Co-autores: Thayse de Almeida Guedes Bomfim, Karla Lyrio de Oliveira e Bianca Vettorazzo Brasil Pereira
1.1 Introdução - regime de bens, princípios e noções gerais
Analisando a doutrina a respeito do tema, observa-se que o legislador fez várias divisões no Direito de Família, com o intuito de destacar os vários aspectos que estariam abrangidos e, facilmente, regulados.
Dentre estas divisões, estabeleceu a que versa sobre o Regime de bens, ou melhor, estabeleceu como funcionariam os efeitos jurídicos patrimoniais advindos do casamento.
Nestes termos, como forma introdutória, merece menção algumas características relevantes acerca da relação patrimonial citada.
De início, constata-se que o regime de bens, possui dentre suas características, alguns princípios básicos que o regem. Em primeiro lugar, insta citar os princípios existentes e, posteriormente, o que versa cada um destes. Portanto, analisados os seguintes pressupostos, chega-se aos princípios da: variedade de regimes; liberdade dos pactos; mutabilidade justificada do regime adotado.
De forma resumida, extrai-se dos ensinamentos de Maria Helena Diniz[1] o que vem a ser o princípio da variedade de bens ”[...] a norma não impõe um só regime matrimonial aos nubentes, pois oferece-lhes quatro tipos diferentes: o da comunhão universal; o da comunhão parcial; o da separação; e o da participação final nos aquestos”.
Em outras palavras, a legislação dispõe sobre várias formas em que a relação patrimonial pode ser direcionada, conforme o caso concreto, sendo determinada forma utilizada dependendo da escolha dos nubentes, ou mesmo, de imposição legislativa. Nesse sentido, além do princípio da variedade, constata-se a existência do princípio da liberdade de pactos, ou da livre escolha, como alguns autores assim o denominam.
O regime da Comunhão Parcial de bens encontra-se disposto no Código Civil de 2002 entre os artigos 1658 a 1666; o da comunhão universal, está disposto entre os artigos 1667 a 1671; o da separação de bens entre os artigos 1687 a 1688 e, por último, o da participação final nos aquestos.
Por conseguinte, a livre pactuação decorre do pacto antenupcial firmado. Muito se falou nessa questão relativa ao pacto antenupcial, mas o que vem a ser ele, de acordo com a doutrina civilista? De acordo com Silvio Rodrigues citado por Maria Helena Diniz[2] “o pacto antenupcial é um contrato solene, realizado antes do casamento, por meio do qual as partes dispõem sobre o regime de bens que vigorará entre elas desde a data do matrimônio (CC, art. 1639, § 1º)” (grifos no original).
Ademais, Maria Helena Diniz[3] complementa sua assertiva com a conclusão de que “O pacto antenupcial é negócio dispositivo que só pode ter conteúdo patrimonial, não admitindo estipulações alusivas às relações pessoais dos consortes, nem mesmo as de caráter pecuniário que não digam respeito ao regime de bens ou que contravenham preceito legal.”
Continuando a adotar as palavras de Maria Helena Diniz[4], a mesma afirma em sua obra que o princípio da liberdade dos pactos
decorre do primeiro, pois permite-se aos nubentes a livre escolha do regime que lhes convier, para regulamentar interesses econômicos decorrentes do nupcial, já que, como não estão adstritos à adoção de um daqueles tipos, acima mencionados, tal como se encontram definidos em lei, podem combiná-los formando um regime misto ou especial, sendo-lhes lícito, ainda, estipular cláusulas, desde que respeitados os princípios da ordem pública, os fins e a natureza do matrimônio.
Diante da afirmação acima exposta, constata-se que os nubentes podem estipular, dentre os regimes de bens existentes, aquele que for mais conveniente aos seus anseios, podendo inclusive estipular uma forma análoga, uma que una dois dos tipos, excetuando-se o regime da separação obrigatória de bens, que é decorrente de lei.
A norma legal traz essa estipulação logo no art. 1639, caput, do Código Civil de 2002 “É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.
