diploma disciplinou o contrato como mero instrumento para a aquisição da propriedade.
Ao contrário do Código Francês, conforme afirma Gonçalves (2022, p.25), “O Código Civil alemão, promulgado muito tempo depois, considera o contrato uma espécie de negócio jurídico e que por si só não transfere a propriedade, como sucede igualmente no atual Código Civil brasileiro.” Após um século do surgimento do Código Francês, surge o Código Alemão, estampando o direito em um diferente momento histórico.
Neste sentido Venosa afirma que:
No Código alemão, o contrato passa a pertencer a uma categoria mais geral. O contrato é uma subespécie da espécie maior, que é o negócio jurídico. O negócio jurídico é, portanto, uma categoria geral, a qual, como vimos, vem em nosso Código anterior definida como ato jurídico, no art. 81. (2022, p.2)
Conforme entendimento dos autores citados, que a ideia de um contrato com predominância da autonomia da vontade, em que as partes discutem livremente as suas condições em situação de igualdade, deve-se aos conceitos traçados para o contrato nos Códigos francês e alemão.
É importante mencionar que a autonomia da vontade sofre limitação perante os princípios sociais, visto que, nos termos do artigo 421, do Código Civil: "A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato" (BRASIL, 2002). A função social é atualmente, um dos princípios que mais precisa ser observado pelo intérprete na aplicação dos contratos. Alia-se aos princípios tradicionais, como os da autonomia da vontade e da obrigatoriedade, muitas vezes impedindo que estes prevaleçam.
Na visão do Silva Pereira (2020), a função social do contrato serve essencialmente para limitar a autonomia da vontade quando esta estiver em confronto com o interesse social, devendo assim prevalecer.
O princípio da relatividade dos efeitos do contrato estipula que o contrato não vincula terceiros ao seu conteúdo, produzindo efeitos apenas para aqueles que manifestaram sua vontade. Neste sentido, Gonçalves (2022), evidencia que este princípio é a aplicação da res inter alios acta aliis nec nocet nec podest, sendo assim a transação é válida inter partes, e somente entre elas produz seus efeitos.
Conforme mencionado anteriormente, o Código Civil de 2002 tornou explícito que a liberdade de contratar só pode ser exercida em consonância com os fins sociais do contrato, necessariamente implicando os valores primordiais da boa-fé e da probidade (arts. 421 e 422).
As partes do negócio jurídico devem observar o princípio da boa-fé desde as negociações preliminares até a conclusão do contrato, pois como afirma Gonçalves (2022, p.16), “mesmo após o cumprimento de um contrato, podem sobrar-lhes efeitos residuais”. Sendo assim, a boa-fé objetiva consiste em regra de comportamento, dever de agir com honestidade e lealdade nas relações jurídicas contratuais.
O princípio da força obrigatória, também conhecido como Pacta Sunt Servanda, dispõe que o acordo de vontades faz Lei entre as partes. Baseando-se no princípio da autonomia da vontade, ninguém é obrigado a contratar, mas, uma vez livremente pactuado, deve-se cumprir. Nesse sentido Venosa (2022, p.15) afirma que, “essa obrigatoriedade forma a base do direito contratual”. Pois sem ela, as relações contratuais seriam um verdadeiro caos.
Depois de conceituar a origem que engloba os preceitos anteriores ao distrato contratual, chegou a hora de conceituar a resilição contratual. Uma das formas de extinção do contrato é por meio do procedimento denominado distrato, que é a ação de encerrar a relação contratual por meio da declaração de vontade das partes contratantes, no sentido oposto ao que havia gerado o vínculo.
O art. 472 do Código Civil estatui que “o distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato” (BRASIL, 2002), ou seja, na resilição do contrato existe uma atração da forma por força de lei. A questão deve ser vista com reservas, tendo em vista a validade e eficácia do negócio de desfazimento (VENOSA, 2022). Deste modo, o distrato trata-se de um “contrato para extinguir outro”.
O Código Civil de 2002, no artigo 473, prevê que “a resilição unilateral, nos casos em que a Lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte” (BRASIL, 2002). Em contrapartida, se os contratantes decidem desfazer o contrato de comum acordo, assinarão o instrumento denominado distrato bilateral.
