Sumário: 1. Introdução; 2. O Federalismo e autonomia dos entes federados; 3. Da autonomia dos Entes Federados; 4. Da participação no resultado da exploração e da compensação financeira pela exploração dos recursos naturais; 5. Lei 9.478/97; 6. Nova redação dada pela Lei 12.351/2010 ao artigo 23 da Lei 9.478/97; 7. Conclusão; Referências; Notas.
1. Introdução
Trata o presente artigo de um breve estudo sobre a relação entre o Federalismo e sua autonomia financeira e a nova redação do artigo 23 da Lei 9.478/97 – Lei do Petróleo, dada pela Lei 12.351/2010. Discorda acerca do modo que fora instituído o regime de partilha de produção (por Lei infraconstitucional) alegando por isso sua inconstitucionalidade, e que conseqüentemente, viola núcleo intangível da Constituição Federal de 1988 reverenciados no artigo 60, também conhecido como Cláusula Pétrea, fere o pacto federativo no que tange o detrimento de Estados Produtores em favor de Estados não Produtores e, conseqüentemente, o princípio basilar da Igualdade.
2. O Federalismo e autonomia dos entes federados
Em 15 de novembro de 1889 ocorreu a Proclamação da República, liderada por um militar, o Marechal Deodoro da Fonseca. Desde então, pelo Decreto 1º de 15/11/1889, o Brasil, tornou-se uma Federação. E assim se manteve, com exceção do período de 1937 a 1945, quando o Dec.-lei 1.202 de 08 de abril de 1939, trouxe em seu artigo 1º, que “Os Estados, até a outorga das respectivas Constituições, serão administrados de acordo com o disposto nesta lei”[i].
A organização e a estrutura do Estado brasileiro constituem-se sobre alguns aspectos: a forma republicana de governo; o sistema presidencialista de governo e a forma federativa de Estado.
Ensina o professor Pedro Lenza, que essa “... forma federativa de estado tem origem nos EUA, e data de 1787.”[ii]. Era, àquele momento, a união dos Estados, através de um contrato de colaboração para se protegerem das ameaças da metrópole inglesa. Devido a constantes ameaças da Inglaterra, reestruturaram o pacto federativo não permitindo o direito de secção, que havia no pacto anterior, cedendo cada Estado, parcela de sua soberania para um órgão central responsável pela unificação, tornando-os autônomos entre si, constituindo os Estados Unidos da América.
Entende ainda que, “no Brasil a formação se deu através de um movimento centrífugo”[iii], ou seja, o Brasil era um Estado unitário e centralizado, e, da descentralização dos estados, surgiu a Federação.
Cada Estado federativo tem sua característica peculiar. Há, no entanto, características que são comuns a toda Federação, menciona o professor Pedro Lenza:
“a) a descentralização política: que concede autonomia para os entes se auto-organizarem;
b) constituição rígida como base jurídica: o que garante a distribuição de competências, promovendo a estabilidade institucional;
c) inexistência do direito de secção: vedada a separação dos entes, sob pena de intervenção federal no Estado;
d) soberania do Estado Federal: no momento em que os Estados ingressam na Federação, perdem a soberania (a soberania é característica do país, da República Federativa do Brasil) e passam a ser autônomos entre si, de acordo com as regras constitucionalmente previstas, nos limites de sua competência;
e) auto-organização dos Estados membros: por suas Constituições Estaduais, artigo 25 CF/88;
f) órgão representativo dos Estados Membros: Senado Federal, artigo 46 CF/88;
g) tem como guardião da Constituição: o STF – Supremo Tribunal Federal;”
A composição e o conceito de Federação encontram-se, fundamentadas na Constituição Federal de 1988, nos artigos 1º e 18:
“Art. 1o A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. [texto original sem grifos]
No artigo 1º, da CF 88, o legislador esclarece a estrutura da forma federativa considerando a “união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal”, além de tratar de seus fundamentos, “I – soberania”, e o artigo 18 complementa, estabelecendo a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil:
“Art. 18. A organização politico-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”. [original sem grifos]
Do texto extrai-se, que o Brasil tem como forma de governo a república, forma de estado a Federação, com o sistema de governo presidencialista, composta pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, todos autônomos, constituindo-se em Estado Democrático de Direito.
3. Da autonomia dos Entes Federados
A autonomia, de acordo com o ilustre doutrinador Michel Temer, é pressuposto de Federação, e confere a possibilidade aos estados e municípios, editarem suas próprias normas, as Constituições Estaduais e Leis Orgânicas, para se auto-organizarem. Tal autonomia não é simplesmente política e administrativa, é também financeira. A independência financeira é fundamental ao desenvolvimento regional como forma de desenvolvimento integral do país.
