CAROLINA NOURA DE MORAES RÊGO[1]
(coautora)
RESUMO: O tema de usucapião extrajudicial reúne facetas de dois direitos fundamentais: o direito de acesso à justiça por meio de procedimentos e mecanismos que permitam a resolução eficaz do conflito e o direito à formalização ou titulação da propriedade, relacionado ao direito à moradia ou uso racional de terras, no qual a formalização permite maior fluidez econômica e proteção ao direito. Nesse sentido, o artigo traça o contexto do acesso à justiça no Brasil, com a Constituição de 1988 e ondas de acesso, em que a busca do atendimento material ao direito implica em elementos que facilitem o acesso, reduzam custos e criem meios propícios às especificidades e complexidade do direito. Na via judicial, implica em uso de ritos próprios, como também permite que a via extrajudicial, e os cartórios especificamente, passem a gerir conflitos e interesses privados de forma não exclusiva, mas independentemente de confirmação judicial. A usucapião, que era tido como exemplo de atuação jurisdicional, passa a poder ser feito na esfera extrajudicial, mesclando presunções e provas documentais, e se configura como forma de regularização fundiária que prescinde de iniciativa do poder público.
SÚMARIO INTRODUÇÃO, 1. ACESSO À JUSTIÇA, 2. SERVIÇO EXTRAJUDICIAL, 3.USUCAPIÃO ADMINISTRATIVA, CONSIDERAÇÕES FINAIS, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Palavras-chave: usucapião; acesso à justiça, extrajudicial.
ABSTRACT: The issue of extrajudicial adverse possession brings together facets of two fundamental rights: the right of access to justice through procedures and mechanisms that allow for the effective resolution of the conflict and the right to formalization or titling of property, related to the right to housing or rational use of land, in which formalization allows for greater economic fluidity and protection of rights. In this sense, the article outlines the context of access to justice in Brazil, with the 1988 Constitution and waves of access, in which the pursuit of material compliance with the law implies elements that facilitate access, reduce costs and create means that are conducive to specificities and complexity of law. In the judicial way, it implies the use of its own rites, as well as allowing the extrajudicial way, and specifically notary offices, to start managing conflicts and private interests in a non-exclusive way, but regardless of judicial confirmation. The adverse possession, which was seen as an example of jurisdictional action, can now be done in the extrajudicial sphere, mixing presumptions and documentary evidence, and is configured as a form of land regularization that dispenses with incitement from the public power. Dr. Hermes, boa tarde. Conforme portaria da PRR de retorno das atividades presenciais cada gabinete deverá contar com apenas uma pessoa no horário do expediente, a partir de 07 de janeiro de 2022. A sugestão é que haja um revezamento, para isso é necessária a sua autorização no sistema para que façamos a modalidade híbrida. O ajuste no sistema ocorrerá a partir de 30/11, o senhor está de acordo, para que possamos prosseguir com os procedimentos administrativos?
Keywords: adverse possession; access to justice, extrajudicial.
INTRODUÇÃO
Um dos temas relevantes para o direito constitucional e a efetivação de direitos fundamentais é o acesso à justiça, não como mera faculdade ou possibilidade, mas com uma garantia e direito substancial. Trata-se de algo necessário à fruição de outros direitos, e, portanto, básico num Estado democrático. Nesse contexto, este artigo visa a conceituar e contextualizar a discussão do acesso à justiça no cenário nacional, relacionar com a existência de procedimentos específicos para a forma de direito pleiteada e especificamente tratar da usucapião extrajudicial ou administrativa como um desses procedimentos.
1.ACESSO A JUSTIÇA
Um primeiro aspecto deste artigo trata de conceitos relacionados com o acesso do indivíduo à justiça, partindo do próprio conceito de justiça, permeando este acesso como um direito fundamental e como é tratado na Constituição Federal de 1988. Na mesma linha, a história do pensamento humano tem considerado a Justiça como um valor, supremo e universal, do Direito.
O conceito de Justiça como retributiva, equidade, virtude, prudência, o tema é tratado desde as origens da filosofia. Neste sentido, Cichocki Neto cita alguns filósofos e seus conceitos de justiça:
Platão que considerou a justiça uma virtude fundamental, pois constitui o princípio ordenador das demais virtudes. Aristóteles qualificou-a como “virtude total” ou perfeita. Santo Agostinho afirmou consistir no amor do sumo bem e de Deus ordo amoris. [...] Leibniz, como a totalidade da perfeição ética.[2]
Modernamente, a justiça se associa ao direito estatal, que busca certa autonomia de moral, ética, religião e fontes transcendentais. Assim, o conceito de justiça é imprescindível à ciência jurídica, que opera com estruturas lógicas e cuja proposição fundamental é um “dever-ser”. Sob o ponto de vista da atividade jurisdicional, não há como referir-se ao acesso à justiça sem se considerar o processo como um instrumento de sua realização. Nessa perspectiva, a expressão “acesso à justiça” engloba um conteúdo de largo espectro: parte da simples compreensão do ingresso do indivíduo em juízo passa por aquela que obstaculiza o processo como instrumento para a realização dos direitos individuais, e, por fim, aquela mais ampla, relacionada a uma das funções do próprio Estado a quem compete, não apenas garantir a eficiência do ordenamento jurídico; mas, outrossim, proporcionar a realização da justiça aos cidadãos[3].
O primeiro sentido refere-se ao acesso à justiça como um direito de ingresso em juízo. Fundamenta-se nas considerações relacionadas ao direito ou poder de exercício da ação, sem nenhuma conotação sociopolítica. Essa compreensão representou uma fase do estudo e da história do direito processual em que seus institutos, princípios e, enfim, todo o fenômeno e toda a atividade processual eram considerados por uma visão eminentemente privatista. Acesso à justiça significava o mero exercício do direito de ação[4].