Por fim, em relação aos princípios, Carlos Roberto Gonçalves[5] procura esmiuçar como foi tratado o princípio da mutabilidade motivada de regimes no Código Civil de 1916 e a forma como o legislador o tratou no Código Civil de 2002. Para o autor,
O Código Civil de 1916 estabelecia a irrevogabilidade ou inalterabilidade do regime de bens entre os cônjuges, que devia perdurar assim enquanto subsiste a sociedade conjugal. Antes da celebração poderiam os nubentes modificar o pacto antenupcial, para alterar o regime de bens. Celebrado, porém, o casamento, ele tornava-se imutável. Mesmo nos casos de reconciliação de casais separados judicialmente, o restabelecimento da sociedade conjugal dá-se, até hoje, no mesmo regime de bens em que havia sido estabelecida. Se o casal se divorciar, poderá casar-se novamente, sob regime diverso do anterior.
Assim, uma vez celebrado o casamento, sob a égide do Código Civil de 1916, não poderia mais os nubentes, mesmo que motivadamente, estabelecer outro regime livremente pactuado.
Ocorre que, na atualidade, mudanças significativas ocorreram com relação do tema. Com o advento da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal que estabeleceu “no regime da separação legal de bens comunicam-se os adquiridos na constância do casamento” a idéia de total imutabilidade de regime passou a ser mitigada, devido à possibilidade de comunicação neste caso.
Portanto, a partir do Código Civil de 2002, passou a ser admitida a possibilidade de alteração de regimes, desde que a mesma fosse motivada, nos termos do art. 1639, § 2º. Para tanto, Carlos Roberto Gonçalves[6] enuncia os pressupostos que devem ser preenchidos para que essa possibilidade exista
Para que o regime de bens no casamento possa ser modificado, desde que não seja o obrigatório imposto no art. 1641 do Código Civil, são necessários quatro requisitos: a) pedido formulado por ambos os cônjuges; b) autorização judicial; c) razões relevantes; e d) ressalva dos direitos de terceiros. A falta ou a recusa de um dos cônjuges em dar anuência impede o deferimento do pedido, não podendo ser suprida judicialmente.
O Código Civil de 2002, dessarte, inovou, substituindo o princípio da imutabilidade absoluta do regime de bens pelo da mutabilidade motivada ou justificada. A inalterabilidade continua sendo a regra e a mutabilidade a exceção, pois esta somente pode ser obtida em casos especiais, mediante sentença judicial, depois de demonstrados e comprovados, em procedimentos de jurisdição voluntária, a procedência da pretensão bilateralmente manifestada e o respeito de direitos de terceiros.
Nestes termos, desde que sejam preenchidos os pressupostos presentes na norma e, sendo demonstrada justificativa plausível para a alteração, não há óbice legislativo para assim proceder, o magistrado, ao se deparar com essa situação de jurisdição voluntária. Assim, encontra-se determinado, ipsis literis, no Código Civil de 2002, “Art. 1639, § 2º “É admissível alteração do regime de bens mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência da razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.”
2. COMUNHÃO PARCIAL DE BENS
De início, convém tratar de termos básicos, a fim de inserir o leitor em qual contexto se está tratando do tema. A idéia relativa à comunhão parcial de bens, é a de que os nubentes, antes do casamento, merecem ter preservados os bens que adquiriam por esforço único. Contudo, após o casamento, uma vez estipulada essa regra, os bens adquiridos na constância do casamento, serão presumidos adquiridos por mútuo esforço dos consortes e, portanto, comunicam-se. Ocorre que, caso os cônjuges não estipulem o regime de bens que vigorará durante o casamento, será o mesmo tido como o do regime parcial, por imposição da lei.
Assim, determina a legislação civilista, no que se refere à falta de pacto e a questão relativa à forma de preservação do patrimônio anterior ao casamento:
Art. 1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial.
Parágrafo único. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas.
[...]
Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes. (grifo nosso)
Sendo assim, Carlos Roberto Gonçalves, afirma que o regime da comunhão parcial de bens é aquele formado por uma forma de regime misto onde prevalecem o da comunhão universal de bens e em parte pelo da separação de bens. O mesmo autor, ao citar Silvio Rodrigues[7], traz a seguinte conclusão
Regime de comunhão parcial é aquele em que basicamente se excluem da comunhão os bens que os cônjuges possuem ao casar ou que venham a adquirir por causa anterior e alheia ao casamento, como as doações e sucessões; e em que entram na comunhão os bens adquiridos posteriormente, em regra, a título oneroso.