O Federalismo age de forma a regionalizar o país, identificando e corrigindo os problemas de cada região, proporcionando o desenvolvimento. Há a necessidade de preservar e fortalecer a autonomia, compatibilizando e centralizando a normatividade, para alcance da harmonia entre si, nas palavras de Rogério Leite Lobo:
“Toda Federação pressupõe a necessidade de preservar e fortalecer a autonomia dos entes federados, que deve se compatibilizar com algum grau de centralidade normativa, exigida para assegurar a indispensável harmonia entre eles”[iv].
Para impulsionar esse desenvolvimento, a Constituição concede poderes à União, Estados, Municípios e ao Distrito Federal de instituírem seus próprios impostos e determina a distribuição de parte da arrecadação de alguns estados para outros, haja vista, a necessidade de trazer o desenvolvimento para os entes considerados necessitados. Optou-se assim, pela distribuição de renda horizontal, que é a competência tributária de cada ente, complementada pela distribuição de rendas vertical, que é a redistribuição das rendas arrecadadas de estados mais ricos, para outros estados deficientemente necessitados.
4. Da participação no resultado da exploração e da compensação financeira pela exploração dos recursos naturais
Com o intuito de fortalecer e efetivar o Princípio Federativo, seguindo o entendimento do artigo 20, § 1º da Constituição Federal de 1988:
“§ 1o É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração”. [original sem grifos]
A constituição garante aos Estados, Distrito Federal, Municípios e órgãos da administração direta da União a participação no resultado da exploração do petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou a compensação financeira por essa exploração. Nesse sentido a palavra respectivo refere-se: ao território, a plataforma continental, ao mar territorial ou zona econômica exclusiva.
Explica, Regis Fernando de Oliveira:
“Embora a propriedade seja da União, nos exatos termos do art. 176 da Constituição da República, efetua o texto uma partilha, quando se cuida da exploração mineral ou de energia elétrica. A participação decorre do texto constitucional e a lei deve fixar os percentuais que cabe a cada um dos entes federativos. A propriedade é da União. No entanto, ao lado de se encontrar a jazida no Estado Federal, está em um dos Estados-membros e dentro de determinado Município. Logo os três entes federais repartem o resultado da exploração.”
[...]
“De seu turno, a compensação advém do dano possível ou real que o ente federativo possa sofrer. Como já disse, em virtude das obras para a exploração de energia elétrica ou de qualquer exploração mineral, incluindo petróleo e gás natural, decorrem danos momentâneos ou permanentes para o Município. Num alagamento de área, há óbvio prejuízo ao Município, o mesmo se diga da constante exploração mineral, com destruição ambiental, movimentação de veículos, colocação de postes ou estruturas metálicas de qualquer natureza, movimentação de terras, possível poluição ambiental, enfim, há um prejuízo, que deve ser indenizado.”[v]; [original sem grifos]
Como visto, o doutrinador reitera, que a participação no resultado da exploração advém do texto constitucional, e que esta determina o percentual a ser aplicado, e a compensação financeira por essa exploração, surge do dano possível ou real que o ente federativo venha a sofrer, ou que possa estar ocorrendo, ou seja, é imensurável o poder de destruição ambiental que pode ser provocado pela extração do petróleo e seus derivados.
5. Lei 9.478/97
A Constituição Federal de 1988 ditou as regras e nelas expôs as modalidades de autorização ou concessão para pesquisa, lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais referidos no caput do artigo 176, como vemos a seguir:
“Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.
§ 1o A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas”.[original sem grifos]
E de acordo, surgiu a Lei 9.478/1997, quando trouxe em seu artigo 23 a modalidade de concessão, confirmando ainda, o previsto na Lei 8.666/93[vi] (Lei de Licitações) da obrigatoriedade de licitação:
“Art. 23. As atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e de gás natural serão exercidas mediante contratos de concessão, precedidos de licitação, na forma estabelecida nesta Lei.”
6. Nova redação dada pela Lei 12.351/2010 ao artigo 23 da Lei 9.478/97
A Lei 12.351/2010, por sua vez, trouxe nova redação ao artigo 23 da Lei 9.478/1997, inserindo ao texto: “... ou sob o regime de partilha de produção nas áreas do pré-sal e nas áreas estratégicas, conforme legislação específica”, ficando assim o novo texto da Lei:
“Art. 23. As atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e de gás natural serão exercidas mediante contratos de concessão, precedidos de licitação, na forma estabelecida nesta Lei, ou sob o regime de partilha de produção nas áreas do pré-sal e nas áreas estratégicas, conforme legislação específica. (Redação dada pela Lei nº 12.351, de 2010)” [original sem grifos]
Com essa nova redação, passa a existir as modalidades de autorização, concessão e partilha de produção, para a exploração dos recursos naturais identificados na Constituição Federal de 1988.
