CLÁUDIA FIALHO[1]
(Coautora)
RESUMO: O presente trabalho tem o escopo de transmitir aos interlocutores múltiplas variáveis sobre as pessoas naturais, através de reflexões marcadas pela gradação evolutiva humana, desde o momento em que da nidação até o morte.
SUMÁRIO: 1. Princípios jurídicos norteadores; 1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana; 1.2 Princípio da autonomia privada; 2. Personalidade; 2.1 Vértices da personalidade; 2.2 Teorias acerca do início da personalidade – a questão do nascituro; 3. Capacidade de direito e capacidade de fato; 3.1 Incapacidade absoluta e incapacidade relativa; 4. O embrião e institutos afetos( situação jurídica e centro de imputação); 5. Fim da personalidade jurídica; 6. Anencefalia; 7. Direito de não nascer; 8. Conclusão; 9. Referências.
1 PRINCÍPIOS JURÍDICOS NORTEADORES
1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana
A Constituição Federal de 1988, em seu art.1°, inc. III, prevê que o Estado Democrático de Direito possui como fundamento a dignidade da pessoa humana. Trata-se de um princípio da mais indigitada relevância e que tem sido utilizado para fundamentar os mais diversos temas em nosso ordenamento jurídico.
Com a repersonalização do direito civil, os valores existenciais ocupando lugar de destaque nas relações humanas, a dignidade humana surge, como o princípio vetor para dirimir situações inquietantes e conflitantes que permeiam a vida.
No entanto, há que ser observado com cautela, a fim de que não seja banalizado.
Esse princípio será objeto de análise no cotejo entre o direito de nascer do feto anencefálico e a autonomia privada da gestante.
1.2 Princípio da autonomia privada
No Estado Liberal o princípio da autonomia da vontade, conforme Fiuza (2008), fundava-se na vontade livre das partes de contratar. Era condicionado por fatores internos, fruto da vontade das partes. A cada indivíduo era possível a realização de seus interesses e inclinações individuais sem a intervenção do estado. (PONTES, SÁ, 2009, p. 43).
Perlingieri também abordou o tema autonomia privada, concebendo-a como um conceito de difícil elucidação. Em referência ao liberalismo, apresenta o entendimento daquela época, como se vê:
a liberdade de regular por si as próprias ações ou, mais precisamente, de permitir a todos os indivíduos envolvidos em um comportamento comum determinar as regras daquele comportamento através de um entendimento comum. (2002, p. 17).
Essa compreensão de autonomia privada configurou-se como a marca do valor da liberdade individual.
Posteriormente, uma nova reformulação do conceito de autonomia foi sendo redesenhado para atender aos interesses sociais e coletivos. A forma de Estado é o social, paternalista. Limites foram estabelecidos à livre atuação dos indivíduos e da sociedade, como um todo, por meio da idéia de função social. (PONTES, SÁ, 2009, p. 44).
Nota-se que, mais uma vez, a concepção adotada de autonomia foi extremista. Agora com uma feição intervencionista.
Perlingieri (2002) dá novo enfoque à autonomia privada. Para ele, os atos de autonomia têm fundamentos diversificados, todavia, há um ponto fundamental em comum, qual seja: serem dirigidos à realização de interesses e de funções que merecem tutela e que são socialmente úteis. Sendo que somente ocorre a utilidade social se ela estiver em conformidade com a segurança, a liberdade e a dignidade humana. (2002, p. 19).
Amaral (2003, p. 80) informa que o princípio da autonomia privada tem sido objeto de revisão crítica, na medida em que seu campo de atuação sofreu grande redução a partir da intervenção do Estado.
Por sua vez, Naves (2003) compreende a autonomia privada como a superação do caráter individualista e liberal da autonomia da vontade, sendo elevada a categoria de norma jurídica de Teoria Geral do Direito Privado, e, aplicável a situações subjetivas existenciais e patrimoniais. E ainda: poder de auto-regulação, outorgado pelo Estado a particulares, e como meio de autoconstrução da personalidade, pois não existem limites externos à autonomia que se conforma na intersubjetividade do ser, que compreende a si e ao outro.