Entende-se, neste contexto, que se trata da forma mais justa de se tratar os bens relativos à sociedade conjugal, uma vez que, os bens adquiridos na constância do casamento, presumem-se um apoio do marido ou da mulher, não necessariamente de cunho material, mas de moral, para que determinado bem fosse adquirido (seja ele móvel ou imóvel). Entretanto, em relação aos bens anteriores, nada mais justo que estes sejam mantidos sob o domínio de apenas um deles, sem qualquer influência do matrimônio, uma vez que em caso de possível dissolução da sociedade conjugal, estes bens não serão atribuídos ao outro consorte.
Para melhor compreender esse instituto, é de suma importância tratar dos dispositivos, um a um, inclusive com seus incisos, a fim de entender quais bens entram na comunhão universal e quais não se comunicam.
De início, inicia-se a análise a partir do art. 1659 do Código Civil que, em seu inciso I determina: “Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar”. Interpretando o dispositivo, volta-se àquilo já citado acima, uma vez que não irão se comunicar os bens que cada cônjuge possuía antes de casar, devendo também ficar a salvo da comunicabilidade, aqueles que sejam recebidos por doação ou sucessão, tendo em vista que estas são realizadas por liberalidade e por sucessão, respectivamente, o que não demonstra que foi adquirido com pecúnia proveniente da sociedade conjugal, bem como aqueles que foram sub-rogados.
Dentro desse contexto, vale a pena transcrever uma jurisprudência acerca do tema: (TJSC, Ap. 96.004.807-3, 1ª Câmara Cível, Rel. Dês. Carlos Prudêncio)
No regime de comunhão parcial, não se comunicam os bens adquiridos por qualquer dos cônjuges em razão de doação ou sucessão. Não provado, por documentação hábil, que o imóvel foi adquirido através da venda de bens do casal, improcede o reclamo que pretende incluí-lo na partilha.
O inciso II do dispositivo afirma que “II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares” também permanecem no âmbito de bens particulares, não se comunicando, diante da sociedade conjugal. Assim também é o entendimento de Carlos Roberto Gonçalves[8]
A regra repete a noção já expendida no inciso anterior: se os bens adquiridos antes do casamento não se comunicam, logicamente não devem comunicar-se os que tomam o seu lugar no patrimônio do cônjuge alienante, comprados com os valores obtidos na venda. Continuam estes a pertencer exclusivamente ao proprietário alienante. Assim, se o cônjuge ao casar possuía um veículo e posteriormente o vendeu para, com o valor auferido, comprar um terreno, este imóvel lhe pertencerá com exclusividade, revestindo-se da mesma incomunicabilidade de que se revestia o veículo.
Assim sendo, às situações em que os bens sejam unicamente particulares, deve ser aplicada a regra relativa ao art. 1665 do Código Civil que determina que ”A administração e a disposição dos bens constitutivos do patrimônio particular competem ao cônjuge proprietário, salvo convenção diversa em pacto antenupcial”, o que ressalta a incomunicabilidade com os bens adquiridos na constância do casamento.
Ainda tratando a respeito da incomunicabilidade revestida no regime da comunhão parcial de bens, observa-se que também são excluídos da comunhão “III - as obrigações anteriores ao casamento”. Chega-se à essa interpretação, pois como o próprio Silvio de Salvo Venosa[9] afirma em sua obra, “Os débitos anteriores ao casamento não se comunicam, porque os patrimônios de ambos os cônjuges são mantidos separados e as dívidas fazem parte deles”.
O dispositivo do Código Civil de 2002, art. 1666, também nos traz a noção acerca da exclusão da comunhão e a afirmação de Venosa “Art. 1.666. As dívidas, contraídas por qualquer dos cônjuges na administração de seus bens particulares e em benefício destes, não obrigam os bens comuns.”
Há que se ter me mente, por conseguinte que, de acordo com o art. 1.661 “São incomunicáveis os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento”. O que, em outras palavras, quer dizer que algum negócio jurídico formado anteriormente ao casamento, do qual possa ser provado por título hábil, não entram na comunhão dos bens.
Desse modo, convém expor a decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina sobre o assunto: (TJSC, Ap. 36.642, 4ª Câmara Cível, Rel. Dês. Alcides Aguiar)
No regime da comunhão parcial de bens, excluem-se da comunhão aqueles que os consortes possuem ao casar ou que venham a adquirir por causa anterior ao matrimônio, sendo irrelevante venha o seu registro no cartório imobiliário a efetivar-se já na vigência da vida conjugal. Partilham-se, porém, igualmente os bens amealhados em face do esforço comum dos cônjuges.
