RESUMO: O presente artigo tem por objetivo elucidar os avanços que ocasionaram uma nova concepção da figura do devedor insolvente ao longo da história. Essa nova perspectiva que modificou a imagem estritamente pejorativa que possuía o devedor insolvente, passando a insolvência a ser concebida como algo natural e inerente ao próprio risco da atividade empresarial. Será enfatizado então como o princípio da preservação da empresa, atrelado a sua função social, influenciou e serviu como um marco para a concepção dessa nova realidade atribuída ao devedor insolvente, influenciando consideravelmente a afirmação da Lei 11.101/05, e sendo ainda mais intensificada com as alterações provocadas pela Nova Lei de Falências e com a sedimentação do instituto do “Fresh Start”, que repercutiu consideravelmente na recuperação judicial.
Palavras-chave: devedor insolvente; atividade empresarial; princípio da preservação da empresa; função social; fresh start.
SUMÁRIO: 1 Introdução – 2 Uma análise histórica da figura da insolvência no direito brasileiro – 3 A influência da preservação da empresa e de sua função social na lei 11.101/05 – 4 A figura da preservação da empresa aliada à separação dos elementos empresa e empresário 5 – A Nova Lei de Falências e o instituto do “Fresh Start” – 6 A visão da recuperação judicial como um direito do devedor – 6 Conclusão – 7 Referências.
1.Introdução
Até meados do século XIX, a insolvência era vista de forma basicamente pejorativa, como algo característico do devedor desonesto, essa noção foi marcada por um longo processo histórico que demandava um caráter repressivo à figura do devedor.
A primeira modificação quanto à responsabilização do devedor frente aos credores se deu pela passagem da responsabilização pessoal para patrimonial. Logo de início, na Roma antiga, o devedor respondia com a própria liberdade, e às vezes até com a própria vida. Apenas com a edição da Lex Poetelia Papira em 428 a.C., o direito romano passou a conter regras quanto a responsabilização patrimonial do devedor e não mais colocando a figura da responsabilização pessoal como meio de garantia aos credores.
O Código de Justiniano, por mais que fosse fundado na responsabilização patrimonial, ainda era visto como bastante repressivo. Nele, os credores poderiam adquirir a posse comum dos bens do devedor insolvente, sendo estes administrados por um curador, os credores então adquiriam o direito de vender os bens do devedor para salvar a dívida. Nessa época, a finalidade observada era a punição do devedor, e não a satisfação dos credores referente ao recebimento dos seus créditos, ainda pelo fato de o direito comercial só surgir muito depois desses tempos.
Na Idade Média, quando o direito comercial começa a ser construído a partir das compilações das práticas mercantis, estas ainda apresentavam seu caráter extremamente repressivo quando a figura do devedor, não distinguindo as espécies de devedores.
Foi com a codificação napoleônica que ocorreu uma profunda mudança no direito privado, na qual o direito comercial foi firmado como um regime jurídico especial, trazendo um conjunto de regras especiais que eram aplicadas diretamente aos devedores insolventes se possuíam a qualidade de comerciantes, distinguindo então esta da insolvência civil. Porém, mesmo com essa especificação, as regras falimentares ainda eram vistas como bastante severas e observavam apenas o caráter punitivo do devedor.
Foi então a partir das constantes mudanças sociais e econômicas, vivenciadas a partir da Revolução Industrial, que essa figura da insolvência como algo estritamente pejorativo começa a ser revista, sendo analisada como algo normal inerente ao risco empresarial.
A figura da preservação da empresa começa a surgir então na nova perspectiva do direito falimentar, sustentada pela ideia da função social da empresa, visando que esta é uma fonte de empregos e renda, possuindo um alto valor social, e muitas vezes a manutenção do empresário devedor em crise é algo mais benéfico do que a decretação da falência. André Luiz Santa Cruz Ramos (2014, p.566), desenvolve essa percepção:
(...)O reconhecimento da função social da empresa e dos efeitos nefastos que a paralisação de certos agentes econômicos produz fez com que o legislador percebesse que muitas vezes a permanência do devedor em crise poderia ser mais benéfica do que a sua imediata exclusão do meio empresarial, ante a possibilidade de sua recuperação e da consequente manutenção de sua atividade econômica, que gera empregos e contribui para o progresso econômico e social.
