A recente promulgação da Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, marcou um ponto de inflexão na estrutura da tributação indireta brasileira ao instituir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), conforme autorização constitucional decorrente da Emenda nº 132/2023. A partir desta nova conformação normativa, impõe-se a análise do regime jurídico aplicável aos planos e seguros de saúde, cujas peculiaridades demandam disciplina específica em face da natureza das operações e de sua relevância social.
No que se refere aos planos de assistência à saúde, a Lei Complementar optou por estruturá-los sob regime próprio de tributação, distinto do regime geral aplicável às operações com bens e serviços. Nos termos do artigo 234, enquadram-se neste regime as seguradoras de saúde, as administradoras de benefícios, as cooperativas operadoras de planos e demais operadoras de planos de assistência à saúde devidamente registradas perante a Agência Nacional de Saúde Suplementar.
A base de cálculo da CBS e do IBS, nestes casos, é cuidadosamente delineada pelo artigo 235 e corresponde à receita total auferida sob o regime de caixa, compreendendo prêmios e contraprestações, somadas às receitas financeiras vinculadas aos ativos garantidores das provisões técnicas. Contudo, o legislador autoriza a dedução de valores correspondentes a indenizações efetivamente pagas, cancelamentos de contratos, taxas de administração e intermediação, bem como valores transferidos a outros operadores no contexto de planos coletivos por adesão. Tal estrutura visa mitigar a incidência tributária sobre valores não representativos de receita líquida, preservando a equidade fiscal.
É essencial destacar que, para efeitos tributários, a legislação classifica como indenização não apenas reembolsos, mas também toda despesa necessária para a garantia da assistência contratada, incluindo pagamentos a prestadores, operações intra-grupo e valores de judicialização de cobertura. Não se incluem como receita tributável os valores reembolsados aos contratantes de planos, nem geram direito a crédito tributário, conforme § 3º do art. 235.
Em matéria de alíquotas, a Lei Complementar assegura, via artigo 237, um benefício fiscal consistente na redução de 60% sobre as alíquotas-padrão do IBS e da CBS, tanto para os planos de assistência à saúde quanto para as operações de intermediação, consoante se infere do art. 240. Este tratamento tributário diferenciado harmoniza-se com a função social do acesso à saúde e da previsibilidade econômica nos contratos de longa duração.
Outro ponto de interesse reside na vedação genérica de apropriação de créditos pelos adquirentes de planos de assistência à saúde (art. 238). Todavia, há exceção importante quando se tratar de contratação por pessoa jurídica para seus empregados, onde parte da CBS poderá ser objeto de crédito, nos moldes do art. 57, § 2º, IV, alínea "f".
No âmbito das operações internacionais, o art. 241 sujeita a importação de planos de saúde à tributação pelo IBS e CBS com as mesmas alíquotas aplicáveis às operações internas. Por outro lado, a exportação de planos está imune ao IBS e CBS, conforme disciplina do art. 242, reafirmando o princípio da desoneração das operações de saída internacional.
Ainda que conexo, merecem destaque os seguros de saúde, submetidos às regras do Capítulo II, Seção X, que tratam do setor securitário. O art. 223 fixa como base de cálculo a soma dos prêmios recebidos em regime de caixa e das receitas financeiras dos ativos garantidores das provisões, com as mesmas deduções previstas para os planos de saúde. Ademais, o art. 223, § 7º, alinha-se às boas práticas internacionais ao zerar as alíquotas de IBS e CBS sobre resseguros e retrocessões, inclusive nas operações com entidades estrangeiras.
Importa notar que, a despeito da incidência do IBS e CBS, não recai sobre o setor de planos e seguros de saúde a incidência do Imposto Seletivo (IS). Tal conclusão deriva da ausência de menção às atividades em questão no Livro II e seus anexos, notadamente o Anexo XVII da LC 214/2025, que relaciona os bens e serviços sujeitos ao IS, concentrando-se em itens de externalidade negativa.
A par dos planos e seguros, os serviços de saúde ofertados por prestadores (como hospitais, clínicas e laboratórios) seguem sob o regime geral da tributação, com previsão de redução de 60% das alíquotas do IBS e da CBS, conforme artigo 130 e Anexo III. Entre os serviços abrangidos estão procedimentos médicos, hospitalares, laboratoriais e de transporte sanitário. A legislação ainda proíbe a glosa de valores contestados por auditoria médica, resguardando a dedutibilidade do valor integral da nota fiscal.
Por fim, cumpre mencionar a disciplina específica dos planos de saúde para animais domésticos, cuja tributação não segue o regime ordinário. Conforme artigo 243, tais planos terão alíquotas com redução de apenas 30% e vedado está o aproveitamento de crédito pelo adquirente.
Em síntese, a LC 214/2025 revela clara intencionalidade de estruturar a tributação dos planos e seguros de saúde com sensibilidade à natureza assistencial destes serviços. A instituição de regime próprio, alíquotas reduzidas e deduções adequadas à atividade reforçam a busca por neutralidade e equidade fiscal, além de se coadunarem com as diretrizes constitucionais do sistema de saúde suplementar. Trata-se, assim, de avanço normativo que, embora recente, exige atenção redobrada dos agentes do mercado e dos operadores do Direito para a correta compreensão de seus impactos práticos e reflexos sobre o consumo de serviços de saúde no país.
Precisa estar logado para fazer comentários.