Por outro lado, após a celebração do casamento, a regra passa a ser refutada, pois caso não haja como se provar o alegado, a legislação civil presume que nestes casos, os bens foram adquiridos na constância do casamento e, portanto, devem entrar na comunhão dos bens. Assim é o que determina o art. 1.662, que enuncia de forma clara o seguinte: “No regime da comunhão parcial, presumem-se adquiridos na constância do casamento os bens móveis, quando não se provar que o foram em data anterior.”
A legislação também mantém sob o regime da comunhão parcial de bens, o que está determinado no inciso IV do art. 1659, que: “IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal.” Maria Helena Diniz[10], trata de forma expressa em sua obra acerca deste inciso, afirmando que
O cônjuge faltoso será o responsável pelo ato eivado de ilicitude que praticar; mas, se se comprovar que ambos tiraram proveito, lícito será responsabilizar um e outro pelas obrigações oriundas de ato ilícito, devendo o quantum indenizatório recair sobre bens comuns do casal (grifos no original).
Destarte essa afirmação, observa-se que, o patrimônio adquirido durante a constância do casamento, somente sofrerá algum tipo de prejuízo, se o ato ilícito que fora realizado por qualquer dos consortes, tenha trazido proveito a ambos. Caso se trate de proveito de apenas um deles, não há como responsabilizar ambos os cônjuges.
Pela lógica, o dispositivo também excluiu da comunhão, “V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão”, uma vez que tratam-se de bens de foro íntimo dos consortes, não existindo dúvidas maiores acerca da questão.
No que se refere ao inciso VI, que afirma que não se comunicam “VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge”, Diniz[11] entende que há uma mitigação nesse contexto, tendo em vista que
O produto do trabalho dos consortes e os bens com ele adquiridos, em regra, não se comunicariam (CC, 1659, II). Sobre eles teriam os cônjuges todos os poderes de gozo, disposição e administração, exceto no que concerne aos imóveis, cuja alienação requer outorga uxória.[...] Entretanto entendemos que a incomunicabilidade seria só do direito à percepção dos proventos, que, uma vez percebidos, integrarão o patrimônio do casal, passando a ser coisa comum, pois, na atualidade, marido e mulher vivem de seus proventos, contribuindo, proporcionalmente, para a mantença da família, e, conseqüentemente, usam dos rendimentos. Parece-nos que há comunicabilidade dos bens adquiridos onerosamente com os frutos civis do trabalho (CC, art. 1660, V) e com os proventos, ainda quem em nome de um deles (grifos no original).
A mesma autora[12] trata do último dispositivo relativo à incomunicabilidade, qual seja, o “inciso VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes”, afirmando que não há comunicabilidade visto que estes bens são personalíssimos com a finalidade de prover a subsistência. Além disso, o art. 39, da Lei n.º 9.610 de 19 de fevereiro de 1998, que dispõe acerca dos direitos autorais, que será utilizado aqui de forma subsidiária, afirma que “os direitos patrimoniais do autor, excetuados os rendimentos resultantes de sua exploração, não se comunicam, salvo pacto antenupcial em contrário”.
Ao contrário de tudo afirmado até aqui, existem alguns bens que, na constância do matrimônio, entraram na comunhão. Neste caso, os artigos são bem enunciativos e, descrevem de forma clara quais as conseqüências de ordem patrimonial da comunhão parcial:
Art. 1.663. A administração do patrimônio comum compete a qualquer dos cônjuges.
§ 1o As dívidas contraídas no exercício da administração obrigam os bens comuns e particulares do cônjuge que os administra, e os do outro na razão do proveito que houver auferido.
§ 2o A anuência de ambos os cônjuges é necessária para os atos, a título gratuito, que impliquem cessão do uso ou gozo dos bens comuns.
§ 3o Em caso de malversação dos bens, o juiz poderá atribuir a administração a apenas um dos cônjuges.
Art. 1.664. Os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às despesas de administração e às decorrentes de imposição legal.
Convém, portanto, mencionar quais são os bens que integram a comunhão de bens no regime da comunhão parcial. O art. 1660 do Código Civil, afirma, in verbis, que: Art. 1.660. Entram na comunhão: I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges. Em outras palavras, uma vez comprovada a aquisição dos bens durante o casamento, estes serão, presumivelmente, comunicáveis, o que parece lógico.