Essa modificação no direito falimentar sustentada pelos princípios da preservação da empresa e de sua função social influenciou a reformulação da legislação de diversos países, inclusive do Brasil, é a partir dessa perspectiva que a Lei 11.101/05 modifica a ultrapassada figura da concordata e adere ao instituto da recuperação judicial, sendo um marco na figura da aceitação da crise como algo inerente ao próprio meio empresarial. Posteriormente, a Lei 14.112/2020 sedimenta ainda mais essa postura de recuperação do devedor ao instituir o Self Restart.
2.A análise histórica da figura da insolvência no direito brasileiro
Logo durante o período de colonização, o Brasil estava fortemente influenciado pelo direito estatutário italiano, na figura das Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, compondo um cenário de regras falimentares extremamente severas, muitas vezes a falência nessa época significava não apenas a ruina patrimonial do devedor, mas sua ruina moral.
Após a proclamação da Independência, foi determinada a observância da Lei da Boa Razão, esta que determinava que o Brasil aplicasse de modo subsidiário as leis dos países europeus, no tocante aos negócios mercantis e marítimos, tendo preceitos do Código Comercial Francês incorporados ao ordenamento brasileiro.
A partir da pressão por uma legislação nacional, e pela mudança no cenário do direito comercial com a abertura dos portos às nações amigas por D. João, houve a promulgação em 1850 do nosso Código Comercial, e foi a partir desse código que o instituto da concordada surge em tela na legislação brasileira, nos artigos 898 a 906. A parte relativa ao direito falimentar do Código de 1850 foi amplamente criticada, e a alteração legislativa só ocorreu com o Decreto 917/1890, sendo a partir deste que a figura da concordata surge então com uma roupagem acentuada na legislação pátria, sendo meio preventivo à decretação da falência. A partir desse ano, várias leis e decretos se sucederam incorporando mudanças ao direito falimentar brasileiro, porém, esse processo só teve fim em 1945 com o Decreto-lei 7661, e foi nesse momento que a figura da concordata foi tratada de maneira muito mais dinâmica pelos artigos 139 a 185.
Nessa perspectiva, a concordata deixava de ser contrato firmado entre devedor e credores, e passou a ser vista como um ato processual na qual o devedor propunha uma forma de pagamento aos credores, mediante juízo, com o objetivo de prevenir ou suspender a sua falência, por isso se falava em concordata preventiva ou suspensiva. Ao longo da vigência do Decreto-lei 7661/45 várias críticas surgiram à figura da concordata, esta não sendo vista muitas vezes como uma forma de recuperação da empresa, mas como uma espécie de obstáculo. A concordata era vista como um instituto para poucos, e o deferimento ou não ficava a cargo do juiz, este possuindo um poder demasiadamente amplo.
A partir das constantes mudanças sociais e econômicas, decorrentes da intensa globalização que perpassou pelos anos 60, surgiu a necessidade de uma reformulação do regime falimentar nacional, principalmente no âmbito da concordata, visando uma maior possibilidade de manutenção da atividade econômica a partir de meios mais favoráveis a uma efetiva recuperação que não era abrangida por esta. Essas discussões e protestos para a reformulação se intensificaram principalmente ao longo dos anos 90, justamente pelo argumento de que o Decreto Lei n 7661/45 foi instaurado em uma época de pós Segunda Guerra Mundial, tendo o objetivo de regular uma situação entre credor e devedor, não considerando o quadro econômico e social do país no âmbito do processo falimentar, não conseguindo reestabelecer uma empresa que estivesse em crise econômica, não fazendo com que ela realmente voltasse a produzir;
Apenas em 2005 que houve uma reformulação do regime falimentar nacional, com a Lei 11.101/05, dando um novo aspecto a figura do devedor insolvente através da recuperação judicial, atrelados à perspectiva da separação dos elementos empresa e empresário, princípios estes que surgiram e foram os argumentos essenciais apontados para a promulgação da Lei 11.101/05.