Nos tempos atuais, com a crise econômica, um dos principais problemas que as incorporadoras enfrentam diz respeito à grande procura pelo distrato contratual das promessas de compra e venda. Conforme será abordado, Scavone Junior (2019) afirma que, até dezembro de 2018, o mercado imobiliário sofreu uma certa insegurança jurídica por não haver regulamentação no tocante ao distrato contratual imobiliário. Desta forma, a relação contratual era regulada por jurisprudências e pelo Código de Defesa do Consumidor.
Diante de tamanha incerteza e insegurança jurídica, após anos de tramitação, discussão e negociação no Congresso Nacional, em 27 de dezembro de 2018, entrou em vigor a Lei nº 13.786, denominada “Lei do Distrato Imobiliário”, que inseriu artigos na Lei de Incorporação Imobiliária (Lei nº 4.591/64) e na Lei de Loteamentos (Lei nº 6.766/76).
A referida Lei tem o nítido objetivo de estabelecer regras para os casos de desfazimentos dos contratos de promessa de compra e venda, trazendo maior clareza e segurança jurídica para o instituto, sendo considerada uma conquista há muito tempo esperada pelo setor imobiliário.
2.1 NOÇÕES PRELIMINARES QUE ENGLOBAM O DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR E A LEI Nº 13.786/2018
Para poder adentrar as alterações que foram realizadas pela Lei nº 13.786/2018 é importante entender alguns conceitos que englobam o universo do mercado imobiliário:
O Inadimplemento pode ser absoluto ou relativo. É absoluto, quando a prestação se torna inútil com o descumprimento da prestação. Nesse caso, o contrato deve ser resolvido, mas o devedor terá de indenizar os prejuízos sofridos pelo credor. Essa indenização pode ser prefixada por meio de uma cláusula penal compensatória (ou multa compensatória).
O inadimplemento é relativo quando a prestação atrasada (em mora) ainda é útil. Nesse caso, o contrato se mantém, mas caberá ao devedor pagar a prestação atrasada acrescida de encargos moratórios. Entre esses encargos moratórios, pode ser estipulada uma cláusula penal moratória (ou multa moratória).
Portanto, multa moratória só se aplica para casos de inadimplemento relativo, ao passo que multa compensatória só recai no caso de inadimplemento absoluto. No caso de contratos de aquisição de imóvel “na planta”, se qualquer das partes atrasa (comprador atrasa pagamento de prestação ou vendedor atrasa entrega das obras), será cabível a cobrança de multa moratória se o credor não pedir a resolução do contrato e preferir receber a prestação em mora (inadimplemento relativo). Por outro lado, será devida multa compensatória se o credor pedir a resolução do contrato (inadimplemento absoluto). Em princípio, cabe ao credor decidir se a prestação inadimplida é ou não útil, conforme parágrafo único do art. 395 do CC.
Incorporação imobiliária é o ato jurídico por meio do qual o titular de um terreno aliena unidades de um futuro condomínio que será instituído após o término das obras. Em jargão popular, é a famosa “venda na planta”. É disciplinada na Lei nº 4.591/64.
Loteamento é o parcelamento do solo para a criação de lotes servidos de infraestrutura e com acesso a novas vias de circulação. Também pode ser considerada uma espécie de “venda na planta”, pois, embora o terreno do lote já exista, o loteador ainda terá de realizar as obras de infraestrutura do loteamento nos moldes do que se comprometeu no momento do registro do loteamento.
Resilição é o desfazimento do contrato apenas por vontade das partes. Se for de ambas, tem-se uma resilição bilateral, também batizada de distrato. Se for apenas de uma das partes, há uma resilição unilateral, também chamada de denúncia.
Resolução é o desfazimento do contrato por justo motivo diverso da mera vontade de uma das partes. Esse justo motivo tem de ter suporte legal, como o desequilíbrio econômico-financeiro por fato superveniente nas condições legais (arts. 317 e 478 do CC e art. 6 do CDC), o implemento de uma condição resolutiva expressa (art. 474, CC) ou o próprio inadimplemento (que é uma condição resolutiva tácita a atrair os arts. 474 e 475 do CC).