Evidentemente, entendido desta forma, o acesso à justiça e a atuação jurisdicional voltam-se principalmente para as questões relacionadas ao Direito invocado pelo autor, na crença de que nisso se resume a distribuição da justiça. Assim, consistia numa visão unilateral, pois referida apenas à posição do autor na demanda, sem evidenciar repercussões sociopolíticas.
Uma segunda acepção trata de aspectos sociais e repercussões econômicas. Diante de uma sociedade com graves problemas e profundas desigualdades socioeconômicas, a justiça, ideal ético do ordenamento jurídico e da vida em sociedade, ganha mais do que nunca a conotação social. Eros Grau [5] entende que “o termo ‘social’ (...) não é adjetivo que qualifique uma forma ou modalidade de justiça, mas que nela se compõe como substantivo que a integra”.
Comentando o tema da justiça social, Hermes Lima projeta num quadro de seres “relacionados num processo social de que decorrem antagonismos e desigualdades”. Acrescenta, ainda, que:
Na fase social da justiça, são os problemas organizatórios de fundo – econômicos, políticos, humanos – que surgem pondo em causa não apenas as soluções legais, mas a própria estrutura da sociedade, ou aspectos desta estrutura. Aí então a justiça não se limita a resolver conflitos de conduta ou de interesses no plano da lei positiva. Aí a justiça é instrumento de mudança e de transformação. Aí a justiça é captadora de anseios e reivindicações. Aí a justiça o que propugna sãocausas, e não apenas sentenças. A justiça aí pensa nahumanidade e não no caso particular. A justiça social atua como o sal da terra e move o espírito de liderança que conduz os acontecimentos. [6]
Do texto acima se destacam dois aspectos: a) a justiça social é ampla, pensa na humanidade como um todo e não no bem-estar exclusivo de certos grupos; b) questiona os problemas estruturais da sociedade e, nesta ótica, capta dilemas da sociedade contemporânea.
Por último, o princípio da universalidade da tutela jurisdicional é, na atualidade, uma tendência universal que não se pode negar. No país foi impulsionada pela Constituição Federal de 1988, que indica que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciária lesão ou ameaça de lesão (CF/88. Art. 5º, “XXXV”), sendo que o segundo critério era algo jurisprudencial e doutrinária, mas não normatizado.
Nesse sentido, a lei, a sentença, o ato administrativo e a justiça passam a ser considerados produtos destinados à tutela dos consumidores, isto é, dos usuários dos serviços prestados pelo Direito. Essa mudança de enfoque do acesso à justiça tem sido considerada uma verdadeira “revolução” para se expandirem os mecanismos e instrumentos de acesso ao direito e à justiça.
Indica-se que o acesso à justiça também assegura a efetividade dos demais direitos: o princípio permeia toda atividade jurídica e jurisdicional do Estado. Sua finalidade, portanto, refere-se aos indivíduos tanto quanto ao Poder. Aos indivíduos, no sentido de proporcionar-lhes um bem imanente à sua condição humana; ao Poder, por estabelecer-lhe um método de pacificação social. Isso revela que o acesso à justiça possui uma dupla dimensão: constitui um direito fundamental do homem e, ao mesmo tempo, uma garantia à realização efetiva dos demais direitos.
Nesta perspectiva, o acesso à justiça não pode ser visto como mera garantia formal de que todos possam demandar suas pretensões no Judiciário. O acesso à justiça não se restringe à mera possibilidade de ingresso em juízo e sim à realidade de efetivo acesso à justiça, o que implicaria “uma reforma que possibilite o acesso à justiça em seu duplo sentido, o lato – a justiça social – e o estrito – a possibilidade de demandar na Justiça legal, em igualdade de condições, com resultados rápidos e justos”[7].
Como leciona Cappelletti, o acesso à justiça, além de ser um direito fundamental, é “necessariamente, o ponto central da moderna processualística”[8]. Desta forma, fala-se do direito de acesso a uma “ordem jurídica justa”, efetivo acesso à justiça em seu sentido amplo, o que compreende uma série de pressupostos: a) É necessária a existência de um direito material legítimo e voltado à realização da justiça social; b) Uma administração estatal preocupada com a solução dos problemas sociais e com a plena realização do direito; c) Instrumentos processuais que permitam a efetividade do direito material;d) Efetivas garantias ao pleno exercício do direito de ação e a plenitude da concretização da atividade jurisdicional; além de um Poder Judiciário em sintonia com a sociedade na qual está inserido e adequadamente estruturado para atender às demandas que lhe são apresentadas[9].
No entanto, José Afonso da Silva adverte que assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social num sistema de base capitalista e, portanto, de feição individualista, é tarefa das mais difíceis. Isto porque a justiça social depende da quitativa distribuição da riqueza. Chama a atenção para ao fato de que:
Um regime de acumulação ou de concentração do capital e da renda nacional, que resulta da apropriação privada dos meios de produção, não propicia efetiva justiça social, porque nele sempre se manifesta grande diversidade de classe social, com amplas camadas de população carente ao lado de minoria afortunada. A história mostra que a injustiça é inerente ao modo de produção capitalista, mormente do capitalismo periférico. [...] O reconhecimento dos direitos sociais, como instrumento de tutela dos menos favorecidos, não teve, até aqui, a eficácia necessária para reequilibrar a posição de inferioridade que lhes impede o efetivo exercício das liberdades garantidas. [10]
Com a Emenda Constitucional (EC) nº 45/2004º devido processo legal passou a incorporar a razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII), que ressalta o aspecto material da prestação jurisdicional. Já O Código de Processo Civil (CPC) de 2015 trouxe mais parâmetros para acesso à justiça, notadamente direito a decisão satisfativa do direito material (art. 4º) e ampliação do conceito de gratuidade de justiça (art. 98) e da busca da solução consensual de conflitos, não necessariamente na via jurisdicional (art. 3º).