7. Conclusão
A Federação é constituída pela União, Estados, Municípios e Distrito Federal, todos autônomos, nos termos do artigo 18 da CF 88, constituída sobre a forma republicana de governo, o sistema presidencialista de governo e a forma federativa de Estado.
A CRFB de 1988, em seu artigo 20, § 1º, assegura aos entes federados participação governamental no resultado da exploração de petróleo, no respectivo território, plataforma, mar continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, bem como a compensação financeira por essa exploração.
O parágrafo 1º do artigo 176 da CF 88 trouxe as modalidades de autorização e concessão, para a pesquisa e a lavra de recursos naturais e o aproveitamento dos potenciais a que se referem o caput do art 176 da CF.
A Lei 12.351/2010, imputa o regime de “partilha de produção”, passando a existir três regimes: a autorização, a concessão e a partilha de produção.
Tal redação movimentou a produção de leis, re-configurando os valores de distribuição da participação pela exploração aos Estados e Municípios produtores, bem como os valores referentes a compensação financeira pela exploração.
Os novos percentuais, acarretam em drástica redução de receitas provenientes do petróleo aos Estados e Municípios Produtores, aumentando o valor a ser distribuído aos Estados não produtores, o que é incompatível com o conceito de Federação, haja vista o desenvolvimento de um ente federado em detrimento de outro, quando o que preza o sentido de federação é o desenvolvimento em conjunto, mútuo e harmonioso dos entes federados.
Nesse sentido, torna-se inconstitucional tal alteração promovida pela Lei 12.351/2010, pois uma simples alteração legislativa, não é meio adequado à inserção de novo regime no texto constitucional. Além do que, a lei citada, desconsiderou ainda, a rigidez da Carta Magna de 1988, violando núcleo intangível, também conhecido de Cláusula Pétrea.
Certo, é a proposição de Emenda Constitucional, obedecendo o trâmite nos termos do artigo 60 da CF 88[vii], para inserir o regime de partilha de produção na Carta Maior e, posteriormente por lei infra-constitucional, vir a regulamentar tal regime.
Referências:
Brazil, Constituição da República Federativa
Lei 9.478/1997
Lei 12.351/2010
Lei 8.666/1993
Michel Temer – Elementos de Direito Constitucional, 15º edição, 1999, ed. Malheiros Editores Ltda;
Pedro Lenza – Direito Constitucional Esquematizado, 13º edição, 2009, ed. Saraiva;
Rogério Leite Lobo – Federalismo Fiscal Brasileiro: Discriminação das Rendas Tributárias e Centralidade Normativa;
Revista Âmbito Jurídico - Federalismo e a autonomia financeira dos Estados e Municípios, disponível em: http://www.ambito juridico.com.br/pdfsGerados/ artigos/ 1265.pdf, acesso em: 01.04.2012;
Fernando de Holanda Barbosa e outros, Federalismo Fiscal, Eficiência e Equidade: uma proposta de reforma tributária, disponível em http://www.fgv.br/professor/fholanda/ Arquivo /FederalismoFiscal.pdf; acesso em: 06.04.2012;
OLIVEIRA, Regis Fernando de. Curso de direito financeiro. 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 219.
[i] TEMER, Michel, Elementos de direito constitucional, 15ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 1999, pag. 84;
[ii] LENZA, Pedro, Direito constitucional esquematizado, 13ª ed. rev. atual. e amp., São Paulo, Saraiva, 2009, pag. 290, 291;
[iii] Interpretação decorrente de Leitura - LENZA, Pedro, Direito constitucional esquematizado, 13ª ed. rev. atual. e amp., São Paulo, Saraiva, 2009, pag. 290, 291;
[iv] LOBO, Rogério Leite, “Federalismo Fiscal Brasileiro: Discriminação de Rendas Tributárias e Centralidade Normativa”, Introdução de José Maurício Conti, p. viii, Ed. Lúmen Júris, 2006, citado por Revista Âmbito Jurídico, Artigo, Federalismo e autonomia fianceira dos Estados e Municípios.
[v] Interpretação decorrente de leitura: OLIVEIRA, Regis Fernando de. Curso de direito financeiro. 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 219.
[vi] Lei 8666/92, Art. 2o As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras,alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.
[vii] Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II – do Presidente da República;
III – de mais da metade das Assembleias Legislativas das Unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
§ 1o A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
§ 2o A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se
aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
§ 3o A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.
§ 4o Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.
§ 5o A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova
proposta na mesma sessão legislativa.
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