Em 2020 então ocorre outro marco no regime da recuperação do empresário com a publicação da Nova Lei de Falências – 14.112/2020, dispositivo normativo que busca concretizar ainda mais os postulados da preservação do empresário e dispõe sobre um novo regime denominado pela doutrina de “Self Restart”, oferecendo uma real possibilidade de reestabelecimento do devedor, tendo como base primordial os princípios da preservação da atividade econômica e da função social da empresa
3.A influência da preservação da empresa e da sua função social na Lei 11.101/05
A Lei 11.101/05 surge colocando uma nova visão ao devedor insolvente, a este não sendo atribuído um sentido estritamente pejorativo como o fora implicado nos tempos remotos, mas sim colocando o caráter de algo comum em um mundo marcado por uma intensa globalização, disputa de mercados e intensas modificações sociais e tecnológicas. É justamente nesse momento que surge um olhar para o real sentido que a atividade econômica implica para a sociedade, esta fundamentada no avanço tecnológico, no arrecadamento de tributos e na manutenção de renda para vários cidadãos. A empresa tem um elevado valor social que deve ser considerado em primeiro plano. Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 58) coloca em seus ensinamentos:
Cumpre sua função social a empresa que gera empregos, tributos e riqueza, contribui para o desenvolvimento econômico, social e cultural da comunidade em que atua, de sua região ou do país, adota práticas empresariais sustentáveis visando à proteção do meio ambiente e ao respeito aos direitos dos consumidores.
A própria Constituição Federal revela, de maneira implícita, esse caráter quando coloca entre os seus princípios a valorização do trabalho humano e da livre inciativa em seu artigo 1°:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
É nessa perspectiva, com base em sua função social, que ao Lei de Falências coloca em questão o plano da preservação da empresa, substituindo a figura da concordata pelo instituto da recuperação judicial. Essa modificação visa justamente o plano de que a empresa possui um alto valor social e deve tentar ao máximo ser reerguida, tendo em vista que muitas vezes a falência traz prejuízos muito maiores do que sua crise.
O autor André Luiz Santa Cruz Ramos (2015, p. 568) destaca essa característica:
O principal destaque a ser feito acerca da Lei 11.101/2005 está relacionado à clara influência que ela sofreu do princípio da preservação da empresa, o qual, segundo alguns autores, tem origem remota na própria Constituição Federal, que acolheu a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa como princípios jurídicos fundamentais.
A LRE coloca então a presença da função social e da preservação da empresa no âmbito da recuperação judicial, estes que já eram sustentados implicitamente através da Constituição Federal de 1988, mas que a partir de 2005 ganham um destaque primordial e servem como base para toda a fundamentação do regime falimentar brasileiro, principalmente por serem argumentos para a colocação do instituto da recuperação judicial, visto como muito mais benéfico ao devedor insolvente do que a antiga figura da concordata. O artigo 47 da Lei 11.101/2005 expressa intensamente essa visão:
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Esse artigo 47 foi fundamental para destacar o real sentido da recuperação judicial, sendo um diferencial em relação à antiga figura da concordata, e norteando os demais artigos que tratam da recuperação na Lei 11.101/05.
4.A figura da preservação da empresa aliada ao princípio da separação dos elementos empresa e empresário
A Lei de Falências coloca em destaque justamente a possível recuperação do devedor insolvente para que a atividade econômica organizada possa continuar atendendo a sua relevante função social. Porém, há casos em que os devedores não conseguem reestruturar sua atividade, e que realmente ocorre a decretação da falência, e mesmo nesses casos ainda sim o princípio da preservação da empresa é mantido.
Acontece que a Lei de Falências mantêm a função social da empresa e a preservação em conjunto com o princípio da separação dos elementos empresa e empresário. A empresa deve ser entendida como a atividade econômica organizada, não se confundindo com a figura do empresário. Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 60-61, grifos no original), coloca então essa diferenciação:
Quando se assenta, juridicamente, o princípio da preservação da empresa, o que se tem em mira é a proteção da atividade econômica, como objeto de direito cuja existência e desenvolvimento interessam não somente ao empresário, ou aos sócios da sociedade empresária, mas a um conjunto bem maior de sujeitos. Na locução identificadora do princípio, “empresa” é conceito de sentido técnico bem específico e preciso. Não se confunde nem com o seu titular (“empresário”) nem com o lugar em que é explorada (“estabelecimento empresarial”). O que se busca preservar, na aplicação do princípio da preservação da empresa, é, portanto, a atividade, o empreendimento.
