Coautora - Raíssa Guimarães Gonzalez: Graduanda em Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 O acesso à justiça e a Assessoria Jurídica; 3 Assessoria Jurídica Popular como forma de extensão universitária; 4 O anseio por uma sociedade democrática; 5 Conclusão.
RESUMO: Inicialmente é abordado o acesso à justiça como um acesso à efetividade dos direitos fundamentais, sendo estes capazes de propiciar uma vida digna à população. Logo em seguida é analisada a Assessoria Jurídica como um novo método de extensão universitária, iniciada a partir do diálogo entre a Universidade e Sociedade, visando a construção de um conhecimento crítico na comunidade. E, por fim, é examinado o anseio por uma sociedade democrática, a espera que um dia esta se concretize.
Palavras-chave: Assessoria Jurídica. Acesso à Justiça. Sociedade Democrática.
1 INTRODUÇÃO
A Assessoria Jurídica Popular pertence a um diálogo entre a Universidade e a Sociedade. Na assessoria, o agente do processo não é apenas o morador da comunidade ou o operador do direito, mas unicamente através do diálogo entre ambos pode-se estruturar um conhecimento. E pela razão de cada parte de tal processo ter uma experiência de vida diferente, apenas por intermédio entre o popular e o acadêmico é exeqüível formar um conhecimento crítico. Em outras palavras, pode-se dizer que o método de assessoria tem como principal finalidade, a construção do conhecimento na comunidade a partir da interação entre o conhecimento popular e o conhecimento universitário, um de cunho prático e outro de cunho teórico, respectivamente. O italiano Mauro Cappelletti (2005) classifica a assessoria como a terceira onde de Acesso à Justiça, que está preocupada com os obstáculos socioculturais ao acesso à justiça. E para diminuir tais barreiras de impedimento, a assessoria tenta romper os obstáculos impostos às classes menos favorecidas a partir de formas mais eficientes do que a mera assistência judiciária, e sim com formam mais articuladas, de interação como a democratização do direito e a simplificação da linguagem jurídica para que esta possa estar ao alcance de todos.
2 O ACESSO À JUSTIÇA E A ASSESSORIA JURÍDICA
O acesso à Justiça é um requisito básico e fundamental de um sistema jurídico moderno e igualitário que busca garantir o direito de todos. Cappelletti e Garth (2005) afirmam que nossas estruturas de ensino jurídico, práticas judiciais, prestação de serviços legais, entre outras, não estão dando a devida atenção e valor ao tema “acesso à justiça”. O termo supracitado quase sempre é entendido como acesso aos tribunais, erroneamente, pois é preciso considerá-lo como um direito fundamental formal. São três fatores que representam estorvos à ampliação do acesso à justiça, o primeiro trata-se do desconhecimento do Direito vigente, a lentidão do processo, e principalmente, a pobreza. Para que um indivíduo possa usufruir a garantia de fazer valer seus direito, é preciso antes e mais nada, conhecer a lei e os limites de seu direito.
Assim, vemos que a preocupação com o acesso á justiça sempre girou em torno da garantia de acesso ao Poder Judiciário, de modo que, os estudiosos do assunto sempre procuraram apenas encontrar formas de garantir o ajuizamento de ações, de maneira que qualquer cidadão pudesse fazê-lo, independentemente da sua classe social. Por conseguinte, percebemos que o acesso à justiça tem sido visto baseado no formalismo, contentando-se com simples possibilidade do cidadão protocolar sua ação perante o Judiciário. Diante da constatação de que o acesso ao Judiciário não era o bastante para garantir uma ordem jurídica justa, a concepção de Acesso à Justiça começou a assumir um significado muito mais vasto, passando a ser percebida como acesso à efetividade dos direitos fundamentais que propiciem uma vida digna à população. Contudo, esta nova interpretação trouxe a debate outro problema relacionado ao acesso à justiça, que é o desconhecimento dos direitos pela maioria da população. Afinal, não é possível alguém que não conheça seus direitos, busque a efetivação ou proteção dos mesmos quando estes forem violados. E pior, as pessoas com menos conhecimento sobre seus direitos são as que têm, geralmente, seus direito ameaçados. Como evidencia Boaventura de Sousa Santos:
Quanto mais baixo é o estudo sócio-econômico do cidadão, menos provável é que conheça advogado ou que tenha amigos que conheçam advogados, menos provável é que saiba onde, como e quando contatar o advogado, e maior é a distância geográfica entre o lugar onde vive ou trabalha e a zona da cidade onde se encontram os escritórios de advocacia e os tribunais. (1995, p. 170).
Como já mencionado anteriormente, a Assessoria Jurídica Popular para Cappelletti e Garth (2005) é apreciada como a terceira onde de acesso à Justiça. A primeira “onda” para a solução do acesso foi a Assistência Judiciária, a segunda tinha como base proporcionar representações jurídicas para os interesses difusos, e por fim, a terceira onda estava interessada em atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado.