2 PERSONALIDADE
Inicialmente, para a abordagem da personalidade, ressalta-se, que ligados à idéia de pessoa, está o início e o fim da vida do ser humano, portanto, o nascimento e a morte.
A partir dessa consideração, importante delinear a personalidade na perspectiva liberal e oitocentista. Naquela época, a personalidade tinha como supedâneo o patrimônio. Informa Cunha (2002), que, submisso ao conceito de pessoa estava o conceito de sujeito de direito. Por essa noção, o patrimônio era o elemento essencial para a caracterização da personalidade. Era o valor fundamental daquela forma de estado.
Os escravos, considerados “coisas, ficavam à margem do conceito de pessoa, portanto, também não possuíam personalidade.
Na modernidade, Amaral (2003) aduz que a “personalidade é o instituto básico do direito civil, e a pessoa o seu núcleo fundamental.”
Importante salientar que existem certos entes que mesmo não sendo pessoas são sujeitos de direitos e deveres, por expressa força do ordenamento jurídico, exemplo seria o caso do nascituro, ou seja, o feto em desenvolvimento. (FIUZA, 2008, p. 121).
Para a Teoria Geral do Direito Civil, personalidade jurídica é a aptidão genérica par titularizar direitos e contrair obrigações, ou seja, é o atributo necessário para ser sujeito de direitos. (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2003, p. 88).
A aquisição da personalidade se dá com o nascimento com vida, com o funcionamento do aparelho cardiorrespiratório, aferível pelo exame de docimasia hidrostática de Galeno. (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2003, p. 88).
Ainda, no estudo acerca da personalidade, Fiuza (2008, p.121) informa que “personalidade é atributo jurídico que dá a um ser status de pessoa.” O que parece redundante, mas, na realidade há duas acepções para o termo personalidade.
2.1 Vértices da personalidade
A personalidade possui dois vértices, um subjetivo e outro objetivo. O objetivo é inerente ao ser humano (próprio corpo), por outro lado, o subjetivo é conferido pelo ordenamento jurídico. E ainda:
No primeiro vértice, trata-se de atributo jurídico conferido ao ser humano e a outros entes (pessoas jurídicas), em virtude do qual se tornam capazes, podendo ser titulares de direitos e deveres nas relações jurídicas. A pessoa, por ser dotada, de personalidade, é o elemento subjetivo da estrutura das relações jurídicas. (FIUZA, 2008, p. 122).
No segundo vértice, a personalidade é um valor fundamental do ordenamento jurídico, considerando-se a multiplicidade de situações existenciais, daí falar-se em direitos da personalidade. (FIUZA, 2008, p. 122).
2.2 Teorias acerca do início da personalidade – a questão do nascituro
Instigante o debate acerca do início da personalidade civil em razão do nascituro. Na doutrina, duas teorias tentaram explicar quando se dá esse início. Mas, a celeuma maior se deve a grande confusão que se faz entre personalidade jurídica e capacidade civil, sendo a primeira qualidade e a segunda medida, ou quantidade. Em outras palavras, a personalidade jurídica é que dá ao ente a qualidade de pessoa, e a capacidade é quantidade de direitos que o ente adquire. (CORDEIRO, 2007, p. 338).
Conforme explicitado acima, a doutrina portuguesa distingue, em termos muito incisivos, a personalidade jurídica da capacidade jurídica: a primeira seria um dado qualitativo – a possibilidade de encabeçar direitos e obrigações – quedando, à segunda, uma dimensão quantitativa, ou seja, a dimensão quantitativa de tais direitos ou obrigações. (CORDEIRO 2007, 338).