Então, quando se fala na recuperação da empresa, esta gira em torno da manutenção da atividade empresarial e não na figura do empresário em si, logicamente que a possível saída do empresário devedor da crise é o meio primordial para que haja a continuidade da empresa, porém nos casos em que o devedor insolvente não consegue se recuperar, é necessário tentar obter a manutenção da atividade empresarial, e mesmo que esta não seja possível, é necessário obter a maximização dos ativos.
Toda a ótica prevista na LRE sobre a maximização dos ativos pretende justamente uma maior preservação da empresa, sendo a primeira opção na ordem de preferência justamente a alienação da empresa, a partir da venda de seus estabelecimentos em bloco. O artigo 140 da Lei 11.101/05 expressa essa característica:
Art. 140. A alienação dos bens será realizada de uma das seguintes formas, observada a seguinte ordem de preferência:
I – alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco;
II – alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades produtivas isoladamente;
III – alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do devedor;
IV – alienação dos bens individualmente considerados.
§ 1o Se convier à realização do ativo, ou em razão de oportunidade, podem ser adotadas mais de uma forma de alienação.
§ 2o A realização do ativo terá início independentemente da formação do quadro-geral de credores.
§ 3o A alienação da empresa terá por objeto o conjunto de determinados bens necessários à operação rentável da unidade de produção, que poderá compreender a transferência de contratos específicos.
§ 4o Nas transmissões de bens alienados na forma deste artigo que dependam de registro público, a este servirá como título aquisitivo suficiente o mandado judicial respectivo.
Ou seja, mesmo quando há a decretação da falência, ainda sim se busca a preservação da empresa, pela própria alienação desta. A manutenção da atividade econômica organizada norteia então toda a lógica da Lei 11.101/05, tendo em vista os benefícios que ela traz para toda a sociedade, e toda a estruturação da realização dos ativos coloca justamente essa predominância em tentar obter o máximo de benefícios para a sociedade.
5.A Nova Lei de Falências e o instituto do “Fresh Start”
A Lei 11.101/05 já surgiu inovadora quanto aos institutos da recuperação judicial, porém, com a Lei 14.112/2020 os princípios da preservação da empresa e do empresário são ainda mais intensificados. A Nova Lei de Falências trouxe uma série de inovações pautadas em uma maior dinamicidade e na busca pela real recuperação do empresário através do “Fresh Start”.
O instituto do “Fresh Start” tem origem norte americana e nos postulados brasileiros significa rápido recomeço. De acordo com Marlon Tomazette (2022, p. 137):
O objetivo do “fresh start” no sistema americano é beneficiar “o devedor honesto, mas infeliz na condução do seu patrimônio” com a possibilidade de voltar ao mercado, sem submeter seus ativos novamente aos credores então existentes.
O referido instituto visa justamente que a recuperação judicial ou a falência possua os efeitos menos nocivos possíveis para que ocorra a rápida a recuperação do empresário e a sua volta ao mercado de trabalho.
A Lei 11.112/20 buscou justamente intensificar esses postulados e trouxe diversas alterações na tentativa de buscar uma recuperação menos ofensiva. Dentre essas alterações é importante destacar a nova redação do artigo 75:
Art. 75. A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a: (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
I - preservar e a otimizar a utilização produtiva dos bens, dos ativos e dos recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa; (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
II - permitir a liquidação célere das empresas inviáveis, com vistas à realocação eficiente de recursos na economia; e (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
III - fomentar o empreendedorismo, inclusive por meio da viabilização do retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
§ 1º O processo de falência atenderá aos princípios da celeridade e da economia processual, sem prejuízo do contraditório, da ampla defesa e dos demais princípios previstos na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
§ 2º A falência é mecanismo de preservação de benefícios econômicos e sociais decorrentes da atividade empresarial, por meio da liquidação imediata do devedor e da rápida realocação útil de ativos na economia. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
Dessa forma, a nova redação do referido artigo representa as premissas do instituto do “Fresh Start” ao dispor expressamente que a falência visa a célebre liquidação das empresas, a preservação e otimização produtiva dos bens e o fomento ao empreendedorismo. Ou seja, a falência não deve ser analisada na ótica do devedor que não soube administrar sua empresa e merece ser punido e sim na perspectiva da dificuldade de administração de um negócio e da necessidade de preservar o máximo possível as condições econômicas dos devedores em crise para um rápido recomeço.
