Por ocasião da promulgação da Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, que institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), o ordenamento jurídico nacional assistiu à introdução de um sofisticado mecanismo de arrecadação tributária denominado split payment. Inspirado em modelos internacionais de controle e eficiência fiscal, tal instrumento objetiva a maximização da segurança jurídica e a contenção de inadimplemento tributário, mediante a segregação dos valores correspondentes aos tributos incidentes diretamente no momento da liquidação financeira das operações.
No contexto específico do fornecimento de energia elétrica, a LCP 214/25 disciplinou a tributação pelo IBS e pela CBS com especial atenção à localização da operação, à base de cálculo e ao regime de pagamento. A energia elétrica é equiparada a bem material para fins de tributação (art. 3º, § 1º), sendo tributada por ambas as exações com base no valor da operação (art. 12), sendo o local da operação aquele onde ocorre a entrega ou disponibilização ao consumidor (art. 11, § 7º, I). Nos casos de transmissão, considera-se como local da operação o estabelecimento principal do adquirente (art. 11, § 7º, II, “a”).
Nesse cenário, o split payment surge como instrumento de fundamental relevância, previsto de forma minuciosa na Subseção III, que abrange os arts. 31 a 35. A norma obriga os prestadores de serviço de pagamento e os operadores de arranjos de pagamento a efetuar a segregação dos montantes devidos a título de IBS e CBS, com posterior recolhimento automático no ato da liquidação financeira da operação (art. 31). A operacionalização de tal mecanismo depende da existência de vinculação entre o pagamento e o respectivo documento fiscal eletrônico, cuja emissão conterá os elementos necessários para a correta alocação dos tributos (art. 32, caput e incisos).
Para tanto, o fornecedor é incumbido de incluir informações imprescindíveis ao correto recolhimento, que serão encaminhadas aos prestadores de serviços de pagamento por ele próprio, pelas plataformas digitais (conforme previsto no art. 22) ou por terceiros que recebam os pagamentos em nome do fornecedor. De posse dessas informações, os prestadores consultarão o sistema gerido pela Receita Federal do Brasil e pelo Comitê Gestor do IBS, para fins de confirmação dos valores devidos e respectiva segregação (art. 32, §§ 3º e 4º).
Havendo impossibilidade de consulta ou indisponibilidade do sistema, o recolhimento será realizado com base nos dados fornecidos, sendo eventuais divergências ajustadas posteriormente (art. 32, §§ 5º e 6º). A lei ainda estabelece um procedimento simplificado, facultado a operações em que o adquirente não seja contribuinte dos tributos no regime regular. Nessa hipótese, os prestadores recolherão um percentual preestabelecido do valor da operação, fixado pela RFB e pelo Comitê Gestor, podendo este variar conforme o setor ou contribuinte (art. 33).
Tal percentual, ao se afastar do montante real dos débitos, enseja eventual restituição do excedente, no prazo máximo de três dias úteis após a apuração do contribuinte (art. 33, §§ 3º a 6º). Ressalte-se que a implantação gradual do sistema, bem como a sua aplicabilidade simultânea às principais modalidades de pagamento utilizadas no varejo, visam garantir estabilidade e aderência ao novo modelo (art. 35).
Importante frisar que o split payment não transfere ao prestador de serviços de pagamento a responsabilidade tributária, mas tão somente o dever instrumental de segregar e recolher os valores devidos, sendo que o sujeito passivo permanece integralmente responsável pela veracidade e exatidão das informações fiscais (art. 34, §§ 2º e 3º).
No setor de energia elétrica, as operações costumam envolver pagamentos recorrentes, frequentemente por meio de instrumentos eletrônicos. Assim, a implantação do split payment neste setor tem o potencial de assegurar recolhimento tempestivo e preciso dos tributos, além de permitir maior previsibilidade ao Fisco e às empresas.
A complexidade da cadeia de fornecimento e a pluralidade de agentes envolvidos no setor de energia exigem atenção especial à vinculação dos pagamentos às respectivas notas fiscais. Além disso, o mecanismo reduz significativamente a margem de erro ou omissão no recolhimento, combatendo práticas de inadimplemento contumaz e incentivando a conformidade fiscal.
De outro lado, a operacionalização plena do split payment exige robusto aparato tecnológico, integração entre os diversos atores da cadeia e capacitação dos agentes econômicos. Essa transição, embora desafiadora, é delineada pela legislação com vistas à gradativa adaptação dos sistemas e processos, o que demonstra preocupacão com a viabilidade prática da medida (art. 35).
Exemplo prático: o split payment na conta de luz de uma indústria
Suponha-se que uma indústria de médio porte consuma energia elétrica no valor de R$ 100.000,00 em determinado mês. Ao emitir a nota fiscal eletrônica referente ao fornecimento, a concessionária detalha os tributos devidos: IBS de R$ 7.000,00 e CBS de R$ 3.000,00.
No momento em que a indústria realiza o pagamento por meio de transferência bancária, a instituição financeira (prestadora do serviço de pagamento) consulta o sistema da Receita Federal e do Comitê Gestor do IBS. Imediatamente, segrega os R$ 10.000,00 de tributos, repassando-os aos entes federativos competentes, e apenas os R$ 90.000,00 remanescentes são transferidos à concessionária de energia.
Esse procedimento, automático e vinculado ao documento fiscal, evita que a concessionária retenha os tributos para recolhimento futuro, mitigando o risco de inadimplemento e assegurando ao Fisco o recebimento tempestivo. Ademais, a indústria pode apropriar os créditos correspondentes de IBS e CBS, conforme o regime de não cumulatividade previsto na lei.
Em conclusão, a introdução do split payment no ordenamento jurídico brasileiro, conforme regulamentado pela LCP 214/25, representa avanço significativo na moderna gestão tributária, em especial na tributação do fornecimento de energia elétrica. Com um modelo que privilegia a eficiência arrecadatória e a segurança jurídica, a legislação inaugura uma nova era de relação entre o contribuinte, o Estado e os intermediários financeiros, promovendo um sistema mais transparente e menos sujeito a litígios.
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