A resolução contratual por inadimplemento tem fundamento no art. 475, do Código Civil12. Segundo Ruy Rosado de Aguiar Júnior, a resolução é um modo de extinção dos contratos decorrentes do exercício de um direito formativo do credor diante do incumprimento do devedor.
3. A RELAÇÃO CONTRATUAL DE COMPRA E VENDA NO CÓDIGO DO DIREITO DO CONSUMIDOR E NO DIREITO IMOBILIÁRIO
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXII, que define os direitos e garantias fundamentais, estabeleceu que o Estado Brasileiro tem o dever em promover, na forma da lei, a proteção do consumidor (BRASIL, 1988). Por sua vez, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o artigo 48, determinou que deveria ser elaborado o Código de Defesa do Consumidor dentro de 120 dias da promulgação da Constituição.
Sendo assim criou-se o Código de Defesa do Consumidor com a finalidade de proteger e defender a parte mais fraca na relação de consumo. Para Scavone Júnior (2020, p. 241), “Embora seja elemento constitutivo, temos que a vulnerabilidade já é presumida relativamente no momento da relação jurídica de consumo.”
Partindo da premissa básica de que o consumidor é a parte vulnerável das relações de consumo, o Código pretende restabelecer o equilíbrio entre os protagonistas de tais relações. Assim, declara expressamente o art. 1º que o Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, acrescentando serem tais normas de ordem pública e de interesse social.
Antes de qualquer estudo que envolva o procedimento do distrato imobiliário conforme as alterações trazidas pela Lei 13.786/2018, se faz necessária uma perquirição acerca do direito dos consumidores, o conceito de consumidor e fornecedor, e a relação de consumo.
O Código de Defesa do Consumidor, no artigo 2º, define consumidor como "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final" (BRASIL, 1990). Seguindo o raciocínio da Lei 8.078/90, Gonçalves (2022) entende que, os dois principais protagonistas do Código de Defesa do Consumidor são o consumidor e o fornecedor. E envolvidos no enlace do objeto, estão, no último conceito, o produtor, o fabricante, o comerciante e, principalmente, o prestador de serviços (art. 3º).
Nesse diapasão, a doutrina e a jurisprudência, no contrato imobiliário, entendem que o comprador se enquadra como consumidor e as incorporadoras como fornecedor, em que entre as partes é celebrado um contrato de adesão, visto que as cláusulas são estabelecidas pelas incorporadoras sem a possibilidade de discussão e alteração por parte dos consumidores. Logo, verifica-se uma relação consumerista, que está diretamente sujeita às normas e princípios previstos no Código de Defesa do Consumidor.
As relações de consumo entre o consumidor, de um lado, e o fornecedor, de outro, tem como objetos de interesse os produtos e serviços. O Código de Defesa do Consumidor, no artigo 3º, §1º, dispõe que produto é "qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial". Em continuação, no §2º, define que "serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista" (BRASIL, 1990).
O Código de Defesa do Consumidor presume, de forma absoluta, que o consumidor é a parte vulnerável das relações de consumo, visto que existe a suposição da preponderância do fornecedor em relação ao consumidor. Esta vulnerabilidade seria um conceito de direito material. O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor está previsto no artigo 4º, do CDC, em seu inciso I.
Porém, é inegável que os contratos de compra e venda imobiliária, normalmente, aparecem com cláusulas estabelecidas de maneira unilateral pelo fornecedor. Por isso, como forma de impedir os abusos cometidos em tais relações de consumo, a Lei consumerista no seu artigo 51, considera que as cláusulas abusivas são nulas de pleno direito. (BRASIL, 1990).
Ademais, o Código de Defesa do Consumidor, no artigo 6º, inciso V, prevê que é direito básico do consumidor a revisão das cláusulas contratuais em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas. Diante disso, há de se perceber que a Lei consumerista visa a proteção do consumidor, que considera ser a parte mais fraca na relação de consumo, de modo a realizar um procedimento verdadeiramente equitativo.
