Em outubro de 2024, o CNJ expediu uma recomendação no ato normativo nº 0006309-27.2024.2.00.0000 buscando prevenir a prática de litigância abusiva, que se manifesta, dentre outras formas, por meio do manejo de recursos que retardam o andamento do feito. Referida resolução tem no Processo do Trabalho um campo fértil de aplicação.
A prevenção dessa modalidade de litigância também alcança a fase pré-processual, evitando o início de lides temerárias. A esse respeito, o CNJ publicou a Resolução 586 em 30/09/2024, atribuindo o efeito de quitação ampla, geral e irrevogável ao acordo extrajudicial homologado no âmbito trabalhista, desde que observados os requisitos do art. 1º, incisos I a IV, da precitada resolução. Na prática, o órgão interpretou estritamente os artigos 855-B e 855-E da CLT, incluídos pela Reforma Trabalhista, que instituíram um procedimento de jurisdição voluntária pré-processual.
Nada obstante a disposição legal, muitos juízes e tribunais do trabalho de diferentes regiões do país divergiram quanto aos efeitos atribuídos a este acordo, sendo comum acatarem demandas por verbas não indicadas expressamente em seus termos, atribuindo um efeito restrito à quitação. A resolução do CNJ buscou uniformizar o tratamento do tema na seara trabalhista, e consequentemente, reduzir a quantidade de ações ajuizadas anualmente.
A despeito da intenção de gerar segurança jurídica, é discutível se esse ato normativo integra a competência regulamentadora do CNJ traçada nos artigos 103-B, §4º, I a VII, da CF e no art. 4º, I, do seu regimento interno. Afinal, trata-se claramente de interpretação de dispositivo celetário, cuja uniformização compete ao Tribunal Superior do Trabalho, e, em última instância, ao Supremo Tribunal Federal.
Essa usurpação da competência do TST e do STF pelo CNJ suscita questões controversas. Afinal, caso um Tribunal Regional do Trabalho afronte a Resolução 586, que remédio processual poderá se valer a parte prejudicada? Reclamação ou Procedimento de Controle Administrativo?
Primariamente, caberia ao TST uniformizar em caráter vinculante o entendimento nacional acerca de norma da CLT, por meio do Recurso de Revista ou Embargos de Divergência Repetitivos. Para tanto, esta corte superior possui uma competência recursal alargada, conforme será exposto.
De fato, a EC 92/2016 buscou equiparar o TST ao STJ na CF, já que ambos são tribunais superiores cujo papel principal é uniformizar a interpretação da legislação infraconstitucional. Mas há diferenças marcantes entre essas duas cortes.
Inicialmente, é preciso salientar que os recursos de natureza extraordinária, como o Recurso de Revista, não se prestam a corrigir injustiças, mas sim a uniformizar a jurisprudência nacional. Como regra, o Recurso de Revista é cabível contra acórdãos de TRTs preferidos em Recursos Ordinários e Agravos de Petição, seja no curso de reclamações singulares, plúrimas ou ações civis públicas.
Fazendo um paralelo entre o STJ e o STF, temos que o primeiro tem a missão precípua de uniformizar a jurisprudência sobre a legislação federal, ao passo que o segundo é o guardião da Constituição Federal. Tanto é assim que se admite a interposição simultânea de Recursos Especial e Extraordinário em face da mesma decisão. Por sua vez, o TST cumula as duas competências, cabendo-lhe apreciar em Recurso de Revista tanto matéria federal quanto constitucional.
Assim, contrariamente ao TST, não cabe ao STJ analisar matéria constitucional. A esse respeito, o STJ decidiu o SLS 2690 durante a emergência pandemiológica, entendendo que a discussão sobre toque de recolher se relaciona à matéria constitucional, pois vinculado à liberdade de locomoção prevista no art. 5º, XV, da CF, cuja competência para apreciação é do STF. Desta forma, a corte não conheceu do Recurso Especial, a despeito de o recorrente ter indicado na fundamentação diversos dispositivos legais.