No que se refere ao inciso II, deste mesmo dispositivo: “os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior”. Carlos Roberto Gonçalves[13], em relação à este dispositivo, afirma que o inciso retrocitado “Determina a inclusão no acervo comum dos bens adquiridos por fato eventual, como loteria, sorteio, jogo, aposta, descobrimento de tesouro. Não se indaga se, para a aquisição, houve ou não despesa por parte do beneficiário” (grifos no original).
Já relativamente ao dispositivo em seu inciso III, há a seguinte determinação: “III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges”. Esse inciso nada mais é que o inverso do inciso I do art. 1666 do Código Civil, tendo em vista que aquele, afirma que os bens não se comunicam se o evento for em favor apenas de um dos cônjuges, contudo, esse inciso, traz de forma bem clara, a determinação de que caso o evento seja em favor de ambos os nubentes, este se comunicará.
No que pertine às benfeitorias realizadas em bens particulares de cada cônjuge (inciso IV), resta demonstrado que estas também se comunicam no regime da comunhão parcial. Gonçalves[14] em relação à essas benfeitorias, trata do dispositivo aduzindo que “O inciso IV do art. 1.660 em apreço presume que, embora feitas em bens particulares, o foram com o produto do esforço comum, sendo justo que o seu valor se incorpore ao patrimônio do casal.”
Por fim, o último inciso que trata da comunicabilidade no regime da comunhão parcial, afirma que “V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão”. Maria Helena Diniz[15] quando trata deste dispositivo, informa que
por serem ganhos posteriormente ao casamento, uma vez que o que caracteriza esse regime é a composição de uma sociedade, cuja técnica se encontra na constituição de um patrimônio comum produzido após o casamento
[...]
Sinteticamente, esse regime caracteriza-se pela coexistência de três patrimônios: o patrimônio comum, o patrimônio pessoal do marido e o patrimônio pessoal da mulher.
Passados todos esses pontos até aqui tratado, passa-se à análise da separação obrigatória e separação convencional de bens.
3. SEPARAÇÃO DE BENS
Na separação de bens os cônjuges convencionam um isolamento total dos bens do esposo com os bens da esposa. Assim, tanto os bens adquiridos anteriormente ao casamento como os bens adquiridos em sua vigência são de propriedade unicamente de quem os contraiu, não tendo direito sobre eles o outro cônjuge.
Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald esse seria o regime de bens mais justo e deveria ser o regime legal supletivo do país, pois é o mais condizente com a realidade atual da sociedade em que a mulher também trabalha e dessa forma, não precisa de proteção financeira de seu esposo. É por isso, aliás, que os autores criticam o preconceito existente sobre esse tipo de regime de bens, em suas palavras:
É preciso, aliás, deixar de ser visto com olhares críticos (de uma cultura que não mais condiz com a realidade), insinuando que a adoção da separação de bens implicaria menos afeto e amor recíproco entre o casal. Não há, enfim, no regime de separação de bens uma dissociação espiritual entre os cônjuges. Ao revés, a sua adoção parece consubstanciar, com exatidão, um grande desprendimento e evidenciar a falta de interesse material no casamento.(2008, p. 264)
Nesse regime cada cônjuge administra seus próprios bens não tendo participação direta ou indireta do outro consorte. Assim, não é preciso a outorga conjugal na hora de se alienar um bem, bem como cada cônjuge será responsável por sua própria dívida, não podendo seu patrimônio ser vinculado a dívida do outro.
Além disso, assim como os bens, as dívidas contraídas antes e na vigência do casamento não se comunicam, respondendo cada consorte por seus débitos. É importante frisar, no entanto, como bem afirma Maria Helena Diniz (2006, p. 193), que
As dívidas contraídas sem autorização marital ou uxória pelo cônjuge comunicar-se-ão ao outro se efetuadas para aquisição de coisas necessárias à economia domésticas, para obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição daquelas possa exigir, pois ambos devem contribuir para as despesas do casal na proporção do rendimento do seu trabalho e de seus bens.
Dentro desse contexto, é importante mencionar as duas responsabilidades patrimoniais em comum entre o casal, quais sejam, as despesas advindas do sustento do lar e as decorrentes da criação dos filhos. Essas deverão ser divididas entre os cônjuges em proporcionalidade com o que cada um ganha. Ou seja, o consorte que ganha mais arcará com um número maior de despesas enquanto o que ganha menos será responsável por um número menor de dívidas. Isso de acordo com o artigo 1.688 do CC, que diz “Ambos os cônjuges são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial”.