Tais princípios se coadunam com tratados internacionais, a exemplo do Pacto de San José da Costa Rica[11]. Assim, o acesso à Justiça pode ser vislumbrado sobre diversos aspectos, que seriam barreiras ou empecilhos, ou mesmo como ondas, em que ajustados problemas visíveis surgem novas demandas. Sob o ponto de vista de barreiras[12] pode-se mencionar os custos para pequenas lides, incluindo a assistência de profissionais, o tempo para solução de demandas, desigualdade técnicas-financeiras entre as partes, predomínio de litigantes habituais e falta de estímulo para solução de demandas em função de informação, dificuldade em identificar beneficiados ou prejudicados.
Em termos de ondas de acesso à Justiça[13], a primeira seria a universalização do acesso por meio de justiça gratuita, a segunda é a criação de meios para tratar demandas, a segunda envolve criar procedimentos ou juízos especializados e a terceira a questão de abertura a demandas não meramente individuais. São ondas no sentido de que a implementação de uma gera subsídios ou cria oportunidades para que outra se torne viável.
A terceira onda envolve a questão de justiça multiportas e o reconhecimento de que outros meios de solução de conflito podem ser mais adequados para determinados conflitos. Destacam-se a jurisdição voluntária, a desjudicialização, a autocomposição, e, tal como analisado nesse trabalho, a maior evidencia de procedimentos extrajudiciais e ajustes no funcionamento do sistema de Justiça[14].
Associada a mudanças paradigmáticas, destacam-se mudanças técnicas ou em procedimentos que permitem maior celeridade e eficácia para procedimentos. Pode-se mencionar o processo eletrônico[15], ou digitalizado, a previsão constitucional para juizados voltados para causas menos complexas e procedimentos especiais, como os de jurisdição voluntária. Nesse sentido, nas mudanças de procedimentos e práticas na esfera judicial, como também a admissão de que procedimentos não jurisdicionais podem ser meios aptos e eficientes.
Neste artigo, tratamos de uma via de acesso que é a extrajudicial em serventias, e sua utilidade em composição de conflitos privados, apenas em relação a usucapião, existindo inúmeros direitos alcançados por intermédio dos serviços desenvolvidos por Notários e Registradores com a celeridade, segurança e capilaridade característica da atividade, que não foram abarcados.
2.SERVIÇO EXTRAJUDICIAL
Os cartórios ou serventias extrajudiciais contém um conceito legal e constitucional de delegação de serviços de registros públicos e notariais a pessoas físicas particulares nacionais (Constituição Federal [CF]/1988, art. 236, Lei 8935/1994[16]) que prestam um serviço público não material, no sentido de materialização de atos jurídicos[17]. São estruturas administrativas, em regra privadas especialmente depois da CF/88, que estabeleceu o regime privado em regra, aceitando a manutenção de cartórios oficializados em estados que mantinham tal situação (ADCT, art. 32[18]).
Os serviços extrajudiciais ganharam estatura constitucional na CF/88, art. 236, e abarcam os registros públicos e serviços notariais, em que os primeiros guardam dados e documentos concernente a relações privadas, por força de lei[19], e os segundo, captação de vontade em negócios jurídicos. Algo comum em todos os serviços tratados é caráter adjetivo do direito[20], uma vez que os atos registrais e notariais visam a instrumentar direitos materiais, em regra oriundos de particulares.
Sobre a natureza jurídica dos serviços, particularmente os registrais, a generalidade da doutrina o considera um serviço público e um particular em colaboração com o Estado. Indica-se que nem tudo que o Estado faz pode ser considerado serviço público, da mesma forma que não só o que o Estado faz é serviço público. O Estado regulador que não interfere diretamente no cenário econômico, abre um leque maior para essa possibilidade.[21] No caso dos cartórios a regulação, mais precisamente controle e fiscalização, ocorre por meio do Poder Judiciário:
Há delegação quando o Estado transfere, por contrato (concessão ou contrato público), ou ato unilateral (permissão ou autorização), unicamente a execução do serviço, para que o delegado preste ao público em seu nome e por conta e risco, nas condições regulamentadas e sob controle estatal.[22]
Uma heurística de eficiência envolve problema que pode ser solucionado de formas distintas, e, nesse sentido, geram incentivo a que se busquem otimizações. Por exemplo, se o Poder Judiciário e o legislador criam caminhos e expectativas que podem ser satisfeitas em cenários que ocorrem com maior parte das situações, e se valem de interpretação ampliativa quanto à utilidade, limitações legais[23]. Nesse sentido, uma forma de o Estado ser mais eficiente é permitir que soluções alternativas ao usual (atuação direta), ocorram por meio da participação de particulares e uso de técnicas, tecnologias adequadas sejam utilizadas, mesmo que referente a classe específica de problemas, desde que garantam requisitos como informação adequada, transparência e redução de custos de transação.
Com a evolução, o serviço público passou a ser associado ao que pode ser titularizado, mesmo que não prestado diretamente, pela administração pública. Nesse sentido, há que se identificar conceito de administração, formal versus material, subjetivo versus objetivo. Um conceito subjetivo[24] de administração pública, associado a titularidade, poder de império e prerrogativas é o utilizado no trabalho para criar oposição à execução por serventias extrajudiciais e outros particulares.