Essa diferença entre o TST e o STJ é perceptível no plano do direito positivo. O art. 105, III, “a”, da CF confere competência ao STJ para apreciar em Recurso Especial a decisão que contrariar a lei federal ou negar-lhe vigência. De seu turno, o art. 102, III, “a”, da CF atribui ao STF a competência para examinar em sede de Recurso Extraordinário a decisão contrária a dispositivo da Constituição Federal.
Já no que toca ao TST, tanto o antigo art. 111, §3º, quanto o atual art. 111-A, §2º, da CF, incluído pela EC 45/04, remetem a regulação de sua competência à lei ordinária. O art. 896 da CLT faz as vezes desta lei quanto à competência recursal. O histórico deste dispositivo celetário mostra uma intensa oscilação no decorrer do tempo quanto às hipóteses de cabimento relacionada à violação da lei.
Em sua redação original, este artigo previa o Recurso Extraordinário para a Câmara de Justiça do Trabalho contra decisões que violassem norma jurídica, não albergando matéria constitucional. O Decreto-Lei nº 8737/46 alterou o art. 896 da CLT, incluindo o termo “letra expressa de lei”, sem fazer referência à CF. A Lei 861/49 modificou a terminologia para Recurso de Revista, alterando seu cabimento para a violação de norma jurídica e dos princípios gerais de direito, sem referência à CF. A Lei nº 2.244/54 previu seu cabimento contra a violação “literal” da lei ou de sentença normativa. O Decreto 229/67 voltou à terminologia genérica de violação de norma jurídica. A Lei nº 5442/68 se referiu à violação literal de lei e sentença normativa.
Até que sobreveio a Lei 7701/88, publicada sob a égide da CF/88, indicando o cabimento por violação literal de lei federal e da Constituição Federal. Essa lei também deslocou a violação à sentença normativa para o cabimento pela divergência jurisprudencial, ao lado da violação à lei estadual.
Por fim, a Lei 9.756/98 alterou novamente o art. 896 da CLT para constar a violação “literal” de lei federal ou afronta “direta” e “literal” à Constituição Federal. Recentemente, a Lei nº 13.015/14 incluiu a contrariedade às Súmulas e OJs do TST e à Súmula Vinculante do STF nas hipóteses de cabimento do Recurso de Revista, passando também a exigir a demonstração analítica da violação de dispositivo de lei ou da Constituição Federal.
Esse histórico denota que, na medida em que estenderam-se as hipóteses horizontais de cabimento, afunilaram-se as hipóteses verticais, mediante emprego de termos como “literal” e “direta”. Essa tendência fez com que o direito positivo trabalhista absorvesse o entendimento já esposado pelo STF quanto ao cabimento do Recurso Extraordinário, que não alberga ofensas indiretas ou reflexas ao Texto Magno.
A jurisprudência acompanhou esse curso. A Súmula 221 do TST exigiu a indicação expressa do dispositivo legal no Recurso de Revista, ao passo que a Súmula 459 exemplificou para o caso de negativa de prestação jurisdicional, devendo o recorrente indicar alternativamente os arts. 832 da CLT, 489 do CPC ou 93, IX, da CF. De seu turno, a OJ 257 dispensou a obrigação de usar termos como contrariar, ferir ou violar, bastando que esse sentido seja extraído das razões recursais.
Esse movimento teve seu ápice com a Lei nº 13.467/17, que incluiu o critério de transcendência, análogo à repercussão geral do Recurso Extraordinário. Na execução, as hipóteses de cabimento da revista são ainda mais limitadas, restritas à matéria constitucional. A Súmula 266 do TST exemplifica com o Agravo de Petição, liquidação de sentença e Embargos de Terceiro, cuja decisão só será recorrível por violação direta e literal à CF. A Lei 13.015/14 excepcionou dessa regra a execução fiscal e a CNDT (criada pela Lei 12.440/11), conforme a redação dada ao art. 896, §4°, da CLT, cabendo a revista de forma mais ampla nestes casos.