O nascituro, portanto, possui vários direitos conferidos a ele pelo ordenamento, a exemplo, os alimentos gravídicos, direito à sucessão e o código penal tipifica o crime de aborto, mas conforme a mais ampla doutrina não é pessoa, e, portanto não possui personalidade jurídica. Ainda, de acordo com a doutrina portuguesa, o nascituro tem uma capacidade de gozo limitada ao direito à vida. (CORDEIRO, 2007, p. 335).
O código civil de 2002, no art. 2°, preceitua que a personalidade civil se inicia a partir do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo os direitos do nascituro. A seguir, as teorias que tentaram explicar a questão do nascituro são:
Quando se aborda acerca do início da vida, inelutável será identificar que esta pode se dar com a nidação, que se dá quando houver a fixação do embrião no endométrio do útero, que traduziria o conceito de concepção.
A par do início da personalidade, emergem duas grandes teorias: a concepcionista e natalista. Ambas existem em decorrência da incongruência textual positivada no artigo 2º do Código Civil brasileiro.
A primeira parte do Código Civil denota que a personalidade se inicia com o nascimento com vida. Por outro lado, a segunda parte indicia que se dá com a concepção. Assim, as duas partes devem ser interpretadas sistematicamente.
A personalidade, antes de mais nada, traz duas conotações. Uma das quais se refere à integridade física, e a segunda a integridade intelectual.
Além disso, a personalidade é ôntica ao ser humano, isto é, faz parte necessariamente do ser humano, simplesmente por sê-lo. Nesse tom, a personalidade tem atributos como a inviolabilidade e indisponibilidade, via de regra.
A personalidade é conceituada como a aptidão conferida à pessoa para ter direitos e deveres na ordem civil, conforme se extrai das considerações de Sílvio Rodrigues. A partir deste conceito, nota-se que a finalidade da personalidade é atribuir direitos e deveres. Segundo a primeira parte, portanto, para ter direitos e deveres é primordial que se nasça com vida.
Todavia, no que toca a segunda parte do dispositivo em foco, são salvaguardados os direitos do nascituro, obviamente quando ainda não houve o nascimento com vida.
O ponto nevrálgico é que o nascituro tipicamente tem uma vida dependente. Diante disso, para que os direitos na órbita civil sejam salvaguardados é necessário que seja ao menos um nascituro. Isso posto, o nascituro preenche os requisitos inerentes à personalidade, isto é, tem aptidão para ter direitos, o que o inclina para a personalidade.
Restaria identificar que o nascituro tem capacidade de direitos e personalidade. Isto é, pode ser sujeito ativo e passivo nas relações jurídicas. Nesta seara, é inegável a interface entre personalidade e capacidade de direitos, todavia, por certo, a visão que expusemos não é uníssona, por óbvio, em sede teórica e jurisprudencial.
Assim, o nascituro além de ter capacidade de direitos, personalidade, conforme a teoria concepcionista, além de “capacidade específica”. Em outros termos, os direitos do nascituro são tão somente aqueles que o legislador expressamente disser.
A expressão “nascimento com vida”, dicção do artigo 2º, não pode ser ignorada. Ou seja, quando houver o nascimento com vida a capacidade deixa de ser específica e se torna incapacidade absoluta. Neste ponto, os direitos da pessoa nascida com vida são todos, salvo aqueles que o legislador objetivar a exclusão.
E a capacidade de fato, capacidade relativa, são aperfeiçoamentos da capacidade.
Quanto à vertente concepcionista: a personalidade tem seu início com a concepção. Por outro lado a vertente natalista, propugna que o início da personalidade se daria tão somente com o nascimento com vida.
3 CAPACIDADE DE DIREITO E CAPACIDADE DE FATO
A tônica da capacidade de gozo ou de direito deriva, antes, de poderem as pessoas encabeçar quaisquer situações, de modo indiferenciado. Cordeiro (2007, p. 341) ensina que “embora se esteja perante uma qualidade, ela é apresentada de modo quantitativo do elevado número de situações disponíveis, de tal modo que apenas genericamente elas podem ser referidas.