O regime de separação de bens, por sua vez, poderá provir de lei ou de convenção.
3.1. REGIME OBRIGATÓRIO DE SEPARAÇÃO DE BENS
O regime obrigatório de separação de bens consiste no regime de separação de bens imposto por lei e considerado obrigatório por razões de ordem pública. O artigo 1.641 do CC traz em seus incisos as situações em que será obrigatória a adoção do regime de separação de bens no casamento:
Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
II - da pessoa maior de sessenta anos;
III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
Quanto às pessoas que celebrarem o casamento com inobservância das causas suspensivas, entende-se as previstas no art. 1.523 do CC, analisando os seus incisos juntamente com o seu parágrafo único.
Quanto às pessoas maiores de sessenta anos de idade que devem se casar sob o regime obrigatório de separação de bens, é proveitoso observar o que diz o Enunciado n. 261 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil:
261 – Art. 1.641: A obrigatoriedade do regime da separação de bens não se aplica a pessoa maior de sessenta anos, quando o casamento for precedido de união estável iniciada antes dessa idade.
Silvio Rodrigues (apud, Diniz, 2006, p. 190), criticando o inciso II do art. 1.641 do CC, afirma que “não há inconveniente social de qualquer espécie em permitir que um sexagenário ou uma quinquagenária ricos se casem pelo regime de comunhão, se assim lhes aprouver”.
Por fim, o regime de separação consensual será obrigatório para aqueles que dependerem de suprimento judicial para se casarem, seja de idade nupcial ou de consentimento nupcial.
3.2. REGIME CONVENCIONAL DE SEPARAÇÃO DE BENS
Por regime convencional de separação de bens entende-se o regime de separação de bens pretendido pelos nubentes, produto da vontade expressa dos mesmos, não imposto por lei. “Os nubentes que quiserem adotar tal regime deverão instituí-lo numa convenção antenupcial” (DINIZ, 2006, p. 190).
De acordo com a autora Maria Helena Diniz (2006, p. 191),
Na separação de natureza convencional poder-se-á: estipular que alguns bens, eventualmente, se comuniquem; traçar normas atinentes à administração, à quota de contribuição da mulher ou do marido para as despesas do casal ou do lar ou, ainda, com a educação dos filhos etc; estabelecer a dispensa dessa colaboração da mulher etc; (CC, art. 1.688); contratar sociedade entre si (CC, art. 977).
Uma curiosidade sobre a separação convencional de bens é que por força do artigo 1829 do CC, os nubentes terão direito a herança caso o outro cônjuge venha a morrer, criticando tal artigo, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald alegam:
Todavia em dispositivo (art. 1829) de discutível razoabilidade (por afrontar a própria autonomia privada), o Código Civil de 2002 atribuiu a quem é casado no regime de separação convencional de bens o direito à herança do outro, seja concorrendo com os descendentes, seja concorrendo com ascendentes. Assim, mesmo quando os noivos escolhem a separação absoluta de bens, o legislador atribuiu direito patrimonial ao cônjuge, garantindo-lhe uma participação na sucessão dos bens daquele que morreu (2008, p. 266)
Para ilustrar como seria a convenção entre os nubentes segue um exemplo da escritura pública do pacto antenupcial para o regime de separação de bens:
Escritura Pública de pacto antenupcial de separação de bens que outorgam Marcelo Sant’anna e Thayse Guedes .
A 28 de outubro de 2009 em Vitória, Capital do Estado do Espírito Santo, República Federativa do Brasil, e neste 4º Ofício de Notas, instalado à Avenida Nossa Senhora da Penha 2432, lavro esta escritura em que, perante mim, comparecem os nubentes : Marcelo Sant’anna e Thayse Guedes. Reconheço-lhes a identidade e a capacidade para este ato. – Então, eles me declaram: 1 - que estão em vias de casar-se, com o prévio processamento da habilitação e do curso dos proclamas; 2 - que lhes é facultado, pelo artigo 1.639 do Código Civil, antes de celebrado o casamento, escolher o regime de bens e estipular, quantos a estes, o que licitamente aprouver; 3 – que, no exercício da faculdade mencionada na cláusula anterior, ajustam este pacto antenupcial, a fim de estabelecer o regime de SEPARAÇÃO DE BENS, nos termos dos artigos 1.687 e 1.688 do Código Civil, a vigorar durante seu casamento; 4 – que a separação de bens será absoluta, ou seja, aplicar-se-à não só aos bens que tiver cada nubente antes de casar, mas também aos que, durante o casamento, vierem a ser adquiridos isoladamente, a título gratuito ou oneroso, assim como a seus frutos e rendimentos. 5 – que os bens particulares ficarão sob a administração exclusiva de cada cônjuge, com plena liberdade de os alienar ou gravar ônus real, independentemente da anuência do outro cônjuge, mesmo em relação a imóveis.