Ao contrário do CDC, o Direito Imobiliário tem natureza privada, sendo o ramo que reúne as relações jurídicas e conflitos que envolvem a propriedade, seja quanto a aquisição, a perda, a posse, a locação, a usucapião, o condomínio, a doação, a cessão de direito, as incorporações imobiliárias, o direito de construir e outros institutos relacionados ao bem imóvel.
No Direito Imobiliário, tão comum quanto o contrato de compra e venda, é o contrato de promessa de compra e venda. Trata-se de contrato preliminar ou pré-contrato pelo qual se convenciona a compra e venda de um bem imóvel, para pagamento em prestações. Conforme esclarece Scavone Júnior:
A promessa de compra e venda nada mais é que um contrato preliminar, mediante o qual o promitente comprador do imóvel se obriga a pagar o preço e o promitente vendedor, após receber o que avençou, se compromete a outorgar a escritura hábil à transferência da propriedade. (2020, p.254)
Em 1937, o Decreto-lei nº 58 regulamentou especificamente a promessa de compra e venda, desta forma, atribuiu maior segurança e garantias ao promitente comprador, Nas palavras de Scavone Júnior (2020, p. 256) “Essa norma pretendia atribuir mais segurança ao promitente comprador, livrando-o das garras inescrupulosas de empresários imobiliários desonestos que se valiam do indigitado art. 1.088 do Código Civil de 1916.”
Porquanto que o artigo 1.088 do Código Civil de 1916 que até então era o dispositivo que regia essa modalidade de transação, permitia ao promitente vendedor arrepender-se depois de receber todo o preço, deixando de outorgar a escritura e ressarcindo o promitente comprador nas perdas e danos.
4. PRINCIPAIS ALTERAÇÕES REALIZADAS PELA LEI Nº 13.786/18 E COMO ELAS AFETARAM O MERCADO IMOBILIÁRIO E O NEGÓCIO JURÍDICO
As alterações às Leis 4.591/1964 e 6.766/1979 pela Lei 13.786/2018 trouxe mais controle para a construção civil, que segundo Scavone, sempre que há crises econômicas esse setor acaba passando por um desequilíbrio devido as demandas de promitentes compradores solicitando o desfazimento do contrato e a restituição do que foi pago (SCAVONE JUNIOR, 2019).
Ressalta-se que a crise econômica atual afetou consideravelmente o mercado imobiliário, e consequentemente, as incorporadoras, que vem sofrendo quedas significativas nas vendas dos produtos.
Um número relevante de consumidores por diversos motivos, como alta taxa de desemprego, inflação, juros altos, não conseguem mais cumprir com a obrigação da promessa de compra e venda, com isso aumentam a quantidade de realização de resilição contratual, sendo uma situação totalmente imprevisível para os empresários. O aumento demasiado de cancelamento de contratos ocasionou o aumento de conflitos em razão dos distratos na via administrativa e judicial (FELÍCIO, 2017).
O setor da incorporação imobiliária é indispensável no âmbito do desenvolvimento da economia brasileira. Além de ser uma atividade que desenvolve moradias, infraestrutura, promove melhorias nos serviços públicos, como transporte, educação, saneamento, lazer, também gera milhares de empregos e renda para os participantes da cadeia produtiva.
Antes da crise econômica afetar as incorporadoras imobiliárias, as empresas vendiam uma grande quantidade de produtos, e mesmo algumas sendo distratadas, os lucros com as vendas ultrapassavam os prejuízos. No entanto, nos dias atuais, com a baixa no mercado imobiliário, várias empresas não possuem capital suficiente em caixa para satisfazer o consumidor que desiste da compra.
O capital das incorporadoras estava destinado à execução de obras, e com o aumento no número de distratos o planejamento e os fluxos de caixa dos empreendimentos foram duramente comprometidos (LOPES, 2018). Com isso inúmeras empresas fecharam suas portas e milhares entraram em recuperação judicial.
4.1 QUADRO-RESUMO
Com a finalidade de trazer um resumo prático do contrato, dando uma ideia ampla e geral do que está sendo assinado, a Lei do Distrato impôs, a apresentação do Quadro-Resumo, que passa a ser um requisito obrigatório do Contrato antes das cláusula contratuais.