Nesse contexto, há também serviços públicos que atendem a necessidades da coletividade, mas não compõe o núcleo central do estado (produção de lei, tributar, jurisdição no sentido restrito de decidir) e que podem ser feitas pelo Estado, no Brasil autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações governamentais, ou por quem a atribuição é delegada (concessionárias, permissionárias ou autorizados[25]). Em regra, o serviço é prestado mediante a remuneração (contraprestação), mas eventual auxílio estatal em pecúnia, bens, restrição a entrada de outros (monopólio regulado), sendo que o Estado continua sendo o titular, o que significa que pode revogar as concessões, autorizações e estabelecer padrões mínimo ou de qualidade.
3.USUCAPIÃO ADMINISTRATIVA
Uma atividade de efetiva repercussão para particulares é a gestão do direito à propriedade, e mais especificamente aquela que é titulada e possui as garantias registrarias. No Brasil, há um histórico de propriedade não legalizada, ou seja, não titulada. As origens históricas remontam ao regime de sesmarias e formas de desvalorização da propriedade, tanto que a primeira lei de terra e propriedade é de 1850[26]. A Lei de terras de 1850 também conceituou o que seriam terras devolutas[27], que são aquelas que não puderam ser aproveitadas ou medidas e seriam devolvidas à propriedade pública.
Por outro lado, a função social da propriedade, tanto urbana como rural, vem disciplinada de forma especifica sendo que a primeira atende sua função quando atende ao plano diretor (CF/88, art. 182, §2º), e a segunda conforme art. 186 traz quatro critérios para o cumprimento da função social de uma propriedade rural, quais sejam: aproveitamento racional e adequado, utilização adequada de recursos naturais e preservação do meio-ambiente, observância de disposições da legislação do trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Nesse contexto, a formalização tem o condão de auxiliar ou incentivar o cumprimento da função social, uma vez que delimita, especifica a propriedade e indica ou demanda o cumprimento de requisitos legais, como o Cadastro Ambiental Rural. Também por ser titulada, pode mais facilmente sofrer constrições como penhoras, indisponibilidade, o que também corrobora com a legalização. A formalização também age como mecanismo que facilita a circulação da propriedade e, consequentemente, a fruição da sua função social, por meio de redução de custos de transação em virtude da redução da assimetria informacional[28]. Pelo princípio da concentração no fólio real, insculpido na obrigatoriedade do registro das mutações objetivas e subjetivas atinentes direitos reais[29], e mesmo ineficácia perante terceiros de atos não inscritos (art. 54 da lei 13.097/2015)
Todavia, o proprietário desidioso, ou mesmo possuidor, que abandona sua propriedade, pode se encontrar na situação de outro exercer direitos, a posse, como se proprietário fosse e especialmente adequando-o à função social[30]. Nesse caso, a propriedade, que é um direito destinado, em regra, a ser perpétuo, cede espaço à inércia do proprietário de direito, para privilegiar o posseiro que age como proprietário durante um lapso temporal considerável, e de forma a cumprir com a função social.
A usucapião, também chamada de prescrição aquisitiva, se trata de forma originária de aquisição de propriedade, por “por meio da comprovação do exercício da posse qualificada por lapso temporal pré-estabelecido, sendo que a posse deve ser mansa, pacífica, ininterrupta, sem oposição e com ânimo de dono”[31].
Deve-se mencionar que a CF/88 veda usucapião de bens públicos, e a legislação tributária veda renúncia de impostos. Todavia, a situação de fato consolidada pode ensejar na desnecessidade de apuração de eventuais impostos de transmissão, e mesmo os terrenos públicos, mediante leis ou procedimentos específicos podem ser outorgados a particulares. Um exemplo desses procedimentos é legitimação de posse (art. 47) da Lei 11977/2009[32], com nova roupagem na lei da Regularização Fundiária Urbana (REURB - Lei nº 13.465/2017), que se assemelha ao reconhecimento de usucapião de bem público, mas diferencia-se pela iniciativa e condicionamentos legais, basicamente que depende da iniciativa do poder público, por meio de auto de demarcação urbanística, que define área e limites do eventual projeto de regularização fundiária. É importante mencionar a legitimação de posse, pois esta desemboca na primeira versão da usucapião, em que o título de legitimação e lapso temporal de 5 anos permite o registro e conversão da posse em propriedade (art. 26 da lei do REURB).
Outra forma de usucapião não típica é a usucapião tabular[33], que ocorre pelo saneamento de irregularidade em registros de títulos que tiveram ingresso no registro de imóveis competente, convalidando-se falhas no registro e permitindo a manutenção da cadeia dominial e segurança jurídica. Há entendimento, que tal modalidade não poderia ser abarcada pelo extrajudicial, igualmente excluída aquela de rito especialíssimo prevista na Lei 11.977/2009[34].
Ocorre que a usucapião é notadamente utilizada para conversão de posse qualificada em propriedade em relação a imóveis particulares. Nesse sentido, é também reconhecida como meio de regularização fundiária, e que possui o condão de não depender diretamente da iniciativa do Poder Público.
Especificamente a usucapião administrativa ou extrajudicial propriamente dita surge com o CPC/2015 como meio alternativo à jurisdição, e que pretende ser uma forma mais célere e eficiente de reconhecimento do direito[35].
Trata-se de uma alternativa à jurisdição típica, em uma ação na qual se exigia intervenção judicial e citação dos Poderes dos níveis municipais, estadual e federal, intervenção do Ministério Público. Na versão extrajudicial exige-se consenso[36], ou não manifestação de dissenso, daqueles listados como proprietários tabulares e não oposição dos entes públicos.