Ressalta-se, que, nem todas as pessoas possuem aptidão para exercer pessoalmente os atos da vida civil, por faltar-lhes o discernimento necessário em razão de limitações orgânicas ou psicológicas, sendo-lhes necessária a assistência ou a representação.
Quando puderem atuar pessoalmente possuem, além da capacidade de direito (quando toda pessoa passa a ser capaz de direitos e obrigações), que surge a partir do momento em que se adquire a personalidade jurídica, possuem, também, capacidade de fato ou plena. (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2003, p. 94).
3.1 Incapacidade absoluta e incapacidade relativa
A regra é a capacidade, por isso, a incapacidade deverá ser requerida e provada judicialmente, quando estiver diante daquela pessoa com idade superior a 18 (dezoito) anos. Sempre que possível deve-se buscar preservar a autonomia da pessoa, o poder de escolha, a competência decisional. Principalmente, porque hoje se está diante de um Estado Democrático de Direito em que os valores existenciais são o fundamento da república.
Importante questão a ser observada, conforme doutrina atual é o discernimento. A dicotomia incapacidade absoluta e incapacidade relativa deve ser relida à luz do direito civil-constitucional, na busca da preservação dos valores existenciais do ser humano. Nesse sentido, necessário uma flexibilização dessa dicotomia. E o elemento norteador é o discernimento, pois ele é que será determinante para se verificar o estado de incapacidade.
Porém, por razões didáticas tem-se que absolutamente incapazes são os menores de 16 anos; as pessoas que por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o discernimento necessário para a prática dos atos da vida civil; aqueles que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Já os relativamente incapazes são os maiores de 16 anos e menores de 18 anos, os que possuem o discernimento reduzido e os pródigos. Esses tem sua vontade levada em conta, necessitando apenas de uma pessoa que lhes assista. (FIUZA, 2008, p. 130).
Outra questão a ser investigada é a possibilidade da pessoa capaz emitir documento hábil para em caso de futura incapacidade ter os contornos da mesma definidos previamente. Trata-se de uma diretiva antecipada, em que lhe será possível a escolha de curador para gerir seu patrimônio e os aspectos existenciais de sua vida. A princípio, não existe uma doutrina brasileira em que se possa trazer maiores considerações sobre o assunto, mas com base na Constituição Federal de 1988 que erigiu como valor fundamental a dignidade da pessoa humana, a diretiva antecipada de incapacidade será perfeitamente possível, não existindo fundamento jurídico que a impossibilite.
4. O EMBRIÃO E INSTITUTOS AFETOS (SITUAÇÃO JURÍDICA E CENTRO DE IMPUTAÇÃO)
O embrião repercute como complexo no direito brasileiro, pois existem momentos de desenvolvimento. Exemplificadamente, conforme a ADI 3.510[2], já se verifica que o blastocisto seria configurado no 4º ou 5º dia após o encontro de gametas, porém, ainda não fixado no endométrio do útero.
Na Adin em tela, a base do debate diz respeito às células-tronco, que são destacáveis, em decorrência de sua diferenciação e de sua capacidade de multiplicação.
A questão basilar da Adin é analisar sobre a legitimidade de realização de pesquisas e terapias com células-tronco embrionárias, oriundas da fertilização “in vitro”.
Assim, o embrião concebido ou é uma expectativa merecedora de tutela ou já é destinatário de personalidade. Nesse tom, em ambas as vertentes, é coerente o posicionar como centro de imputação, conforme Maria de Fátima Freira de Sá e Bruno Torquato.
Em prosseguimento, é necessário ponderar sobre as situações jurídicas, segundo as quais, em algumas hipóteses, podem dispensar a intersubjetividade, dispensando-se a necessidade de entes dotados de personalidade em todos os pólos.