[...] esse novo enfoque de acesso à Justiça, no entanto, tem alcance muito mais amplo. Essa “terceira onda” de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por meio de advogados particulares ou públicos, mas vai além. Ela centra sua atenção no conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar ou prevenir disputas nas sociedades modernas. Nós o denominamos de ‘enfoque do acesso à Justiça’ por sua abrangência. Seu método não consiste em abandonar as técnicas das duas primeiras ondas de reforma, mas em tratá-las como algumas de uma série de possibilidades para melhorar o acesso.
(CAPPELLETTI e GARTH, 2005, p. 67-68).
Na assessoria jurídica, há uma desmistificação e democratização do conhecimento jurídico, e a interação dos mesmos com o conhecimento popular, já que aqui os serviços são prestados por meio de uma relação horizontal entre o jurista e o indivíduo a ser atendido. Enquanto nos outros métodos, o acesso à justiça é visto como acesso ao Poder Judiciário, e também por haver uma relação vertical entre o operador do direito e seu cliente, em que o primeiro se considera superior ao outro.
3 ASSESSORIA JURÍDICA POPULAR COMO FORMA DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
A Constituição Federal de 1988 contempla no caput do seu artigo 207 que “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao principio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Esse é o tripé fundamental delineado pela constituição da republica e que deve ser seguido pelas universidades brasileiras. A expressão extensão deve ser entendida como o ato dialogal entre universidade e comunidade, visto que a universidade valorizava excessivamente a teoria em detrimento da prática, fazendo com que assim o conhecimento produzido fique restrito ao âmbito universitário, não se destinando as populações carentes.
Considerando a extensão como sendo a conversa entre a sociedade e a universidade, o seu exemplo mais tradicional é a assistência judiciária, porém, esta concepção de extensão vem sofrendo severas criticas, visto que a assistência mantém-se intrinsecamente ligada ao uso do Poder Judiciário e à concepção monista de direito, em que o Estado é o único meio para a resolução de conflitos, não aceitando outros meios extrajudiciais para a resolução de litígios. O método inovador de extensão universitária, por sua vez, é a Assessoria Jurídica que contrariamente à noção de assistência se baseia no diálogo, na comunicação entre o meio acadêmico e popular sendo esta a única forma para a construção do conhecimento.
O agente do processo de assessoria jurídica não é somente o membro da comunidade nem somente o operador jurídico. Dentro da Assessoria Jurídica somente o dialogo pode construir um conhecimento. Parte-se da proposta de que cada um por ter uma experiência de vida diferenciada, detém um conhecimento e somente a partir do diálogo entre o popular e o acadêmico é possível construir um conhecimento crítico (FURMANN, 2008, p. 1).
A assessoria jurídica para concretizar sua proposta prevê a formulação de uma linguagem mais clara e simples que possa ser entendida por todos os membros da comunidade, e também a participação ativa desses membros visando a construção de um direito a partir da síntese de todos esses elementos, que são adotados por cada universidade conforme os problemas das comunidades locais. Algumas universidades já implantaram esses projetos de extensão universitária como, por exemplo, o SAJU da UFBA, o Núcleo de Assessoria Jurídica Popular Negro Cosme da UFMA, entre outros, importantíssimo para o aprendizado como destaca Vladimir de Carvalho Luz:
[...] essas entidades estudantis de apoio jurídico popular constituíram-se num importante laboratório de experiências emancipatórias, servindo não apenas como espaço de ensaio de novas formas de atendimento jurídico popular, mas também como um lócus de formação de lideranças estudantis, além de terem sido uma via privilegiada de articulação entre a universidade e a comunidade (2008 p.140).
O fundamental objetivo desta atividade extensionista é o ensino jurídico não somente aos estudantes de Direito, mas também a toda a sociedade, visando sempre incitar a sensibilização da comunidade para a necessidade de sua mobilização para a aplicação efetiva da cidadania. Na assessoria jurídica os operadores do direito devem atuar exercendo uma troca de experiências e levando em conta a realidade da comunidade, primando pela valorização do saber popular. Desta maneira a assessoria estará colaborando para a transformação da sociedade na medida em que busca cooperar com o fortalecimento da organização popular, de modo que as camadas excluídas possam requerer a efetivação de seus direitos.
Numa sociedade cuja quantidade e qualidade de vida assenta em configurações cada vez mais complexas de saberes, a legitimidade da universidade só será cumprida quando as atividades, hoje ditas de extensão, se aprofundarem tanto que desapareçam enquanto tais e passem a ser parte integrante das atividades de investigação e de ensino. (SANTOS, 1995, p. 229).