O objetivo dele, é aumentar a transparência no processo de negociação e facilitar o cumprimento de suas obrigações pelo cliente, principalmente no que diz respeito aos efeitos do insucesso da negociação. A importância do Quadro-Resumo é devido constar as principais informações do contrato de uma forma resumida e transparente.
4.2 O DIREITO DE ARREPENDIMENTO
A Lei do Distrato presumiu a possibilidade do direito de arrependimento do comprador, em conformidade com o Código de Defesa do Consumidor. Sendo duas hipóteses:
1º - Quando o contrato é executado em estandes de vendas ou outros locais distantes da sede da incorporadora/loteadora, o comprador tem o direito de desistir do negócio no prazo de sete dias contados da data de assinatura do contrato, sem multa e com direito ao recebimento integral do valor já pago.
2º - Caso o contrato seja celebrado na sede ou estabelecimento comercial do incorporador ou loteador, o direito de ressarcimento poderá ou não ser concedido pelo vendedor, pois não é obrigatório.
4.3 PRAZO DE TOLERÂNCIA
Uma das maiores medidas de segurança que a Lei do Distrato trouxe aos incorporadores foi a instauração de um prazo tolerável de conclusão e entrega. Apesar de o prazo de 180 dias de tolerância já estivesse sendo adotado pelos Tribunais brasileiros, com a implementação desse prazo na Lei, trouxe maior conforto para as incorporadoras, eliminando assim discussão à cerca deste assunto.
Essa regra, implementada pela Lei do Distrato, ocasionando um novo artigo na Lei de Incorporações Imobiliárias (43-A), estabelece que caso o empreendimento seja entregue no prazo de até 180 dias corridos após a data original de entrega, não dará causa à resolução do contrato.
4.4 MULTA POR ATRASO NA ENTREGA
Apesar da Lei do Distrato ter trago maior segurança às incorporadoras ao sancionar um prazo de tolerância, ela regulou multa por atraso na entrega das unidades caso seja ultrapassado o prazo.
Caso venha a ocorrer o atraso, a indenização será de 1% (um por cento) do valor já pago para cada mês de atraso, corrigido monetariamente conforme índice estipulado em contrato, devendo ser pago pela incorporadora ao comprador (artigo 43-A, 2o, da Lei 4.591/ 1964).
A multa não será cobrada em cima do preço do imóvel, e sim sobre o valor total já pago pelo comprador até a data prevista para conclusão das obras ou o fim do prazo de tolerância.
Caso o prazo de tolerância não seja respeitado para a entrega das unidades, é facultado ao comprador, além da multa, a resolução do contrato por culpa da incorporadora (artigo 43-A, §1°, da Lei 4.591/1964).
4.5 LIMITES DE MULTA NA RESCISÃO POR CULPA DO COMPRADOR
Talvez a mais importante alteração feita pela Lei do Distrato foi o estabelecimento de limite para a porcentagem de devolução em caso de desfazimento do negócio por parte do adquirente.
As multas poderão ser, na incorporação imobiliária, de até 25% (vinte e cinco por cento) dos valores pagos nos empreendimentos “comuns” e de até 50% (cinquenta por cento) nos empreendimentos sob o regime de patrimônio de afetação, sendo está última a forma mais encontrada no mercado imobiliário, (artigo 67-A da Lei 4.591/1964).
Já no que diz respeito à compra e venda de lotes, a multa será cobrada pelo loteador em até 10% (dez por cento), incidente sobre o valor atualizado do contrato, e não sobre o valor já pago pelo comprador.
4.6 TAXA DE FRUIÇÃO
Também foi fixado a possibilidade de cobrança de taxa de fruição pelo uso do imóvel enquanto o bem estiver sob a posse do comprador. A taxa de fruição que poderá ser cobrada, por incorporações imobiliárias, do adquirente em razão do desfazimento do negócio por parte dele é de 0,5% (meio por cento) do valor atualizado do contrato. Já os loteamentos, a taxa cobrada, a título de fruição do imóvel, é de 0,75% (setenta e cinco décimos por cento) do valor atualizado do contrato.