Para suplantar essa limitação na fase executiva, é comum que as partes se valham da alegação de ofensa à coisa julgada, que logicamente precede a execução. Um exemplo pode elucidar esse artifício. O Recurso de Revista n° 429-39.2021.5.05.0010, interposto após a Reforma Trabalhista, foi julgado pela 4ª Turma do TST em 20/08/2024, com relatoria do Min. Alexandre Luiz Ramos. O recorrente objetivava discutir o valor das astreintes, reguladas pelo art. 537, §1º, do CPC, portanto matéria estritamente infraconstitucional. Para tanto, alegou ofensa ao art. 5°, XXXVI, da CF, a fim de justificar o cabimento do recurso. Inicialmente, os ministros consideraram preenchido o requisito da transcendência econômica, já que a multa era superior a R$ 500 mil. Mas entenderam que houve preclusão pro judicato consumativa. No acórdão, o relator lembrou que o Tema 706 do STJ dispõe que as astreintes não precluem, podendo ser alteradas a qualquer tempo. No entanto, no EAREsp. 1.766.665, julgado pelo STJ em 03/04/2024, entendeu-se que os efeitos da decisão que as alteram são apenas prospectivos. Com isso, a revista não foi conhecida, tendo em vista que a discussão é eminentemente infraconstitucional.
Afora a fase executiva, há outras limitações ao Recurso de Revista. A Súmula 214 do TST permite o Recurso de Revista contra decisões interlocutórias de TRTs em apenas três hipóteses, sendo a primeira delas para o caso de violação à Súmula ou OJ do TST, não fazendo referência à CF. Já o art. 2º, §4º, da Lei n° 5584/70 prevê que o cabimento do Recurso de Revista nas causas até o dobro do salário mínimo será exclusivo por violação à CF.
De seu turno, a Súmula 297 do TST passou a exigir o prequestionamento no Recurso de Revista, a exemplo do que já ocorria com os Recursos Especial e Extraordinário, mas ele é dispensável no caso de a violação nascer na própria decisão recorrida, segundo a OJ 119. Esse requisito é exigido mesmo que se trate de matéria de ordem pública, conhecível de ofício, como a incompetência absoluta, conforme indicado na OJ 62.
O processamento do Recurso de Revista é regulado pelas Instruções Normativas 38, 39 e 40 do TST, bem como por seu Regimento Interno. A primeira instrução precitada regula a aplicação do CPC ao Recurso de Revista Repetitivo e aos Embargos de Divergência Repetitivo, com destaque para as disposições sobre os Recursos Especial e Extraordinário Repetitivos.
Sobre a aplicação do CPC, Cesar Zucatti Pritsch leciona: “No mesmo sentido é ainda o art. 896-C, §17, da CLT, que autoriza a revisão de tese firmada em recurso repetitivo ‘quando se alterar a situação econômica, social ou jurídica, caso em que será respeitada a segurança jurídica das relações firmadas sob a égide da decisão anterior’. Trata-se de norma que complementa o sentido dos §§ 2º a 4º do art. 927 do CPC, já que integrante do mesmo microssistema de precedentes qualificados, de aplicabilidade também ao processo civil. (Precedentes no Processo do Trabalho: Teoria Geral e Aspectos Controvertidos, editora Revista dos Tribunais, 2020).
Na mesma obra, o autor tece comentários ao IAC, IRDR e IRR no âmbito trabalhista. Segundo ele: “O IRR, por sua vez, foi inspirado no método de julgamento de Recursos Extraordinários e Especiais Repetitivos previstos no Código de Processo Civil de 1973 (e posteriormente ratificado pelo CPC/2015, nos artigos 1.036 e 1.041), sendo incorporado ao Processo do Trabalho por meio da Lei nº 13.015/14, que acrescentou os artigos 896-B e 896-C da CLT”. (Precedentes no Processo do Trabalho: Teoria Geral e Aspectos Controvertidos, editora Revista dos Tribunais, 2020).
É importante ainda traçar a diferença entre os arts. 896, §1º-A, IV e 896-A, §1º, IV, da CLT.