Além do CPC, houve regulação pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com fulcro em poder normativo derivado diretamente da CF/88 (art. 103-B, §4º, I) que regulamentou aspectos práticos da usucapião em serventias extrajudiciais por meio do Provimento CNJ nº 65/2017. A regulamentação indica a necessidade de ata notarial, que é um meio de prova, em que o notário especifica a modalidade de usucapião pretendida, busca e narra provas e documentos que demonstrem a existência da posse e ainda, em regra, faz diligência in loco para verificação de benfeitorias e da função social da posse, assim a mesma juntamente com um requerimento feito pelo advogado responsável formará um processo administrativo que é capitaneado pelo oficial de registro de imóvel da circunscrição do imóvel. Ou seja, utiliza-se um meio de prova (ata notarial) e combina-se com um procedimento administrativo que permite intimação e complementação ou esclarecimento de informações.
Parte também da criação de algumas presunções que permitem que o procedimento siga em frente, a exemplo da coleta das certidões de distribuição de feitos ajuizados como forma de provar ausência de litígio[37], assim como esclarece que podem ser objeto de usucapião áreas matriculadas ou sem matrículas.
Isso significa que a usucapião extrajudicial pode atingir imóveis particulares matriculados, área de posse e eventualmente terras devolutas não tituladas. Há presunção de que terras devolutas não tituladas não são bens públicos[38], e por isso passíveis de usucapião, desde, obviamente, que não haja oposição do ente estatal.
Já a Lei nº 13.564/2017 simplificou o procedimento de notificação, especialmente se os confinantes são condomínio edilício e a citação por edital, válida somente para titulares de direitos reais (Lei 6015/1973, art. 216-A §2º e §4º). Ademais, tal norma criou a presunção de que o silêncio do notificado, que se queda inerte pelo prazo de 15 dias, implica em concordância tácita.
Ainda, temos a denominada usucapião familiar, instituída pela Lei 12.424/11, que alterou o código civil através do art. 1.240-A, compreendemos que deve ser aplicado com ressalvas, pois o próprio conceito de abandono do lar é controverso, e há questões subjetivas envolvidas. Nesse sentido, ressalta-se que em tese toda forma de usucapião pode ser pleiteada extrajudicialmente, mas deve-se instruir com provas adequadas e idôneas.
No mesmo sentido, menciona-se que o Superior Tribunal de Justiça ao analisar o REsp 1.631.859-SP, firmou entendimento de que é possível a herdeira usucapir, em seu nome, imóvel objeto da herança, desde que presentes os requisitos legais da usucapião extraordinária, e que a posse tenha sido exercida exclusivamente pela herdeira como se dona fosse[39].
No caso da usucapião extrajudicial, os requisitos como posse exclusiva, tempo de posse devem ser documentalmente provados, não basta a simples alegação de testemunha em ata notarial. Isso ocorre porque o poder decisório do oficial de imóveis é limitado, não sendo apenas algo formal, mas não lhe permite dilação probatória[40], como ocorre em atividades de jurisdição. É assegurado, todavia, que dê continuidade ao procedimento em caso de impugnações infundadas ou genéricas. Aliás, seria direito subjetivo do requerente exigir a continuidade em tais casos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo, se demonstra que o serviço extrajudicial em cartório é uma forma eficiente para realizar o acesso à justiça e direitos fundamentais. Tratou-se especificamente o direito à propriedade privada titulada que pode ser obtida por meio da usucapião extrajudicial em petição individual, sem a dependência de plano de regularização e iniciativas do poder público. As provas são tarifadas e documentais, mas permitem o equacionamento de uma gama de problemas, sendo um procedimento ajustado às peculiaridades e que se coaduna com formas de demandar não estritamente jurisdicionais.
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[1] Doutora em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito (FADISP). Mestre em História pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Licenciada em Língua Francesa pela Universidade de Nancy (França). Licenciada em História pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Foi coordenadora da Graduação de Direito da Faculdade Autônoma de Direito (FADISP), e foi Professora nos Programas de Graduação, Mestrado e Doutorado (FADISP). Assessora Jurídica no Ministério Público Federal. E-mail: [email protected]
[2]CICHOCKI NETO, José. Limitações ao acesso à justiça. Curitiba: Juruá, 1998, p 52.
[3] WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, CÂNDIDO Rangel, WATANABE, Kazuo. (coords.). Participação e processo. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1988.
[4] CICHOCKI NETO, José. Limitações ao acesso à justiça. Curitiba: Juruá, 1998.
[5] GRAU, Eros Roberto Grau. A ordem econômica na Constituição de 1988: (interpretação e crítica). 19. ed., rev. e atual. Imprenta: São Paulo, Malheiros, 2018., p. 249.
[6]LIMA, H. Introdução à Ciência do Direito. 28.ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1986, p. 25.
[7] BARBOSA, Júlio César Tadeu. O que é Justiça. São Paulo: Abril Cultural/Brasiliense. 1984, p. 64.
[8] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Brian. Acesso à Justiça. Tradução e revisão Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1988, p. 13.
[9] XAVIER, Bruno de Aquino Parreira. Direito alternativo: uma contribuição à teoria do direito em face da ordem injusta. Curitiba: Juruá, 2002.
[10] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 721.
[11]PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 628.
[12]MELLO, Henrique Ferraz Corrêa de. A desjudicialização da usucapião imobiliária. 2016. 477 p. Tese (Doutorado em Direito) − Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016, p. 37.
[13] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. PortoAlegre, Fabris, 1988, p. 90. Disponível em https://www.irib.org.br/app/webroot/publicacoes/diversos003/pdf.PDF. Acesso em 27. jul. 2021.