Outra importante alteração ocorrida com a Lei 14.112/20 foi no quesito da extinção das obrigações. O artigo 158 assim dispõe:
Art. 158. Extingue as obrigações do falido:
I – o pagamento de todos os créditos;
II - o pagamento, após realizado todo o ativo, de mais de 25% (vinte e cinco por cento) dos créditos quirografários, facultado ao falido o depósito da quantia necessária para atingir a referida porcentagem se para isso não tiver sido suficiente a integral liquidação do ativo; (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
V - o decurso do prazo de 3 (três) anos, contado da decretação da falência, ressalvada a utilização dos bens arrecadados anteriormente, que serão destinados à liquidação para a satisfação dos credores habilitados ou com pedido de reserva realizado; (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
VI - o encerramento da falência nos termos dos arts. 114-A ou 156 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
Na antiga lei era necessário ao pagamento de mais de 50% dos créditos quirografários para que as obrigações do falido fossem extintas, com a nova lei ocorreu uma redução para 25%. Além disso, o decurso do prazo para extinção das obrigações diminuiu de 5 anos para 3 anos conforme a nova redação do inciso V do artigo 158.
Dessa forma, os referidos artigos representam importantes alterações ocorridas com a Lei 12.112/20, que buscou ao máximo incorporar a figura do “Fresh Start” para possibilitar o rápido retorno do devedor ao mercado em busca do princípio da menor onerosidade e continuidade da empresa.
5.A visão da recuperação judicial como um direito do devedor
Além de ser sustentada por princípios antes não analisados na legislação falimentar, como o da preservação da empresa e de sua função social, que já foram enunciados, a recuperação traz medidas muito mais vantajosas para o devedor insolvente do que a antiga figura da concordata, sendo muito mais abrangente quando a coloca como uma medida para a empresa em crise econômico-financeira, não ficando a cargo unicamente do juiz o seu deferimento, mas sim baseado em determinados requisitos que o devedor deve possuir para ter direito ao seu deferimento, ou seja, é um direito de qualquer empresário que exerça regularmente sua atividade econômica e esteja de acordo com os requisitos enumerados pela própria lei. Requisitos estes que estão enumerados na própria Lei 11.101/2005, como em seu artigo 48:
Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:
I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;
II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial;
III - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
§ 1o A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente. (Renumerado pela Lei nº 12.873, de 2013)
§ 2º No caso de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo por meio da Escrituração Contábil Fiscal (ECF), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir a ECF, entregue tempestivamente. (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
§ 3º Para a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo, o cálculo do período de exercício de atividade rural por pessoa física é feito com base no Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir o LCDPR, e pela Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial, todos entregues tempestivamente. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
§ 4º Para efeito do disposto no § 3º deste artigo, no que diz respeito ao período em que não for exigível a entrega do LCDPR, admitir-se-á a entrega do livro-caixa utilizado para a elaboração da DIRPF. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
§ 5º Para os fins de atendimento ao disposto nos §§ 2º e 3º deste artigo, as informações contábeis relativas a receitas, a bens, a despesas, a custos e a dívidas deverão estar organizadas de acordo com a legislação e com o padrão contábil da legislação correlata vigente, bem como guardar obediência ao regime de competência e de elaboração de balanço patrimonial por contador habilitado. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência).
Ou seja, a recuperação vai ser analisada com base em dispositivos objetivos, se o devedor cumpre ou não estes, não sendo um poder de decisão único do juiz, diferentemente da concordata.
Além desses requisitos, o artigo 50 coloca os meios de recuperação judicial que podem ser adotados pelo devedor, permitindo também a utilização de outros meios que não estão enunciados em seus incisos, assim como o artigo 51 coloca a exigência de determinados requisitos que devem instruir a petição inicial para que o devedor insolvente possa conseguir o deferimento de sua recuperação. Se essa petição estiver com a documentação exigida no artigo 51, o juiz então irá deferir o processamento da recuperação. É através de critérios que estão enunciados na própria lei que o juiz irá deferir ou não o processamento da recuperação, apontando mais uma vez que a nova Lei de Falências não coloca o poder de decisão unicamente nas mãos do juiz.