O primeiro artigo indica que, para o cabimento do Recurso de Revista por negativa de prestação jurisdicional, é imprescindível a interposição de Embargos de Declaração contra a decisão a quo, a fim de verificar a omissão da corte de origem, conforme a Súmula 184 do TST.
Em princípio, os Recursos de Revista, Especial e Extraordinário são todos recursos extraordinários, no sentido de que albergam apenas discussão de direito, e não reexame de fatos e provas, sendo também chamados de recursos excepcionais. Mas no escólio de Breno Medeiros (Min. do TST) e Pedro de Assis, a preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional só pode ser arguida após interpostos os declaratórios, sendo uma hipótese que excepciona a Súmula 126 do TST, cujo teor repete as Súmulas 07 do STJ e 279 do STF. (Recurso de Revista Descomplicado, editora Venturoli, 2024).
Já o segundo artigo se refere ao requisito de transcendência jurídica. Segundo a jurisprudência do TST, a arguição plausível nas razões do Recurso de Revista de que houve violação direta e literal à Constituição Federal se afigura suficiente para preencher esse requisito.
O Recurso de Revista adesivo é admitido pela Súmula 283 do TST, caso ocorra sucumbência recíproca, aplicando-se o art 997 do CPC. Deve ser interposto no prazo de contrarrazões do recurso principal (8 dias), mesmo que a resposta ao recurso não seja apresentada. O §2° do mesmo artigo também é aplicável ao Recurso de Revista, devendo o recurso adesivo preencher os requisitos de admissibilidade do recurso principal.
Como método de interposição, e não modalidade recursal, o uso da aderência como estratégia processual é duplamente restrita, já que delimitado pelos dois recursos, independente e original. Logo, o recorrente não possui prazos privilegiados, estando ligado ao prazo de resposta do recurso interposto pela parte contrária, além de ter que observar os requisitos de admissibilidade do recurso original.
O STF também acolhe a possibilidade de interposição de Recurso Extraordinário adesivo cruzado, que ocorre quando, além da sucumbência recíproca, a fundamentação do pedido na instância a quo está calcada tanto em matéria constitucional quanto infraconstitucional, havendo rejeição daquela e acolhimento desta, dando ensejo à interposição de Recurso Especial por uma parte e Recurso Extraordinário pela outra.
Nesta situação, não teria a parte interesse recursal para o Recurso Extraordinário, já que seu pedido foi acolhido pela corte de origem. No entanto, pode ela se salvaguardar, interpondo o Recurso Extraordinário com a condição de só ser apreciado se o Recurso Especial da outra parte tiver acolhimento. No âmbito trabalhista, o Recurso de Revista adesivo cruzado é inviável, já que alberga ambas as matérias.
É importante pontuar que a Súmula 640 do STF permite a interposição de Recurso Extraordinário contra as decisões da primeira instância nas causas de alçada, bem como contra as decisões das turmas recursais em causas cíveis e criminais. Mas no âmbito trabalhista vigora a Súmula 281 do STF, que veda o acesso à Suprema Corte por meio de Recurso Extraordinário interposto contra decisões de TRTs, ainda que afrontem matéria constitucional, por não se classificarem como última instância, conforme a dicção do art. 102, III, da CF.
Inobstante a limitação vertical nas hipóteses de cabimento, por meio dos termos “direta” e “literal”, percebe-se uma maior abertura do TST para o conhecimento dos Recursos de Revista por violação à CF, em comparação ao mesmo exame feito pelo STF em sede de Recurso Extraordinário.
Não raras vezes, a fundamentação do Recurso de Revista por violação a preceito constitucional não se limita aos incisos do art. 7° da CF, podendo se basear em ofensa ao art. 5°, XXXVI, do Texto Magno, que garante o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Mas essa fundamentação genérica dificilmente ultrapassa o filtro da Suprema Corte em sede de Recurso Extraordinário. Afora a diferença de porte entre as duas cortes, essa distinção no conhecimento dos recursos se explica pelo fato de que ainda caberá Recurso Extraordinário da decisão do TST.