[14]"Dada sua orientação ao mesmo tempo cumulativa e inovadora, os estudiosos caracterizaram-no como um movimento em três “ondas”. A primeira, esteve ligada à demanda por assistência judicial gratuita, de modo a ampliar o acesso dos pobres ao sistema de justiça. A segunda, por sua vez, relacionou-se com a adoção de novos procedimentos no âmbito do processo civil tradicional para permitir a representação legal de interesses de natureza coletiva, ao mesmo tempo em que surgiam agências governamentais e não governamentais de defesa dos direitos. A terceira, finalmente, refere-se às reformas na estrutura, na organização e no funcionamento do sistema de justiça que reforçaram e ampliaram o alcance das “ondas” anteriores." (CAMPOS, André; AQUINO, Luseni. Os vinte anos da Constituição Federal de 1988 e a promoção do acesso à justiça no Brasil. In: Políticas Sociais: acompanhamento e análise. n. 17, vol. 3, IPEA, Brasília, 2015, p. 21).
[15] SILVA, Queli; SPENGLER, Fabiana. O acesso à justiça como direito humano fundamental: a busca da efetivação da razoável duração do processo por meio do processo eletrônico. EspaçoJurídico: Journal of Law, Joaçaba, v. 16, n. 1, p. 131-148, jan./jun. 2015, p. 143. Disponível em http://dx.doi.org/10.18593/ejjl.v16i1.2555. Acesso em 26/08/2021.
[16] Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
[17]“Em suma, o serviço notarial é um serviço de utilidade pública ou de relevância pública, que é aquele que a Administração reconhecendo sua conveniência (não essencialidade, nem necessidade) para os membros da coletividade, presta-os diretamente ou aquiesce em que sejam prestados por terceiros (concessionários, permissionários ou autorizatários), nas condições regulamentadas e sob seu controle, mas por conta e risco dos prestadores, mediante remuneração dos usuários.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 226)
[18] ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS Art. 32. O disposto no art. 236 não se aplica aos serviços notariais e de registro que já tenham sido oficializados pelo Poder Público, respeitando-se o direito de seus servidores.
[19] “Embora esteja previsto, no artigo 236 da Carta Federal, o exercício em caráter privado da atividade notarial e de registro, não há conceito constitucional fixo e estático de registro público. Ao reverso, no § 1º do mesmo dispositivo, estabelece-se que compete à lei ordinária a regulação das atividades registrais. O registro público é ato jurídico de caráter marcadamente formal, pois, ao contrário de outros como os de permuta, doação ou transação, hoje também regulados em lei ordinária, não preexiste a uma ordem jurídica positivada, tal como atualmente presente na sociedade moderna. (...) Em princípio, pode o legislador definir os atos jurídicos sujeitos a registro nas serventias extrajudiciais, em especial quando, após analisar o custo-benefício, verifica que a transcrição do título não traz segurança adicional suficiente ao ato para compensar a burocracia e os ônus impostos às partes sujeitas ao cumprimento da obrigação.” (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4227/DF, Voto Relator Ministro Marco Aurélio, p. 21-22, Dje 31/03/2016.)
[20] MIRANDA, Marcone Alves.A importância da atividade notarial e de registro no processo de desjudicialização das relações sociais. In Ciência Jurídica, v. 24, n. 151, p. 131-162, jan./fev. 2010, p. 158.
[21] CF/88 Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
[22] VALÉRIO, Alexandre Scigliano. Privatização do serviço notarial e registral: direito e economia. Revista de direito imobiliário (São Paulo), v. 31, n. 65, p. 235-274, jul./dez. 2008, p. 246.
[23] Por exemplo, o Provimento nº 53/2021 da Corregedoria Geral de Justiça do TJGO, que altera o Código de Normas e Procedimentos do Foro Extrajudicial (parágrafo 1º, artigo 409) e prevê que “havendo nascituro ou filho incapaz, será permitida a lavratura da escritura pública mencionada, desde que devidamente comprovada a resolução judicial definitiva de todas as questões referentes à guarda, visitação e alimentos, o que deverá ficar consignado no corpo da escritura”. Trata-se de forma de garantir maior amplitude de procedimentos em cartório e interpretação ampliativa do art. 733 do CPC (“O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731”).
[24] “(...) ao utilizar-se a expressão Administração Pública no sentido subjetivo, compreende-se não só o Poder Executivo, mas toda a estrutura estatal, por meio da qual o Estado busca a realização dos seus fins. Portanto, integram a chamada Administração Pública além do Poder Executivo, também os Poderes Legislativo e Judiciário. O âmbito de atuação também abrange as três esferas de governo: federal, estadual e municipal.” (LOSSO, Marcelo Ribeiro. Impacto da violação do princípio da proteção à confiança nas relações pré-negociais entre o estado e os particulares. 2013. Tese, doutorado em direito - Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2013, p. 23.)
[25] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 318.
[26] ROSAS, CibelleManfron Batista. O problema fundiário decorrente do sistema de aquisição territorial no Brasil e a usucapião extrajudicial como instrumento facilitador da regularização imobiliária. 2018. Dissertação (Mestrado em direito) - Centro Universitário Curitiba, Curitiba, PR, 2018,p. 27.
[27]“Art. 14. Fica o Governo autorizado a vender as terras devolutas em hasta publica, ou fóradella, como e quando julgar mais conveniente, fazendo previamente medir, dividir, demarcar e descrever a porção das mesmas terras que houver de ser exposta á venda, guardadas as regras seguintes:(...)§ 2º Assim esses lotes, como as sobras de terras, em que se não puder verificar a divisão acima indicada, serão vendidos separadamente sobre o preço mínimo, fixado antecipadamente e pago á vista, de meio real, um real, real e meio, e dous réis, por braça quadrada, segundo for a qualidade e situação dos mesmos lotes e sobras.”
