Coautora: Priscila L. Silveira[1]
Em 28 de março de 2011, foi promulgada a Lei 12.398, que em alteração ao Novo Código Civil[2] e ao Código de Processo Civil[3], passou a prever a possibilidade de que o juiz regulamente o direito de visita aos avós nos casos de divórcio em que há guarda unilateral (o filho fica com um dos pais e o outro apenas tem direito a visitas).
Apesar de parecer tema pacificado, a questão ora legalizada guarda uma série de questionamentos que dizem respeito ao excesso de positivação de preceitos, aos cuidados especiais que passarão a ser necessários para que a norma comentada não seja fruto de grandes transtornos, e à possibilidade de regulamentação de visitas dos avós através de ação própria.
Sobre o excesso de positivação de preceitos, é salutar considerar que a sociedade brasileira tem passado por processo de contínua legalização de princípios básicos, seja por descrédito à instituições (como a família), ou pela inegável relativização da ética e da moral[4].
Com a desestruturação daquele modelo antigo de família, constituído de pai mãe e filhos, e a possibilidade de dissolução da sociedade conjugal atualmente pelo divórcio, muito passou a ter que ser regulamentado por Leis, diante do gradativo surgimento de novos conflitos e situações. Foi assim com a União Estável, com os alimentos, e com a guarda compartilhada.
Acontece que algumas questões de menor monta, que deveriam ser consideradas implícitas na Lei, acabam por exigir regulamentação específica diante de exacerbado legalismo de alguns juízes, ou da relutância de pais que usam a ausência de Lei, para impedir certas condutas.
Exemplo disso, foi o instituto da guarda compartilhada, que antes mesmo de ser regulamentado pela Lei 11.698/08, já era aplicada por muitos juízes, com base no melhor interesse da criança. Contudo, alguns julgadores não aplicavam o instituto, sob alegação de inexistência de previsão em Lei[5], e muitos pais utilizavam esta lógica, como argumento para impossibilidade do deferimento.
Ocorre que o direito à visitação dos avós é algo já implícito na Lei, pois quando o art. 1583, §3º do Código Civil fala da obrigação de que o pai que não detém a guarda do filho, supervisione seus interesses, fica nítido que deve resguardar a convivência com os avós, dever indispensável, ressalvadas as exceções, para o desenvolvimento da criança.
Junto ao hábito de positivação, há ainda na sociedade brasileira, uma compreensão vulgar de que "os avós estragam os netos", algo que de forma alguma pode ser óbice à visitas, pois conforme lembra o Mestre em Orientação Familiar, André Pessoa, os avós são muito importantes à formação, pois fornecem esporadicamente, alguns mimos indispensáveis:
O papel dos avós junto aos netos é a gratuidade de atenção, carinho e amor. Alguns pais se queixam que os avós estragam os netos com seus mimos. A responsabilidade da educação é dos pais, sendo este um dos motivos que faz com que netos e avós se entendam tão bem. Havendo respeito pelos critérios e hábitos estabelecidos pelos pais, não há prejuízo para a autoridade paterna, nem para o desenvolvimento do caráter dos filhos, se os avós se permitem eventualmente conceder este ou aquele capricho ao neto. De certa forma os avós dão um refresco eventual ao dia a dia imposto pelos pais.[6]
Mudando de foco, a segunda polêmica a abordar, se relaciona a determinados cuidados especiais, que deverão ser observados pelo julgador, antes de estabelecer regras relacionadas ao direito de visitas pelos avós.
Infelizmente, o juiz não tem a convivência necessária com a família, para saber sobre o que resguarda o melhor interesse do menor, de acordo com os preceitos emanados do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8.069/90).
Muitas vezes, há avós que devido à formação mais rígida, antiquada, ou simples, têm dificuldades de lidar com os netos, e lhes causam evidentes prejuízos. Assim, diante de um quadro de desentendimento entre os pais, e/ou reclamação acerca da relação da prole com os avós, para que a nova medida não acarrete em danos, é necessário que seja feito estudo psicossocial no qual também sejam incluídos, para que se saiba sobre a melhor forma de se relacionarem com os netos. Por isso a Lei inseriu no contexto do novo parágrafo único do art. 1589, o termo "a critério do juiz", dando-lhe discricionariedade para que aja da forma mais adequada ao infante.
Os acordos mais recentes que versarem acerca de guarda unilateral, desde que inexistente oposição dos pais, já devem constar, a critério do juiz, além do direito de visitas pelo outro genitor, a possibilidade de que os avós também lhes façam, para que se evitem demandas ou desentendimentos futuros.
O julgador deverá explicar em audiência, a importância da convivência com os avós, e a possibilidade de que as visitas sejam regulamentadas já na ação de guarda entre os pais, desde que não hajam óbices ou prejuízos ao direito preexistente[7].