Após essa exposição, podemos dizer que da decisão de TJ ou TRF que afronta a lei federal e a CF caberá Recurso Extraordinário diretamente ao STF e Recurso Especial ao STJ. Se posteriormente a decisão do STJ no Recurso Especial também afrontar a CF, caberá outro Recurso Extraordinário ao STF.
Por outro lado, das decisões dos TRTs que afrontem lei federal e a CF caberá unicamente Recurso de Revista ao TST. Se no julgamento da revista a ofensa à lei federal e à CF persistir, caberá Recurso Extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, apenas quanto a esta última. É possível ainda que o TST dê provimento à revista, modificando a decisão do Regional, mas praticando ele próprio uma nova ofensa à CF. Neste caso, poderá a parte sucumbente na revista interpor Recurso Extraordinário no STF, mas não contra a violação primeva, oriunda do TRT, e sim contra a nova violação praticada pelo TST.
Essa sistemática recursal pode dar ensejo a uma questão tormentosa, quando a norma legal é mera repetição do texto constitucional, jogando o recorrente num limbo recursal. Neste caso, o STJ entende prevalecer o dispositivo da Constituição Federal, resultando seu julgamento em usurpação da competência do STF. Com base nisso, o STJ não conhecia dos Recursos Especiais. De seu turno, o Recurso Extraordinário interposto em face da mesma decisão também não era conhecido, por entender a Suprema Corte se tratar de ofensa meramente reflexa ao texto constitucional. Desta forma, ao invés da dupla recorribilidade, tinha-se a recorribilidade zero, ficando a parte privada de seu direito de recorrer.
Para contornar essa situação, os arts. 1.032 e 1.033 do CPC estabeleceram uma sistemática pendular entre os dois recursos. O parágrafo único do art. 1.032 determina a devolução do recurso ao STJ, caso o Recurso Extraordinário não ultrapasse o juízo de admissibilidade, e o art. 1.033 determina a mesma devolução caso o STF considere que houve mera violação reflexa à CF. Em ambos os casos, o Recurso Especial será analisado. A exemplo do que ocorre no Recurso Extraordinário adesivo cruzado, também aqui não há aplicação ao Recurso de Revista, pois alberga as duas matérias. No entanto, se o TST conhecer do recurso por violação à CF, ao invés da lei, tal juízo não vinculará o STF em futuro Recurso Extraordinário, que poderá entender que a violação é meramente reflexa e decretar o trânsito em julgado.
O papel do TST na prevenção da litigância abusiva se estende também para as ações coletivas e para o dissídio coletivo. Em termos recursais, é cabível Recurso de Revista contra decisões dos Regionais em Ações Civis Públicas, com interposição posterior de Embargos de Divergência para a Seção de Dissídios Individuais. Já contra a decisão do TST em dissídio coletivo originário, cabem Embargos Infringentes para a Seção de Dissídios Coletivos, o mesmo não ocorrendo se o dissídio é regional, com atuação do TST apenas na fase recursal.
Tanto as ações coletivas quanto os dissídios coletivos envolvem a discussão de normas coletivas.
A esse respeito, o Tema 1046 foi decidido pelo STF por ocasião do julgamento do ARE 1.121.633, com repercussão geral, em acórdão com mais de 180 páginas publicado em 28/04/2023, entendendo-se pela prevalência do negociado sobre o legislado.
A tese aprovada pela Suprema Corte cita expressamente o princípio da adequação setorial negociada, que regula a harmonia das normas coletivas com as normas estatais. Tratando deste princípio, a doutrina de Godinho Delgado explica que as normas autônomas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas da legislação heterônoma estatal de indisponibilidade relativa.
O Tema 1046 do STF consagrou a flexibilização das normas estatais. A ausência de compensação e a adoção do termo “absolutamente” explicitou a adoção da Teoria do Conglobamento quanto aos arts. 611-A (rol exemplificativo) e 611-B (rol taxativo) da CLT. De fato, os incisos VI, XIII e XIV do art. 7° da CF permitem a redução de salário e alterações de jornada por negociação coletiva. Logo, as demais normas relacionadas a estes dois temas estruturais do contrato de trabalho também podem ser flexibilizadas por norma coletiva.