5. IRRETROATIVIDADE DA NOVA LEI
Conforme o princípio da irretroatividade da lei, que tem regra na matriz na Carta Republicana de 1988 (Art. 5º, XXXVI da CRFB/88), a nova Lei do Distrato será aplicável apenas aos contratos assinados posteriormente a data da entrada em vigor, ou seja, assinados após 27/12/2018. Uma forma dos contratos anteriores à essa data serem atingidos pelas novas regras é mediante assinatura de termo aditivo contratual, quando as partes julgarem terem maior segurança jurídica para o negócio.
6. O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL EM TORNO DA LEI 13.786/18.
Como explanado anteriormente, a instabilidade da economia brasileira tem conduzido o consumidor a desfazer o contrato unilateralmente. Nessa situação, até dezembro de 2018, sucedia uma certa insegurança jurídica, visto que não havia na legislação regulamentação sobre quais as obrigações das partes no ato da resilição contratual. Desta forma, diante de tal omissão, a jurisprudência delineava os direitos e obrigações dos contratantes com base em princípios, e principalmente, no Código de Defesa do Consumidor (TARTUCE, 2019a).
Nesse diapasão, Tartuce (2019a) afirma que a jurisprudência consolidou diversos entendimentos quanto ao distrato, como o percentual dos valores pagos à rescindir ao comprador, o prazo para a restituição de tais valores, etc. Os Tribunais, através de inúmeros julgados, tem posicionamento no sentido de ser razoável a retenção, pelo promitente vendedor de 10 a 25% da quantia paga pelo promitente comprador.
Veja-se algumas análises jurisprudenciais de grande relevância, para se começar pelo Acórdão do Superior Tribunal de Justiça que autoriza a retenção de apenas 10% do valor pago pelo promitente comprador, visto que seria uma porcentagem suficiente à ser retido para cobrir os gastos incorporadora com a administração do negócio e as demais despesas do contrato:
A jurisprudência deste Tribunal tem consagrado entendimento segundo o qual nula é a cláusula que prevê a perda total dos valores pagos em contrato de compromisso de compra e venda celebrado na vigência do CDC, autorizando a retenção de apenas 10% do valor pago, em razão do descumprimento do contrato (AgRg no REsp 244.625/SP, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/10/2001, DJ 25/02/2002).
A Lei 13.768/2018 veio para firmar o entendimento consagrado pela jurisprudência conforme visto anteriormente. Dito isto passa-se à análise do prazo para a devolução dos valores pagos adotado pela jurisprudência, que tem entendimento na percepção de ser abusiva a cláusula que preveja, em caso de resilição contratual por parte do promissor comprador, a restituição dos valores pagos de forma parcelada (AgRg no AREsp 807.880/DF). Vale destaque o Acórdão citado:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESOLUÇÃO. RETENÇÃO. PERCENTUAL DE 10%. RAZOABILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO DE ACORDO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL SUPERIOR. SÚMULA 83 DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte de Justiça, nas hipóteses de rescisão de contrato de promessa de compra e venda de imóvel por inadimplemento do comprador, tem admitido a flutuação do percentual de retenção pelo vendedor entre 10% e 25% do total da quantia paga. 2. Em se tratando de resolução pelo comprador de promessa de compra e venda de imóvel em construção, ainda não entregue no momento da formalização do distrato, bem como em se tratando de comprador adimplente ao longo de toda a vigência do contrato, entende-se razoável o percentual de 10% a título de retenção pela construtora dos valores pagos, não se distanciando do admitido por esta Corte Superior. 3. É abusiva a disposição contratual que estabelece, em caso de resolução do contrato de compromisso de compra e venda de imóvel pelo comprador, a restituição dos valor es pagos de forma parcelada. 4. Agravo interno não provido. (AgRg no AREsp 807.880/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 19/04/2016, DJe 29/04/2016).
Porém, em contrapartida, no tocante ao prazo e à forma de restituição do valor pago pelo promitente comprador, Scavone Júnior (2019) ressalta que, a Lei do Distrato Imobiliário trouxe alterações quanto a jurisprudência consolidada, visto que a nova Lei estabelece que a devolução cabida, após os descontos permitidos, ocorrerá em até 12 (doze) parcelas mensais.