Em análise a última polêmica relacionada ao direito de ação pelos avós para que possam regulamentar visitas aos netos, há bom tempo doutrina e jurisprudência vem aceitando a possibilidade de tal pleito[8], que tem também se estendido a demais familiares, com base no corolário do melhor interesse do infante.
A Lei, como versado acima, apenas veio positivar de maneira específica a aplicação daquilo já pacificado no dia-dia da atuação forense. Deveria ter ido um pouco mais além, deixando previsão que abarcasse ainda, os demais componentes do núcleo familiar (tios, primos, etc.), mas não o procedeu. De qualquer forma, a intenção do legislador foi das melhores, ainda que se trate de questão bastante pacificada recentemente.
[1] Graduanda do 2º período do curso de Ciências Jurídicas da Universidade Vila Velha (UVV).
[2] O art. 1.589 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:
“Art. 1.589. ........................................................................................................................................
Parágrafo único. O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente.” (NR)
[3] O inciso VII do art. 888 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 888. ..........................................................................................................................................
VII - a guarda e a educação dos filhos, regulado o direito de visita que, no interesse da criança ou do adolescente, pode, a critério do juiz, ser extensivo a cada um dos avós;
.................................................................................................................................................................” (NR)
[4] Sobre o assunto, recomenda-se leitura de artigo de autoria de Alexandre Marques Cabral, em http://www.achegas.net/numero/dezoito/a_cabral_18.htm. No trabalho, intitulado "Sobre a Superação da Crise da Ética Contemporânea", o autor trabalha de forma clara, a questão que permeia a atual crise ética na qual as sociedades estão inseridas: entre o dogmatismo e o niilismo.
[5] Nesse sentido: TJES - Agravo de Instrumento 8079000181 ES 008079000181. Relator Des. Maurílio Almeida de Abreu. 4ª C Cível. Publicação: 09/04/2008.)
[6] PESSOA, André. Os avós. Portal da família. Coluna "em família". Disponível em: http://www.portaldafamilia.org/artigos/artigo403.shtml. Acesso em 02 de abril de 2011.
[7] Uma polêmica, não abordada no trabalho, e que certamente poderá criar certa discussão, diz acerca da violação aos corolários da ampla defesa e do contraditório, na decisão que sem ciência dos avós, lhes estabelece regras de visitação aos netos. Aqui, entendemos pelo direito de posterior regulamentação de visitas, desde que comprovadas melhores condições do que as dispostas no acordo, ou os avós podem simplesmente apelar da decisão alegando serem terceiros prejudicados, nos termos do art. 499 do CPC.
[8] Nesse sentido, expressa Cezar Peluso (coord.) em seu "Código Civil Comentado" que ""O direito de visita poderá ser extensivo aos avós ou outros parentes próximos dos menores, como irmãos. Embora a lei não o preveja expressamente [...], o certo é que o reconhecimento deste direito, já admitido pela doutrina e jurisprudência, é recomendado em razão dos princípios maiores que informam os interesses da criança e do adolescente e para que se preservem sua necessária integração ao núcleo familiar, os laços de afeição que o unem e na própria sociedade." (2007, p. 1536.) Na jurisprudência, são os exemplos oriundos do TJMG: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS - AVÓS EM RELAÇÃO AOS NETOS - INTERESSE DO MENOR - DEFERIMENTO DO PEDIDO. O direito de visita consiste num direito do menor em manter uma convivência sadia com os seus pais e familiares, sendo, portanto, importante assegurar o convívio do menino com a sua avó materna, mormente se não há provas convincentes de que a regulamentação de visitas do neto com pernoite na residência da avó materna seja prejudicial à saúde da criança. (TJMG- Agravo de Instrumento 1.0000.00.321175-2/000(1). Relator Des. Eduardo Andrade. Data da Publicação: 09/05/2003.)"
"FAMÍLIA - PEDIDO DE REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS FORMALIZADO PELA AVÓ - POSSIBILIDADE. - Embora não exista previsão expressa, o direito de visita pode ser estendido aos avós, sempre à luz do melhor interesse da criança e do adolescente. - A partir do momento em que o menor mudou-se da casa da avó para morar com a mãe biológica, deve-se admitir que esta necessita de condições satisfatórias de tempo para restabelecer e tornar mais fortes os vínculos afetivos que os une. - Deve ser reduzido o tempo de visitação quando a sua fixação não observou a disponibilidade da mãe. (TJMG- Agravo de Instrumento 0341895-79.2010.8.13.0000. Relator Des. Alberto Vilas Boas. Data da Publicação: 03/12/2010.)"
Licenciado e bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de São João del-Rei. Professor de Filosofia. Bacharel em Direito Pelo Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves. Pós graduado em Direito Público e Educação Ambiental. Advogado Militante. Membro da Academia Sanjoanense de Letras. Contato: [email protected]
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