[28]“[...] como exemplos a serem evitados, noticia Nicolas Nogueroles, importante registrador imobiliário de Barcelona e Professor da Universidade local (Ramon Llull-Esade), que, ao tentar adquirir imóvel em Moscou para instalação da futura sede do Instituto Cervantes, a Espanha tentou sem êxito saber com segurança a identidade do verdadeiro proprietário. Impossibilitada de concluir a operação, ao final, optou por adquirir outro imóvel, não sem incorrer em elevados custos para investigar a propriedade imobiliária. Com alguma frequência, mais do que o desejável, diga-se, empresas hoteleiras que operam na América Latina se veem obrigadas a pagar várias vezes o valor de uma mesma propriedade para diferentes pessoas que alegam possuir títulos contraditórios de propriedade. Mesmo na Europa, suspendeu a União Europeia financiamento destinado a construção da Corte de Apelação da Albania, diante da impossibilidade de se determinar com segurança quem fosse o titular da propriedade.” (RODRIGUES, Marcelo Guimarães. Registros públicos: visão geral, aspectos relevantes, importância para a democracia. 2013. Disponível em: <https://bd.tjmg.jus.br/jspui/bitstream/tjmg/702/1/palRM-REG.pdf>. Acesso em: 10/08/2021.)
[29]Lei nº 6.015/1973 Art. 172 - No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, " inter-vivos" ou " mortis causa" quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade.
[30]“Todo bem, móvel ou imóvel, deve ter uma função social. Vale dizer, deve ser usado pelo proprietário, direta ou indiretamente, de modo a gerar utilidades. Se o dono abandona esse bem; se se descuida no tocante à sua utilização, deixando-o sem uma destinação e se comportando desinteressadamente como se não fosse o proprietário, pode, com tal procedimento, proporcionar a outrem a oportunidade de se apossar da aludida coisa. Essa posse, mansa e pacífica, por determinado tempo previsto em lei, será hábil a gerar a aquisição da propriedade por quem seja seu exercitador, porque interessa à coletividade a transformação e a sedimentação de tal situação de fato em situação de direito. À paz social interessa a solidificação daquela situação de fato na pessoa do possuidor, convertendo-a em situação de direito, evitando-se, assim, que a instabilidade do possuidor possa eternizar-se, gerando discórdias e conflitos que afetem perigosamente a harmonia da coletividade. Assim, o proprietário desidioso, que não cuida do que é seu, que deixa seu bem, em estado de abandono, ainda que não tenha a intenção de abandoná-lo, perde sua propriedade em favor daquele que, havendo-se apossado da coisa, mansa e pacificamente, durante o tempo previsto em lei, da mesma cuidou e lhe deu destinação, utilizando-a como se sua fosse” (SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de bens imóveis e móveis. 3º ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 30-31.)
[31] DANTAS, Marcus. Análise crítica sobre a extensão do elenco de vícios da posse e suas consequências. RIL – Revista de Informação Legislativa. Ano 50. n. 197. Brasília: Senado Federal/Secretaria Especial de Editoração e Publicações/Subsecretaria de Edições Técnicas. Jan-Mar, 2013, p.35.
[32] “A usucapião extrajudicial surgiu, num primeiro momento, com a Lei 11.977/2009 que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e sobre a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas. Todavia, a implementação da usucapião extrajudicial pela Lei 11.977/2009 teve efeitos bastante limitados, uma vez que foi prevista única e exclusivamente para regularização fundiária urbana, envolvendo um procedimento administrativo bastante complexo.” (ROSAS, CibelleManfron Batista. O problema fundiário decorrente do sistema de aquisição territorial no Brasil e a usucapião extrajudicial como instrumento facilitador da regularização imobiliária. 2018. Dissertação (Mestrado em direito) - Centro Universitário Curitiba, Curitiba, PR, 2018, p. 70.)
[33] “O reconhecimento da usucapião tabular dar-se-á de forma incidental, verdadeiro e atípico incidente processual à ação em que a nulidade de pleno direito do título translativo de propriedade foi proclamada (lembre-se que não se está discutindo tal nulidade de pleno direito em sede de ação direta), objeto de arguição pelo atingido (SIC – § 1º do artigo 214 da Lei n.º 6.015/73), sem, à evidência, a angularizaçãoplúrima própria da ação de usucapião.” (LOTTI, Armando Antônio. Breves notas sobre a intervenção do Ministério Público nas ações de usucapião e o chamado usucapião tabular. Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, nº 70, p. 76.)
[34]SARMENTO FILHO, Eduardo Sócrates Castanheira. Direito registral Imobiliário: teoria geral, de acordo com o novo Código de Processo Civil e a Lei 13.456/2017.Volume I. Curitiba: Juruá, 2017, p. 448.
[35]“A alternativa do procedimento extrajudicial da usucapião, instituída pelo Novo Código de Processo Civil, além de empregar agilidade e celeridade na regularização imobiliária, tem sido vista como um importante instrumento facilitador de alcance do direito da propriedade, direito este garantido pela Constituição Federal brasileira.” (SOAR, Hermano. O processo de desjudicialização da usucapião: perspectiva da atividade do oficial de registro de imóveis. Dissertação (Mestrado) - Curso de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba, Curitiba, 2016, p. 77)
[36]“No Novo Código de Processo Civil, o artigo 1.085 (versão mais recente aprovada pela câmara) prevê o reconhecimento extrajudicial do Usucapião também diretamente no Registro de Imóveis da Comarca em que se situa o imóvel usucapiendo. Para tanto, introduz o artigo 616-A na LRP, que exige: a) ata notarial: lavrada pelo Tabelião da Circunscrição de localização do Imóvel, contendo (i) o tempo de posse do requerente; (ii) a depender do caso, o tempo de posse dos antecessores e (iii) circunstâncias; b) Planta e memorial descritivo do profissional legalmente habilitado, com responsabilidade técnica e registro no respectivo Conselho de Fiscalização profissional, e pelos confinantes, titulares de domínio. c) Certidões Negativas dos Distribuidores da Comarca da Situação do Imóvel e do domicílio do requerente; d) Justo Título ou outra documentação que comprove: (i) origem da posse, (ii) continuidade, (iii) natureza e tempo; ex.: pagamento de impostos e taxas.” (KÜMPEL, Vitor Frederico. O novo Código de Processo Civil: o usucapião administrativo e o processo de desjudicialização. Migalhas, 2014. Disponível em: ˂http://www.migalhas.com.br/Registralhas/98,MI207658,101048-O+novo+Codigo+de+Processo+Civil+o+usucapiao+administrativo+e+o˃. Acesso em: 10/08/2021.)