4 O ANSEIO POR UMA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA
Para que a assessoria jurídica se consolide como projeto de extensão é necessário, entre outras coisas, a democratização da universidade assim como da linguagem do direito. Extensão universitária pressupõe a comunicação entre comunidade e universidade, e para que isto seja o mais pleno possível é necessária a democratização do próprio espaço universitário, já que na maior parte do tempo a universidade é um local em que os professores ditam e os alunos apenas assimilam. Deve haver a interação entre aluno-professor para que o conhecimento seja construído por essas duas figuras, o que será um passo importantíssimo para implantação dos projetos de extensão dentro dos quais também não deve haver uma hierarquia. Como ressalta Ivan Furmann[1]:
Os projetos de extensão constituem-se como espaço ideal para o início desse novo paradigma democrático. Por isso, o ideal é que não existam hierarquias internas nas atividades de extensão, rompendo a tradição burocrático-hierarquizada da estrutura universitária. Assim, o conhecimento produzido e sua gestão se tornam coletivos; a tarefa do professor deixa de ser a de ‘coordenar’ para se tornar a de ‘orientar’ – seu conhecimento orienta as atividades, mas não prescreve as ações dos alunos.
(2008, p. 1).
Temos consciência de que a educação é uma forma pela qual se organiza ordena a transmissão de conhecimento dentro de uma sociedade, mas ela também pode ser organizada de maneira impositiva, coordenada por um sistema de poder centralizado que emprega o saber como uma arma que fortaleza a desigualdade. Assim, fingi-se oferecer uma educação democrática e progressista, Marilena Chauí ressalta que:
De fato, a cantilena “os ricos devem pagar pelos pobres” significa, em primeiro lugar, que os ricos são vistos como cidadãos (pagam impostos e mensalidades) e os pobres não (mesmo que saibamos que, neste país, os ricos não pagam impostos); em segundo lugar a educação não é vista como um direito de todos, mas como um direito dos ricos e uma benemerência para os pobres: em terceiro lugar, que a cidadania, reduzida ao pagamento de impostos e mensalidade, e o assistencialismo, como compaixão pelos deserdados, destroem qualquer possibilidade democrática de justiça. (1999, p. 1).
Outro problema também a ser resolvido dentro do projeto de extensão diz respeito à pretensiosa linguagem jurídica, que na maioria das vezes é confusa e inacessível as populações de baixa renda que esses programas se destinam. Desta maneira, também se torna primordial a preocupação com democratização da linguagem jurídica, para que ela possa alcançar de modo eficiente e imediato às populações a que se destinam. A assessoria jurídica deve trabalhar unida com as classes populares procurando a construção real da cidadania, e buscando avigorar a participação popular na vida política do país.
5 CONCLUSÃO
Como foi discutida no decorrer do artigo, a assessoria jurídica de acordo com o supracitado Mauro Cappelletti (1988) é a terceira onda de Acesso à Justiça, isso porque a assessoria jurídica prevê outros meios alternativos para a resolução de conflitos que não são necessariamente o poder judiciário, e através dos quais as classes menos favorecidas podem se valer para resolver seus litígios. Por outro lado, a assessoria jurídica também serve como importante atividade de extensão universitária, já que possibilita aos estudantes a comunicação com o meio externo, ou seja, os alunos têm a oportunidade de sair do meio acadêmico no qual geralmente são meros ouvintes e apenas assimilam aquilo que os professores ensinam, e passam a conviver com o mundo real onde podem colocar em prática tudo aquilo que aprenderam na universidade, e ainda ajudar a população carente.
Por fim também comentamos sobre a importância da democratização do espaço universitário, que deve ser menos hierarquizado para que o conhecimento seja construído a partir da interação harmoniosa entre aluno-professor, e não a imposição do ponto de vista do professor para o estudante o que irá refletir na hierarquização das atividades de extensão, assim como a democratização da linguagem jurídica para que esta se torne mais acessível às populações a que se destina. Nesta ocasião, compreende-se que a Assessoria Jurídica Popular é um fantástico aparelho de transformação da realidade social, e seus integrantes devem ter conhecimento do seu enorme potencial para a organização de comunidades e disseminação dos direitos, almejando sempre o ideal de uma sociedade em que prevaleçam valores tais como a cidadania, democracia, e, principalmente, a justiça social.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988, 136 p.
CHAUÍ, Marilena. Universidade em liquidação. Folha de São Paulo, 1999.[2]
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.
FURMANN, Ivan. Novas tendências da extensão universitária em Direito: Da assistência jurídica à assessoria jurídica. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 627, 27 mar. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6481>. Acesso em: 13 maio 2009.
LUZ, Vladimir de Carvalho. Assessoria jurídica popular no Brasil. 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 6 ed. São Paulo: Cortez, 1995.
[1] Bacharel em Direito pela UFPR, mestrando em Educação pela UFPR.
[2] Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fol/brasil500/dc_1_2.htm>. Acesso em: 18 maio 2008.
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