3.3 A COMUNHÃO DE AQUESTOS NA SEPARAÇÃO DE BENS
Como se pode perceber há dois tipos de separação de bens, um oriundo de norma legal e outro instituído pelas próprias partes por uma convenção antenupcial. Além disso, “a separação de bens pode se apresentar como pura ou absoluta e limitada ou relativa”. (DINIZ, 2006, p. 191)
A autora acima citada considera que a separação relativa consiste na separação convencional de bens, já que os nubentes poderão dispor em convenção quanto a comunicação dos bens presentes, futuros e também dos aquestos. Dessa forma, da maneira que melhor lhes agradar, decidirão sobre a comunicabilidade ou incomunicabilidade dos aquestos.
Ocorre que, apesar de alguns doutrinadores afirmarem pela necessidade de constância no pacto antenupcial acerca da vontade das partes de comunicar os aquestos,
a jurisprudência tem, ainda, admitido a comunhão de aquestos no regime convencional da separação de bens, para evitar enriquecimento de um deles em detrimento do outro, tenham ou não os cônjuges, no pacto antenupcial, acordado a não-comunicação dos bens que cada um vier a adquirir na constância do casamento. (DINIZ, 2006, p. 191)
Trata-se de questão bastante controvertida entre os doutrinadores, porém, quando se fala em comunicabilidade dos aquestos, se adotado o regime obrigatório de separação de bens.
Com base no art. 259 do Código Civil de 1916, muitos julgados decidiram pela incomunicabilidade dos aquestos no regime de separação de bens obrigatório, argumentando que tal dispositivo se referia aos casos de silêncio do contrato, e, portanto, estava restrito ao regime de separação convencional de bens.
Alguns doutrinadores, entretanto, defendem a comunicabilidade dos bens futuros adquiridos pelo esforço de ambos os nubentes, no regime de separação obrigatória, para evitar enriquecimento indevido.
O STF, por sua vez, decidiu na súmula 377 que: “No regime de separação de bens comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.
É importante ressaltar que para a autora Maria Helena Diniz, já mencionada anteriormente se posiciona a favor da comunicabilidade dos aquestos.
Já para Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, a Súmula 377 do STF só é aplicável no caso de separação obrigatória de bens, já que esses não tiveram escolha sobre o regime que teriam ao se casar, mas para os que tiveram essa discricionariedade não seria possível a comunicabilidade dos bens porque se não segundo os autores “Incidir a referida súmula no regime de separação convencional seria, na prática, aniquilar a separação de bens, banindo do sistema tal possibilidade”. (2008, p.266)
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 5: direito de família. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. 612 p.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. 667 p.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. 511p.
[1] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 5: direito de família. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 146-147
[2] RODRIGUES, Silvio apud Maria Helena Diniz .Curso de direito civil brasileiro, v. 5: direito de família. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 147.
[3] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 5: direito de família. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 149
[4] Ibidem. p. 147
[5] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 398-399.
[6] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.399.
[7] RODRIGUES, Silvio apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.427.
[8] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.429.
[9] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 351.
[10] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 5: direito de família. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 157
[11] Ibidem. p. 157-158.
[12] Ibidem. p. 158.
[13] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.435.
[14] Ibidem., p.435.
[15] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 5: direito de família. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 159-160
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Marcelo Sant'Anna Vieira. BOMFIM, Thayse de Almeida Guedes. OLIVEIRA, Karla Lyrio de. PEREIRA, Bianca Vettorazzo Brasil. Breves notas sobre o regime da comunhão parcial e da separação de bens. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 04 fev. 2010. Disponível em: . Acesso em: (dia/mes/ano).
Mestrando em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV); Professor-Assistente da Disciplina de Prática Simulada Cível na Faculdade de Direito de Vitória (FDV); Assessor Jurídico no Ministério Público Federal do Espírito Santo.
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