Segundo o entendimento aprovado, é dispensável para essa transação que sejam oferecidas vantagens compensatórias, bastando respeitar os direitos absolutamente indisponíveis. Com isso, a corte validou as normas coletivas e as disposições sobre o tema da Reforma Trabalhista. No entanto, a jurisprudência consolidada do TST considera os intervalos para descanso e alimentação como normas de saúde e segurança do trabalhador.
O art. 7°, XXII, da CF determina a redução dos riscos do trabalho, e a maioria dos acidentes ocorre em sobrejornada. De igual modo, os intervalos para descanso também se relacionam ao tema, sejam intrajornada, interjornada, DSR ou férias.
Inobstante o entendimento consolidado do TST, o parágrafo único do art. 611-B da CLT permitiu a flexibilização por norma coletiva dos intervalos e da duração do trabalho, encaixando-se na cláusula de abertura do art. 611-A, que utiliza o termo “entre outros”, denotando um rol exemplificativo.
O desafio que se impõe é delimitar a fronteira para essa flexibilização por norma coletiva. O Tema 1046 do STF teve como pano de fundo as horas in itinere, tendo a corte assentado que a negociação coletiva não pode atingir as normas absolutamente indisponíveis, que conformam um padrão civilizatório mínimo, previstas no texto constitucional e em tratados internacionais.
Apesar da vagueza dos termos utilizados pela Suprema Corte, é possível incluir neste padrão civilizatório as normas sobre periculosidade e insalubridade de grau máximo.
De fato, a periculosidade se relaciona a riscos de acidentes do trabalho, vinculando-se à segurança do trabalhador. Já a insalubridade se relaciona a possíveis adoecimentos, vinculando-se à saúde do trabalhador.
Os artigos 189 e 193 da CLT indicam um “risco acentuado” e o “contato permanente” como parâmetros para definir o adicional de periculosidade. Já quanto ao adicional de insalubridade, a lei indica os critérios de “natureza” e “intensidade” do agente, bem como o “tempo de exposição” a seus efeitos, conforme os limites de tolerância referidos na NR 15.
Nada obstante a omissão legal quanto aos níveis de periculosidade, podemos categorizar esse risco quanto à probabilidade de sua ocorrência (alta e baixa) e quanto à potencial lesão associada caso o risco se concretize (leve, grave ou fatal). A partir dessa definição, resta infensa à negociação coletiva as normas protetivas relacionadas à periculosidade de alto risco, associada a potenciais lesões graves ou fatais.
De igual modo, também não podem ser flexibilizadas normas protetivas de insalubridade de grau máximo. Essa questão se relaciona a temas atuais, como a insalubridade por assédio moral. Esta modalidade de assédio pode ocorrer por agressões verbais, ameaças e gestos de desprezo, desde que preencham os requisitos de repetição, dirigibilidade a uma pessoa ou grupo específico, dentro de uma relação de poder.
Essa prática insalubre pode ocasionar graves consequências à saúde do trabalhador, como ansiedade e depressão, resultando em absenteísmo. O tema ainda envolve discussões processuais, relacionadas ao ônus probatório, honorários e custas. Afinal, não é incomum o trabalhador que alega assédio ter que arcar com as despesas processuais, como honorários periciais e sucumbenciais, caso não consiga comprovar o nexo de causalidade com o ambiente de trabalho.
De fato, o nexo entre problemas mentais e a exposição a agentes químicos, físicos e biológicos é usualmente constatado por perícias de insalubridade, cuja realização é obrigatória, por força do art. 192 da CLT. O mesmo não pode ser dito do nexo entre o ambiente laboral e os sintomas de ansiedade patológica, que ainda carecem de estudos aprofundados. Para contornar essa escassez científica, os tribunais têm se valido de institutos como a presunção de culpa e a inversão do ônus da prova, buscando salvaguardar a saúde do trabalhador. Excetuam-se as ações temerárias, fundadas em atestados e laudos duvidosos, bem como em exigências do empregador dentro do seu poder diretivo.