As situações jurídicas em sentido amplo conta com a presença de diversos elementos, entre os quais: o interesse, ônus, direito potestativo, subjetivo, deveres jurídicos.
Quando se estiver diante de uma situação jurídica subjetiva, a preocupação é com o centro de interesses tutelados pelo ordenamento. Assim, o elemento central da situação jurídica subjetiva é o interesse.
No tocante ao embrião, ainda que se adote a teoria natalista, não é legítimo elidi-lo do centro de imputação. Em outras palavras, a proteção jurídica não é umbilicalmente ligada à existência de personalidade.
Diante desses elementos, a pesquisa incidirá sobre embriões inviáveis, teoricamente não passíveis de gerar uma vida efetivamente, e que estejam congelados há pelo menos três anos.
Caso se considere o embrião um centro de imputação normativa, obstaculizada deveria ser a realização de pesquisas com células-tronco. Por outro lado, em se comprovando a inviabilidade, possível seria a argumentação de que sequer expectativa de direitos há.
5 FIM DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Com a cessação da atividade cerebral tem-se a morte da pessoa e o fim da vida e da personalidade, nos termos do artigo 6º do vigente Código Civil. De modo que, a morte será atestada por profissional da medicina, a partir da presença do corpo.
Ora, o fim da personalidade se dá com a morte real, quando se observa a existência de um cadáver, tratando-se de elemento material objetivo.
Por outro lado, há a morte presumida, com ou sem decretação de ausência; a decretação de ausência se dá quando alguém se retirar de seu domicílio, sem deixar notícias ou tampouco procurador. Nessa seara, os interessados comunicarão a ausência, para que em lapso temporal determinado seja o ausente convocado, mediante a publicação de editais.
Por conseguinte , se não comparecer o ausente verificada estará a sucessão provisória, seguida da sucessão definitiva, caso o ausente não regresse, gerando a morte presumida.
A morte presumida também ocorrerá quando for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida ou se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra.
6. ANENCEFALIA
A anencefalia é uma doença irreversível, caracterizada pela ausência de estruturas cerebrais (hemisférios e córtex), havendo apenas tronco cerebral. Vulgarmente é conhecida como ausência de cérebro e impede a vida extra-uterina. Há ausência de todas as funções superiores do sistema nervoso central, responsável pela consciência, cognição, vida relacional, comunicação, afetividade e emotividade. Restam apenas funções vegetativas que controlam parcialmente a respiração, as funções vasomotoras e as funções dependentes da medula espinhal. (TEIXEIRA, VALADARES, 2010).
A questão do anencefálico é bastante controvertida. E o debate cinge-se em torno da preservação dos princípios da autonomia privada da mulher, da intimidade ou da preservação do direito à vida do nascituro, ante a proibição do aborto.
Para os defensores da primeira posição, na verdade, a interrupção da gravidez não se caracteriza aborto, mas antecipação terapêutica de parto, diante da impossibilidade de vida do feto.
Pautados no princípio da dignidade da pessoa humana, da paternidade responsável, do direito à saúde, que engloba não só a saúde física como também a psíquica, do desejo de gerar e criar um filho, é que defendemos ser dos pais, e tão-somente deles, o direito de definir pela antecipação terapêutica do parto ou pela continuidade da gestação. É uma questão da esfera muito íntima da família, que não deve ter, portanto, interferência de quem quer que seja, inclusive do Estado. (TEIXEIRA, VALADARES, 2010).
Conforme se verifica do posicionamento acima adotado, a interrupção da gravidez do feto anencefálico é denominada de antecipação terapêutica de parto e não aborto. Todavia, a ciência atual não consegue explicar porque na vida intra-uterina, o feto sobrevive. E, também, não podem determinar o tempo de vida dos mesmos após o parto. Parece-nos incoerente a denominação antecipação terapêutica de parto. A interrupção da gravidez, da vida, se amolda perfeitamente ao conceito de aborto, portanto, conduta criminosa. Mas, a decisão última há de ser pugnada pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da ADPF 54.