Nota-se que, por anos, a relação contratual entre promitente vendedor e promitente comprador foi regulada por jurisprudências, devido à falta de texto legal. Mesmo que houvesse a tutela jurisdicional pelo Poder Judiciário, era visível a necessidade de legislação específica para tratar sobre os distratos imobiliários, visto que existe uma grande demanda sobre o tema e uma certa demora na tramitação desses processos. (SCAVONE JUNIOR, 2019).
A Lei do Distrato Imobiliário trouxe também a previsão que o promissor comprador poderá desistir do contrato firmado no prazo de 7 (sete) dias desde que o contrato tenha sido celebrado em estandes de venda e fora da sede do incorporador. A tempestividade do arrependimento deverá ser comprovada mediante envio de carta registrada com aviso de recebimento, sendo considerada a data da postagem como data inicial da contagem do prazo. Desta maneira, ocorrerá a devolução dos valores já pagos, incluindo a corretagem.
Ressalta-se que a jurisprudência vem consolidando o entendimento que é inaplicável a Lei do Distrato aos contratos assinados antes de sua vigência, visto que é considerado princípio básico a irretroatividade da lei, previsto no art. 5º, inciso XXVI, da Constituição Federal, que diz “a Lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. No mesmo sentido, o art. 6º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – LINDB determina que “a Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitando o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada” (SCAVONE JÚNIOR, 2019).
Portanto, a data do contrato prevalecera para determinar a incidência da lei, visto que de acordo com o princípio da irretroatividade uma Lei nova não alcança os fatos produzidos antes de sua vigência. Assim sendo, conclui-se que não é aplicado as alterações realizadas pela Lei 13.786/2018 aos contratos celebrados até o dia 27 de dezembro de 2018.
A jurisprudência garante a resilição da promessa de compra e venda por iniciativa do promissor comprador, caso este não tenha condições de pagar as prestações acordadas com a empresa vendedora do imóvel. Desta forma, o devedor tem direito à devolução dos valores pagos (TARTUCE, 2019b).
No entanto, até o ano de 2018, não havia normas adequadas prevendo as consequências jurídicas na realização de tal instituto. Diante da ausência de legislação específica, a jurisprudência analisava os direitos discutidos nas demandas baseada em princípios e no Código de Defesa do Consumidor, o que gerava conflitos entre a relação de consumo e o mercado imobiliário.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como visto até aqui, a Lei do Distrato buscou desfazer o quadro de fragilidade do setor imobiliário diante da crise que tomou o país, na visão de Scavone Junior (2019), as alterações às Leis 4.591/1964 e 6.766/1979 pela Lei 13.786/2018 trouxe mais controle para a construção civil, pois sempre que há crises econômicas esse setor acaba passando por um desequilíbrio devido as demandas de promitentes compradores solicitando o desfazimento do contrato e a restituição do que foi pago.
A Lei do Distrato é um marco importante, pois, gerou uma maior segurança jurídica para um dos principais segmentos da economia brasileira. As causas das interrupções dos contratos são frequentemente a falta de compreensão do comprador sobre os efeitos de sua inação ou mesmo seu desejo de interromper o negócio.
Pois, ao trazer regras que mais protegem os adquirentes, a Lei do Distrato foi regida para reduzir o número de distratos, trazendo um equilibro maior ao mercado imobiliário. Causando mais estabilidade e crescimento econômico do setor. Mas em contrapartida, é previsto que pode gerar uma redução nos preços do imóveis em razão de maior segurança para o vendedor.
REFERÊNCIAS
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Graduanda em Direito pelo Universidade Católica do Tocantins - UniCatólica.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAUJO, Sarah Jany Barbosa de. Distrato contratual à luz da Lei nº 13.786/18: a segurança jurídica trazida na regulamentação do distrato contratual imobiliário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 nov 2022, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /60249/distrato-contratual-luz-da-lei-n-13-786-18-a-segurana-jurdica-trazida-na-regulamentao-do-distrato-contratual-imobilirio. Acesso em: 29 dez 2024.
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