Essa modalidade de insalubridade decorrente do assédio moral no ambiente de trabalho deu ensejo ao campo da ergonomia cognitiva, que busca prevenir adoecimentos do trabalhador. Não há dúvida que as medidas que buscam preveni-las compõem o padrão civilizatório mínimo, encaixando-se na exceção constante na parte final da tese aprovada no Tema 1046. Logo, essas normas não podem transacionadas por negociação coletiva, já que seu descumprimento pode ocasionar graves problemas de saúde aos trabalhadores, com sintomas psicológicos mais graves e duradouros que muitos sintomas físicos. Em alguns casos, esses problemas perduram por longos anos e inviabilizam a readaptação do trabalhador.
É induvidoso, portanto, que as medidas preventivas de periculosidade e insalubridade que tenham elevado risco de ocorrência de danos graves ao trabalhador se encaixam na limitação à flexibilidade. Essa conclusão atrai o debate relacionado à necessidade de simplificação das normas de saúde e segurança do trabalho.
Deveras, existem muitas normas com exigências burocráticas e excessivas, de difícil implementação prática, como as relacionadas a EPI e EPC. Em alguns casos, as normas exigem o fornecimento pelo empregador de uma dúzia de EPIs, como luvas químicas (cremes), mangotes nos braços, capuz, capacete, cinta lombar, meias térmicas, perneiras, botas e calças impermeáveis e eletricamente isolantes, dificultando o próprio desempenho do trabalho pelo empregado. Esse desalinho normativo gera constante embate entre os setores de engenharia de segurança e de produção das empresas.
Desta forma, é necessário que os EPIs correspondam efetivamente à função desempenhada pelo colaborador, conforme o PGR (Programa de Gerenciamento de Riscos), possibilitando a manobrabilidade do trabalhador, e conciliando a proteção com a produção.
A esse respeito, em outubro de 2024, o GPMAT-USP, juntamente com o CSJT e o MPT, entregaram ao Ministério do Trabalho e Emprego um documento contendo sugestões para a revisão das NRs 01, 12 e 17. Como exemplo, consta no documento a recomendação para alteração do item 12.2.6.1, aplicável a máquinas estacionárias, onde já consta a exigência do cumprimento de requisitos técnicos quanto à fundação, fixação, amortecimento e nivelamento, sugerindo-se a inclusão da ventilação, alimentação elétrica, pneumática, hidráulica, refrigeração e aterramento. Já no item 12.9.1, sugere-se a aplicação integral da NR 17, referente à ergonomia, com regulação nos subitens da interação do empregado com o fabricante da máquina, por meio de monitores de vídeo, sinais e comandos, a fim de evitar erros de interpretação ou retorno de informação.
De fato, os manuais do fabricante possuem uma linguagem técnica de difícil elucidação, tornando fundamental a possibilidade de contato direto entre o fabricante e o operador, antes e durante a aprendizagem, e mesmo quando da concepção industrial da máquina ou equipamento. Afinal, não é incomum que designers e engenheiros desenvolvedores concebam ou atualizem as máquinas e equipamentos sem nunca operá-los por longos períodos, não tendo uma visão prática de sua operação. Daí é salutar essa interação, buscando conferir conforto e produtividade ao operador. Há outras sugestões específicas, como a do item 12.5.9.2, que recomenda que o eixo cardã, que faz a transmissão da energia do motor, deve permanecer sem danos ou vícios. De fato, defeitos nesse eixo têm o potencial de ocasionar graves acidentes ao trabalhador.
Da perspectiva legal, a Lei n° 6.514/1977 foi um marco na proteção da saúde e segurança dos trabalhadores. Já do ponto de vista jurisprudencial, a tabela de Recursos de Revista Repetitivos possui um total de 28 temas, a maioria dos quais se relaciona a insalubridade e periculosidade. Além disso, esses dois temas respondem por centenas de Súmulas e Ojs dos tribunais do trabalho. Afinal, salário, jornada, saúde e segurança compõem os alicerces da relação trabalhista. Logo, o manejo adequado do IRR (Incidente de Recurso Repetitivo), que tem efeito vinculante, pode contribuir para evitar recorribilidade abusiva.