7. DIREITO DE NÃO NASCER
Nos anais do IBDFAM, em seu V congresso, é possível encontrar a doutrina internacional acerca do Direito de não nascer, a partir do estudo de casos antológicos.
Ante a antologia dos casos concretos, a jurisprudência do direito americano criou duas facetas: a primeira das quais diz respeito ao direito wrongful life, por outra via, a segunda é o wrongful birth, sendo certo que este consiste no nascimento injusto e aquele à vida injusta.
Ambas as teorias tocam o instituto da responsabilidade indiretamente, por conta dos prejuízos gerados à moral do agente, mediante certa projeção de personalidade, que se de fato existisse permitiria ao agente mensurar se queria ou não o seu nascimento, nas condições que são demonstradas no mundo jurídico ou por erros de diagnósticos.
O wrongful birth é mais comum nos tribunais americanos e advém de um antológico caso concreto envolvendo a anomalia rubéola, e outras, que podem ocasionar má formação fetal. De forma que, no caso concreto paradigma, a mãe manifestou preocupação perante a equipe médica, no sentido de indagar se o feto correria risco de sofrer rubéola, o que foi prontamente rechaçado. Todavia, houve erro médico.
O wrongful life consiste em analisar a possibilidade de indenização, pelo direito de não nascer. Ora, hipoteticamente, se oportunizasse à pessoa que nasceu e viveu doente, a escolha de ter nascido ou não, qual seria a escolha?
Ante a complexidade e sensibilidade do tema, estamos diante de uma discussão incipiente.
8. CONCLUSÃO
O tema é basilar, pois versa sobre o complexo e árido direito à vida, que é de “sagrada” conotação social, filosófica, política e jurídica.
Há sintonia entre a vida e a personalidade. Nessa interface, encontra-se a complexidade hermenêutica contida no artigo 2º do Código Civil de 2002, que promove o duelo entre a teoria natalista versus a concepcionista.
Este trabalho demonstrou a relevância dos institutos da situação jurídica, centro de imputação, personalidade e capacidade.
Portanto, a vida, exige a promoção de estudos sensíveis, sob pena de conseqüências nefastas serem perpetradas no mundo da vida.
9. REFERÊNCIAS
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AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. 662p.
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CORDEIRO, Antônio Menezes. Tratado de Direito Civil Português. Edições Almedina, SA. Coimbra, 2007.
COSTA, Judith Martins. (org.) A Reconstrução do Direito Privado: Reflexos dos princípios, diretrizes e direitos fundamentais constitucionais no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
FIUZA, Cezar. Direito Civil: curso completo. 12. ed. Belo Horizonte: 2008. 1108p.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. 4.ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2003.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha coord. Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família : família e dignidade humana. São Paulo : IOB Thomson, 2006
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Trad.: Maria Cristina De Cicco. 3. ed., rev.e amp. – Rio de Janeiro: Renovar, 2002..
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS. Pró-Reitoria de Graduação. Sistema de bibliotecas. Padrão PUC Minas de Normatização: normas da ABNT para apresentação de trabalhos científicos, teses, dissertações e monografias. Belo Horizonte, 2004. Disponível em www.pucminas.br. Acesso em 12 de maio de 2010.
RODRIGUES, Silvio, Direito Civil, 33ª edição, São Paulo: Saraiva, 2001, V.1.
SÁ, Maria de Fátima Freire; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (coordenadores). Manual de Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; MACEDO, Maria Goreth. Anencefalia e projeto parental: uma decisão do casa? Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=587. Acesso em: 20.06.10.
[1] Professora de Direito. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós-Graduada em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestranda em Direito Privado pela Puc-Minas. Advogado.
[2] O questionamento incide sobre a lei 11.105 de 2005.
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