[37]“Assim, por exemplo, se as divisas do imóvel usucapiendo forem respeitadas pelos confinantes e algum deles não impugnar nem manifestar concordância expressa, não haverá prejuízo, nada justificando a remessa dos autos para a autoridade judicial competente, porque a presunção de discordância ficará arredada pela prova.Por outro lado, diante da inexistência de feitos ajuizados contra o requerente ou seus antecessores, e havendo prova, quantum satis, demonstrando haverem sido preenchidos os requisitos da usucapião, a ausência de impugnação do titular de domínio ou de qualquer demanda judicial afasta qualquer presunção de litígio, razão pela qual também aqui não se justificará a remessa do feito à via judicial, tout court, ainda que, pessoalmente notificado, tenha ele permanecido inerte.” (MELLO, Henrique Ferraz Corrêa de. A desjudicialização da usucapião imobiliária. 2016. 477 p. Tese (Doutorado em Direito) − Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016, p. 385.)
[38]“EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL - AÇAO DE USUCAPIAO - FAIXA DE FRONTEIRA - TERRAS DEVOLUTAS - REQUISITO PRESCINDÍVEL - CARACTERIZAÇÃO - REEXAME DE PROVAS - SÚMULA 7/STJ - IMPOSSIBILIDADE.
1. - O aresto combatido está todo lastreado no exame da prova, conforme bem ressaltou o Acórdão, o fato de estar localizado em zona de fronteira, por si só, não o caracteriza como terra devoluta. Por conseqüência lógica, não aplicou ao caso as normas infraconstitucionais invocadas no recurso ora em exame, uma vez que não restou caracterizada a condição de terra devoluta, tal como definido e disciplinado nos referidos diplomas legais. Assim sendo, para se infirmar tal conclusão necessariamente se teria que reexaminar o conjunto probatório, o que é inviável (Súmula 07 do STJ).
2. - A simples circunstância da área objeto de litígio estar localizada na faixa de fronteira, por si só, não a torna devoluta, nem autoriza inclusão entre os bens de domínio da União. Súmula 83.
3. - Recurso Especial improvido.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial(REsp) 736742/SC, 3ª T., rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 23/11/2009.)
[39]“EMENTA DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. HERDEIRA. IMÓVEL OBJETO DE HERANÇA. POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO POR CONDÔMINO SE HOUVER POSSE EXCLUSIVA. 1. Ação ajuizada 16/12/2011. Recurso especial concluso ao gabinete em 26/08/2016. Julgamento: CPC/73. 2. O propósito recursal é definir acerca da possibilidade de usucapião de imóvel objeto de herança, ocupado exclusivamente por um dos herdeiros. 3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial. 4. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários (art. 1.784 do CC/02). 5. A partir dessa transmissão, cria-se um condomínio pro indiviso sobre o acervo hereditário, regendo-se o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, pelas normas relativas ao condomínio, como mesmo disposto no art. 1.791, parágrafo único, do CC/02. 6. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários. 7. Sob essa ótica, tem-se, assim, que é possível à recorrente pleitear a declaração da prescrição aquisitiva em desfavor de seu irmão – o outro herdeiro/condômino –, desde que, obviamente, observados os requisitos para a configuração da usucapião extraordinária, previstos no art. 1.238 do CC/02, quais sejam, lapso temporal de 15 (quinze) anos cumulado com a posse exclusiva, ininterrupta e sem oposição do bem. 8. A presente ação de usucapião ajuizada pela recorrente não deveria ter sido extinta, sem resolução do mérito, devendo os autos retornar à origem a fim de que a esta seja conferida a necessária dilação probatória para a comprovação da exclusividade de sua posse, bem como dos demais requisitos da usucapião extraordinária. 9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.”(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial (REsp)nº 1.631.859 - SP (2016/0072937-5), Relatora Min. NancyAndrighi–3ª Turma,DJe: 29/05/2018.)
[40]“Ressalta-se, entretanto, que está ampliação da atividade cognitiva dos registradores não os eleva ao mesmo patamar dos magistrados. Os oficiais de Registros de Imóveis não possuem o mesmo poder decisório peculiar à atividade dos Juízes de Direito.” (ROSAS, CibelleManfron Batista. O problema fundiário decorrente do sistema de aquisição territorial no Brasil e a usucapião extrajudicial como instrumento facilitador da regularização imobiliária. 2018. Dissertação (Mestrado em direito) - Centro Universitário Curitiba, Curitiba, PR, 2018 p. 79.)
Mestre em Direito pela Escola Paulista de Direito (EPD). Mestranda em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito (FADISP). Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Instituição de Desenvolvimento Cultural (IDC). Ex-tabeliã no Estado de Rondônia. Atualmente Tabeliã e Oficial Registradora no Estado de Mato Grosso.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ZIMPEL, Vanessa. Usucapião administrativa, serviço extrajudicial e acesso à justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 mar 2023, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /61162/usucapio-administrativa-servio-extrajudicial-e-acesso-justia. Acesso em: 29 dez 2024.
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