De fato, o tempo de tramitação do Recurso de Revista no TST é de 2 anos e 10 dias, estimulando as partes a utilizarem-no como meio meramente protelatório. Ao lado dos Embargos de Divergência, que uniformizam o entendimento entre as turmas do TST, o Recurso de Revista Repetitivo pode ter um impacto positivo na redução da recorribilidade e da própria litigiosidade, desestimulando ações temerárias, como as que contrariam as normas coletivas.
O Tema 1046 do STF trouxe para o âmbito trabalhista uma prática já enraizada no direito civil, onde tradicionalmente o negociado se sobrepõe ao legislado, com a função social do contrato servindo de baliza. Mas no direito do trabalho essa prática passa por adaptações. É possível em alguns casos que as cláusulas do contrato de trabalho se sobreponham sobre a legislação, em funções de maior qualificação. Nos casos mais gerais, porém, essa sobreposição somente ocorre por ACT/CCT.
É imperioso mencionar que, há alguns anos, predominava na comunidade jurídica a visão de que o Processo do Trabalho era inferior aos demais processos por conta de sua simplicidade. Essa perspectiva deu início a uma onda de alterações propostas pelos tribunais trabalhistas, tanto pela via legislativa quanto jurisprudencial, que transformaram-no numa colcha de retalhos desconexa, havendo um rito próprio para cada ofício de justiça. Atualmente, essa visão foi alterada, com a simplicidade sendo encarada na verdade como virtude deste ramo processual, não mais denotando irrelevância. Com isso, o Processo do Trabalho voltou às suas raízes de clareza e uniformidade, amoldando-se aos novos institutos do Processo Civil.
Para efeito de conclusão, é importante lembrar a advertência de Herbert Spencer, de que não há nada tão trágico quanto uma bela teoria, frustrada por um fato inconveniente. Apesar de proferida originalmente no contexto das ciências biológicas, também se aplica às ciências sociais, dentre as quais o Direito.
De fato, no ano 2000 foram aprovadas duas leis em sequência, Leis 9.957 e 9.958, que instituíram o rito sumaríssimo e as Comissões de Conciliação Prévia no âmbito trabalhista. Mas estas comissões jamais tiveram eficácia prática. De lá pra cá, advieram muitas propostas com idêntico propósito, até culminar na aprovação da Resolução 586 do CNJ, de nítido cariz jurisdicional. Tudo indica que dita resolução terá o mesmo destino das CCPs, belas na teoria, mas frustradas pelo fato inconveniente de sua inoperância.
Assim, de nada adianta apontar as armas para o comportamento das partes na litigância abusiva, se essa prática é fomentada pelos tribunais e pela lei, verdadeiros arquétipos deste desvio. Urge, pois, que o TST se valha do Recurso de Revista e dos Embargos de Divergência Repetitivos, em compasso com o Tema 1046, para trazer segurança jurídica à relação de trabalho, racionalizando o acesso à justiça.
Referências
Medeiros, Breno. Assim, Pedro de. Recurso de Revista Descomplicado, editora Venturoli, 2024.
Pritsch, Cesar Zucatti. Precedentes no Processo do Trabalho: Teoria Geral e Aspectos Controvertidos, editora Revista dos Tribunais, 2020.
Oficial de Justiça do TRT 7° Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COELHO, LEONARDO RODRIGUES ARRUDA. O Papel do Recurso de Revista e dos Embargos de Divergência na Prevenção da Litigância Abusiva na Justiça do Trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 dez 2024, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /67270/o-papel-do-recurso-de-revista-e-dos-embargos-de-divergncia-na-preveno-da-litigncia-abusiva-na-justia-do-trabalho. Acesso em: 28 dez 2024.
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