Tantos os critérios relativos à figura do devedor, como os critérios relacionados com o próprio procedimento da petição, estão enunciados na lei, e são estes que determinarão o deferimento ou não do processamento da recuperação. Importante ressaltar que esse primeiro momento trata do deferimento do processamento e não da concessão da recuperação, esta que será uma segunda etapa e dependerá da exigência de um plano de recuperação e da concordância dos credores com este, firmando uma relação entre credores e o devedor.
A figura da recuperação é analisada na perspectiva de um direito do devedor, este que é presumido a partir de critérios determinados na própria legislação, não ficando a cargo de escolha única do juiz, sendo vista como uma medida muito mais vantajosa e que visa realmente a reestruturação do devedor, não constituindo obstáculos como a antiga concordata.
6.Conclusão
A partir do exposto, podemos observar que o regime falimentar brasileiro passou por diversas fases e foi influenciado diretamente pelos acontecimentos externos por qual passava a sociedade nas mais diversas épocas, ou seja, a própria dinâmica social.
Com a globalização que aflorou pela Revolução Industrial, a afetação em relação ao regime falimentar não foi diferente, a antiga imagem pejorativa que possuía o devedor foi desconsiderada, sendo superada pela concepção de que a insolvência era algo inerente ao modo como operava a atividade comercial em uma época com constantes modificações econômicas e culturais, tendo a empresa uma função social fundamental justamente para esse avanço sociocultural. O direito falimentar brasileiro foi então alimentado por essa figura da função social como peça chave para a preservação da empresa e para a mudança da antiga visão destinada ao devedor insolvente, esta que ficou fortificada através da substituição da antiga figura da concordata pela recuperação judicial com promulgação da Lei 11.101/05, esta que além de constituir um avanço através da recuperação judicial, também é assim caracterizada na medida em que objetiva a tentativa de manutenção da atividade econômica organizada mesmo nos casos em que há a insolvência do devedor, sustentada pelos princípios da separação do elemento empresa e empresário.
Desse modo, foi observado que a figura da recuperação trouxe diversas vantagens para o devedor insolvente, objetivando a real saída da crise e reestruturação da empresa, baseada em critérios objetivos que a colocam como um direito do devedor, desde que este cumpra os requisitos determinados pela própria lei.
Com a publicação da Lei 14.112/20 a Lei de Recuperação e Falências ganha uma nova roupagem buscando enfatizar ainda mais o caráter de preservação do devedor insolvente com base nos postulados do “Fresh Start” e na garantia da preservação das empresas.
7.Referências
BEZERRA FILHO, Manuel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falências comentada. São Paulo: RT, 2005.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.
BRASIL. Lei n° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Diário Oficial da União. Brasília, 2005. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004 2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em 10 de agosto de 2023.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. vol. I.II. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: falência e recuperação de empresas. v.3. Disponível em: Minha Biblioteca, (10th edição). Editora Saraiva, 2022.
MARTINS, Juliana Pires. A função social da empresa como instrumento de preservação empresarial: Importância da recuperação (extra)judicial. Revista Lexmax. Disponível em: <file:///C:/Users/lenovo%202/Downloads/42-86-1-PB.pdf>. Acesso em 8 de agosto de 2023.
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 4. ed. São Paulo: Método, 2014.
Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. Pós-Graduada em Direito Tributário e Direito Processual Civil pela Faculdade Venda Nova do Imigrante (FAVENI).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CORDEIRO, Gabriella Lacerda Montenegro. O princípio da preservação da empresa como um avanço na concepção do devedor insolvente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 ago 2023, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /62670/o-princpio-da-preservao-da-empresa-como-um-avano-na-concepo-do-devedor-insolvente. Acesso em: 29 dez 2024.
Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
Por: Eduarda Vitorino Ferreira Costa
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: Adriano Henrique Baptista
Por: Alan Carlos Moises
Precisa estar logado para fazer comentários.